Prefeito eleito de Choró se entrega à polícia em Fortaleza; atual gestor está preso
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O prefeito eleito da cidade de Choró, Bebeto Queiroz (PSB), apresentou-se à Delegacia de Capturas e Polinter (Decap) do Ceará na tarde do último sábado (23) para ser preso. O político era considerado foragido desde o dia anterior, quando foi deflagrada a operação Ad Manus (Nas Mãos) pelo Ministério Público do Ceará, pela Polícia Civil (PCCE) e pela Polícia Federal (PF).
Na ocasião, o atual chefe do Executivo da cidade, Marcondes Jucá (PT), e um servidor da Secretaria de Transporte foram presos. O trio é suspeito de irregularidades em contratos com o Município.
Conforme a PCCE, o prefeito eleito tem antecedentes por porte ilegal de arma de fogo. Ele se apresentou espontaneamente na sede da delegacia, onde foi cumprido o mandado de prisão temporária.
Operação Ad Manus
Ao todo, na sexta-feira, foram cumpridos 35 mandados de busca e apreensão em Choró, Canindé, Quixadá e Madalena, cidades do sertão do Ceará. Foram alvos vereadores, servidores públicos, ex-secretários municipais e empresários da região.
Segundo as investigações, os suspeitos cometeram irregularidades em documentos de prestação de serviço de abastecimento de veículos da Prefeitura de Choró.
Celulares, computadores e documentos foram apreendidos. A Polícia chegou a cumprir mandado no Centro Administrativo onde fica a Prefeitura de Choró.
"Os investigados poderão responder por crimes contra a administração pública, peculato, falsidades material e ideológica e corrupção passiva e ativa", informou o MPCE.
A Justiça ainda ordenou o encerramento de todos os contratos ilícitos identificados pelos investigadores.
Após conversa com Cid, Elmano escolhe Romeu Aldigueri como candidato à presidência da Assembleia
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Após desavença na base, o governador Elmano de Freitas (PT) decidiu indicar o atual líder do Governo na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), Romeu Aldigueri (PDT), como candidato à presidência da Casa. A informação foi confirmada pelo PontoPoder via assessoria de imprensa neste sábado (23). Pela manha, ele participou de reuniões do diretório estadual do PT.
A definição ocorre em meio a desgaste com o senador Cid Gomes (PSB) e consequente desistência do deputado Fernando Santana (PT) do páreo nessa sexta-feira (22).
"Ao retirar o nome, eu penso que, se na base aliada, nós conversamos com o próprio senador Cid, o líder do meu governo é um nome que unifica, eu estou muito satisfeito que o líder do meu governo vá ser o presidente da Assembleia, porque eu tenho plena confiança nesse companheiro, o Romeu Aldigueri", disse Elmano a jornalistas após a reunião do PT.
"Agora, eu vou trabalhar para construir uma chapa que possa efetivamente ter o trabalho democrático, inclusive com participação (da oposição). Eu sempre defendo isso, que a Mesa Diretora deve representar as forças que tem na Assembleia, portanto, é razoável que a oposição também participe da Mesa Diretora", completou.
Consenso
Romeu Aldigueri foi um dos nomes ventilados na base para o posto de candidato governista à presidência da Alece, mas o governador acabou escolhendo Fernando Santana para o posto.
A definição desencadeou uma crise com o senador Cid, que teria decido romper com o gestor, conforme informaram interlocutores na última semana. Com discurso apaziguador nos holofotes, a base trabalhou nos bastidores para conter a dissidência.
Após quase uma semana de relações estremecidas, com uma reunião da cúpula do PSB no meio, Fernando Santana anunciou nesta sexta, pelas redes sociais, que estava retirando o seu nome da disputa.
