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O show ideológico de Lula na ONU

Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP

 

O presidente Lula da Silva ocupou ontem, pela décima vez, a tribuna de abertura da Assembleia-Geral da ONU, e o fez com sua autoconfiança característica. Para o bem e para o mal, Lula foi ora um estadista, ao denunciar corretamente as medidas unilaterais e sanções arbitrárias dos EUA contra o Brasil, ora um papagaio que repete chavões esquerdistas contra o terrível imperialismo ocidental.

 

Na parte de seu discurso realmente relevante para o Brasil e para o mundo, Lula foi devidamente contundente. Não há justificativa para que governos estrangeiros interfiram em processos internos ou usem o comércio e o sistema financeiro como armas de extorsão política, como faz o presidente dos EUA, Donald Trump. O Brasil tem o direito e o dever de defender sua soberania contra tarifas abusivas e punições extraterritoriais.

 

Mas Lula é Lula. Sabedor de que estava sob os holofotes do mundo, em razão dos entreveros de Trump com o Brasil e da punição ao ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe, o demiurgo aproveitou o palco da ONU para seu show particular de demagogia, platitudes e militância ideológica. Repetiu slogans vazios sobre a fome, a desigualdade e o clima, como se a simples evocação desses males fosse suficiente para credenciá-lo como porta-voz dos pobres do mundo. Fala muito, mas nada sugere. Desdobra-se em declarações pomposas, mas não oferece meios nem pontes diplomáticas para avançar em soluções práticas.

 

As omissões foram ainda mais eloquentes. Sobre a guerra na Ucrânia, couberam apenas duas linhas protocolares, nas quais Lula não ousou nomear o agressor. A Rússia, que invadiu um país soberano e comete crimes de guerra em série, foi tratada como se tivesse preocupações tão “legítimas” quanto as do povo ucraniano que luta por sua sobrevivência. É a batida artimanha da falsa simetria, que no fundo significa cumplicidade com quem viola a lei internacional.

 

Sobre a guerra em Gaza, a distorção foi inversa. Lula mencionou de passagem o Hamas, quase a contragosto, como se se tratasse de um detalhe incômodo, um pedágio a ser pago antes de se dedicar ao que realmente lhe interessa: escoriar Israel. Repetindo acusações de “genocídio”, Lula nem de longe tangenciou as preocupações de segurança de um Estado que convive há décadas com o terrorismo, que sofreu o massacre mais brutal de sua história e que tem de enfrentar fanáticos muçulmanos que usam reféns e seus próprios conterrâneos como escudos. Para o presidente brasileiro, não há simetria quando o alvo é Israel: os crimes do Hamas são minimizados, enquanto cada ação israelense é maximizada.

 

Essa lógica revela um padrão. Contra democracias ocidentais, Lula empunha um discurso moralista. Diante de ditaduras amigas, aplica o silêncio, o relativismo ou a indulgência. É assim com a Rússia de Vladimir Putin, com o Irã dos aiatolás, com a Venezuela chavista, com a Cuba castrista e, agora, novamente com o Hamas. A indignação é seletiva.

 

O resultado é que o Brasil não se apresenta como um mediador confiável, mas como um militante em palanque global. A vitrine da ONU serve menos para defender interesses nacionais e mais para exibir credenciais ideológicas. Lula fala como chefe de facção, não como líder de uma das maiores democracias do mundo. Sua retórica pode render aplausos fáceis de plateias simpáticas, mas diminui a credibilidade brasileira junto a quem realmente importa: os parceiros comerciais, os investidores e os governos que ainda esperam pragmatismo de Brasília.

 

É verdade que a ONU, em seus 80 anos, já não é palco de grandes articulações e consensos, mas de discursos irrelevantes. Mesmo assim, cabe aos líderes que sobem à sua tribuna reforçar valores universais e buscar caminhos de cooperação. Lula prefere reciclar fórmulas gastas de um terceiro-mundismo nostálgico, enquanto o Brasil perde espaço, prestígio e influência.

 

A crítica às sanções arbitrárias dos EUA é necessária, mas não basta. O que se viu em Nova York foi menos a defesa do Brasil ou a proposição de soluções internacionais, e mais a autopromoção de Lula como guia do tal “Sul Global”. O País, reduzido a instrumento de sua vaidade, paga o preço: perde a chance de ser ouvido com respeito e tratado como parceiro de confiança.

Ricardo Nunes sanciona lei que aumenta multas para pichação e cabos irregulares em SP

Por Roseann Kennedy e Iander Porcella / O ESTADÃO DE SP

 

 

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), sancionou nesta terça-feira, 23, a lei que prevê regras mais rigorosas e aumento no valor de multas para concessionárias que mantiverem cabeamentos irregulares na cidade e também para responsáveis por pichações e cartazes do tipo lambe-lambe. A proposta, de autoria do Executivo municipal e aprovada pela Câmara de Vereadores, estabelece multa diária de R$ 50 mil para as empresas com cabos irregulares - esse valor será aplicado para cada lado do quarteirão.

 

A penalidade para pichações e anúncios lambe-lambe é de R$ 10 mil por dia. Além disso, os telefones divulgados nos cartazes irregulares poderão ser desativados. Também há previsão de sanções para proprietários de veículos abandonados em via pública. O projeto foi aprovado na Câmara com uma emenda da vereadora Cris Monteiro (Novo) que dobrou a multa para pichações a R$ 20 mil caso contenha discurso de ódio relacionado a raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

 

“Essa lei tem um valor simbólico muito importante, porque envia uma mensagem clara de que São Paulo não tolera o preconceito e nem a degradação dos nossos espaços públicos. Ao mesmo tempo, é uma ação prática, que nos ajuda a manter a cidade mais limpa, mais organizada e mais respeitosa com todos”, afirma a vereadora. Nunes vetou apenas um trecho da lei por considerá-lo redundante. A medida previa que as concessionárias deveriam comunicar o Poder Público quando uma empresa com a qual compartilham infraestrutura tivesse .

 

 

Investimento em esgotamento sanitário aumenta renda e produtividade no Ceará: 'Vivíamos doentes'

Mariana Lemos

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MARIANA LEMOS / DIARIONORDESTE

 

Nascida e criada em Maranguape, há 39 anos Veriana Batista da Silva saiu de uma casa no 'pé da serra' para um sobrado na rua Irmã Irene. Foi lá que deu luz a seus quatro filhos e viu a família crescer, com a chegada de netos. Mas foi só em 2025 que realizou o sonho, que também foi de sua mãe e avó, de dar adeus ao esgoto a céu aberto.  

"São mais de 30 anos de luta. Familiares que buscavam a prefeitura e lutavam infelizmente não estão mais aqui para ver. Mas hoje eu estou vendo, graças a Deus, a maravilha que ficou. É muita alegria", lembra.

O chão de ‘terra batida’, as poças de esgoto se formando em frente às casas e o meu-cheiro impediam que a lanchonete montada na calçada da residência operasse de forma adequada. 

“Eu tentava limpar todo dia em frente, mas não tinha o que fazer. O pessoal da rua comprava e pessoas vinham de outros bairros para cá também. O pessoal era discreto, não reclamava do cheiro, talvez tivesse vergonha. Mas lanchava e logo ia embora”, lembra. 

A casa de Veriana contava com uma fossa artesanal, que precisava ser coletada a cada dois meses, por cerca de R$ 180. Em boa parte da vizinhança, a situação era ainda pior: o esgoto era descartado diretamente na rua. 

“No inverno, quando chovia muito, ficavam poças de lama horríveis. E no verão, era muita poeira, muita mesmo. As crianças viviam doentes e até os adultos mesmo. Eu passei uma temporada muito doente”, conta. 

O saneamento da rua era uma demanda antiga, cobrada pela vizinhança em todas as campanhas políticas municipais. Quando receberam a notícia da chegada das obras à região, a empreendedora já sabia que o seu dia a dia mudaria para melhor.

