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Apenas 11 estados melhoraram desempenho de negros e pobres no ensino básico pós-pandemia

Bruno Lucca / FOLHA DE SP

 

De 2019 para 2023, antes e depois da pandemia, somente 11 estados brasileiros conseguiram melhorar o desempenho de estudantes negros e pobres no ensino básico. O levantamento, feito pelo instituto Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional), analisou os resultados do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) por raça e grupo socioeconômico.

Por outro lado, São Paulo, a maior rede de educação do país, registrou piora no aprendizado de alunos considerados vulneráveis. No período observado, o percentual de estudantes de baixo nível socioeconômico com conhecimento satisfatório em matemática diminuiu quase três pontos, passando de 15,7% para 13,3%.

Dentre os alunos de alto nível socioeconômico, o percentual também caiu: de 29,2% para 26,3%.

Já em língua portuguesa, a aprendizagem dos mais ricos, brancos e amarelos ficou estável no estado. Dentre os mais pobres, houve queda de um ponto. Entre pretos, pardos e indígenas (PPI), menos dois pontos.

Sobre os resultados ruins, o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) diz reconhecer os desafios na redução das desigualdades educacionais e atuar para enfrentá-los com ações estruturantes. Entre as iniciativas adotadas estão a priorização curricular em matemática, com aumento da carga horária da disciplina.

Tarcísio assumiu o governo em 2023; no período analisado pela pesquisa, o estado também foi comandado por João Doria e Rodrigo Garcia (PSDB).

"Esse levantamento evidencia o desafio da equidade, mostrando que muitas redes de ensino têm dificuldade em garantir o avanço da aprendizagem entre os estudantes mais vulneráveis", diz Ernesto Martins Faria, diretor-fundador do Iede.

"Ao passo que é verdade que a pandemia trouxe desafios para o período 2019 a 2023, não podemos nos esquecer que a educação tem um papel fundamental na redução das desigualdades."

Dos estados que registraram melhora no período, seis deles estão no Nordeste (Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas e Sergipe), três no Norte (Amazonas, Pará e Amapá), um no Sul (Paraná) e outro no Centro-Oeste (Goiás).

Piauí foi o destaque desse grupo, conseguindo aumentar em nove pontos o percentual de estudantes pretos, pardos e com desempenho adequado em língua portuguesa nos anos finais do ensino fundamental, 5º ao 9º. Eram 30,3% em 2019. Em 2023, eram 39,8%.

A taxa de brancos e amarelos com boa aprendizagem também cresceu. Foi de 35,4% para 49%, um incremento de 14 pontos.

O estado governado por Rafael Fonteles (PT) desde 2023 —antecedido pelos também petistas por Wellington Dias e Regina Sousa— também melhorou os indicadores em matemática, ainda que mais timidamente. Nos anos finais do fundamental, a rede conseguiu crescer quase cinco pontos o percentual de alunos pretos, pardos e indígenas com desempenho adequado na disciplina, indo de 13,8% para 18,7%.

No mesmo recorte, brancos e amarelos foram de 16% para 21,8%.

Mesmo positivos, os resultados do estado nordestino continuam longe do considerado ideal, conforme meta do movimento Todos Pela Educação, de 70% de alunos com aprendizado adequado.

O Iede mapeou os estados contemplados com um dispositivo do Fundeb (Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação Básica) que aumenta os repasses a redes com melhora no aprendizado de estudantes mais vulneráveis.

Esse mecanismo é chamado de VAAR (Valor Aluno/Ano Resultado). Para liberação do benefício, são analisados os resultados do Saeb, avaliação federal que compõe o principal indicador da educação básica brasileira. No caso das redes estaduais, consideram-se os desempenhos dos alunos matriculados nos anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano) e dos concluintes do ensino médio.

Quando há evolução nos indicadores observados, o governo federal entende que as desigualdades estão sendo mitigadas, mesmo se também há melhora no rendimento de ricos, brancos e amarelos.

Apesar de 11 estados terem sido habilitados no VAAR, 6 deles tiveram problemas nos dados.

Maranhão, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Sergipe, Paraná e Goiás, que assim como os demais melhoraram o desempenho de estudantes mais pobres, registraram queda no desempenho do grupo PPI, mas na margem de erro, ou nem apresentarem números sobre a parcela. Apesar disso, foram beneficiados.

Inep, instituto responsável pelos indicadores do MEC (Ministério da Educação), explica que a evolução da taxa de aprendizagem adequada é considerada dentro de uma margem de erro, visando avaliação mais adequada de diferentes realidades.

"Em cenários onde a população é muito pequena, variações estatísticas podem ser amplificadas, dificultando a distinção entre flutuações aleatórias e tendências reais. Isso pode levar a conclusões equivocadas ou a uma interpretação inadequada dos resultados", explica o órgão.

Só 4 capitais reduziram desigualdade no ensino

Dos 5.570 municípios brasileiros, 3.654 (66%) foram habilitados para receber a complementação VAAR em 2023, entre eles quatro capitais: Macapá, Aracaju, Vitória e Goiânia. Elas conseguiram diminuir tanto a desigualdade racial quanto a socioeconômica.