"Nos últimos dias tive meu nome colocado para a disputa da Presidência da Assembleia. [...] Houve discussões, impasses, o que é natural numa democracia. Diante de algumas ponderações, e do atual contexto, para a importância da manutenção dessa aliança coesa e forte, anuncio que abro mão de minha candidatura. Faço isso com a tranquilidade da alma, porque não faço política como projeto pessoal, mas coletivo", disse o deputado.
Como desdobramento, o PontoPoder ouviu deputados estaduais, que defenderam, em maioria, a indicação de Aldigueri. Ele foi defendido pelo próprio Fernando Santana como alguém que reúne as bancadas da Alece e pode dar continuidade ao projeto do atual chefe do Legislativo estadual.
Corte de gasto público?
Samuel Pessôa
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP. /FOLHA DE SP
O presidente Lula e o ministro Fernando Haddad estão há semanas negociando um pacote de medidas de controle dos gastos públicos. O objetivo não é cortar a despesa pública, e sim criar condições para que o crescimento do gasto seja compatível com a base material do país.
Desde 2014 estamos em crise fiscal. A crise é, portanto, crônica. Enquanto não resolvermos a crise fiscal, não estarão dadas as condições para um ciclo de crescimento sustentado.
A crise fiscal deve-se a regras que são aprovadas pelo Congresso Nacional que demandam que o gasto público cresça sistematicamente a uma velocidade maior do que o crescimento da economia.
O problema é que, desde que o Senado rejeitou a renovação da CPMF (Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira), em dezembro de 2007, o Congresso Nacional tem barrado medidas que elevam a carga tributária.
A crise fiscal brasileira tem duas dimensões. A primeira é um déficit incompatível com a estabilização da dívida pública. A segunda é uma taxa de crescimento do gasto a velocidade superior à velocidade de crescimento da economia.
A solução da crise fiscal demanda, em primeiro lugar, a aprovação de medidas para ajustar a taxa de crescimento do gasto público ao crescimento da economia, e, em segundo lugar, elevar a carga tributária para níveis compatíveis com a solvência do país.
Nos governos Temer e Bolsonaro, a segunda dimensão da crise fiscal foi atacada: o salário mínimo passou a ser reajustado pela inflação passada, sem haver aumentos reais; e o gasto mínimo constitucional com saúde e educação passou a crescer com a inflação passada.
Essas duas medidas, além de permitir a estabilização do gasto público como proporção da economia, criavam as condições para que o crescimento do gasto fosse menor do que o crescimento da economia e, portanto, permitiam que ao longo do tempo fosse construído um superávit fiscal que estabilizaria a dívida pública.
O presidente Lula e o Congresso Nacional reavaliaram e decidiram que essas regras eram muito draconianas. Assim, decidiram reindexar os mínimos constitucionais à receita corrente líquida e reindexar o salário mínimo ao crescimento da economia.
Os desequilíbrios voltaram. A indexação do salário mínimo ao crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) demanda que todas as políticas públicas vinculadas ao benefício cresçam à velocidade do PIB somada à velocidade de concessão de novos benefícios.
A indexação dos mínimos constitucionais em saúde e educação à receita corrente líquida dificulta o ajuste fiscal por meio de elevação da receita.
A solução é procurarmos regras de indexação mais frouxas do que as que vigoravam com Temer e Bolsonaro, mas mais apertadas do que as que vigoram hoje.
Para os mínimos constitucionais, podemos empregar a mesma regra do teto dos gastos: crescimento de 70% do crescimento da receita corrente líquida, com piso de 0,6% e teto de 2,5%.
Para o salário mínimo, o crescimento real tem que ser tal que o gasto agregado nas rubricas vinculadas ao mínimo cresça à taxa de expansão do PIB.
Projeções de gastos com Previdência têm alta de R$ 31 bi ao longo do ano
Adriana Fernandes / FOLHA DE SP
As projeções de despesas com a Previdência Social subiram R$ 31 bilhões ao longo deste ano, apesar do programa em curso de pente-fino e melhoria da gestão dos gastos com o pagamento dos benefícios implementado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A alta leva em conta o previsto na lei orçamentária e os dados do 5º Relatório Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas do Orçamento de 2024, enviados ao Congresso nesta sexta-feira (22). O valor dos gastos do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) do Orçamento são aprovados pelo Congresso, mas essencialmente definidos pelo Executivo.