As transformações que ocorrem a partir do acesso às redes de esgoto mostram que o esgotamento sanitário não é uma mera questão de infraestrutura das cidades, mas um determinante direto de dignidade humana e justiça social, destaca Luana Viana, doutora em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Ceará.

A especialista destaca que o maior desafio da universalização da cobertura está na expansão em áreas urbanas de alta densidade populacional, como a Região Metropolitana de Fortaleza.

“Fortaleza tem mais de 1 milhão de pessoas sem acesso à rede de esgoto, concentradas principalmente em bairros da zona oeste e periferias”, destaca. Nas zonas rurais e pequenas comunidades, a utilização de soluções de esgotamento rudimentares também trava o desenvolvimento. 

Atualmente, a cobertura da rede de esgoto no Ceará é de 44%. Fortaleza, Caucaia e Juazeiro do Norte estão entre as 40 piores cidades no ranking de saneamento do Instituto Trata Brasil, que analisa a cobertura de água e esgoto nas cidades brasileiros. 

Para ampliar o acesso ao esgotamento sanitário à população cearense, 24 cidades são atendidas por uma Parceria Público-Privada (PPP) firmada entre a Cagece e a Ambiental Ceará. As obras realizadas nos municípios da Região Metropolitana de Fortaleza, como Maranguape, e do Cariri têm investimento previsto de R$ 19 bilhões em 30 anos. 

O desafio ainda é grande. O objetivo é chegar à universalização da coleta de esgoto até 2033, com cobertura para pelo menos 90% da população cearense, conforme metas definidas pelo Marco Legal do Saneamento. 

André Bicca, diretor-presidente da Ambiental Ceará, destaca que a parceria vê a expansão do esgotamento sanitário como uma ferramenta para reduzir a vulnerabilidade, contribuindo para oportunidades de crescimento da população.

“Desde que iniciou a operação, em 2023, a Ambiental Ceará tem priorizado intervenções em áreas com maior adensamento populacional e, também, territórios mais sensíveis, para promover, quanto antes, os benefícios associados ao esgotamento sanitário”, aponta. 

Por meio da operação do esgoto, a empresa busca contribuir com a melhoria dos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) dos municípios. 

LIGAÇÃO À REDE DE ESGOTO É INVESTIMENTO A LONGO PRAZO

A culinária sempre esteve presente na vida da família das irmãs Ana Cláudia de Sousa e Regiane Rodrigues de Sousa. Durante a infância, viram a mãe trabalhar como cozinheira em casas, restaurantes e em um carrinho montado em uma praça. 

Agora, as irmãs comandam o próprio negócio de pratinho cearense, na calçada de casa, no bairro Álvaro Weyne, em Fortaleza. Mas isso só é possível porque a rua Coelho Neto, onde moram, agora tem acesso à água tratada e coleta de esgoto. 

“Não tinha nada disso, não tinha calçamento. Aqui era uma lagoa, então todos os anos tinha alagamento. Quando veio o saneamento básico, ficou muito mais acessível”, conta Ana Claudia. 

O mau cheiro também era um empecilho que vinha em mente para vender alimentos na rua. Hoje, o que se destaca é o aroma de vatapá, baião de dois e creme de galinha. Nas tardes de quarta-feira a domingo, as irmãs montam mesas em frente à residência e atendem clientes até a produção feita diariamente acabar. 

Além do pratinho, que foi desenvolvido após as duas participarem do Programa Mãos e Obras, realizado em parceria com a Ambiental Ceará e o Senai, o negócio vende bolos e espetinhos. O sucesso do negócio permitiu melhorar as condições de vida de toda a família. 

“Eu estava desempregada. Está sendo muito bom trabalhar com o próprio negócio. A gente pode ajudar um amigo ou outro, engajar a nossa família. É um dom, nós gostamos de fazer comida, então é muito prazeroso”, lembra Regiane. 

“Fizemos melhorias aqui na casa. Antes, fazíamos tudo no fogão da minha mãe. Agora, compramos um fogão maior. Em breve, não vamos ficar mais aqui na casa da minha mãe. Vamos alugar um ponto na esquina”, celebra Ana Claudia.

A ligação da casa à rede teria sido um investimento com retorno rápido, mas não foi necessário que a família pagasse nada. A ligação domiciliar é feita de forma gratuita durante a execução de obras de ampliação da cobertura de esgotamento sanitário. 

Além do pratinho, que foi desenvolvido após as duas participarem do Programa Mãos e Obras, realizado em parceria com a Ambiental Ceará e o Senai, o negócio vende bolos e espetinhos. O sucesso do negócio permitiu melhorar as condições de vida de toda a família. 

“Eu estava desempregada. Está sendo muito bom trabalhar com o próprio negócio. A gente pode ajudar um amigo ou outro, engajar a nossa família. É um dom, nós gostamos de fazer comida, então é muito prazeroso”, lembra Regiane. 

“Fizemos melhorias aqui na casa. Antes, fazíamos tudo no fogão da minha mãe. Agora, compramos um fogão maior. Em breve, não vamos ficar mais aqui na casa da minha mãe. Vamos alugar um ponto na esquina”, celebra Ana Claudia.

A ligação da casa à rede teria sido um investimento com retorno rápido, mas não foi necessário que a família pagasse nada. A ligação domiciliar é feita de forma gratuita durante a execução de obras de ampliação da cobertura de esgotamento sanitário. 

ACESSO AO ESGOTO LEVA A AUMENTO DE PRODUTIVIDADE

Seja com um negócio próprio ou em um emprego formal, quem mora em uma casa coberta pela rede de esgotamento tem um rendimento maior. 

O acesso ao tratamento de esgoto permite que moradores de uma região aumentem os ganhos a partir da melhoria da produtividade, destaca Luana Pretto, presidente executiva do Instituto Trata Brasil. 

“Quem tem acesso ao saneamento no Ceará ganha em média R$ 2.064, quem não tem ganha em média R$ 1.584. A escolaridade média também aumenta. Quem tem acesso ao saneamento estuda em média 8,6 anos, quem não tem é de 6,8 anos. Estamos falando de um futuro mais digno, de melhor perspectiva de vida”, aponta. 

O aumento de produtividade da força de trabalho deve somar R$ 16,2 bilhões. A valorização imobiliária deve gerar R$ 2,1 bilhões em ganhos, enquanto a renda de atividades de turismo deve aumentar R$ 3,7 bilhões. 

Além dos impactos econômicos indiretos, a população vê reflexos imediatos na saúde a partir do tratamento do esgoto. Segundo levantamento da Organização das Nações Unidas (ONU), 80% das doenças e mortes em países em desenvolvimento estão associadas à falta de saneamento. 

O Ceará registra 1.709 internações a cada 10 mil habitantes por doenças de veiculação hídrica, como diarreia, cólera, leptospirose e dengue. A falta de saneamento também contribui para a difusão de doenças respiratórias.  

“Quando a gente coleta o esgoto, leva para uma estação de tratamento, trata esse esgoto e devolve esse influente tratado para o meio ambiente, a gente deixa de lançar esse esgoto bruto na natureza. Então a gente deixa de poluir os nossos rios e mares, há um benefício ambiental, de regeneração de toda a fauna e flora”, complementa Luana Pretto. 

MULHERES SÃO FOCO NO TRABALHO DE SENSIBILIZAÇÃO

Veriana Batista da Silva, moradora do Maranguape, se orgulha de ter sido uma das primeiras de sua rua a conectar a casa à rede de coleta e tratamento de esgoto. Ela também atuou para convencer vizinhos em dúvida a fazer a ligação.

“Talvez eu tenha sido a primeira ou a segunda a aceitar. Como que a gente lutava tanto e não ia aceitar? No começo, teve pessoas que não queriam, mas depois foram fazendo. Eu falava que todos deveriam fazer”, lembra. 

