Lula, o PT e o Congresso
O governo Luiz Inácio Lula da Silva trouxe alívio à vida política e institucional do país ao pacificar as relações do Planalto com o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional. Com o primeiro, a proximidade pode ter ido além da conta; com o segundo, mesmo sem maioria parlamentar segura, o petista soube manter diálogo e negociação —ao menos até há pouco.
Na quarta-feira (15), Lula achou por bem fazer uma crítica desqualificante à atual legislatura em ato público e ao lado do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB). "Hugo é presidente desse Congresso e ele sabe que esse Congresso nunca teve a qualidade de baixo nível como tem agora."
"Aquela extrema direita que se elegeu na eleição passada é o que existe de pior", completou o presidente da República, alegrando a plateia amistosa povoada por professores, no Rio de Janeiro.
Deixe-se de lado o fato de que Motta, vaiado no evento, não preside o Congresso, o que cabe ao chefe do Senado. É difícil dizer se Lula deixou-se levar pelo entusiasmo durante o improviso ou se calculou previamente o impacto da declaração. É certo, de todo modo, que ela se deu num contexto de animosidade de seu partido contra o Legislativo.
De alguns meses para cá, o PT tem tratado as resistências de parlamentares a propostas governistas de aumento de impostos como defesa de interesses milionários ante tentativas de promover justiça social. Essa campanha, que tem muito de farsesca, foi reavivada recentemente depois da derrubada de uma medida provisória que buscava R$ 20,9 bilhões em novas receitas para 2026.
É evidente que o presidente da República tem o direito de expressar suas opiniões —a questão é quando convém fazê-lo diante das responsabilidades do cargo. A retórica de confronto anima a militância, mas é inútil, se não contraproducente, quando se precisam aprovar projetos num Parlamento onde as forças à esquerda não chegam a 25%.
Lula não questionou a legitimidade do Legislativo, mas petistas caminham em terreno perigoso ao demonizar o Congresso como "inimigo do povo" —o partido, aliás, é useiro e vezeiro em radicalizar o discurso nos momentos de adversidade.
Se pode ajudar a disputar eleições, a polarização política atrapalha sobremaneira a tarefa de governar. Resta um ano até o pleito de 2026 e haverá medidas dificílimas a tomar no quadriênio seguinte, qualquer que seja o vencedor. Da perspectiva de Lula, nada indica que a próxima legislatura vá ser mais amigável que a atual.
Governo gastador paga mais ao mercado
Em um cenário global de alívio monetário, o Brasil se mantém preso a juros estratosféricos, em razão, fundamentalmente, do desajuste orçamentário do governo federal.
A administração petista promove mais gastos e promessas eleitoreiras, enfraquece o arcabouço fiscal que nem completou dois anos de vigência e permite que a dívida pública se aproxime de 78% do Produto Interno Bruto —no ritmo atual, estima-se que ela subirá até 95% em 2033.
Esse descontrole erode a confiança dos investidores e impõe um prêmio de risco que encarece o financiamento do déficit persistente da União. Não por acaso, o Tesouro Nacional paga hoje 8% ao ano mais a inflação nos títulos indexados ao IPCA com vencimento em 2029 e 7,7% nos papéis com prazo até 2035.
São taxas superiores às do fechamento do ano passado, quando a cotação do dólar estava em R$ 6,17, muito acima dos R$ 5,40. Um país cuja economia cresce a 3% ao ano ou menos não tem como suportar tais encargos por tempo indeterminado.
A pressão altista sobre o custo do dinheiro de médio e longo prazo ainda tem sido acentuada por emissões de títulos privados incentivados, entre eles as debêntures de infraestrutura isentas de Imposto de Renda. Projetadas para fomentar investimentos em estradas, ferrovias e saneamento, as emissões têm atraído maior demanda, graças às melhorias regulatórias dos últimos anos.
Para o mercado, trata-se opção atraente devido à alíquota zero de IR, ante a taxação de 15% a 22,5% nos títulos públicos. Na prática, há uma competição com os papéis do Tesouro, que assim precisa pagar algo mais para rolar sua dívida —e, diante da alta nas taxas, reduziu o volume de leilões nas últimas semanas.