Desta vez, o destaque foi a capital de Goiás. Nos anos iniciais do ensino fundamental, ela conseguiu aumento de aproximadamente 14 pontos percentuais no aprendizado adequado em matemática entre estudantes pretos, pardos e indígenas (alcançando 56,5%) e de 13 pontos entre estudantes de baixo nível socioeconômico (49%).

Para o grupo de brancos e amarelos, 60,2% dos estudantes têm aprendizado adequado, e, olhando o grupo de alto nível socioeconômico, o índice chega a 66,1%.

MEC diz apoiar estados e municípios

Os dados apresentados refletem o cenário de efeitos negativos da pandemia de Covid-19 na educação, analisa a pasta de Camilo Santana.

Mesmo assim, "o baixo número de redes estaduais e de redes municipais habilitados na complementação VAAR demonstra que a formulação e implementação de políticas de enfrentamento às desigualdades raciais e socioeconômicas na educação básica deve ser uma prioridade das redes de ensino", diz o ministério.

OMEC diz que tem implementado diversas para apoiar redes estaduais e municipais no enfrentamento às desigualdades, particularmente, de aprendizagem. As ações vão desde formação de professores, enfatizando viés inconsciente, expectativa docente sobre estudantes e, principalmente, os negros.

SALA DE AULA NO GINASIO EXPERIMENTAL RJ

Contratos irregulares de água e esgoto violam Marco Legal do Saneamento

Por  Editorial / O GLOBO

 

É frustrante que, cinco anos depois da entrada em vigor do Marco Legal do Saneamento, 6,5% dos municípios brasileiros, ou 363, ainda mantenham contratos irregulares para prestação de serviços de abastecimento de água e coleta de esgoto, desrespeitando a legislação. A constatação do Instituto Trata Brasil se baseia em dados do Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico.

 

Segundo o Trata Brasil, 6,7 milhões vivem nesses municípios. Os contratos são considerados irregulares quando as companhias estaduais não conseguem comprovar capacidade econômico-financeira ou não buscam formas de investir para universalizar os serviços — um dos problemas que levaram à mudança na legislação. Estatais ineficientes sem capacidade de investir, movidas mais por critérios políticos que técnicos, contribuíam para os péssimos indicadores de saneamento.

 

A maior parte desses municípios fica nas regiões Norte e Nordeste, as mais carentes. Os estados com mais contratos irregulares são Paraíba (152), Tocantins (45) e Bahia (23). Chega a ser perverso que os mais necessitados sejam privados de serviços básicos comuns noutras regiões. O abismo é evidente nos números. Nas cidades com contratos irregulares, apenas 64% têm acesso a água encanada (ante 83% nos demais), e meros 27,3% são servidos por coleta de esgoto (ante 58% onde há contratos regulares).

 

Pode-se argumentar que os municípios menores têm dificuldades intrínsecas para ampliar a cobertura de água e esgoto. Mas o próprio Marco do Saneamento prevê a formação de blocos de cidades para que o serviço seja prestado de forma regional. A criação de consórcios pode atrair investimentos por meio de parcerias público-privadas. Mais que problema de gestão, parece haver entrave político. “São diferentes prefeitos, diferentes governadores. É difícil chegar a um consenso”, disse ao GLOBO Luana Pretto, presidente executiva do Trata Brasil. “Quem mais sofre é a população.”

 

O Marco do Saneamento, que ampliou a participação da iniciativa privada no setor, foi um alento. Mas ainda há muito a avançar. Da população brasileira, 17% ainda não tem acesso a água potável. Quase 45% não é servida por coleta de esgoto. A nova legislação prevê que, até 2033, 99% tenham água e 90% esgotamento sanitário. O último objetivo está muito distante e, pelo ritmo dos investimentos, fica a cada dia mais difícil que seja cumprido. Mas isso não é desculpa para que governos federal, estaduais e municipais deixem de se esforçar. Pelo contrário.

 

Existe uma ideia perniciosa, infelizmente ainda bastante disseminada, segundo a qual obras de saneamento não interessam a políticos, porque não aparecem e não dão votos. Mas não é questão de visibilidade. Levar água potável aos brasileiros e implantar sistemas de coleta e tratamento de esgoto reduz o risco de doenças — em especial em crianças —, acaba com o cenário repugnante dos valões a céu aberto e melhora a qualidade de vida. Políticos deveriam saber que tratar o cidadão com dignidade também dá voto.

 

O município de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, sofre com falta de saneamentoO município de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, sofre com falta de saneamento — Foto: Guito Moreto / Agência O Globo

Exigir qualidade nos cursos de medicina

Não é de hoje que meios acadêmicos e órgãos de classe discutem estabelecer parâmetros ante a propagação indiscriminada de faculdades de medicina pelo país, sob o risco de formação inadequada desses novos profissionais. É alvissareiro, portanto, o anúncio do Ministério da Educação de que irá suspender o vestibular e vetar a ampliação de cursos mal avaliados.

Por meio do Exame Nacional de Avaliação da Formação Médica (Enamed), que será aplicado no dia 19 de outubro aos estudantes do último ano, as universidades que registrarem conceito 1 ou 2 na prova, em uma escala até 5, passarão por uma "supervisão estratégica" em 2026, relatou o ministro Camilo Santana.