Apesar dos inúmeros benefícios do descarte correto de esgoto à população e ao ecossistema, ainda é possível encontrar resistência de moradores a aderir à rede de coleta e tratamento. 

A difusão dos impactos positivos é um dos desafios das equipes de sensibilização, que visitam as casas de regiões que vão receber obras de saneamento, explica Sâmia Régia, coordenadora de Interação Social da Cagece. 

“A gente fala sobre a valorização de imóvel, de como as casas com saneamento têm um valor econômico muito maior no mercado. Também explicamos dos riscos que a fossa séptica tem para o solo e a contaminação”, aponta.

Associar o esgotamento a melhorias de renda e qualidade de vida é fundamental para que as famílias não rejeitem o saneamento.

“A rede de esgoto chegando no empreendimento vai gerar, de qualquer forma, uma conta a mais. Então nós explicamos sobre a tarifa social e em, paralelo, buscamos apoiar a comunidade com cursos para que ela realmente se estruture”, afirma Sâmia.

Há uma atenção especial para que as mulheres tenham voz ativa nesse processo, segundo a coordenadora da estatal. 

“Quando há falta de saneamento e a família adoece, a mulher é a mais impactada. Ela acaba carregando uma carga muito grande dentro das famílias. Mas na hora de tomar a decisão da adesão, quem faz isso é o marido. Então a gente tem um grupo de trabalho com mulheres para reforçar a importância de elas serem protagonistas dessa decisão” 

MAIOR PPP DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO DO BRASIL

As obras de infraestrutura de esgoto nos municípios cearenses preveem a construção de 27 estações de tratamento de esgoto, 4.000 quilômetros de novas redes e 249 estações elevatórias.

A estimativa é que 4,3 milhões de pessoas sejam atendidas, com coleta e tratamento de 1 bilhão de litros de esgoto. A parceria-público-privada entre Cagece e Ambiental Ceará, assinada em 2023, é o maior contrato de saneamento desse tipo do Brasil. 

Os municípios devem chegar a cobertura média de esgoto de 60% até 2028, com expansão do serviço para 90% da população até 2033. Em Fortaleza, investimentos de mais de R$ 162 milhões devem viabilizar o acesso a rede de 170 mil moradores de diversos bairros, como Bonsucesso, Jóquei Clube, Sapiranga e Barroso até 2026. 

Luana Viana, professora da UFC, afirma que as metas de coberturas são ambiciosas e dependem de conscientização coletiva e engajamento das prefeituras e entes regulatórios. 

As tecnologias de coleta de esgoto em uso no Ceará são adequadas para o contexto de clima, custo e porte. Mas ainda é preciso aprimorar as estratégias de pós-tratamento, desinfecção e monitoramento, pondera Luana Viana. 

“No nosso estado, um pouco mais de 60% do esgoto coletado (40% do total, ou seja, 60% de 40%) passa por algum tipo de tratamento, ou seja, uma parcela considerável ainda é lançada em corpos hídricos inadequadamente, o que compromete rios urbanos, como Cocó, Maranguapinho e Pacoti, e também afeta a balneabilidade das praias”, aponta. 

A especialista ressalta que o Ceará tem potencial de ir além dos 90% de cobertura, contemplando todas as áreas periféricas. 

"Capitais brasileiras, como Curitiba e Salvador, já são exemplo de que é possível ir além de 80% de coleta/tratamento. Chile já atingiu níveis próximos da universalização, cerca de 97% de coleta e 99,8% de tratamento. Essas referências indicam a distância que ainda precisa ser superada no Ceará", explica. 

As obras de esgotamento também devem chegar aos outros municípios onde a Cagece atua nos próximos anos. A companhia deve lançar, ainda em 2025, uma nova PPP para esgotamento sanitário no Ceará.

Com investimento de R$ 7 bilhões, obras de sabeamento devem ser realizadas em 128 cidades, atendendo 1,2 milhão de pessoas. A companhia conta com financiamento de R$ 1,26 bilhão da Agência Francesa de Desenvolvimento, com contrato firmado em 14 de agosto.

 

Mariana Lemos

 

Excesso de lideranças desafia Elmano e Camilo na montagem da chapa majoritária para 2026

Escrito por Inácio Aguiar / DIARIONORDESTE
 

Faltando pouco mais de um ano para as eleições de 2026, o governador Elmano de Freitas (PT) e o ministro da Educação, Camilo Santana (PT), evitam falar, mantendo um silêncio estratégico, sobre a formação da chapa majoritária no Ceará para 2026. Em público, o discurso é de foco na gestão e unidade. Mas, nos bastidores, a disputa pelas vagas é o tema que movimenta os aliados e revela disputas silenciosas no grupo. 

O desafio está posto. Serão quatro vagas na chapa: governador, vice-governador e duas ao Senado. Elmano será candidato à reeleição. As outras três posições, no entanto, precisam acomodar um leque de liderança e partidos que dão sustentação ao governo e que cobram o preço. 

Cid Gomes é a primeira peça no tabuleiro 

O arco de alianças é extenso e complexo. Cid Gomes (PSB) é a primeira peça do tabuleiro. Liderança do PSB e ex-governador, Cid mantem um grupo aliado coeso e tem peso na costura decisiva do governismo. Nos bastidores, o desejo do governador e do ministro é tê-lo como candidato ao Senado, mas Cid tem feito articulações em favor de Júnior Mano. A aliados, Cid tem reforçado a aliança com o comando, mas cobra que os partidos aliados sejam ouvidos.

Domingos Filho tem o PSD como trunfo 

Domingos Filho (PSD) levou seu grupo de volta ao governismo em 2024, na disputa pela Prefeitura de Fortaleza, emplacando a filha, Gabriella Aguiar, como vice-prefeita na chapa de Evandro Leitão. Atualmente, ocupa uma secretaria estratégica do governo Elmano e comanda, no Estado, um dos principais partidos do País. Pouco tem falado sobre a eleição de 2026, mas nos bastidores o comando do grupo já sabe que o PSD tem um pleito de ter uma vaga na chapa majoritária.  

Chiquinho Feitosa segura o Republicanos na base 

Chiquinho Feitosa, presidente estadual do Republicanos, assumiu um papel fundamental para o grupo em 2022, quando do rompimento entre PT e PDT. Chiquinho diz ter o compromisso do comando do grupo por uma vaga de senador. E segue fazendo tratativas sobre o assunto. Empresário de destaque, Chiquinho é uma figura com forte trânsito em Brasília, tanto no mundo político como no Judiciário. Ele é cunhado do ministro do STF, Gilmar Mendes. 

Eunício quer MDB mantendo vaga na chapa 

Eunício Oliveira (MDB) é outra liderança que mira uma vaga ao Senado. Ex-presidente do Congresso Nacional, o parlamentar lidera o MDB que ocupa, atualmente, o cargo de vice-governadora, com Jade Romero. O partido deseja manter uma vaga na chapa majoritária. Jade, por sinal, é um dos nomes fortes do Partido, tendo o compromisso do comando do grupo governista. No comando, há a compreensão de que em meio à crise política com a cassação da ex-presidente Dilma, Eunício deu colaboração decisiva para o primeiro governo de Camilo Santana. 

Guimarães aposta em acordo com Lula para ficar com uma vaga 

No PT, o nome comentando há algum tempo é o de José Guimarães, figura histórica e com protagonismo nacional, líder do governo Lula na Câmara dos Deputados. O próprio deputado diz ter o compromisso do comando governista e do presidente Lula de que será candidato ao Senado. Entretanto, a amplitude do arco de aliança dificulta a reserva de duas vagas para o mesmo partido na chapa. 

Chagas Vieira é um nome de Camilo e Elmano no jogo 

Além dos nomes mais consolidados do ponto de vista político, há outras lideranças emergentes no grupo que também estão no centro do governo e miram vaga em 2026. O nome mais visível é do secretário chefe da Casa Civil do governo, Chagas Vieira. Jornalista, Chagas é braço direito do ministro Camilo Santana e chefiou a Casa Civil de Camilo, Izolda e Elmano. A ele, a base aliada atribui um crescimento da atuação do governo Elmano. O secretário ainda não tem filiação partidária, mas a proximidade com o comando eleva o patamar dele na disputa pelas vagas. 

