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Profissionais do IJF trabalham com improviso, atraso salarial e adoecimento: 'desgastado e fraco'

Escrito por Marcos Moreira e Theyse Viana / DIARIONORDESTE

 

Em meio à rotina caótica da unidade, especializada no tratamento de traumas de alta complexidade, palavras como “angústia” e “impotência” marcam os depoimentos de quem está na linha de frente, funcionários de diferentes áreas do IJF ouvidos pela reportagem. Por questões de segurança, todos os nomes aqui são fictícios.

Maria*, técnica de enfermagem servidora do hospital há mais de uma década, por exemplo, relata que nunca imaginou passar por um momento como o atual – embora reconheça que “esse colapso já havia sido anunciado pelos servidores há muito tempo, e reflete negligência histórica”.

Denúncias recebidas pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) na última semana, reportadas pelo Diário do Nordeste, dão conta de que 279 de 375 medicamentos estariam com estoque zerado no Instituto. 

Além disso, relatos de pacientes e acompanhantes descrevem a carência de itens essenciais, como gaze, fraldas e lençóis; bem como o cancelamento de cirurgias, a falta de estrutura para acompanhantes – que precisam dormir no chão, em papelões – e até a demora na entrega de refeições.

Diante crise, o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) marcou uma audiência inicial de conciliação para a próxima terça-feira (26), às 10h, no Fórum Clóvis Beviláqua, na Capital. A ideia é promover o "diálogo institucional" entre os representantes do Ministério Público e da Procuradoria-Geral do Município de Fortaleza.

A marcação da audiência vem em resposta à Ação Civil Pública (ACP) ingressada pelo MPCE, em 7 de novembro, a partir da 137ª Promotoria de Justiça de Fortaleza, após os problemas de abastecimento na unidade persistirem desde o início do ano e se intensificarem nos últimos meses.

‘Adoecimento generalizado’

Fachada lateral do IJF
Legenda: Equipes desfalcadas geram sobrecarga a profissionais de saúde
Foto: Ismael Soares

Maria* aponta ainda que a rotina hospitalar é prejudicada pela quantidade insuficiente de profissionais. A técnica estima, por meio de um dimensionamento indicado pelo próprio departamento de Enfermaria da unidade, que o número ideal seria de 782 enfermeiros e 1.698 técnicos. 

No entanto, a escala normal – sem contar com a suplementação de horas extras, por exemplo – indica que o hospital tem 493 enfermeiros e 1.112 técnicos, quantidades respectivamente 37% e 7% menores do que as ideais.

“Somos submetidos a cargas horárias excessivas, baixos salários e sobrecarga de serviço devido à escassez de recursos humanos. Tudo isso tem gerado um adoecimento físico e mental generalizado entre os profissionais”, lamenta a servidora. 

José*, também servidor da instituição, reforça o sentimento de impotência diante do dever de cuidar dos pacientes. “Você se sente incapaz quando chega em um ambiente que não te dá condições mínimas de trabalho. Me sinto desgastado e fraco”, confessa o profissional.

“Isso impacta diretamente na minha saúde mental, pois muitas vezes você está vendo o paciente ter uma piora clínica por conta de você não ter a medicação para administrar. Daí você pensa: e se fosse eu ou uma pessoa minha?”, pondera.

Os improvisos que os trabalhadores precisam fazer para dar conta da assistência são, em alguns cenários, insuficientes, como relata Ana*, outra servidora ouvida pela reportagem. “Fico muito triste de ver os pacientes idosos chegando do centro cirúrgico já com dor, devido à falta de morfina. Meu coração fica destruído”, queixa-se a técnica de enfermagem.

“A enfermagem zela pelo paciente, mas como podemos dar o nosso melhor com a falta de tudo?”
Prateleira de farmácia com medicamentos
Legenda: Falta de medicamentos básicos, como analgésicos, é confirmada por profissionais de saúde do IJF
Foto: Ismael Soares

Julia* compartilha do sentimento de impotência. No último plantão, uma paciente dela passou mal com crise de vômitos, mas não havia medicação para prestar o devido socorro. “Foi muito angustiante e revoltante ver isso. Tive uma crise de choro. Quando acontecer de um paciente ter uma ocorrência grave, precisar de uma medicação, não ter e ele vir a óbito, não quero estar nesse plantão”, sentencia.

No cenário de faltas e de equipes desfalcadas, a trabalhadora afirma que, para garantir a própria saúde, faz tudo “dentro do tempo que o psicológico permite”. “Não faço mais nada atropelado como eu fazia antes, que era nas carreiras para dar tempo cumprir todos os protocolos. Hoje, vamos fazer o que é de competência de cada um, não de cada 10.”

Representando profissionais de nível médio e técnico que atuam na área, como os de enfermagem, o Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Ceará (Sindsaúde/CE) acompanha o cenário de insuficiências.

À reportagem, na semana passada, a diretora da entidade, Marta Brandão, contou que as maiores queixas envolvem o subdimensionamento da equipe de saúde, o que gera uma maior sobrecarga de trabalho e motiva altos índices de afastamento.

‘Efeito dominó’

Dois médicos ouvidos pelo Diário do Nordeste reforçam que o cenário tem gerado adoecimento mental e conflitos internos diante da impotência para garantir o direito da população à saúde. Jorge*, ortopedista e servidor que atua com cirurgias, relata que a falta de materiais gera um efeito dominó grave.

“A falta de remédios e insumos é uma realidade, e isso afeta principalmente os procedimentos. Eu preciso de um tipo de material pra fazer a cirurgia, então os pacientes que precisam ficam internados sem previsão de fazerem o procedimento, o que pode levar não só a complicações imediatas, mas sequelas a longo prazo, ficando até sem andar”, diz.

“Essa situação causa estresse. Duas semanas que venho trabalhar, tinha procedimento marcado, mas não tinha material, anestesista ou equipe”, destaca Jorge*.

Daniel*, médico que trabalha na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do IJF, endossa que “faltam insumos básicos, desde material de curativo a remédios básicos como analgésicos, antitérmicos, para náuseas e vômitos, anticoagulante e até antibióticos”.

A situação, ele frisa, “abala não só a saúde dos pacientes, de maneira que você via as pessoas piorarem na sua cara, mas a gente também se sente mal. Passamos a entender que ou a gente seria sincero com as famílias ou ia acabar surtando. E passamos a dizer a verdade”. O médico complementa: "a gente também tá adoecendo com essas condições de trabalho péssimas”.