Ainda segundo o MEC, cursos com conceito 2 terão redução de vagas para o ingresso; já a instituição com nota 1 não poderá receber novos alunos. Estão previstas, ainda, suspensão de contratos de financiamento estudantil, como o Fies, e participação no Prouni, que concede bolsas integrais e parciais na graduação.

Caso mantenha nota baixa em testes posteriores, o curso poderá até mesmo ser extinto. O plano do ministério inclui visitas técnicas para vistoriar as faculdades —que poderão apresentar defesa, mas sem prazo determinado para afastar as punições.

A multiplicação vertiginosa foi aferida pelo Censo da Educação Superior. Dados relativos a 2023 apontam que havia 46.152 vagas de medicina em cursos privados, além de 14.403 em escolas públicas. Já em 2012, eram somente 10.217 disponíveis no primeiro modelo e 7.424 no segundo.

À primeira vista, pode ser questionável criar mecanismos para conter a formação de profissionais num país que tem grave déficit de acesso à assistência médica, sobretudo em áreas remotas.

Ocorre que essa leva de novos médicos tem se mostrado ineficaz para equilibrar a distribuição regional. O Brasil tem 2,6 profissionais por mil habitantes, índice semelhante ao dos EUA, mas a cobertura no Distrito Federal, por exemplo, é cinco vezes a do Pará.

Ou seja: o país ampliou a formação de médicos, mas boa parte tem se estabelecido em serviços privados em capitais e grandes centros, com nível de proficiência no mínimo questionável.

Muitas dessas instituições mais recentes não dispõem de professores qualificados e enfrentam limitação de ambulatórios e hospitais para treinamento —e não cabe ao SUS exercer esse papel.

A batalha pela universalização da saúde é contínua, mas a medicina, diante da missão de zelar pela vida, não é atividade para ser regulada apenas pelo mercado.

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Governismo de oposição

Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP

 

 

O PP e o União Brasil oficializaram ontem a federação que os transforma num gigante eleitoral e financeiro para as duas próximas eleições. Os números são eloquentes: quase R$ 200 milhões da soma dos dois fundos partidários, se considerado o patamar que ambos receberam nas eleições passadas; 109 deputados, 15 senadores e 7 governadores, constituindo assim a maior bancada da Câmara dos Deputados, cerrando fileiras com o PL e o PSD entre as maiores bancadas no Senado e abrigando ainda o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP); além de 1,3 mil prefeitos eleitos em 2024, um presidenciável, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), e quatro ministros.

 

Mais do que a robustez da federação, que lhe garante poder de fogo e negociação na montagem de alianças, chama a atenção outro feito: PP e União Brasil instituíram a singular condição de serem, simultaneamente, governo e oposição. Quem acompanha a história errática do nosso sistema partidário sabe que a fluidez ideológica, vamos chamar assim, costuma adornar a vida das legendas. É comum ainda que os partidos abriguem forças distintas, que convivem internamente e disputam espaços e decisões. Também não chega a ser novidade agremiações centristas trafegarem entre a adesão ao governo de ocasião, invariavelmente retribuída com cargos e verbas, e, conforme as circunstâncias, a migração para a oposição. Seria ingenuidade não enxergar a federação recém-nascida com tais lentes, mas os caciques dos dois partidos conseguiram uma proeza maior.

 

Eles conjugam a permanência na base de apoio ao governo – onde ocupam os Ministérios do Turismo (Celso Sabino), Comunicações (Frederico de Siqueira Filho), Integração e Desenvolvimento Regional (Waldez Góes) e Esporte (André Fufuca), além do comando da Caixa e da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) – com a ferocidade oposicionista a Lula da Silva e ao PT, exibida especialmente pelos presidentes das duas legendas, Ciro Nogueira (PP) e Antonio Rueda (União Brasil). Há meses, ambos não só fazem críticas duras ao governo como estão alinhados à candidatura presidencial da direita. Por outro lado, nomes dos dois partidos abrigados no governo têm resistido a um eventual desembarque, mesmo ante as frequentes ameaças de rompimento que Nogueira e Rueda têm feito.

 

É uma espécie única, que só mesmo o Brasil é capaz de produzir: o governismo de oposição, um paradoxo que resulta em algo impensável até mesmo para os padrões elásticos de coerência ideológica e partidária do País. E assim, enquanto ocupam oficialmente a base de apoio ao governo e usufruem dos cargos e verbas de ministérios e estatais, difundem críticas públicas ferozes ao governo que supostamente representam e trabalham por candidaturas oposicionistas. Pode-se argumentar que o PT costuma relegar a segundo plano parceiros fora da patota. Mas basta acompanhar o ideário de ambos para constatar que nada têm a ver com o lulopetismo: a agenda que pregam, como a defesa de ajuste fiscal, menos impostos e redução do Estado, significa tudo menos o que Lula e seus sabujos defendem.

 

Donde se conclui que é hora de os dois partidos decidirem, de uma vez por todas, se são governo ou oposição.