A situação poderia ser ainda pior se não tivesse caído, na semana passada, a mais recente medida provisória de elevação de impostos do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Nas negociações com a Câmara dos Deputados, o Executivo havia concordado em manter os incentivos à parte dos papéis privados e elevar a taxação sobre outros, agravando a assimetria atual.
A tributação das aplicações financeiras continuará sendo objeto de debate necessário, mas a solução essencial para os problemas de financiamento do Tesouro é o controle da gastança do governo, o grande aspirador que suga a poupança nacional e mantém os juros elevados.
Na América Latina e na Ásia, as taxas têm caído, seguindo a expectativa de cortes nos juros americanos, que devem chegar a 3% ao ano até meados de 2026, de acordo com as projeções atuais.
No Brasil, enquanto isso, a Selic segue em 15% com diminuta perspectiva de corte, para algo entre 12,5% e 13% no final do próximo ano. Isso significa o pagamento de mais de R$ 840 bilhões aos credores da dívida federal apenas nos últimos 12 meses —o que inclui um grande presente para os famigerados rentistas.
Lula sobe no salto e rebaixa a Presidência
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a confundir sua posição de chefe de Estado e de governo com a de líder de facção política. Ao afirmar, diante do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que o Congresso “nunca teve o baixo nível como tem agora” e que a “extrema direita que se elegeu em 2022 é o que existe de pior”, Lula não só cometeu uma descortesia institucional, como afrontou o princípio basilar da democracia representativa: o respeito à legitimidade das urnas.
O discurso foi proferido em ambiente confortável, um evento pelo Dia dos Professores no Rio de Janeiro, diante de uma plateia simpática ao presidente da República e ao PT. Lá, à vontade entre apoiadores históricos, Lula fez o que sabe fazer melhor: transformar um ato oficial em palanque eleitoral. O antagonismo com o Congresso certamente será uma das linhas de sua campanha pela reeleição em 2026. O discurso maniqueísta está pronto: de um lado, o “povo”, que Lula diz representar; de outro, as “elites”, encarnadas nas instituições que impõem limites ao seu voluntarismo ou simplesmente não seguem a cartilha petista.
Com seus erros e acertos, o Congresso é a expressão da pluralidade social e política do País. Seus 513 deputados e 81 senadores foram eleitos pelo voto popular e gozam da mesmíssima legitimidade da qual está investido o sr. presidente da República. Nesse sentido, o Congresso não é “bom” nem “ruim” por natureza; apenas é o que é, reflexo das escolhas dos eleitores. Portanto, ao desqualificá-lo em bloco, Lula desrespeita não apenas os parlamentares que não comungam de sua ideologia, mas também os milhões de brasileiros que os elegeram.
É natural que Lula discorde de posições assumidas por parte do Congresso, sobretudo da Câmara, que, sob nova direção, tem imposto derrotas ao governo e aprovado medidas de autoproteção que soam escandalosas à opinião pública. A aprovação da chamada PEC da Blindagem, que levou milhares de cidadãos às ruas em protesto no dia 21 de setembro, é exemplo disso. Mas discordar é uma coisa, desqualificar é outra. Cabe ao chefe do Executivo se portar com a serenidade e o senso de responsabilidade que seu cargo exige, e não fomentar o descrédito em uma instituição quando esta contraria seus desejos ou não se alinha às suas visões de mundo.
A descortesia de Lula com Hugo Motta, a quem atribuiu erroneamente a presidência do Congresso – cargo que pertence ao senador Davi Alcolumbre (União-AP) –, é mais do que uma “gafe”. É um sintoma da soberba de quem parece ter se deixado inebriar pela retomada da popularidade e pela conveniência política de ter os bolsonaristas, que sofrem alta rejeição, como adversários preferenciais. A imposição de sanções políticas e econômicas ao Brasil pelos EUA tem sido explorada por Lula como a oportunidade perfeita para voltar à retórica do confronto: ele, o líder do “Brasil soberano”, contra as forças do atraso que conspiram contra o País – as quais o presidente, genericamente, empacota como “extrema direita”.