Paralisação de atividades

Fachada lateral do IJF 2
Foto: Ismael Soares

Na última quinta-feira (21), médicos que atuam no IJF por meio da Cooperativa dos Médicos Traumatologistas e Ortopedistas do Estado do Ceará (Coomtoce) e anestesiologistas ligados à Cooperativa dos Médicos Anestesiologistas do Ceará (Coopanest) paralisaram os atendimentos devido a atrasos salariais. 

De acordo com o Sindicato dos Médicos do Ceará, o montante não pago aos ortopedistas e traumatologistas chega a R$ 800 mil, referente a salários de janeiro, junho, julho e agosto. Já os anestesiologistas têm mais de R$ 1,7 milhão em aberto referentes a junho, julho, agosto e setembro.

O sindicato afirma que “oficiou a Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza (SMS) e o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), por meio da Promotoria de Justiça da Saúde Pública, requerendo a providência de medidas que garantam a regularização dos pagamentos, além do resguardo do direito ao acesso à saúde dos usuários do SUS”.

O que diz o IJF

Diário do Nordeste contatou o IJF e a SMS, por meio das assessorias de comunicação, pedindo esclarecimentos sobre os pontos relatados pelos profissionais de saúde da unidade. Não houve resposta até a publicação desta reportagem.

Em paralelo, o prefeito José Sarto (PDT) anunciou, na última quinta-feira (21), a criação de uma força-tarefa imediata para garantir medicamentos e insumos que faltam na unidade.

Além disso, a gestão do hospital ficará a cargo, temporariamente, de um grupo formado por representantes da Secretaria da Saúde, da Secretaria de Finanças, da Secretaria de Governo e da Procuradoria Geral do Município. 

Segundo o chefe do Executivo Municipal, será dado "suporte e agilidade" às compras e aos pagamentos do IJF. A operação foi definida após reunião com a cúpula da Prefeitura nesta tarde.

 
 
 
 

Pacote de cortes gera desgaste para consertar problemas que o próprio governo semeou

Idiana Tomazelli

Escreve sobre economia, com foco em contas públicas, Previdência e políticas sociais / FOLHA DE SP

 

Em agosto de 2023, com apenas um dia de diferença entre as votações, a Câmara dos Deputados deu o sinal verde para duas medidas que selaram o destino —e as contradições— das contas públicas brasileiras no atual governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Na noite de 22 daquele mês, os deputados concluíram a aprovação do novo arcabouço fiscal, regra proposta pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) e que permite a expansão das despesas em até 2,5% acima da inflação ao ano.

Na sessão do dia seguinte, a mesma Casa avalizou a nova política de valorização do salário mínimo apresentada pelo governo Lula, que estabelece ganhos reais equivalentes ao avanço do PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos antes, resgatando um desenho que já havia vigorado em gestões anteriores do PT.

Tendo no crescimento pujante uma de suas principais bandeiras e apostas para resolver mazelas da economia brasileira, o governo petista escolheu ignorar o fato de que cumprir essa promessa colocaria em risco a regra fiscal que ele mesmo propôs. Afinal, o salário mínimo poderia crescer em ritmo mais veloz do que o limite global de despesas, puxando consigo ao menos 27% dos gastos (fatia do Orçamento diretamente atrelada ao piso).

Não fosse só isso, a nova velha política do salário mínimo foi restabelecida de forma permanente, não mais temporária como no passado, quando a regra precisava ser revalidada pelo Congresso Nacional a cada quatro anos.

incongruência foi deliberadamente contratada sob as bênçãos da equipe econômica. Em abril de 2023, Haddad disse, em entrevista à Folha, que o governo atacaria o crescimento das despesas obrigatórias. Menos de um mês depois, assinou ao lado dos ministros Luiz Marinho (Trabalho), Carlos Lupi (Previdência) e Simone Tebet (Planejamento) o projeto de lei que propôs uma política de valorização do piso dissonante do arcabouço.

Documentos internos da Fazenda mostram ainda que nenhuma das secretarias da pasta apresentou qualquer objeção à política do piso, embora àquela altura já fosse sabido que, por essa regra, o salário mínimo de 2024 teria ganho real de 2,9%, equivalente à alta do PIB em 2022 e acima da expansão do arcabouço.

O descompasso entre as duas regras é o que agora obriga o governo a rediscutir a política de valorização do salário mínimo no âmbito de uma revisão de gastos para a qual o próprio PT torce o nariz. Aliás, nos bastidores, pessoas influentes dentro do governo já questionavam quem teria a coragem de falar para Lula que uma de suas principais promessas de campanha era insustentável e precisaria mudar.

O desgaste seria evitável se, na origem, os diferentes governos dentro do Executivo tivessem conversado entre si e atuado de forma coordenada para estabelecer uma regra compatível com o todo.

Em vez disso, o governo Lula desperdiçou a oportunidade de aprimorar a política que determina o dinheiro no bolso de milhões de trabalhadores e aposentados brasileiros e ainda faturar politicamente em cima da herança depreciada deixada por Jair Bolsonaro (PL), que só reajustou o salário mínimo pela inflação.

Dado o retrospecto, um ganho real, ainda que mais brando do que o crescimento do PIB de dois anos antes, já seria um avanço —econômico, social e político.

Agora, o recuo necessário deixa no ar a sensação de retrocesso para aqueles que serão diretamente afetados pela medida.

Considerando parâmetros do próprio governo, o piso pode crescer R$ 6 a menos em 2025 a partir da mudança em estudo, que limita o ganho real do salário mínimo à expansão do arcabouço fiscal —de 2,5% no ano que vem. O mercado aplaude, a população se frustra e o PT calcula os estragos a menos de dois anos da campanha presidencial de 2026.

O mesmo dilema se impõe sobre os pisos de saúde e educação, que voltaram a ser vinculados às receitas e crescem num ritmo acima da expansão do arcabouço. Esse mecanismo foi reativado na transição, em 2022, por meio da PEC (proposta de emenda à Constituição) aprovada para desafogar o Orçamento de 2023, enviado por Bolsonaro repleto de cortes impraticáveis nas áreas sociais.

Antes, os pisos estavam congelados em valores de 2016. Depois disso, foram atualizados apenas pela inflação.

É verdade que Haddad foi oficializado como titular da Fazenda quando a discussão da PEC já estava em curso. A nova regra fiscal do governo ainda era um enigma. Mesmo assim, economistas avaliam que era possível prever no texto algum comando para a equipe econômica exercer posteriormente e conciliar a evolução dos pisos com o arcabouço fiscal.

O pacote de medidas de contenção de gastos segue cercado de especulações e sigilo, e os seguidos adiamentos do anúncio geram uma percepção de hesitação do presidente em apoiar ações tão impopulares. No entanto, o enfrentamento do problema que Lula e o PT precisam fazer agora é mera consequência da desarticulação que prevaleceu no início do governo. O desgaste político é o preço cobrado.