É vergonhosa a persistência de policiais trabalhando para bandidos

Por  Editorial / O GLOBO

 

Os papéis de bandido e policial infelizmente têm se confundido com frequência maior no dia a dia. No Rio, pelo menos 72 policiais militares da ativa, pagos pelo Estado para proteger os cidadãos, fazem segurança particular para contraventores, como mostrou levantamento do GLOBO nos processos criminais envolvendo três bicheiros. O número não leva em conta bombeiros, policiais civis, penais e agentes da reserva, que também costumam ser arregimentados pelo jogo do bicho.

 

No mês passado, a promiscuidade dos agentes da lei foi exposta pelo atentado ao contraventor Vinicius Pereira Drumond no Rio. Alvejado com mais de 30 tiros, ele escapou ileso, graças à blindagem do Porsche que dirigia e à pronta ação da escolta. Ela reunia dois PMs do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), tropa de elite da corporação. Os guarda-costas improváveis foram identificados pela Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) e pelo Ministério Público durante investigações de assassinatos e outros crimes da contravenção.

 

A promiscuidade não é fato novo. Surpreende é persistir por décadas. Em 1994, o estouro da fortaleza do bicheiro Castor de Andrade só deu certo porque contou com um pequeno grupo de promotores e PMs do serviço reservado de absoluta confiança, impedindo que ele fosse avisado, como costumava acontecer. Os agentes selecionados para a ação não estavam na folha de pagamento de Castor. Daí a frase que ficou famosa: “Que polícia é esta?”. Não era a que ele tinha no bolso. A operação expôs uma longa lista de propinas pagas a autoridades para fazer vista grossa ao jogo do bicho.

 

Não é só no Rio que a linha entre policiais e bandidos tem sido ultrapassada. Em São Paulo, as investigações sobre a execução do empresário Vinícius Gritzbach, delator do Primeiro Comando da Capital (PCC), no aeroporto de Guarulhos, também expuseram ligações entre agentes e o crime. Em junho, a Justiça Militar de São Paulo aceitou denúncia contra 18 PMs acusados de envolvimento no caso. Gritzbach delatou relações espúrias entre policiais e o PCC. Sua escolta também era formada por PMs.

 

Não se pode generalizar. A vasta maioria das dezenas de milhares de policiais respeita as fronteiras da lei. Mas preocupa que haja desvios apesar das medidas de controle. A questão central não é se policiais deveriam fazer bicos — essa é outra discussão. O que não faz sentido é trabalharem como seguranças para cidadãos com extensas folhas corridas, beneficiados com frequência por informações privilegiadas sobre investigações e operações. Não há dúvida de que casos assim costumam ser punidos, por vezes com expulsão. É preciso, contudo, evitar que aconteçam, aperfeiçoando os critérios de recrutamento e permanência nas tropas.

A conta da prestidigitação fiscal

Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP

 

O mais recente artifício a que o governo recorreu para preservar a meta fiscal foi a exclusão dos gastos relacionados ao plano de socorro para exportadores afetados pelo tarifaço imposto pelos Estados Unidos, estimado em R$ 9,5 bilhões. Há que reconhecer que o estrago ficou até relativamente contido, tendo em vista o histórico desse tipo de pacote e as relações de proximidade que os setores atingidos mantêm com o Executivo federal, mas a manobra é apenas mais uma a engrossar uma longa lista de despesas contabilizadas fora da meta fiscal ao longo do governo Lula da Silva.

 

Reportagem publicada pelo Estadão mostra que essa conta está cada vez mais próxima dos R$ 400 bilhões. Cálculos da XP Investimentos apontam que as despesas fora da meta devem alcançar ao menos R$ 387,8 bilhões até o fim de 2026, enquanto o BTG Pactual estima que elas chegarão a R$ 389,7 bilhões. São números impressionantes, sobretudo quando se considera que a meta para este ano é de déficit zero e que a margem de tolerância é de 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB), o que equivaleria a R$ 31 bilhões.

 

A equipe econômica tem resposta pronta para o rombo – e a culpa, como sempre, é de Jair Bolsonaro. Para o Ministério da Fazenda, políticas adotadas pelo ex-presidente seriam responsáveis por 87% desse número. De fato, não se deve esquecer que o calote nos precatórios institucionalizado pelo governo anterior contribui com boa parte dessa cifra – R$ 92,38 bilhões em 2023, R$ 45,30 bilhões neste ano e R$ 55,10 bilhões no próximo. Mas os valores não chegam ao porcentual supracitado, tampouco são a única razão a explicar a conta.

 

Parte relevante desse rombo se deve aos gastos relacionados à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, aprovada e promulgada pelo Congresso no fim de 2022 com o apoio explícito de Lula da Silva. Bem se sabe que era preciso recompor o Orçamento e retomar políticas públicas destruídas pelos anos de bolsonarismo, mas parlamentares e integrantes do governo recém-eleito aproveitaram o ensejo para se refestelar, o que fez com que os gastos fora da meta atingissem R$ 145 bilhões.

 

A derrubada do antigo teto de gastos e sua substituição pelo arcabouço ressuscitaram os pisos constitucionais de saúde e educação e sua vinculação à arrecadação. Ademais, o governo, com o aval do Congresso, ainda estabeleceu uma nova política que garantiu aumento real para o salário mínimo, piso que é referência para aposentadorias, pensões e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), entre outros benefícios pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

 

A dificuldade do governo Lula em colocar as contas em ordem é consequência dessa decisão. Ao aumentar as despesas obrigatórias já de saída em um nível muito acima da inflação e garantir reajustes próprios para boa parte delas, o governo tornou impossível a tarefa de limitá-las a um porcentual das receitas, como determina o arcabouço fiscal.