Moses é aposta para atrair a União Progressista 

Some-se a lista o nome do deputado federal Moses Rodrigues (União Brasil). Moses está cada vez mais próximo do governo do Estado e é parte da estratégia do grupo para tentar atrair a União Progressista para a base do governo, oficialmente. Filho do prefeito de Sobral, Oscar Rodrigues, Moses compõe o grupo de oposição a Cid Gomes no Município. Nos bastidores, o senador foi ouvido pelo comando do grupo sobre a estratégia e confirmou que não iria se opor à chegada de Moses ao grupo. 

Opções de acomodação fora da linha de frente 

O problema é objetivo: há mais nomes que vagas disponíveis. E, nesse contexto, alguém vai sobrar. As opções de acomodação fora da linha principal da chapa são limitadas, mas existem: as suplências ao Senado, por exemplo, viraram opção. Outra alternativa de negociação é a Presidência da Assembleia Legislativa, que volta ao centro das articulações como espaço de poder e barganha. 

A solução final não dependerá apenas da política local, mas também da conjuntura nacional. A força de Camilo no governo Lula, o desempenho do PT e o comportamento da oposição, em âmbito local e nacional, são variáveis que podem embaralhar ou destravar as negociações.

Camilo Elmano

 

'Recursos para os povos da floresta estão se perdendo na burocracia', diz líder seringueiro Raimundão

Por Rafael Garcia — Xapuri (AC) / O GLOBO

 

O modo de vida dos extrativistas da Amazônia, unindo preservação da floresta e produção rural sustentável, inspira práticas novas na agricultura e atraem investimento para o país, mas um dos líderes históricos deste grupo diz que as políticas de captação de recursos têm beneficiado pouco essa população. — Muitos recursos têm ficado em meio de viagem nessa burocracia, nessa ganância de muitos que estão aí no poder, de pegar o recurso em fez de fazer ele chegar onde devia — afirma o líder seringueiro Raimundo Mendes de Barros, o Raimundão, primo de Chico Mendes que também foi pioneiro do movimento ambientalista no Brasil.

 

Diferentemente de Marina Silva, que emergiu da mesma geração de seringalistas de Xapuri (AC) na década de 1980, Raimundão permanece até hoje na reserva extrativista da região, tocando um projeto de integração entre lavoura e floresta. Entre os ambientalistas-raiz do Brasil, é considerado um guru. Aos 79 anos de idade, o líder seringalista de esquerda ainda percorre de moto a região todo dia e atua na mediação de conflitos de terra, problema crônico no Acre há décadas. Em entrevista ao GLOBO, Raimundão, fala sobre o legado de seu primo e sobre o que espera para o futuro das comunidades extrativistas da Amazônia.

 

O que o sr. espera da COP30 para o movimento socioambiental no Brasil?

A COP-30 é um momento de reviver e dar mais visibilidade à luta dos caboclos e das caboclas que nasceram e que se criaram aqui nessa região e que por muitos anos viveram no anonimato, no domínio do patrão da borracha, no domínio de outros patrões e depois do latifúndio. Foi a partir da luta dos extrativistas, começada aqui em Xapuri na liderança de Chico Mendes e de Wilson Pinheiro, que a gente conseguiu fazer com que chegasse um dia ao Planalto Central do Brasil e lá fora, nos outros países, que a Amazônia estava sendo destruída, inclusive com um discurso de desenvolvimento. Desenvolver o quê?

 

Destruir a floresta, destruir os caboclos e as caboclas que nasceram e que se criaram aqui, que tinham uma vida difícil, mas que viviam tranquilo aqui, preservando essa floresta, que o seringueiro nunca destruiu, o índio nunca destruiu. O que precisava, dentro daquela época, era que a atenção e o poder público viessem aqui para dentro da floresta para dar aos caboclos e as caboclas aquilo que o cidadão e a cidadã têm direito: chegarem na escola, vestirem bem e terem assistência médica...

E foi preciso acontecer tudo o que aconteceu, inclusive um latifúndiário, covarde, tirar a vida do nosso companheiro, para poder o mundo saber o que estava acontecendo aqui.

 

A COP30, sem dúvida nenhuma, é uma continuidade dessa luta que começou lá nos anos 1970. E isso só vai ser possível porque nós temos um administrador no nosso país que conhece a nossa luta, que viveu a nossa luta, que veio para cá ser solidário quando assassinaram o Chico Mendes. Então a gente espera que esse acontecimento agora em dezembro, que a COP30 fortaleça mais essa luta nossa aqui e traga mais benefício para melhorar as nossas condições de vida.

 

A borracha tem peso pequeno na economia da Amazônia, e o extrativismo com outros produtos, como a castanha e pupunha, mudou muito desde a morte do Chico Mendes. Como vocês fazem para manter o modo de vida extrativista aqui no Acre?

 

Primeiro, a gente faz um processo de conscientização para a nova geração. A nova geração está muito à vontade, achando que cortar a seringa e quebrar a castanha é coisa do passado. Muitas vezes a própria escola, o ensino oficial, bota isso na cabeça deles. E nós temos que combater os malfazejos, eu chamo assim, aqueles que estavam destruindo a Amazônia, que tiveram que recuar. Mas lá de onde eles estão, eles continuam conspirando nos bastidores e procurando chegar na cabeça dos nossos jovens, dessa nova geração.

 

Então esse é um dos processos fundamentais, é um trabalho de educação com muito afinco para fazer com que essa nova geração compreenda a necessidade de se preservar as florestas, porque preservar as florestas é preservar a vida: vida humana e vida do planeta.

 

Além disso, a gente tem fazer um consórcio, consorciar a atividade, uma coisa ainda muito embrionária, mas está começando com a castanha e com a seringa. Isso significa, por exemplo, aproveitar capoeiras de áreas que já estão degredadas, inclusive que viraram pastagens, para que essas áreas possam estrutura para fazer voltar a ter ali seringa, castanha, mogno, cerejeira, cedro, café, cacau, açaí.

 

Isso é de fundamental importância, para fazer com que se alavanque a melhoria das condições de vida com a diversificação da produção. Todas essas árvores vão começar a trazer de novo aquilo que pereceu na motosserra, no fogo. Começa a se ter novamente o reflorestamento, mas dessa vez com mais material e madeiras nobres, para alimento, para indústria.

 

Vocês têm conseguido atrair investimento necessário? Essa onda de projetos para atrair dinheiro externo, por exemplo, têm trazido algum resultado?

 

Nós precisamos que o recurso que hoje sai da Alemanha, da Noruega, de outros países que estão preocupados, possam chegar na ponta. Os recursos precisam chegar aqui onde nós estamos sem se perder na viagem, na burocracia, como têm acontecido muitas vezes, também por ganância de muitos que estão no poder. Esse recurso pode ajudar na recuperação das áreas degredadas e reflorestamento, mas também ajudaria a gente a ter uma faculdade, ter a industrialização dos produtos aqui na floresta, com o melhoramento da eletrificação, saneamento e o melhoramento das vias de acesso.

 

Esses recursos são muito bem-vindos, mas tem que sair de lá e chegar aqui. No nosso estado os seringueiros estão com três anos que não recebem o subsídio da borracha. Para onde é que está indo esse dinheiro? Nós temos uma carência muito grande de estruturar melhor a nossa reserva. Nós avançamos quando tivemos governo no estadual,Jorge Viana, Binho Marques e Tião Viana, que foram governos da esquerda, e quando tivemos o Lula, também no terceiro mandato. Foi graças a esses mandatos populares que a gente conseguiu avançar. Mas tivemos um atraso de seis anos com esses governos antes. E seis anos de atraso esculhamba tudo.