Ocupadíssimo com a campanha eleitoral, o presidente parece ter esquecido que tem um país para governar. E, para isso, não pode prescindir do Congresso. Lula governa em um regime presidencialista multipartidário, que ele conhece bem como poucos. Não é possível aprovar reformas, avançar em políticas públicas nem ao menos fingir buscar a estabilidade fiscal sem construir pontes com as forças políticas presentes no Legislativo – de todos os matizes.
O discurso do confronto institucional, além de irresponsável, isola o governo em um momento em que a economia clama por cooperação entre os Três Poderes. A agenda de equilíbrio fiscal, a reforma administrativa e a segurança pública, entre outras pautas prioritárias para o País, exigem pactos que, por óbvio, não virão dos insultos. Ao subir no salto e atacar genericamente o Congresso, Lula não enfraquece seus adversários políticos – rebaixa a própria Presidência da República.
É sintomático que Lula tenha escolhido um palanque cercado por apoiadores para expressar seu desrespeito por um Poder. Surdo pelos aplausos fáceis, deu vazão à empáfia de quem já se vê reeleito e, portanto, pode prescindir de alianças. Azar do País.
É urgente retomar território crescente em poder do crime
Por Editorial / O GLOBO
O domínio de vastas extensões do território brasileiro por facções criminosas e milícias tem se agravado. Praticamente um em cinco brasileiros (19%) diz conviver com o crime em sua vizinhança, segundo pesquisa Datafolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). São ao menos 28,5 milhões de cidadãos expostos ao crime organizado. No levantamento anterior, do ano passado, eram 23 milhões, ou 14% da população. Os dados refletem, no entender de Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do FBSP, a ampliação e o controle de territórios e mercados pelas facções.
A presença dos grupos criminosos é mais sentida em cidades com mais de 500 mil habitantes, capitais e municípios do Nordeste. O crime, diz a pesquisa, cerca tanto os moradores de baixa renda (19%) quanto os de renda mais alta (18%). Mais de um quarto (27%) da população dessas áreas afirma conhecer cemitérios clandestinos, onde são sepultados mortos que não aparecem nas estatísticas oficiais.
A pesquisa traduz a maior angústia que aflige os brasileiros. O cenário se revela em saraivadas de tiros nas guerras entre quadrilhas, na interdição de vias importantes em decorrência da violência, no fechamento constante de escolas e unidades de saúde, na cobrança de taxas ilegais, no medo que impõe mudanças de comportamento, restringindo o direito de ir e vir.
Os métodos usados até agora não têm dado resultado contra o crime organizado, a despeito dos altos investimentos em segurança. Não dão conta de facções cuja atuação ultrapassa a divisa dos estados e as fronteiras do país. Só serão combatidas com engajamento do governo federal e ação conjunta e coordenada de todas as forças da lei.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança, que tramita no Congresso, é um primeiro passo no rumo certo. Ela amplia a participação do governo federal no combate a facções e milícias, aumenta as atribuições das polícias Federal e Rodoviária Federal, reforça o financiamento, unifica bases de dados e propõe ações integradas sob coordenação federal. A oportunidade não pode ser desperdiçada. Divergências com os estados, que temem interferência de Brasília, não podem travar projeto tão relevante. Parlamentares podem até aperfeiçoar o texto, como quer o relator, deputado Mendonça Filho (União-PE), ao vetar a progressão de regime para líderes de facções. Mas sua essência precisa ser mantida.
É fundamental também que o governo acelere o pacote antimáfia, que ganhou relevância após a operação que expôs a infiltração do crime no mercado formal, usando postos de gasolina e instituições financeiras para lavar dinheiro. As ações previstas incluem aumento de penas e atualização da legislação para tornar mais célere a investigação de organizações criminosas.