Projetos de Lula para segurança apresentados em momentos de crise seguem ritmo lento

Raquel LopesRenato Machado / FOLHA DE SP

 

Ministério da Justiça e Segurança Pública apresentou ao menos dez propostas de mudanças na legislação durante momentos de crise na segurança pública na gestão Lula (PT), mas todas seguem paradas, seja no Congresso Nacional ou dentro do próprio governo.

Apenas uma delas, que classifica a violência nas escolas como crime hediondo, obteve um pequeno sucesso, ao ser aprovada pela Câmara dos Deputados. Mas segue sem perspectiva de votação no Senado.

Apesar de terem sido apresentadas em grandes eventos no Palácio do Planalto, com a presença de Lula e como solução para as crises, o próprio governo não vem se empenhando para a aprovação dessas matérias, em particular no momento em que evita ruídos para não prejudicar a tramitação da pauta econômica.

A gestão de segurança pública do governo Lula tem sido marcada por uma série de crises, incluindo os eventos de 8 de janeiro de 2023, ataques a escolas, garimpo na Amazônia, queimadas criminosas e uma escalada da violência em estados como Bahia e Rio de Janeiro.

 

O tema, tradicionalmente dominado pela direita, é o segundo de maior preocupação entre os brasileiros, de acordo com pesquisa Datafolha publicada em dezembro.

No entanto, segundo aliados do próprio presidente e especialistas, o governo tem deixado de priorizar a articulação para projetos nessa área, direcionando seu foco principalmente para assuntos econômicos.

 

Um interlocutor no Palácio do Planalto aponta que o governo não renega essa e outras pautas, mas que a preferência tem sido dada para a aprovação de propostas da área social, que beneficiam as camadas mais carentes, além das propostas do ministro Fernando Haddad (Fazenda).

O resultado disso são projetos apresentados pelo Ministério da Justiça ainda parados na Casa Civil desde o primeiro mês do início da gestão, outros parados aguardando despacho do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ou que pouco andaram no Congresso.

O Ministério da Justiça disse, em nota, que todos os atos normativos elaborados estão tramitando regularmente, "em diálogo permanente tanto com a Casa Civil quanto com o Congresso Nacional, em articulação com a Secretária de Relações Institucionais".

A SRI aponta que esses temas integram a agenda estratégica do governo federal. No entanto, apesar de serem consideradas prioritárias para o Executivo, a pasta ressalva que elas seguem os trâmites legais e regimentais do Legislativo.

Em janeiro de 2023, em resposta aos ataques golpistas de 8 de janeiro, a pasta apresentou um pacote de quatro propostas. Entre elas, destacou-se uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para a criação de uma Guarda Nacional para a Esplanada dos Ministérios e a praça dos Três Poderes, iniciativa que continua na Casa Civil.

A proposta voltou ao centro do debate após o atentado com explosivos promovido por Francisco Wanderley Luiz, na noite de quarta-feira (13), na praça dos Três Poderes.

Interlocutores no governo, no entanto, apontam que a proteção de prédios e bens públicos é uma das atribuições previstas para a POF (Polícia Ostensiva Federal), força que seria criada com a aprovação de outra proposta apresentada posteriormente, já na gestão de Ricardo Lewandowski.

A proposta voltada para a regulação das redes sociais avançou porque o governo Lula optou por incorporar sugestões ao PL das Fake News, já em tramitação na Câmara. Ainda assim, a discussão do projeto segue parada.

As propostas para aumentar penas em crimes contra o Estado democrático de Direito e terrorismo, além de acelerar a perda de bens de seus financiadores, foram enviadas ao Congresso pelo Planalto apenas em julho, cinco meses após serem apresentadas.

Essas medidas integram um pacote de segurança pública apresentado pelo até então ministro da Justiça Flávio Dino e pelo presidente Lula em resposta às críticas sobre a atuação do governo nessa área.

Apesar do esforço para endurecer as leis, os projetos permanecem parados na mesa do presidente da Câmara, Arthur Lira.

Na ocasião, também foi apresentado um projeto de lei que classifica a violência nas escolas como crime hediondo. A proposta foi uma resposta a uma série de ataques a escolas. O texto avançou na Câmara, onde foi aprovado em plenário, mas ainda aguarda apreciação no Senado.

Em dezembro de 2023, o Ministério da Justiça apresentou um projeto de lei que visa priorizar investigações de mortes violentas envolvendo crianças e adolescentes como vítimas. A proposta ainda aguarda despacho do presidente da Câmara, para dar início à sua tramitação.

Outro projeto que aguarda despacho de Lira é o PL do Ouro, que estabelece normas mais rigorosas para controle da origem, compra, venda e transporte de ouro no Brasil, apresentado ao Congresso em junho de 2023.

Já o ministro Ricardo Lewandowski assumiu a pasta da Justiça em fevereiro deste ano e, desde então, apresentou duas propostas legislativas, com destaque para uma PEC.

A proposta visa incorporar o Susp (Sistema Único de Segurança Pública) ao texto constitucional. Com isso, a pasta quer dar ao governo federal o poder de estabelecer diretrizes mínimas de segurança pública para que estados possam seguir, sem tirar a autonomia das forças de segurança.

A PEC é uma das principais iniciativas da pasta liderada por Lewandowski em resposta às crescentes demandas por melhorias na segurança pública —agenda dominada por bolsonaristas.

O texto foi enviado ao Palácio do Planalto em junho deste ano, mas empacou na Casa Civil. No final do mês passado, houve um novo impulso com uma reunião convocada por Lula no Palácio do Planalto para discuti-lo com chefes de Poderes, ministros e os governadores estaduais. A proposta, no entanto, foi alvo de críticas de governadores da oposição.

O governo, por sua vez, acredita que a proposta deve ganhar um impulso nas próximas semanas, por causa de episódios recentes de violência, como o atentado na praça dos Três Poderes e a ação no aeroporto de Guarulhos contra o delator da facção PCC.

O coordenador do grupo Prerrogativas, Marco Aurélio de Carvalho, que é próximo a Lula, disse que acompanha com preocupação a ausência de debate sobre o tema.

"A responsabilidade política sempre é atribuída ao governo federal, mas ele não tem instrumentos jurídicos para intervir nessa crise da segurança."

Para o especialista em segurança pública Luís Flávio Sapori, a postura do governo de propor mudanças legislativas em momentos de crise é recorrente em todas as esferas de gestão —municipal, estadual e federal.