 

Como está a situação de segurança para vocês aqui, quase quatro décadas depois do assassinato do Chico Mendes?

 

Nós temos conflito dentro da reserva, não nego de forma nenhuma. Muitos dos beneficiados estão pegando as colocações de seringa, cortando e vendendo pedaço, o que é um crime, porque a colocação não é uma propriedade dele, é uma propriedade da União. Eles sabem disso, mas tem os que estão conspirando por debaixo dos panos, incentivando eles a fazerem isso. Ainda teimam de fazer um roçado além do que precisa, quem ném é roçado. É derrubada para aumentar pasto. Nós temos isso aqui dentro da reserva.

 

Mas nós temos aqui do lado ainda seringueiros que não estão dentro da reserva, mas estão em áreas de fazendeiros e estão em conflito. O prefeito que entrou agora junto com o governador estão colocando a polícia contra os nossos companheiros. Isso é coisa que acontecia na época do assassinato do Chico Mendes, quando o governo era deles, quando o presidente era deles. Agora está acontecendo aqui no estado essa mesma coisa. Então, é muito delicada a situação que a gente está vendo. Eu um dia desse eu tive que ir no Ministério Público aqui em Rio Branco fazer uma exposição do que está acontecendo aqui e das ameaças que estavam existindo contra mim.

 

O que o sr. está produzindo em volta da sua casa aqui na reserva?

 

Castanha, borracha, agricultura de subsistência, pequenas criações. Aqui criamos entre 30 e 32 cabeças de gado. Aqui e acolá a gente vende uma cabecinha e vende galinha. Aqui a gente recebe muitas visitas de fora. A minha companheira é uma pessoa que cozinha um feijão gostoso. E o pessoal paga. Somos aposentados já. O caboclo e a cabocla aqui, tendo consciência e gostando de trabalhar, eles vivem sem se aperrear, trabalhando na castanha, na seringa, na agricultura e na criação de pequeno porte. Agora eu estou começando a plantar café, estou plantando cacau, plantando açaí.

 

Mas é necessário que tenha apoio para se fazer isso. Apoio em que? Assistência técnica, maquinário para a gente fazer o melhoramento da terra, adubo, semente...

 

- O que o Chico Mendes representa para as lideranças ambientais hoje? A forma como ele propunha resolver as coisas, com muita coragem para o enfrentamento, mas muito diálogo também, marcou o ambientalismo no Brasil. O sr. e outras lideranças levaram adiante esse jeito de liderar?

 

O Chico foi insubstituível e vai continuar sendo. Eu não tenho o cacife que ele tinha. Eu, por mais que me esforce, não chego nem a 20% do que ele era. O Chico foi um achado aqui no Seringal, nascido aqui com uma grandeza e um brilhantismo extraordinário. O Chico nasceu, criou-se da mesma forma como eu e outros milhares que nasceram aqui. São aqueles que se criaram, que produziram riqueza, morreram, e se foram sem ficar nas estatísticas do município ou do estado, porque sequer um registro tiveram.

O Chico nasceu nesse campo, na mesma situação que eu e todos da minha geração e da geração antes de nós. Mas ele veio nomeado por Deus para ser a pessoa que ele foi. Ele conseguia convencer e aglutinar a sua categoria. Ele conseguia transmitir lá para fora as coisas de uma forma que as pessoas entendiam muito bem, por isso mesmo a liderança dele estava num processo de crescimento.

 

Mas o latifúndio e a política do capital, essa política mesquinha e ordinária, sabia em que ele ia se transformar em algo bem maior. Talvez o Chico hoje fosse um segundo Lula. Por isso procuraram matar ele, pela importância que o Chico tinha. Mas eu não tenho isso. Eu sou primo dele, o sangue que corria na via dele corre na minha também, mas eu não consigo assimilar ele.

 

Qual é sua relação de parentesco exatamente?

 

O pai dele era irmão da minha mãe. Eles vieram ainda crianças do Nordeste pra cá. Chegaram aqui em 1918 ou 1920. A minha mãe era menina, e o pai do Chico, que era o mais velho, já se pondo rapazinho.

 

O senhor conversa ainda com Marina Silva, que cresceu aqui? Ela ajuda vocês?

 

Eu tenho uma dificuldade danada. Eu gosto muito da Marina. A Marina dormiu aqui em casa. A Marina caminhou aqui nesses caminhos, quando era varadouro, pra participar junto com nós dos empates [protestos pacíficos contra desmatamento]. Eu conheci a Marina na formação das comunidades eclesiais de base em Rio Branco, e ajudei ela a ser deputada estadual e depois a ser senadora da República.

 

Mas depois a gente se distanciou, não sei por que. Quando ela era ministra no segundo mandato do Lula ela deixou o governo, voltou para o cargo dela, trocou de partido, trocou de religião... Mas a gente se encontrou no ano retrasado em Brasília. Ela já estava no ministério de novo, o Lula tinha levado ela. Eu tenho muito apreço, tenho muita admiração por ela, mas não tenho uma interlocução, não tenho quem me faça uma ponte junto com ela. E também não tenho essa ponte com o Lula, que é um amigo meu pessoal.

 

Como o sr. conheceu Lula?

 

Ele começou a ser amigo da gente quando assassinaram o Wilson Pinheiro, porque ele veio ser solidário com os trabalhadores, os seringueiros de Brasiléia. Depois, quando o Chico foi assassinado, a gente voltou a se encontrar. Andei de avião junto com ele quando ele veio inaugurar a Ponte da Amizade aqui, Brasil-Peru. Almoçamos junto no avião, palestramos, brincamos. Sempre ele foi uma pessoa muito dedicada. Quando nós estávamos almoçando ele perguntou se o tatu estava bom, porque ele tinha comido tatu no leite de castanha quando veio aqui.

 

Eu preciso imensamente agora fazer um contato diretamente com eles para uma questão aqui que está acontecendo na extrema da nossa reserva, que é muito delicada. Tem um fazendeiro que está fazendo mil e uma estripulias, inclusive jogando veneno por avião, matando as nossas abelhas aqui. Daqui até ali tem no máximo um quilômetro e meio. Quando ele joga o veneno de avião, o vento traz para cá.

 

Aqui tinha muita abelha. Quando chegava a floragem da seringa e das outras árvores, fazia gosto. Agora não se vê nenhuma abelha. Os nossos mamoeiros, a grande maioria morreu, porque o mamão é muito sensível a veneno. Os seringueiros que estão mais perto dele perderam feijão e outras coisas.

 

Então, está na hora do nosso governo desapropriar essa fazenda e criar, quem sabe, uma reserva ou fazer um projeto de manter a parte de floresta. A outra parte que já está deteriorada, talvez dê para fazer pequenos lotes, ou lotes maiores, dando condição para o pessoal reflorestar.

 

Como que está a produtividade das castanheiras? A gente vê na estrada de Rio Branco até aqui muita castanheira em lugar que já está desmatado, algumas já mortas.

 

A quantidade de castanhais que foram abatidos de Rio Branco até Assis Brasil não está no gibi. Foi uma destruição completa mesmo. Mas é impressionante como as árvores têm um poder de regeneração. Assim mesmo, o Acre ainda é o estado da Amazônia que produz mais castanha. Essa safra agora vai ser uma super safra. Nós acabamos de quebrar as castanhas da safra do ano passado, que foi uma safra fraca, mas deu muito dinheiro, porque rendia de R$ 200 a R$ 220 uma lata de castanha. Antes não costumava chegar a R$ 100. É porque agora o mundo está interessado em consumir um produto natural, um produto rico.

Pioneiros do movimento socioambiental como o sr. vieram da esquerda, mas hoje existe uma necessidade de atrair a direita para a causa, inclusive na COP30, para combater a mudança do clima. O sr. tem esperança de engajar a direita no ambientalismo?