É urgente que essas propostas avancem. A situação é crítica — e se agrava a cada dia. Um levantamento do GLOBO mostrou que o Brasil tem pelo menos 64 facções criminosas espalhadas pelas 27 unidades da Federação. Cada vez mais, elas se infiltram em atividades formais. A população está assustada. A preocupação do brasileiro com segurança pública tem crescido e se consolidou como a maior de todas, bem à frente de economia e saúde, revela a última pesquisa Quaest. Quanto mais tempo governo e Congresso levarem para agir, mais difícil será retomar os territórios do crime.
Educação precisa de gestão e realismo orçamentário
O relatório do Plano Nacional de Educação para o período de 2026 a 2035, apresentado na Câmara dos Deputados na terça-feira (14), contém objetivos meritórios, mas, assim como o PNE que findou em 2024, trata a questão orçamentária de modo irrealista.
Dados a estagnação dos indicadores nacionais de aprendizagem em níveis precários na última década, algumas experiências regionais exitosas e o montante não desprezível de dinheiro público destinado ao setor, resta claro que, mais do que aumento de verbas, a melhora da qualidade exige principalmente alocação racional do que já está disponível.
O projeto do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enviado ao Congresso Nacional previa elevar a despesa de União, Estados e municípios no ensino, hoje em torno dos 5% do PIB, para 7% até o sexto ano de vigência do plano e fantasiosos 10% até ao final. Era a mesma meta estipulada no PNE de 2014 —por óbvio não atingida, porque leis não fazem brotar dinheiro.
Na Câmara, a cifra foi reduzida para 7,5% ao final do período, com um acréscimo imaginado de 3,5% em aportes privados, totalizando 11% do PIB. Mas os 7,5% tampouco são realistas, considerando as severas restrições orçamentárias do país.
A verba pública direcionada à educação no Brasil é compatível com os padrões internacionais, o que evidencia correta prioridade atribuída a um setor essencial. Os aportes correspondem a 11% dos serviços totais do Estado, pouco acima da média da OCDE (10%), que reúne países desenvolvidos.
Ademais, deve-se considerar a transformação demográfica. A diminuição progressiva da natalidade faz e continuará fazendo com que o gasto por aluno aumente, mesmo que não haja expansão do gasto total.
O papel da modernização da gestão, com foco no aprendizado, se verifica em comparações regionais. Dados do Ministério da Educação (MEC) mostram que a taxa de alunos alfabetizados no 2º ano do ensino fundamental de São Paulo em 2024 foi de 58%, próximo da média nacional (59%), mas muito abaixo da medida no Ceará (85%), estado bem mais pobre.
O novo PNE estipula objetivo de 80% de crianças alfabetizadas nessa série até 2030 e de 100% até 2035; o anterior previa 100% no 3º ano da etapa em 2024. Das 10 metas do PNE de 2014, só 4 foram ao menos parcialmente cumpridas.
Planos de longo prazo exigem monitoramento regular para a obtenção de resultados, e a educação brasileira apresenta problemas crônicos nessa seara.
Assim, é bem-vindo o artigo que prevê que as metas do PNE sejam monitoradas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), ligado ao MEC, com a publicação bienal dos índices de alcance por unidades da Federação.
De todo modo, as boas intenção de uma lei formulada em Brasília dependerão de boas práticas de gestão do dinheiro do contribuinte por estados e municípios.
PF deflagra nova fase de operação sobre desvios em emendas e afasta prefeito na Bahia
A PF (Polícia Federal) deflagrou nesta quinta-feira (16) a sétima fase da Operação Overclean, que mira desvios de verbas públicas, corrupção e lavagem de dinheiro com recursos de emendas parlamentares.
Foram cumpridos seis mandados de busca e apreensão, uma medida cautelar de afastamento de agente público do cargo e o sequestro de valores obtidos de forma ilícita, nas cidades de Salvador, Riacho de Santana e Wenceslau Guimarães, na Bahia, e em Arraial do Cabo, no Rio de Janeiro.
O prefeito de Riacho de Santana (720 km de Salvador), João Vítor Laranjeira (PSD), foi afastado do cargo por determinação do STF (Supremo Tribunal Federal). Já o de Wenceslau Guimarães (155 km da capital), Gabriel de Parisio (MDB), foi alvo de busca e apreensão.