 

O resultado era previsível. Assim como o teto, o arcabouço passou a comprimir cada vez mais o já reduzido espaço das despesas discricionárias, entre elas investimentos e emendas parlamentares. Assim, em vez de mirar o centro da meta, o governo passou a buscar seu limite inferior, não deixando gordura alguma para lidar com acontecimentos imprevisíveis.

 

E eles foram muitos: as calamidades causadas pelas enchentes no Rio Grande do Sul e pelas queimadas no Norte e Centro-Oeste, a fraude dos descontos indevidos nos benefícios do INSS e as sequelas da agressiva política comercial conduzida por Donald Trump, entre outros. Com a proximidade das eleições presidenciais, não é preciso ser um profeta para prever que a conta das despesas fora da meta fiscal aumentará até o fim de 2026.

 

A recorrência com que o Executivo apela a artimanhas para não ter de admitir a necessidade de mudar a meta só desmoraliza a âncora fiscal. Enquanto o governo apregoa que alcançará o déficit zero como se esse objetivo fosse um fim em si mesmo, a dívida pública avança na proporção do PIB, exige juros cada vez maiores para ser financiada e escancara a incapacidade do arcabouço de reequilibrar as contas públicas.

Ensino em tempo integral avança, mas ainda em ritmo insuficiente

Por  Editorial / O GLOBO

 

 

 

Tem deixado a desejar a implantação do ensino em tempo integral nas escolas brasileiras. Desde a sanção da lei do Programa Escola em Tempo Integral pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2023, houve avanço, mas ainda em ritmo insuficiente para suprir a necessidade. As matrículas nessa modalidade de ensino na rede pública saltaram de 18% para 23%, ante meta de 25%, segundo dados do último Censo escolar. Na rede privada, ela é ainda mais incipiente: apenas 12% dos matriculados estudam em período integral, com carga superior a 35 horas semanais (ou 7 horas diárias). Das quase 135 mil escolas brasileiras, cerca de 40% ainda funcionam sem nenhuma matrícula em tempo integral, e só 15% estenderam essa modalidade a todos os alunos.

 

São comprovados os benefícios do ensino em período integral. Um estudo recente dos institutos Natura e Sonho Grande, com base nos resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), constatou que alunos em período integral obtiveram na prova 6 pontos a mais em matemática (o equivalente a um ano a mais de aprendizado) e 4 pontos a mais em língua portuguesa (ou meio ano de aprendizado). É citado com frequência o sucesso do modelo em Pernambuco, que saltou da 21ª para as primeiras posições no Ideb depois de implantá-lo. A experiência pernambucana mostra que não é preciso construir novas escolas, mas sim reorganizar as turmas. Dá para estender salas de aula sem grandes investimentos. O custo aumenta ao redor de 30% para o aluno ter o dobro de aulas, e a evasão desaba (cai a 1%).

 

A primeira referência ao ensino integral no Brasil foi feita no Programa Mais Educação, de 2007, no início do segundo mandato de Lula. De lá para cá, o progresso tem ficado muito aquém do desejável. É certo que, num país com grandes desníveis de renda e disparidades regionais, a ampliação do modelo não é tarefa fácil. Mas isso não serve de justificativa para atrasos na implantação da política. As matrículas têm se expandido sobretudo nos grandes centros urbanos, onde a rede pública é mais ampla. Tal tendência pode acentuar os desníveis de aprendizado entre essas cidades e as regiões interioranas.

 

O ensino integral não se resume a manter os estudantes mais tempo na escola. Além de fornecer alimentação saudável, a escola precisa de acompanhamento pedagógico mais próximo e deve oferecer atividades complementares no campo dos esportes e das artes. A maior permanência na escola é crítica para o sucesso do Novo Ensino Médio. O governo não tem medido esforços para financiar o programa Pé-de-Meia, que oferece dinheiro para manter os alunos na escola até o final do ensino médio. Mas isso não pode ocorrer em detrimento da expansão do ensino básico em tempo integral, projeto fundamental para a educação da população e o desenvolvimento do país.

130 municípios do CE são contemplados para terem unidades do Minha Casa, Minha Vida; veja locais

DIARIONORDESTE

 

O Ceará deve receber mais 5,15 mil unidades habitacionais do Minha Casa, Minha Vida (MCMV), conforme lista divulgada pelo Ministério das Cidades na última sexta-feira (15). Ao todo, 130 municípios do estado devem ser contemplados após a entrega da documentação à Caixa Econômica Federal.  

A nova rodada do programa abrange cidades dentro do parâmetro estabelecido pelo Governo Federal: até 50 mil habitantes. Em todo o país, 2,7 mil municípios foram selecionados.