Entre o 1º e o 5º relatórios, o salto das estimativas dos gastos com benefícios previdenciários foi de R$ 25,4 bilhões, de acordo com os dados oficiais.
Com base na nova revisão das previsões, apontada no último relatório, o governo anunciou na noite desta sexta-feira (22) que fará o bloqueio de R$ 6 bilhões nos gastos discricionários, que incluem custeio da máquina pública e investimentos. Com o novo bloqueio, a contenção total de gastos no Orçamento de 2024 alcança R$ 19,3 bilhões.
"Está havendo em 2024 um erro grosseiro das projeções. É uma variável que no passado se acertava muito de perto", afirma o pesquisador associado do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), Fabio Giambiagi.
O pesquisador lembra que ele e outros especialistas em contas públicas alertaram desde o início do ano para os dados subestimados das despesas da Previdência Social e a necessidade de medidas para conter seu crescimento.
"Falamos que era impossível [chegar aos números do governo]. Não estamos falando do sexo dos anjos. Como é que quem está de fora do governo está vendo e quem está de dentro não vê? ", diz.
Para ele, a imagem do Ministério do Planejamento fica comprometida com o erro em mais de R$ 30 bilhões nas projeções.
É com base nos dados dos relatórios bimestrais (março, maio, julho, setembro e novembro) que o governo aponta a necessidade de bloquear despesas para o cumprimento do teto de gastos, e contingenciar a fim de não estourar a meta fiscal de resultado das contas públicas.
O novo aumento nas despesas com a Previdência, retratado no relatório, reflete uma execução de gastos acima do esperado e uma redução nas estimativas dos impactos financeiros das ações de melhoria de gestão dos benefícios —uma das principais apostas do governo para conter a trajetória dessa despesa.
No início do ano, o governo esperava uma economia de R$ 10 bilhões com o programa, valor que caiu para R$ 9 bilhões, em julho, e depois a R$ 6,8 bilhões, em setembro. Os dados de novembro só serão conhecidos na segunda-feira (25).
"Houve um erro e espero que não se repita em 2025, porque é muito ruim para o sistema de planejamento", diz. Para o ano que vem, o governo já anunciou uma economia de R$ 25,9 bilhões em despesas com benefícios sociais, que passarão por um pente-fino e aperto nas regras.
Além disso, um pacote de contenção do crescimento de gastos está em elaboração no governo e deve ser anunciado na semana que vem, após seguidos adiamentos.
Especialista em Previdência Social, Giambiagi vê também negligência do Ministério da Previdência no controle do auxílio-doença, o chamado benefício por incapacidade temporária.
"O auxílio-doença foi uma variável que fugiu completamente ao controle e certamente a responsabilidade é do Ministério da Previdência por ter deixado isso acontecer", critica.
"Em qualquer empresa privada, se tem uma despesa que normalmente é 100 e, no mês passa a ser 102, o gerente passa a olhar com cuidado. Se no mês seguinte passa a ser 104, o presidente fica sabendo. Se um mês depois sobe para 106, o gerente é demitido", acrescenta. Na sua avaliação, o aumento dos gastos com o benefício mostram uma fiscalização frouxa.
Giambiagi prevê que as projeções mais altas vão impactar o projeto de Orçamento do ano que vem, que será votado ainda pelo Congresso. Para 2025, o governo estimou no projeto um gasto de R$ 1 trilhão com os benefícios do INSS.
SEM CORTE DE GASTOS
Na expectativa das medidas do pacote do governo, o pesquisador critica a imprensa ao usar o termo corte de gastos para se referir ao pacote fiscal.