"O que falta é um plano nacional com ações de longo prazo, mais recursos para o fundo penitenciário, qualificação policial e custeio adequado das prisões, por exemplo."

 

'Crise de lençol': IJF tem acompanhantes em papelão, cirurgias suspensas e falta de 270 tipos de remédios

Marcos Moreira / DIARIONORDESTE

 

A precarização de serviços, a falta de medicamentos e insumos básicos, a suspensão de cirurgias e até a demora na distribuição de comida são alguns dos cenários que marcam o atual momento do Instituto Dr. José Frota (IJF), o maior hospital municipal de Fortaleza, especializado no tratamento de traumas de alta complexidade. É o que apontam relatos de usuários, sindicatos e profissionais que atuam na unidade ouvidos pelo Diário do Nordeste

 

panorama de deficiências contrasta com a importância da unidade de referência para a saúde pública cearense, gerido pela Prefeitura de Fortaleza, e que atende pacientes da Capital e do interior do Estado. 

A reportagem conversou com alguns acompanhantes e cuidadores que convivem no IJF, durante uma visita ao local, na manhã da última quinta-feira (14). Os depoimentos têm pontos em comum: inexistência de medicações e itens essenciais, como fraldas e lençóis, cancelamento de cirurgias, falta de estrutura para acompanhantes e demora na entrega das refeições. 

Um dos relatos mais graves foi recebido pelo Sindicato dos Médicos do Ceará (SIMEC-CE). Uma denúncia confidenciou para a entidade que, durante uma neurocirurgia de urgência, uma paciente precisou ficar três horas com o crânio aberto porque o hospital não tinha dreno. O procedimento só foi finalizado depois que o item – que custa cerca de R$ 30 – foi enviado do hospital Santa Casa da Misericórdia de Fortaleza, por meio de uma moto de aplicativo

Diante do caos que se arrasta desde o começo do ano, publicizado pelo Diário do Nordeste em junho, e tem se intensificado nos últimos meses, o Ministério Público do Ceará (MPCE) ingressou com Ação Civil Pública (ACP), em 7 de novembro, para que a gestão municipal resolva a situação do abastecimento de remédios e insumos.  

As denúncias recebidas pelo MPCE apontam que 279 dos 375 medicamentos estariam com estoque zerado no Instituto. Ao mesmo tempo, 263 insumos médicos, como agulhas, sondas, drenos, fios de sutura, entre outros, não estariam disponíveis – do total de 513 itens.

Em resposta, o Tribunal de Justiça do Ceará determinou, na última terça-feira (12), que os envolvidos – Prefeitura, Secretaria de Saúde e IJF – têm 72 horas para manifestarem-se após a notificação, que deverá ser feita de forma presencial, o que pode acarretar datas diferentes nos possíveis retornos. 

Acionada pelo Diário do Nordeste na última quinta-feira, sobre o assunto, a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) de Fortaleza repassou a demanda para a assessoria do próprio IJF. Por sua vez, a equipe do hospital não respondeu aos questionamentos da reportagem.

RELATOS DO CAOS

Um dos casos que evidenciam a situação do IJF é da Maria (nome fictício), de 41 anos – que preferiu não se identificar, – acompanhante da mãe, de 61 anos, que está internada há quatro meses no hospital, à espera de uma cirurgia no fêmur. Ela conta que o procedimento já chegou a ser marcado duas vezes, mas foi suspenso por uma série de carências, que vão de insumos a profissionais.

“Segundo eles, tinha que ter uma equipe preparada para fazer essa cirurgia da minha mãe, mas só que já tá com muito tempo e ela não fez nenhuma. Falta medicação, falta gaze, falta seringa, falta tudo”, desabafa a mulher.

Ainda segundo ela, há dias em que faltam medicamentos básicos, como tramadol e dipirona – utilizados no alívio da dor. “Ontem mesmo tive que comprar [tramal] lá para outra paciente do mesmo quarto que o médico deu a receita [mas não tinha]”, falou a usuária, em depoimento dado no dia 14 de novembro.  

‘CRISE DE LENÇOL E FRALDA’

“Já tivemos plantão aqui de não ter nem um pacote de fralda e a gente, na hora que o paciente estava inundado de xixi, sem poder higienizar porque não tinha fralda, simplesmente [não dava para] tirar a fralda urinada e trocar o lençol e deixar o paciente sem nada, a não ser que a família tivesse”, evidencia uma técnica em enfermagem que trabalha no hospital – que não será identificada por questões de segurança.

Segundo a profissional, a lista de insuficiências abrange até mesmo itens importantes para o dia a dia nos leitos. “Tem plantão também que tem ‘crise’ de lençol, de não ter lençol porque a empresa não [manda], eu não sei o que é que acontece. Não sei se o hospital que não paga a empresa. Sei que já teve dias de também não vir lençol”, comenta. 

Uma outra enfermeira, de 44 anos – que também não será identificada por questões de segurança – confirmou os relatos sobre a falta de itens básicos e medicamentos no hospital. Em conversa com a reportagem, na saída do IJF, a profissional comenta que é preciso estar “se virando” para fazer curativos, por exemplo. 

UMA ESPERA SEM RETORNO

Luiz, de 39 anos, veio de Paraipaba, na Região Metropolitana de Fortaleza, e deu entrada no IJF em 8 de novembro, após sofrer uma fratura na clavícula e uma pancada na cabeça. Desde então, ele espera a visita de um neurologista, sem ter retorno ou previsão de quando o especialista virá. É o que conta Bruna, de 29 anos, que acompanha o irmão na saga para conseguir o tratamento adequado. 

“Meu irmão está precisando de cetoprofeno [utilizado para o tratamento de inflamações e dores] e não tem, está sendo medicado com apenas dipirona. (..) Não estamos em leito, estamos em uma sala com macas uma em cima da outra e uma cadeira de plástico, inclusive, até quebrada”, denuncia Bruna. 

Francisco (nome fictício), de 20 anos, é outro acompanhante que lida com a rotina do hospital. Ele está junto com o pai, de 52 anos, que fraturou a tíbia. Os dois não sabem quando voltam para General Sampaio, município onde moram na região do Vale do Curu.

REPOUSO E ALIMENTAÇÃO SÃO DESAFIOS

No atual cenário, que escancara uma série de dificuldades, o papelão pode ser o suporte mais acessível para fugir das longas horas em uma cadeira de plástico. Essa é a forma que Francisco encontrou para dormir, já que a unidade não disponibiliza poltronas ou espreguiçadeiras, por exemplo. Ele conta que funcionários do próprio hospital arranjam o material à noite. 