R$ 140 milinvestimento da União por residência, conforme o Diário Oficial

Confira a lista completa de municípios contemplados:

A Flourish table

 “Essa seleção vai atender municípios com população abaixo de 50 mil pessoas em todas as partes do Brasil. Em todo esse processo foram observados os requisitos técnicos de desenvolvimento urbano, econômico, social, entre outros itens, sempre com foco na qualidade de vida da população que vai ser beneficiada pelas novas moradias”
Augusto RabeloSecretário Nacional de Habitação do Ministério das Cidades

Para a concretização do negócio, as gestões municipais devem entregar documentação à Caixa. O prazo é até março de 2026.

Como funciona o MCMV

O programa que busca facilitar o acesso à moradia própria atende famílias com renda de até R$ 12 mil, dividido em quatro faixas.

  • Faixa 1: renda familiar de até R$ 2.850,00, com subsídio de até 95% do valor do imóvel;
  • Faixa 2: renda familiar de R$ 2.850,01 a R$ 4,7 mil, com subsídio de até R$ 55 mil e juros reduzidos
  • Faixa 3: renda familiar de R$ 4.700,01 a R$ 8,6 mil, sem subsídios, mas com condições de financiamento facilitadas
  • Faixa 4: renda familiar de R$ 8 mil a R$ 12 mil, com juros de 10,5% ao ano, 420 parcelas e limite de financiamento de até R$ 500 mil, de imóveis novos e usados.

Como participar do Minha Casa, Minha Vida

As famílias com renda mensal de até R$ 12.000,00 podem contratar de forma individual ou por meio de construtora, ou ainda por uma entidade organizadora se unidade vinculada a um empreendimento financiado pela Caixa Econômica Federal.

Segundo a instituição, é só fazer a simulação para saber quanto o participante poderá investir e entregar a documentação em um Correspondente Caixa Aqui ou na agência Caixa.

​No atendimento, a Caixa recebe e analisa a documentação e a documentação do imóvel e mostra para o cliente as melhores condições para o financiamento.

​Após a validação e aprovação do cadastro e documentação, o beneficiário assina o contrato de financiamento.

Segundo a Caixa, os juros são pagos mensalmente, na data estabelecida contratualmente, nas fases de carência e de amortização, com a aplicação de taxa nominal entre 4,50% a.a e 10% a.a, que varia conforme a renda familiar mensal bruta e o ano orçamentário da contratação.

casas do minha casa minha vida CE

 

Governo Lula 3 somará ao menos R$ 387 bi em gastos fora da meta fiscal com pacote antitarifaço

Por Daniel Weterman e Alvaro Gribel / O ESTADÃO DE SP

 

 

BRASÍLIA - O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai totalizar em seu terceiro mandato pelo menos R$ 387,8 bilhões em gastos não contabilizados na meta fiscal, uma das principais regras das contas públicas no País. O número foi atingido com o pacote de socorro às empresas afetadas pelo tarifaço do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciado na quinta-feira, 13, que vai retirar R$ 9,5 bilhões da meta até 2026.

 

O plano de socorro, batizado de Brasil Soberano, terá R$ 4,5 bilhões em gastos com aportes em fundos garantidores e R$ 5 bilhões em renúncias de receitas do Reintegra, programa que beneficia exportadores, ambos fora da meta. O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), apresentou um projeto de lei complementar para autorizar o governo a fazer essa manobra, que precisa passar pelo crivo do Congresso Nacional.

 

A medida foi criticada por especialistas, que apontam uma prática recorrente da equipe econômica de burlar a regra em momentos de emergência e diminuir a credibilidade da âncora fiscal. De 2023 a 2026, os gastos fora da meta de resultado primário somarão ao menos R$ 387,8 bilhões, segundo números do Tesouro Nacional analisados por especialistas consultados pelo Estadão.

 

Procurado, o Ministério da Fazenda afirmou que 87% do montante “decorre da necessidade de reverter o calote em credores de precatórios aplicado pelo governo Bolsonaro e de aprovar uma PEC de Transição para recompor o represamento artificial de despesas essenciais e cobrir buracos no Orçamento deixado pelo governo anterior” (leia mais abaixo).

 

Fábio Serrano, diretor executivo de Pesquisa Macroeconômica do BTG Pactual, calcula que R$ 334 bilhões estão fora da meta nos três primeiros anos de governo, e estima que pelo menos R$ 55 bilhões em precatórios (dívidas judiciais da União) serão excluídos no ano que vem. Com isso, serão R$ 389,7 bilhões em quatro anos, no total.

 

O cálculo é similar ao de Tiago Sbardelotto, auditor licenciado do Tesouro e economista da XP Investimentos, que chegou a R$ 387,76 bilhões. Em ambos os casos, o risco é que a conta fique maior, com novas concessões feitas pelo Congresso durante a tramitação da proposta de socorro, e com a proximidade das eleições presidenciais de 2026.

 

Os valores incluem o reajuste do Bolsa Família feito em 2023 pela PEC da Transição, o pagamento do calote dos precatórios dado no governo Jair Bolsonaro (PL), as medidas de socorro à calamidade climática no Rio Grande do Sul e o ressarcimento de aposentados e pensionistas vítimas da fraude no INSS, entre outras despesas.