 

Pelo que eu conheço da doutrina da direita, vejo muita dificuldade. Eles aproveitam esses eventos mais como um momento festivo ou um momento para eles barganharem mais dinheiro. Mas quero deixar para eles um convite para que pensem menos nas suas vaidades e nas suas doutrinas capitalistas.

 

Que eles pensem mais na vida dos seres humanos que estão embrenhados nas florestas amazônicas, nos rios, nas cidades. Que eles renunciem de parte das suas ganâncias e deixe que sobre mais um pouco de recurso para ser investido a favor das populações que são a razão do crescimento do país. O país cresce por causa do trabalho dos trabalhadores e das trabalhadoras.

 

Eu quero chamar a atenção do capital, e da doutrina da direita, para que se sensibilizem com a causa dos caboclos e das caboclas sofridos do campo e das cidades. Espero que eles possam ter sensibilidade e, com esses encontros, possam mudar um pouco seus comportamentos. Entendo que é difícil, mas é possível mudar.

(O repórter Rafael Garcia viajou a Xapuri (AC) a convite do GCF)

 

CASTANHEIRA PE

Brasil vive o risco de virar um narcoestado

Fernando Gabeira / Jornalista e escritor / O GLOBO
Um ex-delegado-geral de São Paulo é assassinado pelo PCC em Praia Grande, São Paulo. Deputados votam a PEC da Blindagem para não ser presos ou processados sem a autorização dos pares. Barcos de guerra e submarino americanos navegam no Caribe, diante da Venezuela.
 
São três fatos que não parecem ter relação. Mas, na cabeça de um velho morador do Rio, eles se enlaçam harmoniosamente a ponto de despertar o alarme: o Brasil corre o risco de se transformar num narcoestado com profundas implicações para a segurança nacional.
 

O assassinato do delegado Ruy Ferraz Fontes acontece algumas semanas depois de a polícia detectar a infiltração financeira do PCC. Como lembra Raul Jungmann, já não se vive mais o tempo de segurança pública em que o alvo da polícia eram comunidades pobres. O crime estava enraizado na Faria Lima, coração do mercado financeiro.

 

Se aprovada, a PEC da Blindagem tornará o Congresso um lugar mais atraente para o crime organizado. Isso para quem vive no Rio é mais que evidente. Há poucos dias foi preso o deputado TH Joias exatamente por ligação íntima com o Comando Vermelho.

 

A pergunta mais importante é esta: o Brasil tem condições de reverter esse quadro? A luta contra o crime organizado revela lacunas perigosas: não só testemunhas são assassinadas pelo PCC em aeroportos, como os próprios policiais que o investigam são alvos fáceis da organização.

 

Recentemente, os Estados Unidos propuseram ao Brasil classificar o tráfico de drogas como terrorismo. O país recusou com base em sua legislação. Aqui, a lei antiterrorista chegou um pouco tarde. Durante muito tempo, o Brasil hesitou por achar que ela poderia atingir movimentos sociais. Tornou-se obrigatória para que houvesse Olimpíada.


Mesmo sem coincidir com a proposta americana, um estudo sobre o combate à Máfia poderia ser grande inspiração. Houve um trabalho articulado de repressão policial, legislação adequada e investimentos.

 

O Brasil pode dar o primeiro passo com a PEC da Segurança Pública. Mas está demorando muito. Por meio dela, é possível considerar o crime organizado um desafio nacional. Nos Estados Unidos, o FBI também relutou em reconhecer o problema.

 

Dois marcos fundamentais, além da responsabilidade nacional: uma lei que permita atacar organizações criminosas como entidades e um programa de proteção às testemunhas. Este último, temos no Brasil. Mas carece de credibilidade quando se vê o assassinato de um delegado que combatia o PCC.

 

No combate à Máfia, além de gravações elucidativas, o FBI conseguia se infiltrar. A infiltração é uma tática válida, mas depende de alta qualidade profissional. Sempre sob liderança nacional, o desmonte da Máfia não foi uma operação única e bombástica, mas um processo gradual, envolvendo Justiça e polícia.

 

Tudo isso deveria ser discutido com urgência num Parlamento que prefere abrir novos flancos ao crime. Nem a responsabilidade federal foi aceita. Lembro-me do início do século, quando fazíamos mapas mostrando a ocupação do Rio pelo tráfico e a milícia. Pensávamos que isso ajudaria. O domínio territorial se expandiu, o crime avançou, a organização policial foi devastada pelos problemas da própria cúpula do governo. Quase todos os governadores foram presos.

Os navios nacionais deveriam nos cercar para evitar que, no futuro, outras bandeiras tremulem no cerco.

 

 

Governo busca STF para afastar risco de derrota em novas 'teses do século'

Márcia Magalhães / FOLHA DE SP

 

O governo federal ajuizou no STF (Supremo Tribunal Federal), no último dia 19 (sexta), a ADC (Ação Declaratória de Constitucionalidade) 98 para que seja declarada constitucional a inclusão de "despesas incorridas, inclusive as tributárias" na base de cálculo do PIS (Programa de Integração Social) e da Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social).

Essas duas contribuições, devidas por empresas, têm como finalidade financiar a seguridade social (saúde, previdência e assistência). Na prática, incidem sobre a receita bruta ou o faturamento das companhias, com alíquotas diferentes a depender do regime tributário adotado. Atualmente, vários contribuintes discutem judicialmente o que pode ou não ser considerado receita para efeito dessa cobrança.

A medida atinge diretamente três teses tributárias de repercussão geral que estão em discussão no Supremo: a inclusão do ISS na base de cálculo do PIS/Cofins (Tema 118), a tributação sobre créditos presumidos de ICMS concedidos pelos estados (Tema 843) e a possibilidade de incluir o próprio PIS/Cofins em suas bases de cálculo (Tema 1067).

Hoje, enquanto não há decisão definitiva do STF, empresas recorrem ao Judiciário para afastar essas cobranças, muitas vezes obtendo vitórias em instâncias inferiores. A petição inicial da ADC faz pedido liminar para suspender esses processos e, inclusive, os efeitos de decisões já proferidas até que o Supremo dê a palavra final.

Segundo a AGU (Advocacia-Geral da União), a iniciativa busca dar segurança jurídica e uniformidade à jurisprudência, após anos de disputas que fragilizam a arrecadação e estimulam interpretações divergentes.

A União sustenta que o precedente do STF no Tema 69 — a chamada "tese do século" —, consolidado em 2017, não se aplica a esses casos.

Naquele julgamento, o Supremo decidiu que o ICMS não deve compor a base de cálculo do PIS/Cofins, porque o imposto estadual não representa receita própria da empresa, mas um valor que apenas transita pelo caixa e é repassado ao Estado. O governo agora argumenta que essa lógica não poderia ser estendida para ISS, créditos presumidos ou para o cálculo das contribuições sobre si mesmas.

Para a União, o impacto fiscal dessas teses é determinante. Segundo a AGU, estudos da Receita Federal estimam um impacto econômico de R$ 117,6 bilhões aos cofres públicos caso o STF reconheça a exclusão de valores discutidos nos três temas em análise.

Especialistas, contudo, enxergam a manobra com cautela. De acordo com a advogada Mariana Cavalcante Pinheiro, a ADC 98 tem o objetivo estratégico de evitar um efeito dominó, ou seja, impedir que a decisão do STF no Tema 69 abra precedentes para excluir outros tributos ou despesas da base de cálculo do PIS/Cofins, tendo escopo meramente político e arrecadatório.

"O ISS, tributo devido ao município, segue lógica semelhante ao ICMS e não representa receita do contribuinte. Incluir os créditos presumidos na base do PIS/Cofins, por sua vez, afronta o pacto federativo, pois significa tributar um benefício concedido por outro ente federativo: o estado. E a incidência do PIS/Cofins sobre si mesmos, por fim, cria uma circularidade tributária ilógica, que viola princípios de racionalidade e capacidade contributiva", diz.