A reportagem não conseguiu contato com as defesas dos dois. As duas cidades têm, respectivamente, 35 mil e 24 mil habitantes.
João Vítor Laranjeira (PSD) e Gabriel Parisio (MDB) são aliados políticos do deputado federal Dal Barreto (União Brasil), que foi alvo de busca e apreensão na fase anterior da operação na última terça-feira (14).
O parlamentar teve o seu telefone celular apreendido pela polícia. Em nota, ele disse que não havia tido acesso ao inquérito policial e que estava à disposição da PF para colaborações.
De acordo com a polícia, o objetivo da operação é desarticular uma organização criminosa suspeita de envolvimento em fraudes licitatórias, desvio de recursos públicos, corrupção e lavagem de dinheiro.
Os investigados poderão responder pelos crimes de organização criminosa, corrupção ativa e passiva, peculato, fraude em licitações e contratos administrativos, além de lavagem de dinheiro.
As apurações da Overclean apontam a atuação de um grupo criminoso que teria atingido o Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas), órgão ligado ao Ministério da Integração Nacional, especialmente na Bahia.
O grupo, segundo a PF, teria direcionado recursos de emendas parlamentares e convênios para empresas ligadas a administrações municipais, com superfaturamento de obras e desvios financeiros. Ele teria movimentado cerca de R$ 1,4 bilhão em contratos fraudulentos e obras superfaturadas.
O inquérito, que tem entre os seus principais alvos pessoas ligadas ao União Brasil, foi para o Supremo por citar o deputado federal Elmar Nascimento, que representa o partido pela Bahia.
Também já foram alvos pessoas próximas ao grupo político do prefeito de Salvador, Bruno Reis. As apurações levaram ao afastamento do secretário de Educação de Belo Horizonte, Bruno Barral, que foi titular da mesma pasta em Salvador na gestão do ex-prefeito ACM Neto.
Apagão de vergonha
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
Horas após o incêndio no reator de uma subestação do Paraná deixar todas as regiões do País sem energia na madrugada do dia 14 passado, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, agiu como legítimo representante de um governo petista: minimizou o problema e usou o caso para fazer campanha eleitoral, ao comparar com apagões nos governos de Fernando Henrique Cardoso e Jair Bolsonaro.
O incêndio ocorreu à 0h32 e, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o fornecimento de energia só foi integralmente restabelecido no País por volta das 3h. O tempo de interrupção variou por região, mas, se tivesse ocorrido em horário de pico, os prejuízos seriam mais drásticos. Não foram, e a isso Silveira aferrou-se para declarar, no programa de rádio Bom Dia, Ministro, da rede oficial EBC, que “o dano foi pontual”, contido pela “robustez do sistema”.
Não é bem assim. É claro que mecanismos de segurança foram acionados para cortar o fornecimento de eletricidade e evitar estragos maiores, da mesma forma como um disjuntor desarma a corrente elétrica de uma residência em caso de sobrecarga e evita curtos-circuitos. Mas foi uma questão de sorte o acidente ter ocorrido em horário conhecido como “fora de ponta”, quando a maioria das pessoas está dormindo ou em atividades de baixo consumo de energia.
Ademais, o que se espera da confiabilidade de um sistema nacional interligado, como o brasileiro, é que as consequências de um evento regional fiquem isoladas àquela região. Muitos especialistas se disseram surpresos com o fato de que um problema em apenas um reator desligou a usina inteira e seguiu em efeito cascata com o desligamento total de linhas que conectam usinas do Sul ao Sudeste, espalhando danos pelo Centro-Oeste, Norte e Nordeste. E não foi a primeira vez. Em 2023, primeiro ano do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, uma falha em parques eólicos e solares do Ceará deixou quase todo o País às escuras.
Mas o ministro Alexandre Silveira preferiu sair à petista: ao invés de encarar o ocorrido com transparência, assumindo responsabilidades e procurando firmar garantias de que episódios como esse não irão mais acontecer, escolheu lembrar de apagões ocorridos em governos aos quais o PT fazia oposição. “Quando se fala em apagão, a gente se sempre lembra dos tristes episódios de 2001 e 2021, que na verdade aconteceram por falta de energia e de planejamento. Hoje não. Hoje nós temos muita energia”, disse.