 

“O programa Brasil Soberano nos pareceu bem calibrado para lidar com os impactos das tarifas, apesar de o número ter ficado um pouco acima do esperado. No entanto, a exclusão da meta aumenta o risco de que seja ampliado no Congresso, já que a operação contábil remove uma restrição orçamentária que limitava a medida”, diz Serrano.

 

“Essa iniciativa se soma a diversas outras retiradas da meta ao longo dos últimos anos. O arcabouço funciona num sistema de banda (intervalo de tolerância) justamente para acomodar choques; mas, como o governo federal tem consistentemente mirado a banda inferior e não o centro da meta, todos os choques sofridos nesse período têm sido acomodados fora da contabilização do resultado primário (saldo entre receitas e despesas, sem contar os juros da dívida)”, completa o economista.

Sbardelotto diz que esse tipo de prática acaba enfraquecendo a meta de resultado primário como um indicador confiável sobre as contas públicas.

“O grande problema é que a multiplicação de deduções, algumas de forma casuística, acaba fragilizando a meta de resultado primário como indicador de esforço fiscal do governo”, afirma. “Em outros termos, o governo pode até cumprir a meta, mas o déficit real, o que impacta efetivamente a dinâmica da dívida pública, continua sendo muito maior”, diz.

 

Em 2023, o governo aumentou o espaço do antigo teto de gastos em R$ 145 bilhões, que ficaram fora do cálculo da meta, após a aprovação da PEC da Transição no ano anterior. Também em 2023, o STF liberou o pagamento de R$ 92,4 bilhões em precatórios que o governo Bolsonaro havia prorrogado e os valores não foram contabilizados na regra fiscal.

 

Parte do pagamento de precatórios continuou fora do cálculo da meta nos anos seguintes. Recentemente, o governo patrocinou uma proposta na Câmara para adiar em dez anos o retorno total desses valores à baliza fiscal. Agora, com o pacote do tarifaço, o Poder Executivo foi além e propôs não só a retirada de mais despesas da meta, mas também a exclusão de renúncias de receitas da contabilidade.

 

Com o Reintegra, que gera créditos tributários para exportadores, serão R$ 5 bilhões a menos na arrecadação que aumentarão o déficit, mas que serão contabilizados como se a receita tivesse entrado. Se o governo ressarcir as empresas em vez de abater o pagamento de outros impostos, como prevê o programa, os gastos também não entrarão no cálculo da meta.

 

As exclusões foram autorizadas por leis aprovadas no Congresso, como no caso da PEC da Transição, ou por decisões do STF, como nos precatórios. Para o analista João Pedro Leme, da Tendências Consultoria, as despesas fora da meta com dívidas judiciais e de socorro à crise climática no Rio Grande do Sul se justificam. Os demais gastos fora da contabilidade tradicional, por sua vez, não são defensáveis, avalia.

 

No caso dos precatórios, o Judiciário entendeu que havia um princípio maior, de pagar o que se deve, em nome da segurança jurídica. E, para o Rio Grande do Sul, a medida foi um socorro a uma calamidade humanitária com flexibilização autorizada na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). “O atual estado das contas públicas passa a divergir muito daquilo que conta para a meta. A regra fiscal fica como se estivesse balizada em uma ficção. É um mundo onde algumas coisas não importam ou importam menos”, diz Leme.

 

O piso e o centro da meta

Os especialistas avaliam que o governo deveria incluir os gastos do pacote do tarifaço na meta. A primeira observação é que há um crescimento na arrecadação que poderia acomodar essas despesas, com receitas com leilões de petróleo e recebimento de resultados financeiros de bancos públicos. Nesse caso, outros gastos deveriam ser congelados.

Além disso, o governo deveria buscar o centro da meta fiscal e usar o espaço de tolerância (leia mais abaixo) para bancar gastos imprevisíveis. O Executivo, porém, tem usado essa margem para despesas corriqueiras e recorrido a medidas fora da meta para situações extraordinárias, como apontou relatório recente da Consultoria de Orçamentos do Senado.

 

Colocar os gastos na meta faria com que o governo tivesse de cortar outras despesas para cumprir a regra. Integrantes do Executivo dizem que isso inviabilizaria os serviços públicos, as agências reguladoras e os investimentos. O caixa da União está comprometido com despesas obrigatórias, como os benefícios previdenciários, o que diminui cada vez mais a folga para o custeio da máquina e obras públicas.

 

“O Orçamento é rígido, mas, ao invés de isso ser um ponto argumentativo para abrirmos exceções à regra e fingir que as regras não importam, é preciso desenhar melhor a lista de prioridades”, opina João Pedro Leme.

 

Entenda o que é a meta de resultado primário

A meta de resultado primário é uma regra de equilíbrio entre receitas e despesas públicas (sem contar o endividamento) instituída pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) em 2000. O governo é obrigado a perseguir o objetivo, delimitado a cada ano. O novo arcabouço fiscal, aprovado em 2023, permitiu ao Executivo trabalhar com uma meta com um piso de tolerância que, na prática, admite resultados piores.

 

O objetivo em 2025 é zerar o déficit público, com um piso de tolerância de déficit de R$ 31 bilhões. O governo já está usando esse limite e admitindo fechar as contas no vermelho.