“Nem pode entrar lençol, nem dão. Aí você tem que dormir no papelão no chão, você não pode nem usar um lençol que sobra a mais para você forrar o papelão, você também não pode, aí fica complicado a situação, até para você acompanhar a pessoa”, revela.

Há momentos em que nem cadeiras estão disponíveis, aponta a técnica em enfermagem – citada no início da reportagem –, já que as quebradas não são substituídas. Com isso, o número vai diminuindo, deixando mais acompanhantes em pé e sem nenhum tipo de local para repouso.

Além disso, todos os relatos ouvidos pela reportagem dão conta do atraso da entrega das refeições, que em maior grau tem prejudicado a alimentação dos acompanhantes. Já houve dias em que o almoço para eles chegou após às 15h. Em alguns casos, o atraso também atingiu a refeição dos pacientes, como comenta a técnica de enfermagem que, no dia que falou com a reportagem, o lanche da tarde só chegou próximo às 17h.

JUDICIALIZAÇÃO DO CASO

O cenário de precarização do Instituto Dr. José Frota está no  radar da Justiça. O Ministério Público cearense ingressou com uma Ação Civil Pública (ACP), em 7 de novembro, a partir da 137ª Promotoria de Justiça de Fortaleza, após os problemas de abastecimento de remédios e insumos na unidade persistirem desde o início do ano. 

Em maio, o IJF e o MPCE fecharam um acordo que previa uma solução para o caso em até três meses. À época, já eram apontados prejuízos no fluxo de atendimento, aumento do tempo de internação e adiamentos de cirurgias. As carências não foram resolvidas, culminando na ACP.

 

Em 11 de novembro, a ACP do Ministério Público teve o primeiro desdobramento: os envolvidos têm 72 horas para apresentar manifestação após serem notificados. 

 

Por conta da transição entre o governo Sarto e Evandro Leitão (PT), prefeito eleito de Fortaleza, a ação requer também que o abastecimento tenha uma autonomia de 60 dias. Nesse sentido, o MP faz uma exigência: a retomada do estoque não deverá ocorrer à custa da retirada de materiais de outros hospitais da rede – um prática comum em outros momentos, segundo Uchoa. 

 

51,26%
Percentual de déficit no estoque de insumos médicos do IJF, de acordo com denúncias recebidas pelo MPCE

Entre outras cobranças, o MPCE solicita a criação de um comitê para acompanhar todo o processo, incluindo questões ligadas aos recursos necessários.  

‘DESMONTE E PRECARIZAÇÃO’

A situação do maior hospital municipal de Fortaleza também é vista com preocupação pelo Sindicato dos Médicos do Ceará (SIMEC-CE). “A palavra que melhor define é desmonte”, enfatiza o médico Leonardo Alcântara, que é secretário-geral da entidade.

Em uma visita ao setor de emergência do IJF (salas vermelha e laranja), além de verificar que vários corredores tinham pacientes em macas, o SIMEC recebeu relatos de falta de antibióticos básicos, cetoprofeno e morfina para analgesia, além da carência de vasopressores essenciais, como a vasopressina. 

Alcântara conta que as principais queixas são o desabastecimento com falta de insumos, condições desumanas de trabalho e atraso de pagamentos de médicos que prestam serviços através de cooperativas. O diretor relatou, ainda, duas denúncias de cirurgias que foram canceladas por falta de insumos ou de equipamentos.

“Durante uma neurocirurgia de urgência, uma paciente precisou ficar 3 horas com o crânio aberto pois não havia dreno no hospital para finalizar a cirurgia. Tiveram que pedir um dreno da santa casa que foi enviado por um UBERmoto. Este dreno custa aproximadamente R$30. O segundo caso foi na enfermaria de pediatria onde as crianças ficaram chorando de madrugada pois não havia dipirona para aliviar a dor. Um médico de plantão foi na farmácia comprar o medicamento para que as crianças conseguissem dormir sem dor”
Leonardo Alcântara
Médico e secretário-geral do SIMEC

Representando profissionais de nível médio e técnico que atuam na área, o Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Ceará (Sindsaúde/CE) é outra entidade que acompanha o cenário de insuficiências por meio do relato de colaboradores do hospital. 

A diretora do Sindsaúde, Marta Brandão, conta que, para além das carências envolvendo remédios e insumos, as maiores queixas envolvem o subdimensionamento da equipe de saúde. Com isso, os profissionais têm uma maior sobrecarga de trabalho, o que motiva maiores índices de afastamento.

“Se você já tem uma escala de profissionais reduzida, que o quantitativo já não era suficiente, ele vem é diminuindo cada vez mais por conta do absenteísmo, do adoecimento das pessoas, sobretudo relacionado à depressão e transtorno de ansiedade dos trabalhadores da saúde, dos técnicos, dos auxiliares que vêm se afastando, apresentando atestado médico, porque não suportam mais essa sobrecarga de trabalho e essas condições de trabalho sem garantias do mínimo para que eles possam assistir à população”, salienta Brandão. 

AMEAÇA DE SUSPENDER SERVIÇOS

O momento caótico vivenciado pela unidade de referência pode ser agravado. Isso porque profissionais da Cooperativa de Clínica Médica do Ceará (COOPCLINIC) e da Cooperativa dos Médicos Anestesiologistas do Ceará (COOPANEST) ameaçam suspender os serviços, caso a situação financeira referente aos pagamentos não seja regularizada, conforme divulgado pelo Sindicato dos Médicos na semana passada. 

A COOPCLINIC deu um prazo até 1º de dezembro para que a paralisação seja evitada, desde que o problema seja contornado. A entidade denuncia que os faturamentos não têm sido realizados mensalmente, resultando em um tempo excessivo entre a prestação dos serviços e o recebimento dos valores devidos.

Por sua vez, a COOPANEST requer que os pagamentos dos anestesiologistas que atuam no IJF sejam regularizados até 20 de novembro. Caso não haja solução, os profissionais cooperados podem iniciar uma greve. 

“O Sindicato dos Médicos vem acompanhando a situação do IJF com bastante preocupação. A cada dia que passa os problemas se intensificam, prejudicando não apenas os profissionais, com relação aos atrasos de pagamentos, mas à população, que não está recebendo o atendimento adequado”, destacou o médico Luigi de Morais, presidente interino do SIMEC-CE.

Tumores no Orçamento público

Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP

 

Todo poder emana do povo. Todo dinheiro também. É direito elementar dos cidadãos saber quem gasta os recursos públicos, onde e como. Mas seus representantes se comportam como se fossem donos do Estado e a prestação de contas fosse só uma concessão inconveniente.