E foi além, argumentando que a população precisa entender que hoje não há falta de energia, mas problemas na infraestrutura que transmite a energia. Ora, falhas em transmissão ou distribuição, manutenção deficiente ou produção insuficiente levam ao mesmo problema: cortes no fornecimento de energia que, pela extensão, podem se traduzir em apagão. E tudo, ao fim e ao cabo, é uma ques
A inútil retaliação governista
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
Com a amargura de quem sofreu nova desonra política em votação de alta relevância no Congresso, os articuladores políticos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva iniciaram a única retaliação que aparentemente lhes restava: exoneraram cerca de 380 indicados de partidos de centro que ocupavam cargos comissionados em ministérios e autarquias. Na lista de demitidos há uma centena de nomes filiados ao União Brasil e ao MDB, e dezenas de indicados por PSD, PP e Republicanos, legendas que, embora oficialmente integrem a base governista, frequentemente votam contra pautas de interesse do Palácio do Planalto – uma contradição levada ao paroxismo na recente votação da Medida Provisória 1.303, a MP dos impostos. É um movimento para “reorganizar a base”, disse a ministra Gleisi Hoffmann. “Quem está sendo leal ao governo tem que ser valorizado e quem não está não tem por que ficar”, justificou.
É hora de deixar de lado os eufemismos palacianos. Descontada a explicitação do tradicional “toma lá, dá cá” sobre o qual se assentam as práticas rotineiras em Brasília – cargos e verbas em troca de votos –, o episódio ampliou ainda mais a já extensa lista de reveses do governo na conturbada relação com o Congresso e sua base. As sucessivas goleadas sofridas revelam verdades inconvenientes que Lula e seu entorno tentam esconder. A principal delas é que não existem vítimas nem algozes nesse enredo: tem-se uma base de apoio ao governo no Congresso que já há algum tempo se apresenta como peça de ficção, um governo que opera sem instrumentos de navegação política, um presidente incapaz de manejar sua coalizão com eficiência e uma maioria legislativa que, dotada de superpoderes no controle do Orçamento da União, passou a ignorar com cada vez mais atrevimento as diretrizes do Executivo.
A retaliação, no fundo, só espelha o próprio fracasso do governo. Atônito por não saber lidar com a nova realidade, tende a explicar a própria inépcia com a infidelidade da base e os interesses do Centrão. Como se sabe, partidos como União Brasil e PP, divididos entre o desejo de manter nacos de poder e a perspectiva eleitoral do ano que vem, quando devem sair abraçados a candidatos de oposição, tentaram instituir algo impensável até mesmo para os padrões elásticos de coerência ideológica e partidária do País: o governismo de oposição. E assim, enquanto ocupam oficialmente a base governista e usufruem dos cargos e verbas de ministérios e estatais, difundem críticas públicas ferozes ao governo que supostamente representam e trabalham por candidaturas oposicionistas.
Mas isso não desfaz o diagnóstico de que o problema é menos de disfuncionalidade entre os dois Poderes e muito mais a má gestão da coalizão. O maior controle orçamentário pelo Legislativo inflacionou o custo político, mas o fato é que não o inviabilizou. O maior prejuízo governista decorre, isso sim, das escolhas do governo. Afinal, o PT, sempre fiel a si mesmo, optou por uma coalizão ampla, com 16 partidos e forte heterogeneidade ideológica, mas não aprendeu a dividir o poder. Controla 15 entre 38 ministérios, enquanto seus principais parceiros – PSD, MDB e União Brasil, cuja cúpula acaba de desistir oficialmente de ser governo – dominam apenas três pastas cada. Completa o ciclo a promessa de uma “frente ampla” jamais cumprida, um mandato mais petista do que nunca e a vocação para a esperteza em matéria fiscal e tributária, o que deu a deixa para que parte do Congresso, formado em grande medida por cupins do Orçamento público, apresente-se como vestal do gasto público.