"A imprensa está comendo mosca na linguagem utilizada. Ela fica falando o tempo todo de corte e o coitado do leitor acha que vai se gastar menos do que se gasta hoje. Não vai. O gasto continuará aumentando. O que estamos falando é do perfil do gasto", alerta.
Segundo o pesquisador, o pacote do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem o único e exclusivo fim de abrir espaço fiscal para que as despesas discricionárias não sejam enxugadas excessivamente.
Ele lamenta que hoje a discussão seja se o salário mínimo vai aumentar 2,5% ou 3% ao ano, em referência a uma das principais medidas em discussão no governo para limitar o ganho real do piso nacional, com o objetivo de alinhar a política de valorização às regras do arcabouço fiscal —cujo limite de despesas tem expansão real de 0,6% a 2,5% ao ano. "É uma medida tímida", avalia.
Empresas mostram como gasto de Lula fomenta o rentismo
O país flerta perigosamente com uma crise de financiamento, que não tardará a se revelar se não houver ações corretivas por parte do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Mesmo com a arrecadação federal em nível elevado, de cerca de 22,6% do Produto Interno Bruto nos 12 meses acumulados até outubro, maior patamar desde 2008, o deficit do Tesouro Nacional deve terminar 2024 em 0,7% do PIB —sem contar a despesa com juros, na casa dos 7% do PIB.
Como resultado a dívida pública está em trajetória explosiva, tendo subido de 71,7% do produto no final de 2022 para 78,3% em setembro. As projeções da Instituição Fiscal Independente (IFI) apontam para 84,1% ao final de 2026, e a mesma entidade calcula que as medidas do governo atual, se mantidas, custarão até R$ 3 trilhões em dez anos.
A consequência da gastança sem controle —herança maldita de Lula para si mesmo— é a disparada dos juros de mercado, que apontam um pico para a taxa Selic de até 14% ao ano. Descontada a inflação, a rentabilidade dos títulos públicos de prazos mais longos se aproxima de 7%, o que é insustentável.
Qualquer desaceleração da economia afetará a coleta de impostos, elevará ainda mais o rombo nas contas e impulsionará o crescimento da dívida além das projeções atuais, que já são temerárias.
O aperto das condições financeiras cobra sua conta. Não é surpresa que as empresas retraiam investimentos e prefiram deixar seus recursos em papéis de curto prazo do governo, indexados à taxa do Banco Central.
Em setembro, são R$ 232,4 bilhões de companhias abertas (fora a Petrobras) que poderiam estar a serviço de investimentos e empregos, 55% a mais que em março de 2021, segundo levantamento da consultoria Elos Ayta noticiado pela Folha. Não tardará para a economia perder vigor, também por causa da pressão em empresas e famílias endividadas.
No curto prazo, os tão atacados rentistas até agradecem a Lula e ao PT. É um erro, porém, acreditar que os juros altos por muitos anos adiante poderão atrair investidores de forma sustentável. Sem sustentabilidade fiscal, com o tempo nenhuma taxa será suficiente para convencer credores.
Ninguém —nem bancos nem investidores— gosta de juros altos. Custo de capital elevado destrói valor ao reduzir preços de ativos, sejam imóveis, ações e os próprios papéis da dívida.
Não passa de infantilidade a crença em conspirações da elite e do mercado financeiro. Muito ao contrário, no início do terceiro mandato de Lula havia expectativas positivas de que o mandatário, com sua experiencia, saberia lidar com as contradições de forma pragmática.
Infelizmente, até aqui ele optou pelo caminho incendiário. Agora, ou apaga as chamas com um programa sério de controle de gastos, cuja divulgação é esperada há semanas, ou seu governo e o país serão ameaçados pela perspectiva de insolvência.