 

Em agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a execução das emendas parlamentares (verbas da União destinadas por congressistas a Estados e municípios) até a adoção de mecanismos que garantam sua transparência e rastreabilidade. Logo depois, representantes dos Três Poderes firmaram um acordo traçando diretrizes para esses mecanismos. No início do mês, a Câmara aprovou um projeto de lei que agora foi aprovado pelo Senado com alterações menores e ainda sem os destaques que podem mudar o texto final.

 

Consultores do Senado analisaram em que medida o projeto atende às exigências do STF e às diretrizes do acordo. A conclusão é devastadora. A proposta não responde a praticamente nenhuma das exigências colocadas por essas duas fontes normativas: de 14 parâmetros identificados, só 3 serão atendidos, e, ainda assim, dois já constam das regras vigentes.

 

A nota observa que restam desatendidas as “duas lacunas fundamentais” apontadas nas decisões do Supremo: a identificação da autoria das emendas coletivas (de comissão e de bancada) e o destino das transferências especiais.

 

As emendas de comissão se tornaram sucessoras do chamado “orçamento secreto”, declarado inconstitucional pelo STF. Em teoria, esses repasses são votados coletivamente. Na prática, são negociados pelos caciques do Legislativo, e os reais patrocinadores são desconhecidos. Pelo projeto, todo o processo decisório seguirá oculto. Além disso, pelas diretrizes do acordo, estas emendas deveriam ser destinadas a projetos de interesse nacional, definidos de comum acordo por Executivo e Legislativo, mas a proposta permite que praticamente toda a alocação seja classificada como “interesse nacional”.

 

As transferências especiais (“emendas Pix”) são repasses aos caixas dos entes subnacionais para que seus governantes gastem como bem entenderem. Neste caso, sabe-se qual congressista destinou os recursos, mas não para qual finalidade. Pelas diretrizes acordadas, esses repasses deveriam estar condicionados à priorização de obras inacabadas; apresentação prévia por parte dos beneficiários de plano de trabalho e informações sobre onde, como, quando e por que os recursos serão empregados; e, por fim, prestação de contas ao Tribunal de Contas da União. Nenhum dispositivo atende a essas exigências.

 

Em outras palavras, o projeto é puro ilusionismo, areia nos olhos dos cidadãos para manter tudo como está. E este “tudo” não é pouca coisa. São cerca de R$ 50 bilhões, um quarto das despesas discricionárias da União, uma proporção sem paralelo no mundo. A Controladoria-Geral da União (CGU) tem oferecido biópsias deste corpo podre. Uma auditoria com as dez ONGs que mais receberam emendas desde 2020 constatou que sete não tinham estrutura para executar os serviços. Dos R$ 300 milhões empenhados, R$ 15 milhões foram desviados ou desperdiçados por problemas que vão de superfaturamento a gastos não previstos nos projetos.

 

Outra auditoria com os 30 municípios que mais receberam emendas entre 2020 e 2023 mostrou que 39% das obras não foram iniciadas e 5% estão paralisadas. São apenas pequenas amostras do grau de degradação a que está submetido o Orçamento público. Isso sem falar dos danos à governabilidade e à competição eleitoral.

 

A decisão do STF se restringe quase que exclusivamente a exigir transparência nos repasses. Mas o fato de que nem isso os congressistas estão conseguindo, ou melhor, querendo entregar, sugere que o buraco pode ser mais embaixo do que se imagina.

 

Do modo como estão sendo traficadas, as emendas ofendem não só o princípio da publicidade, mas, em algum grau, todos os outros princípios constitucionais da administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência. Longe de reverter estas ofensas, o Parlamento as está sacramentando sob uma espessa cortina de fumaça. Mas – espera-se – ainda há juízes em Brasília.

Idas e vindas no ajuste fiscal

Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP

 

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, escolheu a dedo a palavra para reabilitar o pacote de redução de gastos, que vinha caindo em descrédito após duas semanas de expectativas frustradas e demonstrações públicas de divisão no governo sobre a medida. O anúncio ainda terá de esperar o término do G-20, no próximo dia 22, mas será um corte “expressivo”, garantiu Haddad, salientando o termo que criou uma nova perspectiva para o esforço de contenção de despesas públicas.

 

Para refrear o pessimismo do mercado – e os consequentes efeitos sobre os juros e o câmbio –, a equipe econômica fez circular informações sobre mudanças no cálculo de correção do salário mínimo, que, desde o ano passado, tem reajuste calculado pela inflação do ano anterior mais a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes. A nova proposta é adequá-lo à regra prevista no arcabouço fiscal, que permite um aumento real, mas limitado a um porcentual entre 0,6% e 2,5% ao ano acima da inflação.

 

A tese ganhou contornos de medida já definida quando Haddad, ao ser questionado se todas as despesas deverão ser incorporadas às normas do arcabouço fiscal, confirmou que devem seguir a mesma regra “ou alguma coisa parecida com isso”. Foi o suficiente para melhorar os ânimos.

Agora, a cifra que circula no mercado, e que o Ministério da Fazenda teria indicado às lideranças da Câmara e do Senado, é que as medidas como um todo, e que vão além do salário mínimo, poderiam gerar uma economia em torno de R$ 70 bilhões nos próximos dois anos, dos quais R$ 30 bilhões já em 2025.

 

Pode ser de fato um avanço controlar a evolução do piso salarial. Afinal, como está destacado no projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa), cada R$ 1 a mais no salário mínimo gera um aumento de despesas de R$ 422 milhões no Orçamento. Uma das bandeiras levantadas por Lula da Silva, a política de valorização do salário mínimo, em pouco tempo, demonstrou não ter sustentabilidade ao não prever de onde sairão as receitas para custeá-la. É simples assim o planejamento orçamentário que o lulopetismo teima em não aceitar.

 

Pode-se dizer que a perspectiva de mudar o cálculo para o aumento do mínimo traz algum alívio, já que a fórmula atual tende a criar uma progressão difícil de ser contida. Imagine-se em 2026, o último do atual mandato de Lula, com o PIB de 2024 (dois anos antes) ficando de fato em torno de 3% e a inflação de 2025 em cerca de 4%, como mostram as projeções atuais. Hoje, essa conta parece impagável.

 

Mas ainda há outro fator estrutural que o governo resiste em abordar: a indexação do reajuste do mínimo aos benefícios previdenciários e assistenciais. Não há lógica atuarial que aceite aumentos de pagamentos de benefícios futuros sem lastro na arrecadação. A correção do mínimo impacta aposentadorias e pensões da Previdência Social e também o seguro-desemprego, o abono salarial e até o Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, mesmo que nunca tenham contribuído para a Previdência.