O resultado foi mapeado por recente reportagem do Estadão: o terceiro mandato de Lula exibe o pior aproveitamento no Congresso desde 1988, tendo transformado em lei apenas 62 das 239 propostas enviadas ao Legislativo. É uma taxa de sucesso de 25%, modesta ante os antecessores, incluindo até mesmo Dilma Rousseff, reconhecida pela incompetência no trato com parlamentares. Enquanto isso, Lula – aquele até pouco tempo visto como encantador de serpentes – assiste inerte. E assim só lhe resta a retaliação, gesto inevitável porém tardio e de pouco efeito prático para o que mais importa ao governo.
Novo PNE acerta ao aumentar pressão para melhorar o ensino
Por Editorial / o globo
O relatório do novo Plano Nacional de Educação (PNE), em tramitação no Congresso, propõe aumentar a pressão sobre o sistema educacional para que apresente melhores resultados. O substitutivo da proposta original do MEC, sob apreciação da Comissão Especial presidida pela deputada Tabata Amaral (PSB-SP), estabelece que as secretarias estaduais e municipais de Educação precisarão elaborar planos de ação a cada dois anos e estipula critérios mais adequados para avaliação da qualidade do ensino, hoje medida exclusivamente pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), calculado de acordo com o desempenho dos alunos em testes padronizados.
O monitoramento mais próximo das políticas educacionais tem por objetivo levar os governos a atingir as metas de melhoria da qualidade do ensino. Dependerá do rendimento da rede escolar, acompanhado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o acesso a um fundo constituído por royalties do petróleo. “As redes precisam estar em dia com seus planos de ação e, de fato, mostrar desempenho positivo em relação a si mesmas”, diz Tabata.
Quanto à avaliação do ensino, o Ideb continuará a ser calculado. Mas outro indicador também sujeito a meta terá maior protagonismo: a proporção de alunos com aprendizado adequado. Não se trata de manobra para escamotear os maus resultados que o país tem apresentado no Ideb, mas de ampliação do monitoramento. Há tempos o Ideb é criticado por suas limitações, em especial o “fetiche do ranking”, na descrição feliz da educadora Maria Helena Guimarães de Castro, ex-presidente do Inep e ex-secretária executiva do MEC quando se criou a base técnica do Ideb. Ele induz governadores e prefeitos a buscar a qualquer custo subir na lista de classificação das redes públicas, sem se preocupar com o mais importante: alunos bem formados e instruídos.
O novo PNE acerta ao estabelecer metas mais ambiciosas para que o país saia da atual situação, em que a melhora no ciclo fundamental não tem se refletido no ensino médio. A meta para alfabetização infantil passará a ser o final do segundo ano do ensino fundamental, e não mais o terceiro. No ensino superior, a meta exige 40% dos jovens de 18 a 24 anos matriculados na graduação, ante o objetivo anterior de 33% (no ano passado, chegou-se a 27%).
Em nota técnica, o movimento Todos Pela Educação vê avanços em relação à proposta original, entre eles os planos de ação a cada dois anos. Mas sugere que se estabeleçam também metas mais realistas, como zerar, em dez anos, o percentual de alunos abaixo do nível básico de aprendizado. Seja qual for o caminho, não se poderá esquecer o aprimoramento dos professores, com políticas específicas e incentivos à qualificação. Trata-se de condição essencial para o êxito de qualquer política educacional.
Plano do governo Lula para ‘salvar’ Correios de rombo bilionário repete roteiro obsoleto
Já virou lugar-comum para quem acompanha o noticiário no Brasil dizer que vivemos mergulhados num recorrente Dia da Marmota. A expressão, para os não familiarizados, é uma referência ao filme “Feitiço do tempo”, com Bill Murray, em que o protagonista acorda toda manhã para viver o mesmo dia em que os mesmos fatos se repetem, mas só ele percebe. Há vários “Dias da Marmota” rolando no Brasil neste momento, mas poucos vêm de tão longe e são tão sintomáticos quanto o dos Correios.