Para Danielle Chinellato, tributarista da Innocenti Advogados, a ADC busca legitimar uma leitura ampliativa e inconstitucional da base de cálculo do PIS/Cofins.

"Na prática, trata-se de uma tentativa de reverter por via oblíqua o precedente da exclusão do ICMS, que é visto como um precedente favorável aos contribuintes para o julgamento dos Temas 118, 843 e 1067", afirma.

Chinellato entende que o julgamento da ADC não deve gerar uma preocupação imediata, já que não questiona formalmente o que foi decidido no Tema 69, mas diz que caso a ação tenha procedência abre-se margem para rediscussão do conceito constitucional de faturamento, reabrindo uma divergência já pacificada.

"Receita e faturamento pressupõem ingresso financeiro definitivo, que acrescente ao patrimônio da empresa. Trata-se de uma distorção conceitual incompatível com a Constituição, que foi justamente o cerne da decisão do STF no Tema 69", explica.

Segundo as advogadas, se o STF confirmar a tese da União, a tendência é de aumento da carga tributária sobre empresas de diferentes setores. O setor de serviços sofreria pela inclusão do ISS e a indústria e o agronegócio seriam prejudicados pela tributação de créditos presumidos.

Sobre a suspensão de processos, requerida liminarmente na ação pela AGU, os advogados Maria Raphaela Matthiesen e Breno Vasconcelos, tributaristas do escritório Mannrich e Vasconcelos, afirmam que, se acatada, ela pode ter impactos diferentes a depender do estágio do processo.

"Para as empresas que já têm decisões favoráveis, a suspensão nacional de processos não trará, por si só, impactos imediatos. Contudo, em seu pedido cautelar a União requereu também a suspensão dos efeitos das decisões já proferidas nos processos individuais, de modo que, caso esse pedido seja deferido, as respectivas empresas não poderão continuar se aproveitando dos efeitos das tutelas obtidas em suas medidas judiciais", dizem.

A ADC foi distribuída para a ministra Cármen Lúcia. O julgamento, quando pautado, deve ter efeito direto sobre milhares de ações em curso e poderá redefinir os limites da tributação federal.

PLENARIO DO STF

Crédito rural financiou R$ 29,7 bilhões a produtores em situação irregular, aponta TCU

André Borges / FOLHA DE SP

 

Uma auditoria realizada pelo TCU (Tribunal de Contas da União) sobre operações de crédito rural realizadas entre 2021 e 2024 indica um quadro generalizado de fragilidades nas fiscalizações e ofertas desses empréstimos, resultando em um total de R$ 29,7 bilhões repassados a transações com fortes indícios de irregularidades.

 

A Folha teve acesso ao relatório preliminar de uma auditoria realizada pela área técnica da corte.

O crédito rural é uma política pública baseada na oferta de empréstimos a produtores agropecuários com juros subsidiados pela União. O agricultor pode acessar empréstimos em condições mais vantajosas do que as de mercado, porque parte do custo é assumida pelo governo. O objetivo é estimular a produção e apoiar o desenvolvimento do setor.

A auditoria do TCU concentrou boa parte de sua análise no crédito rural ofertado por instituições como Banco do Brasil, Banco da Amazônia e Caixa Econômica Federal, pelo fato de serem os principais agentes financeiros no setor. O Banco do Brasil, por exemplo, é historicamente o maior operador do crédito rural no país.

Segundo a auditoria, o Banco Central registrou quase 2 milhões de contratos de crédito rural entre 2021 e 2024, os quais movimentaram cerca de R$ 356 bilhões. O TCU se concentrou nos financiamentos feitos com recursos públicos subsidiados, que representaram 72% do total de contratos (aproximadamente 1,4 milhão) e 34% do valor movimentado (cerca de R$ 121 bilhões).

A análise foi feita a partir do cruzamento de dados do Sicor (Sistema de Operações do Crédito Rural), mantido pelo Banco Central, com cadastros ambientais, trabalhistas e fundiários.

Dentro desse universo auditado, a corte identificou cerca de 155 mil operações com indícios de irregularidades, que somam R$ 29,7 bilhões. Isso significa que um em cada nove contratos analisados apresentou algum tipo de problema. Sob o ângulo do valor total dos empréstimos, R$ 1 em cada R$ 4 subsidiados está associado a algum tipo de falha.

 

A filtragem por tipo de problema identificado permitiu fazer um diagnóstico sobre cada ocorrência. A maior parte do valor dos empréstimos está concentrada em pedidos que envolviam florestas públicas não destinadas, o que é ilegal. Nesse caso, foram encontrados 14,7 mil empréstimos, que somam R$ 16,7 bilhões.

O levantamento achou outras 18 mil operações ligadas a imóveis com CAR (Cadastro Ambiental Rural) suspenso ou cancelado, somando R$ 7,56 bilhões de repasses. Até mesmo empregadores incluídos na lista suja do trabalho escravo foram contemplados em 112 operações, no montante de R$ 56,7 milhões.

Territórios sobrepostos a unidades de conservação ambiental, onde não se pode produzir, somaram mais de 108 mil operações, equivalentes a R$ 2,33 bilhões. Outras 12,9 mil operações estavam ligadas a áreas embargadas por desmatamento ilegal, com financiamento de R$ 4 bilhões no período. O balanço traz, ainda, 1.935 operações em terras indígenas (R$ 290 milhões para financiamento), e 2.623 em territórios quilombolas (R$ 18,4 milhões). Em alguns casos, há sobreposição de irregularidades.

 

O diagnóstico se baseou em informações de órgãos como Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), Ministério do Trabalho e ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).

Diante dos resultados, o TCU determinou ao Banco Central que corrija as operações irregulares ainda vigentes e que aprimore o cruzamento automatizado de dados, para aplicar sanções a instituições financeiras que não respeitarem as normas socioambientais.

 

O Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária) informou à corte que tomou medidas a respeito do assunto, como a criação de uma infraestrutura de monitoramento dentro do Programa Agro Brasil + Sustentável. Trata-se de um sistema que usa imagens de satélite para fazer o cruzamento automático de dados com bases como CAR, Incra, Funai, ICMBio, IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), MMA (Ministério do Meio Ambiente) e Ministério do Trabalho.

A expectativa é que, já no Plano Safra 2025/2026, a utilização desse sistema se torne obrigatória para a concessão de crédito rural com recursos da União.

No crédito rural subsidiado, o governo define uma taxa de juros controlada, que é sempre mais baixa do que a praticada pelo mercado de crédito livre. A diferença entre a taxa de mercado e a controlada é o custo do subsídio que a União banca com recursos do Tesouro Nacional. No Plano Safra 2023/2024, por exemplo, linhas de crédito controladas ficaram em torno de 6% a 10,5% ao ano, enquanto no mercado livre os financiamentos chegavam a 18%.

 

Procurado pela reportagem, o Mapa não se manifestou sobre o assunto. O Banco Central declarou que a auditoria preliminar ainda "não corresponde ao entendimento final do TCU sobre o caso" e que o processo ainda será apreciado pelo plenário da corte. "Durante todo o período de tramitação, o Banco Central se mantém aberto ao diálogo e pronto a prestar todos os esclarecimentos solicitados pelo TCU", afirmou.

 

O Banco do Brasil declarou que "já toma medidas proativas e voluntárias que observam todas as legislações e regulamentações sobre o tema, inclusive atuando com ações para além do que a lei exige, atuando na vanguarda da sustentabilidade bancária".

"As operações de crédito contam com cláusulas que permitem a decretação do vencimento antecipado e a suspensão imediata dos desembolsos em caso de ocorrência de infringências socioambientais", afirmou.

O Banco da Amazônia afirmou que realiza análise socioambiental em todas as concessões de crédito rural, tendo como referência as informações do CAR e observando a regulamentação do crédito rural.

"Caso surjam apontamentos de irregularidades posteriores à contratação, as operações são desclassificadas, em conformidade com as cláusulas contratuais e com a legislação aplicável", afirmou a instituição.