Profissionais do IJF trabalham com improviso, atraso salarial e adoecimento: 'desgastado e fraco'
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Em meio à rotina caótica da unidade, especializada no tratamento de traumas de alta complexidade, palavras como “angústia” e “impotência” marcam os depoimentos de quem está na linha de frente, funcionários de diferentes áreas do IJF ouvidos pela reportagem. Por questões de segurança, todos os nomes aqui são fictícios.
Maria*, técnica de enfermagem servidora do hospital há mais de uma década, por exemplo, relata que nunca imaginou passar por um momento como o atual – embora reconheça que “esse colapso já havia sido anunciado pelos servidores há muito tempo, e reflete negligência histórica”.
Denúncias recebidas pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) na última semana, reportadas pelo Diário do Nordeste, dão conta de que 279 de 375 medicamentos estariam com estoque zerado no Instituto.
Além disso, relatos de pacientes e acompanhantes descrevem a carência de itens essenciais, como gaze, fraldas e lençóis; bem como o cancelamento de cirurgias, a falta de estrutura para acompanhantes – que precisam dormir no chão, em papelões – e até a demora na entrega de refeições.
Diante crise, o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) marcou uma audiência inicial de conciliação para a próxima terça-feira (26), às 10h, no Fórum Clóvis Beviláqua, na Capital. A ideia é promover o "diálogo institucional" entre os representantes do Ministério Público e da Procuradoria-Geral do Município de Fortaleza.
A marcação da audiência vem em resposta à Ação Civil Pública (ACP) ingressada pelo MPCE, em 7 de novembro, a partir da 137ª Promotoria de Justiça de Fortaleza, após os problemas de abastecimento na unidade persistirem desde o início do ano e se intensificarem nos últimos meses.
‘Adoecimento generalizado’
Maria* aponta ainda que a rotina hospitalar é prejudicada pela quantidade insuficiente de profissionais. A técnica estima, por meio de um dimensionamento indicado pelo próprio departamento de Enfermaria da unidade, que o número ideal seria de 782 enfermeiros e 1.698 técnicos.
No entanto, a escala normal – sem contar com a suplementação de horas extras, por exemplo – indica que o hospital tem 493 enfermeiros e 1.112 técnicos, quantidades respectivamente 37% e 7% menores do que as ideais.
“Somos submetidos a cargas horárias excessivas, baixos salários e sobrecarga de serviço devido à escassez de recursos humanos. Tudo isso tem gerado um adoecimento físico e mental generalizado entre os profissionais”, lamenta a servidora.
José*, também servidor da instituição, reforça o sentimento de impotência diante do dever de cuidar dos pacientes. “Você se sente incapaz quando chega em um ambiente que não te dá condições mínimas de trabalho. Me sinto desgastado e fraco”, confessa o profissional.
“Isso impacta diretamente na minha saúde mental, pois muitas vezes você está vendo o paciente ter uma piora clínica por conta de você não ter a medicação para administrar. Daí você pensa: e se fosse eu ou uma pessoa minha?”, pondera.
Os improvisos que os trabalhadores precisam fazer para dar conta da assistência são, em alguns cenários, insuficientes, como relata Ana*, outra servidora ouvida pela reportagem. “Fico muito triste de ver os pacientes idosos chegando do centro cirúrgico já com dor, devido à falta de morfina. Meu coração fica destruído”, queixa-se a técnica de enfermagem.
“A enfermagem zela pelo paciente, mas como podemos dar o nosso melhor com a falta de tudo?”
Julia* compartilha do sentimento de impotência. No último plantão, uma paciente dela passou mal com crise de vômitos, mas não havia medicação para prestar o devido socorro. “Foi muito angustiante e revoltante ver isso. Tive uma crise de choro. Quando acontecer de um paciente ter uma ocorrência grave, precisar de uma medicação, não ter e ele vir a óbito, não quero estar nesse plantão”, sentencia.