 

BPC não é salário e tampouco aposentadoria, é um benefício assistencial. Sua distribuição é uma medida justa de auxílio a pessoas vulneráveis, mas deveria ter uma fórmula própria de correção, e não seguir o piso dos trabalhadores em atividade. Ademais, parece injusto dar a este auxílio o mesmo tratamento das aposentadorias de quem contribuiu durante toda a vida ativa para ter direito ao benefício mínimo. A visão populista eleitoreira de Lula da Silva impede que a desindexação nem sequer entre em pauta.

 

Aliás, tampouco está certo se o governo trocará o indexador do PIB pelo teto do arcabouço, o que mudaria a dinâmica dos ganhos daqui para a frente. Protelar é a especialidade do governo federal, na esperança de que o tema seja esquecido ou que seja substituído por outro menos incômodo. No caso do reequilíbrio fiscal, no entanto, tanto adiamento tem custado caro e impactado as expectativas de inflação, a cotação do dólar e a curva futura de juros. A pressa, portanto, deveria ser do governo.

Ceará conquista nota máxima inédita em análise do Ministério da Fazenda sobre contas públicas

Redação / DIARIONORDESTE

 

 

Ceará conquistou nota A em avaliação sobre a Capacidade de Pagamento dos Estados e Municípios (Capag), metodologia que analisa a saúde fiscal e o equilíbrio de contas públicas. O feito inédito foi anunciado pelo governador Elmano de Freitas (PT), na noite desta quinta-feira (14). 

"É um orgulho porque demonstra o equilíbrio nas contas públicas, com transparência nos dados, e comprova que o Governo do Estado conta com recursos suficientes em caixa para cumprir com as suas obrigações financeiras, realizar investimentos e levar cada vez mais qualidade de vida ao povo cearense", escreveu nas redes sociais. 

O Estado recebeu uma nota técnica do Ministério da Fazenda com a nota. "Com as contas equilibradas, poderemos continuar investindo em mais escolas, rodovias, unidades de saúde e em tantas outras políticas públicas prioritárias", acrescentou Elmano.

Entenda o cálculo na Capag

Capacidade de Pagamento (Capag) é uma metodologia realizada pelo Tesouro Nacional para avaliar os indicadores econômicos-financeiros de estados e municípios, que reflete o equilíbrio das contas públicas e a saúde fiscal dos entes que querem contratar empréstimos com garantia da União.

"Atualmente, os Estados e municípios precisam ter classificação A ou B na Capag, de uma escala que vai até D, para receber garantias do Tesouro Nacional em novos empréstimos", detalha o Ministério da Fazenda. 

O cálculo do indicador é feito a partir da diferença entre a disponibilidade de caixa bruta e as obrigações financeiras, dividida pela receita corrente líquida.

Economia 1 CEARENSE

Abin é ‘esquecida’ em atentado em Brasília e entra em crise com a PF

Por Roseann Kennedy / O ESTADÃO DE SP

 

Tão logo foi confirmado o atentado com uma morte em Brasília, na quarta-feira, 13, servidores da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) comentaram entre si que deveriam se preparar para cobranças públicas sobre falhas do serviço. Entretanto, para a surpresa de muitos, o órgão nem sequer foi lembrado no primeiro momento. O presidente Lula teve reunião com o diretor da Polícia Federal, Andrei Passos, e ministros Gilmar Mendes, Cristiano Zanin e Alexandre de Morais, do Supremo Tribunal Federal (STF)F. A Abin não foi chamada.

 

Três horas após a explosão, a agência emitiu nota interna com resumo do que havia saído na imprensa e alertando para o risco de novas explosões. O texto, segundo agentes da Abin, só serviu para causar constrangimento. Afinal, a função da inteligência é se antecipar e não fazer clipping. E o problema foi maior. A agência também abriu novo mal-estar com a PF, ao concluir haver indícios de ser fato isolado.

 

Ao dizer que, por ora, não havia indícios de que Francisco Wanderley Luiz, conhecido como Tiü França, agiu com outras pessoas, a Abin provocou desconfiança no andar de cima da Polícia Federal. O diretor-geral da PF, Andrei Passos, por exemplo, avalia que o caso não é isolado, mas conectado com outras investigações. Procurado pela Coluna do Estadão para falar sobre o clima com a Abin, Andrei não respondeu. A Abin também não comentou as críticas.

 

A insatisfação com a falta de protagonismo da Abin junto ao desconforto com a PF, abre um processo de fritura do diretor-geral da agência, Luiz Fernando Correa. Procurada, a Abin não comentou a situação.

 

Déficit previdenciário do setor público bate recorde de R$ 6 tri e pode disparar com STF

Fernando Canzian / folha de sp

 

Com um rombo atuarial recorde de R$ 6 trilhões, os regimes previdenciários de União, estados e municípios vêm acumulando déficits insustentáveis e derrubando a capacidade de investimentos públicos no país.

O montante equivale a 84% da dívida pública federal (R$ 7,1 trilhões) e, ao contrário desta, não pode ser rolado com a emissão de títulos, pois trata-se de pagamentos mensais a milhões de aposentados do setor estatal.

Em 2017 no Rio de Janeiro, por exemplo, servidores e aposentados realizaram protestos, entrando em confronto com a polícia, por atrasos no pagamento. O risco, no futuro, é que vários estados e municípios passem pelo mesmo.

Só no governo federal, em pouco mais de 30 anos a despesa previdenciária saltou de 19,2% do total do gasto para 52%, segundo cálculos do especialista em contas públicas Raul Velloso. Na contramão, o que a União tinha para usar livremente (gasto discricionário) desabou de 33,7% do total para 3,1%.

Quem mais sofreu foram os investimentos, que recuaram de 16% do total do gasto para 2,2%. No período, houve aumento também em despesas com saúde, educação e assistência social —comprimindo mais os investimentos. Na esteira da redução dos aportes públicos, o PIB do país também apresentou taxas menores.

Esse quadro crítico pode se tornar mais grave caso o STF (Supremo Tribunal Federal) julgue procedentes ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) de grupos do funcionalismo que pretendem eliminar efeitos da reforma da Previdência de 2019 —o que diminuiria o fluxo de contribuições dos servidores para o RPPS (Regime Próprio de Previdência Social).

A AGU (Advocacia Geral da União) estima que quatro pontos contestados podem gerar rombo de R$ 206,4 bilhões. O valor pode ser maior considerando os regimes previdenciários de muitos estados e municípios que fizeram reformas com base no texto aprovado em 2019 para os servidores federais —o mesmo que valeu para o setor privado (RGPS), e que pretendia economizar cerca de R$ 900 bilhões em dez anos.