 

Em 2026, a meta é gerar um superávit de R$ 34,3 bilhões, com piso de tolerância de déficit zero. Quando uma despesa fica fora da meta, o gasto continua existindo e é real, mas não é considerado na hora de calcular se o governo cumpriu ou não o objetivo.

 

Fazenda atribui maior parte do gasto ao governo Bolsonaro

Procurado, o Ministério da Fazenda afirmou que, dos R$ 389 bilhões fora da meta levantados, R$ 337 bilhões (87%) “decorrem da necessidade de reverter o calote de precatórios aplicado pelo governo Bolsonaro e de aprovar uma PEC de transição para recompor o represamento artificial de despesas essenciais e cobrir buracos no orçamento deixado pelo governo anterior, como Bolsa Família, Farmácia Popular, entre outros”.

 

Do restante, a pasta diz que a Lei Paulo Gustavo (R$ 4 bilhões) foi aprovada em 2022 sem previsão orçamentária e que os R$ 9,5 bilhões do pacote antitarifaço, batizado de Brasil Soberano, são voltadas a “apoiar empresas e trabalhadores impactados por tarifas unilaterais impostas ao Brasil”.

 

A pasta também diz que R$ 30 bilhões foram destinados ao enfrentamento do “maior desastre climático da história recente do País, ocorrido no Rio Grande do Sul em 2023″. A Fazenda argumenta ainda que os R$ 8 bilhões restantes representam apenas 2% do total e que “parte decorre de decisões judiciais e determinações de órgãos de controle, sem relação com iniciativas discricionárias do Poder Executivo”.

Nova ordem global obriga Brasil a rever gastos em defesa

Por  Editorial / O GLOBO

 

Num mundo convulsionado por guerras, em que a geopolítica passa por um realinhamento de consequências imprevisíveis, o Brasil precisa cuidar melhor de sua defesa. É preciso destinar às Forças Armadas recursos à altura das nossas dimensões territoriais e de nosso papel global. Os números são infelizmente ainda tímidos na comparação internacional.

 

No ano passado, o Brasil destinou 1% do PIB a Exército, Marinha e Aeronáutica. É menos que Colômbia, Uruguai, Equador, Chile ou Bolívia. Para efeito de comparação, a média global foi 2,4% do PIB. Não é preciso se comprometer com um patamar exorbitante, como os 5% aventados pela Otan. Mas é essencial haver planejamento, para o país não ser pego desguarnecido em conflitos insuflados por autocratas voluntaristas. Basta lembrar a investida do ditador venezuelano Nicolás Maduro sobre a Guiana.

 

O mais preocupante: a maior parte dos gastos militares é destinada a soldos e aposentadorias. São despesas obrigatórias que não têm parado de crescer. Ao mesmo tempo, quando há necessidade de cortes, eles são feitos em investimentos e na necessária modernização dos equipamentos. Um exemplo é o que ocorre na defesa oceânica. Apesar de o litoral brasileiro, com 9 mil quilômetros, formar a maior costa atlântica do mundo, a Marinha prevê desmobilizar 70% da frota até 2028, devido à obsolescência. Aumentará a insegurança em regiões que produzem 95% do petróleo consumido no país, 90% do gás e por onde passam 99% das comunicações digitais submarinas.

 

O Prosub, programa para construir submarinos em associação com a França, enfrenta percalços. Dos quatro convencionais, três foram entregues. O nuclear, previsto inicialmente para o final da atual década, deverá ser lançado ao mar apenas em 2034 ou, a depender de cortes orçamentários, poderá ficar para 2040, mais de três décadas depois de lançado o programa.

 

No Exército, responsável pela defesa da quinta maior extensão territorial do planeta (8,5 milhões de km²) e de 16,8 mil quilômetros de fronteiras terrestres, a situação não é diferente. Por falta de recursos, a previsão é que o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron) esteja definitivamente implantado apenas em 2039.

 

A Aeronáutica enfrenta obstáculos da mesma natureza. Volta e meia, aviões da FAB interceptam pequenas aeronaves transportando drogas ou armas. Os maiores produtores de cocaína do mundo, Colômbia, Peru e Bolívia, fazem fronteira com o Brasil. Geralmente operam nas interceptações caças Tucano, da Embraer. Para garantir supremacia aérea, o Brasil precisa contar com aeronaves mais avançadas.

O governo contratou a compra de 36 caças F-39 Gripen, suecos, para substituir os ultrapassados F-5 americanos e AMX da Embraer. Dos 36, 15 deverão ser construídos no Brasil, com transferência de tecnologia. O contrato, assinado em 2014, enfrenta dificuldades orçamentárias. A entrega final está prevista para 2030, e apenas oito caças estão em operação plena.

 

O conceito primordial em defesa é ter poder para dissuadir potenciais inimigos. “A defesa nacional é um projeto de Estado, não de governo”, escreveu no GLOBO o CEO do grupo industrial thyssenkrupp América do Sul, Paulo Alvarenga. O atual redesenho da ordem mundial é um motivo suficiente para o Brasil rever a prioridade que tem concedido à defesa nacional.

 

Militares da Marinha participam de exercício antes da cúpula do BricsMilitares da Marinha participam de exercício antes da cúpula do Brics — Foto: Pablo PORCIUNCULA / AFP/ 03/07/2025

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