Em nota, a Caixa informou que submete toda atuação de crédito do banco às diretrizes da Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática da instituição.

Essa política, de acordo com o comunicado, define que 'os negócios, processos, atividades e relacionamentos do banco devem incorporar a responsabilidade social, ambiental e climática, de modo a assegurar a atuação do banco priorizando o desenvolvimento sustentável".

"Para setores cujas atividades são passíveis de licenciamento ambiental reguladas pela União, Estados ou Municípios, a Caixa possui regras específicas que são condicionantes para o relacionamento, como comprovação da regularidade ambiental e observância à legislação pertinente ao setor."

Para a concessão de crédito rural, afirma ainda a Caixa, é verificada a conformidade socioambiental dos imóveis rurais beneficiados com financiamento ou oferecidos em garantia.

Regulação digital não pode ficar restrita a aspecto econômico

Por  Editorial / O GLOBO

 

 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva encaminhou ao Congresso um Projeto de Lei que reforça os poderes do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), para que possa supervisionar a atividade das grandes plataformas digitais. O objetivo declarado pelo Executivo é garantir a concorrência num setor da economia que tende a concentrar-se à medida que a tecnologia evolui.

 

O projeto amplia as atribuições do Cade criando uma Superintendência de Mercados Digitais (SMD), responsável por monitorar o setor. A SMD definirá as obrigações das plataformas, e o Cade estará aberto a reclamações. O foco da legislação são as corporações com faturamento anual acima de R$ 5 bilhões no país e de R$ 50 bilhões no mundo. Estão enquadradas nesse critério empresas como Meta (dona de Facebook, Instagram e WhatsApp), Alphabet (dona de Google e YouTube), TikTok, Apple, Microsoft, Mercado Livre ou iFood.

 

É uma iniciativa bem-vinda, sobretudo levando em conta os diversos processos a que as plataformas digitais têm sido submetidas mundo afora, com base em leis antitruste. O Google já foi condenado por abuso de monopólio em seu serviço de busca nos Estados Unidos e ainda enfrenta outra ação ligada a seu sistema de anúncios. A Comissão Federal de Comércio (FTC) americana também processa a Amazon, acusada de manter usuários presos ao sistema Prime e de favorecer vendedores que usam sua rede logística. A Comissão Europeia já obrigou o Google a pagar quase € 10 bilhões em multas em quatro casos. Também multou a Apple em € 1,84 bilhão, em razão de queixa aberta pelo Spotify (a Apple aguarda recurso). Na Austrália, tanto Google quanto Apple enfrentam processos em razão das taxas cobradas nas lojas de aplicativos para celular.

 

O Brasil, portanto, não inova ao tentar disciplinar a concorrência no universo digital. Seria oportuno, contudo, que o governo não negligenciasse os demais aspectos da regulação. Depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional o artigo 19 do Marco Civil da Internet, as plataformas passaram a ser corresponsáveis pelo conteúdo que veiculam em situações específicas. A regra criada pelo Supremo representou um avanço, mas também despertou dúvidas. O ideal seria a Câmara voltar a examinar o Projeto de Lei das Redes Sociais, aprovado pelo Senado em 2020.

 

É necessário retomar essa discussão à luz dos progressos ocorridos durante os últimos cinco anos. As plataformas tornaram-se ainda mais poderosas com o advento das ferramentas de inteligência artificial. Os riscos para os usuários também cresceram, como demonstram denúncias recentes de abusos contra crianças que ganharam o noticiário. As redes continuam a ser usadas para todo tipo de finalidade criminosa sem que assumam responsabilidades compatíveis. É certo que, sob Donald Trump, a Casa Branca tem feito pressão para retaliar países que tentem impor alguma disciplina ao meio digital. Mas isso em nada muda a necessidade urgente da sociedade. A proteção contra os abusos digitais não pode se restringir ao campo econômico.

Mais um drible no Orçamento

Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP

 

 

De exceção em exceção, o Orçamento federal, que deveria funcionar como o mais importante instrumento no planejamento das prioridades do País, se transforma em peça inútil, com tantos desvios que fica quase impossível conferir o real impacto das saídas de dinheiro dos cofres públicos. No mais recente deles, R$ 9,5 bilhões deixarão de ser contabilizados no cálculo das metas fiscais de 2025 e de 2026. Trata-se de créditos extraordinários e renúncias fiscais que integram o pacote de R$ 30 bilhões para mitigar danos do tarifaço imposto pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

 

A aprovação do projeto por unanimidade na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado indica que a votação em plenário, para onde seguiu em regime de urgência, seguirá sem percalços. E assim se abre mais uma exceção num Orçamento que, ao ser apresentado ao Congresso, há cerca de um mês, já permitia descontar R$ 57,8 bilhões em despesas que não entrarão no cálculo fiscal, como uma parcela dos precatórios, com o aval do Supremo Tribunal Federal.

 

A afronta às regras orçamentárias não é de hoje. O governo de Jair Bolsonaro, por exemplo, chegou a 2022 na iminência de apagão administrativo por falta de recursos e furou o teto de gastos (regime fiscal substituído pelo arcabouço do governo Lula) em R$ 794,9 bilhões durante o seu mandato, como apontou levantamento do economista Bráulio Borges, pesquisador do FGV Ibre, feito no final daquele ano a pedido da rede BBC. Os gastos fora da planilha incluíam medidas de enfrentamento à pandemia, mas também uma farra de benefícios que visavam a angariar apoio eleitoral, como o aumento de 50% do Auxílio Brasil, que passou a pagar R$ 600 mensais a mais de 20 milhões de famílias.

 

A PEC da Transição, uma proposta da equipe de Lula aprovada ainda antes de sua posse, permitiu ao novo governo abrir uma claraboia de R$ 145 bilhões no teto de gastos em 2023 para bancar também políticas públicas como o Auxílio Brasil, que voltou a se chamar Bolsa Família, mas manteve o valor. Neste mês, de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, o benefício médio ficou em R$ 682,22.

 

O arcabouço fiscal, com regras mais facilitadas do que as do teto de gastos – com aumento das despesas condicionado ao crescimento da arrecadação, e não mais à inflação –, é contínua e descaradamente lesado, ora com mudança de metas, ora com previsões de receitas orçamentárias que não se confirmam, ou, como é ainda mais comum, com a retirada de despesas do cálculo, geralmente sob a justificativa de sua excepcionalidade. O leque de “emergências” é amplo e abriga eventos climáticos, investimentos de estatais no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), pagamentos de precatórios e pacote de ajuda aos exportadores.

 

O PLP 168/25, aprovado na CAE do Senado, prevê crédito extra às companhias que aderiram ao Reintegra, programa que oferece redução de tributos como incentivo às exportações, exclui da meta fiscal créditos extraordinários e renúncias fiscais para combater o tarifaço de Trump e abre brechas para mais gastos ou renúncias fiscais à margem do resultado primário do governo. Além disso, autoriza a União a aumentar suas participações no Fundo Garantidor de Operações (em até R$ 1 bilhão), no Fundo Garantidor de Operações de Crédito Exterior (até R$ 1,5 bilhão) e no Fundo Garantidor para Investimentos (R$ 2 bilhões), aportes que irão financiar o apoio a exportadores. Não há argumento que justifique manter essas despesas e renúncias fiscais fora das metas do resultado primário, como prevê a Lei de Responsabilidade Fiscal, em sua visão mais básica: tem de haver receita para compensar novas despesas.

 

As consequências de gastos públicos acima da arrecadação são amplamente conhecidas. Para evitar o prejuízo certo, que chega na forma de aumento de déficit, de endividamento e, no limite, da incapacidade do governo de arcar com as despesas mais corriqueiras, existe a meta fiscal, que visa a equilibrar receitas e despesas. Mas o governo e o Congresso tratam a meta como peça de decoração.

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