No cenário de faltas e de equipes desfalcadas, a trabalhadora afirma que, para garantir a própria saúde, faz tudo “dentro do tempo que o psicológico permite”. “Não faço mais nada atropelado como eu fazia antes, que era nas carreiras para dar tempo cumprir todos os protocolos. Hoje, vamos fazer o que é de competência de cada um, não de cada 10.”
Representando profissionais de nível médio e técnico que atuam na área, como os de enfermagem, o Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Ceará (Sindsaúde/CE) acompanha o cenário de insuficiências.
À reportagem, na semana passada, a diretora da entidade, Marta Brandão, contou que as maiores queixas envolvem o subdimensionamento da equipe de saúde, o que gera uma maior sobrecarga de trabalho e motiva altos índices de afastamento.
‘Efeito dominó’
Dois médicos ouvidos pelo Diário do Nordeste reforçam que o cenário tem gerado adoecimento mental e conflitos internos diante da impotência para garantir o direito da população à saúde. Jorge*, ortopedista e servidor que atua com cirurgias, relata que a falta de materiais gera um efeito dominó grave.
“A falta de remédios e insumos é uma realidade, e isso afeta principalmente os procedimentos. Eu preciso de um tipo de material pra fazer a cirurgia, então os pacientes que precisam ficam internados sem previsão de fazerem o procedimento, o que pode levar não só a complicações imediatas, mas sequelas a longo prazo, ficando até sem andar”, diz.
“Essa situação causa estresse. Duas semanas que venho trabalhar, tinha procedimento marcado, mas não tinha material, anestesista ou equipe”, destaca Jorge*.
Daniel*, médico que trabalha na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do IJF, endossa que “faltam insumos básicos, desde material de curativo a remédios básicos como analgésicos, antitérmicos, para náuseas e vômitos, anticoagulante e até antibióticos”.
A situação, ele frisa, “abala não só a saúde dos pacientes, de maneira que você via as pessoas piorarem na sua cara, mas a gente também se sente mal. Passamos a entender que ou a gente seria sincero com as famílias ou ia acabar surtando. E passamos a dizer a verdade”. O médico complementa: "a gente também tá adoecendo com essas condições de trabalho péssimas”.
Paralisação de atividades
Na última quinta-feira (21), médicos que atuam no IJF por meio da Cooperativa dos Médicos Traumatologistas e Ortopedistas do Estado do Ceará (Coomtoce) e anestesiologistas ligados à Cooperativa dos Médicos Anestesiologistas do Ceará (Coopanest) paralisaram os atendimentos devido a atrasos salariais.
De acordo com o Sindicato dos Médicos do Ceará, o montante não pago aos ortopedistas e traumatologistas chega a R$ 800 mil, referente a salários de janeiro, junho, julho e agosto. Já os anestesiologistas têm mais de R$ 1,7 milhão em aberto referentes a junho, julho, agosto e setembro.
O sindicato afirma que “oficiou a Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza (SMS) e o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), por meio da Promotoria de Justiça da Saúde Pública, requerendo a providência de medidas que garantam a regularização dos pagamentos, além do resguardo do direito ao acesso à saúde dos usuários do SUS”.
O que diz o IJF
O Diário do Nordeste contatou o IJF e a SMS, por meio das assessorias de comunicação, pedindo esclarecimentos sobre os pontos relatados pelos profissionais de saúde da unidade. Não houve resposta até a publicação desta reportagem.
Em paralelo, o prefeito José Sarto (PDT) anunciou, na última quinta-feira (21), a criação de uma força-tarefa imediata para garantir medicamentos e insumos que faltam na unidade.
Além disso, a gestão do hospital ficará a cargo, temporariamente, de um grupo formado por representantes da Secretaria da Saúde, da Secretaria de Finanças, da Secretaria de Governo e da Procuradoria Geral do Município.
Segundo o chefe do Executivo Municipal, será dado "suporte e agilidade" às compras e aos pagamentos do IJF. A operação foi definida após reunião com a cúpula da Prefeitura nesta tarde.