A estatal divulgou ontem um plano de reestruturação com medidas genéricas, de corte de despesas, demissões e venda de ativos a renegociação de contratos com fornecedores para recuperar a competitividade. Não foi informado quantas demissões, qual a economia estimada, se haverá metas de eficiência ou em que prazo se daria a tal recuperação.
O único dado concreto é que a empresa precisará de um socorro de R$ 20 bilhões para não quebrar. Como o governo Lula briga neste momento com o Congresso por mais recursos, alegando dificuldades fiscais, fica feio dizer que enterrará uma bolada dessas numa estatal obsoleta e deficitária. Ficou combinado então que o empréstimo será feito por um consórcio de bancos, com garantia do Tesouro. Na prática, se os Correios derem o calote, o contribuinte pagará a conta. Não é dinheiro da União, mas é.
Considerando que esse já é o segundo plano de demissão voluntária desde o início do ano e que o empréstimo de R$ 20 bilhões já vem para cobrir outro de R$ 1,8 bilhão feito agora em junho, fica evidente que a reestruturação é cortina de fumaça para esconder um fato eloquente: os Correios são “insalváveis”. Ao longo das últimas décadas, suas funções mais relevantes são cabide de emprego e foco de corrupção.
Para que fique clara a dimensão desse Dia da Marmota, foi ali que nasceu o primeiro escândalo de corrupção do primeiro mandato de Lula, lá em 2005, quando veio à tona um vídeo mostrando um apadrinhado do hoje bolsonarista Roberto Jefferson enfiando no bolso maços de dinheiro de propina recém-recebida. Pressionado, Jefferson revidou revelando o mensalão, e o resto é História.
Em 2010, a direção dos Correios, já franqueada por Lula e Dilma Rousseff ao PMDB, aplicou o dinheiro do fundo de pensão dos funcionários, o Postalis, em títulos da Venezuela e da Argentina e numa série de empreendimentos fraudulentos que se tornaram alvo de operações da Polícia Federal, com prisões e delações premiadas. O rombo, estimado em mais de R$ 15 bilhões, é pago até hoje pela estatal, por seus funcionários e pelos aposentados, que chegam a sofrer 80% de desconto no contracheque.
Depois do trauma, Michel Temer e Jair Bolsonaro incluíram os Correios no plano de privatizações e começaram a preparar a empresa para a venda, com planos de demissão voluntária, fechamento de agências, automatização e encerramento de operações deficitárias — exatamente o mesmo cardápio de agora.
Combinados com a explosão do comércio digital na pandemia, os ajustes fizeram a companhia passar a dar um lucro que chegou a R$ 2,3 bilhões em 2021. A partir de 2022 — ano eleitoral e o último da gestão Bolsonaro —, a coisa voltou a degringolar.
Ao assumir, Lula anunciou concurso para contratar mais 3,5 mil funcionários, botou quadros do PT para mandar na companhia e sepultou a ideia de privatização. Quem defende a decisão diz que os Correios preenchem uma função social porque vão aonde ninguém vai, como comunidades conflagradas pela violência ou muito longínquas, em que entregar encomendas não dá lucro. Por isso, dizem, são insubstituíveis.
É o mesmo argumento usado nos anos 1990 contra a privatização da telefonia. Naquela época, os celulares e a internet engatinhavam, mas era claro que estatais obsoletas e corruptas não teriam a menor condição de competir com a nova tecnologia. Hoje ninguém mais sente falta dos orelhões, das fichas, nem de receber herança em ações da Telebras, e o Brasil é um dos países do mundo com mais celulares per capita.
É graças a esses aparelhos que boa parte da população das periferias, das favelas e até dos ermos da Floresta Amazônica faz negócios, enviando e recebendo encomendas não só pelos Correios, mas também pelos mercados livres e amazons da vida.
A experiência já mostrou que, com regulação bem feita, é possível estimular a competição e evitar a exclusão social. Dá até para obrigar as companhias a criar um sistema eficiente de distribuição de CEPs para que nenhum brasileiro fique sem endereço formal. O que não dá é para continuar torrando dezenas de bilhões do meu, do seu, do nosso para manter uma operação claramente insustentável. Nem a marmota de Bill Murray merece isso.