A ação de maior efeito procura reestabelecer a contribuição linear de 11% para todos os servidores, qualquer que seja a remuneração. A reforma introduziu a progressividade para os funcionários públicos (assim como existe para os da iniciativa privada), com alíquotas entre 7,5% e 22%. Com votação empatada no STF, caso a decisão seja favorável, o rombo seria de R$ 74 bilhões.

Servidores geralmente têm rendimentos maiores que os pagos no setor privado formal, além de estabilidade no emprego e outras vantagens. Segundo a Republica.org (organização da sociedade civil que se dedica à transformação da gestão de pessoas no setor setor público), só nos municípios o provento médio deles é próximo ao da iniciativa privada formal, R$ 3.900 e R$ 3.400, respectivamente.

Outra ação quer eliminar a prerrogativa da União de cobrar contribuição extraordinária de servidores ativos e inativos que ganhem acima de um salário mínimo.

Antes da reforma, a cobrança só incidia sobre aqueles com rendimentos maiores que o teto do INSS (R$ 7.786). A União ainda não implementou a contribuição extra. Mas, caso o STF rejeite a medida, o impacto será de R$ 71,5 bilhões.

As ações também contestam o aumento da base de cálculo para a contribuição de aposentados e pensionistas. A reforma prevê que ela incida sobre todos os rendimentos acima de um salário mínimo, quando houver déficit. Já há maioria na Corte, e o impacto seria de R$ 55 bilhões.

"Estamos andando para trás. A reforma da Previdência de 2019 teve o grande mérito de aproximar o regime do setor público ao da iniciativa privada. E previu mecanismos para controlar o déficit atuarial dos regimes próprios [públicos], com a alíquota progressiva. Isso vai ser derrubado, o que é inacreditável", diz Paulo Tafner, economista e um dos maiores especialistas em Previdência do país.

Tafner afirma que, com essas decisões, o STF pode "reestabelecer privilégios e jogar a situação fiscal do país no caos". Ele lembra que a Emenda Constitucional 103, da reforma da Previdência, custou "muita briga e convencimento" e foi aprovada em várias votações no Congresso. "Aí, em uma canetada, 11 ministros do Supremo podem passar por cima de deputados e senadores."

O especialista estima um impacto total, caso as ADIs sejam aprovadas, de R$ 389 bilhões, valor ainda maior do que o calculado pela AGU. Ele lembra que o déficit previdenciário do setor público é cinco vezes maior do que o do setor privado.

O ex-secretário da Previdência Leonardo Rolim calcula que cerca da metade do déficit atuarial de R$ 6 trilhões do regime previdenciário público seja dos estados e o restante, da União e dos municípios.

Rolim afirma que os déficits da União e de estados grandes como São Paulo e Minas Gerais não estão sendo equacionados, enquanto outros entes municipais e estaduais têm adotado medidas —como alíquotas progressivas e extraordinárias— para corrigir os rombos ao longo das próximas décadas.

"Infelizmente, muitos políticos só pensam no próximo ano. Se tomarem medidas, têm um custo no curto prazo. Assim, acabam deixando para os próximos, pois estão mais preocupados em ter dinheiro disponível no presente", afirma.

O artigo 40 da Constituição determina que aos "servidores titulares de cargos efetivos da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial".

Segundo Rolim, sem medidas para conter o déficit, há um descumprimento sistemático do que a Carta prevê. "Não fazer nada é, por exemplo, não usar o regime da reforma da Previdência de 2019, e não implementar planos de equacionamento do déficit", afirma.

SERVIDORE DO RJ

Governo sobe de 9,6% para 25% imposto sobre painéis solares

Egídio Serpa / DIARIONORDESTE

 

Na última segunda-feira, 11, o Comitê Executivo de Gestão (Gecex), vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, elevou de 9,6% para 25% a alíquota do Imposto de Importação cobrado de módulos fotovoltaicos (painéis solares).

 

Para a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica, essa decisão representa um grande retrocesso na transição energética e uma afronta aos consumidores e ao mercado, com o risco iminente de 1) aumento no preço da energia solar aos brasileiros, 2) queda de investimento, 3) fuga de capital, 4) crescimento da inflação, 5) perda de empregos e 6) fechamento de empresas.

 

Para a entidade, ao decidir pelo aumento do imposto no meio da COP 29, que se realiza no Azerbaijão, o governo brasileiro contradiz compromissos internacionais de combate às mudanças climáticas, especialmente os firmados no Acordo de Paris e na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP). Quando o mundo reforça suas metas climáticas, o país deveria adotar medidas que incentivassem a expansão da energia limpa, e não o oposto, diz a Absolar em mensagem transmitida a esta coluna.

Segundo a Absolar, a decisão, que ainda não foi publicada no Diário Oficial, coloca em risco a competitividade do mercado de geração de energia solar no Brasil, podendo levar a cancelamentos de projetos já contratados e travar o plano de investimentos de empreendimentos futuros.

 

A Absolar fez um levantamento junto aos seus associados com projetos que estão ameaçados pela decisão do Gecex: são pelo menos 281 empreendimentos, que somam mais de 25 GW de potência instalada e mais de R$ 97 bilhões em investimentos até 2026.​ A perda do ex-tarifário inviabilizaá os projetos por completo, por conta da perda automática do financiamento vinculado ao empreendimento.​ Esses projetos podem contribuir para a geração de mais de 750 mil empregos novos empregos e a redução da emissão de 39,1 milhões de toneladas de CO2.

 

Ao contrário do que alega o governo federal, a medida não promove o adensamento da indústria brasileira, uma vez que as empresas nacionais são meras montadoras de módulos, a partir de insumos totalmente importados. Por outro lado, o impacto da medida sobre pequenas e médias empresas de instalação de equipamentos é grave, pois elas correm o risco de fechar as portas.

 

É importante destacar – salienta a mensagem da Absolar – que a indústria nacional de painéis solares não consegue suprir nem 5% da demanda de painéis fotovoltaicos, com uma capacidade de produção de 1 gigawatt (GW) por ano, ao passo que a importação brasileira em 2023 foi de mais de 17 GW.

 

Também, a indústria nacional não concorre com as companhias de equipamentos importados, principalmente nas grandes usinas de geração fotovoltaica. O financiamento desses empreendimentos exige um padrão de certificação e qualidade que as indústrias nacionais ainda não possuem, o que obriga a compra dos equipamentos importados, agora sobretaxado.

 

A cada 30 empregos gerados pelo setor solar fotovoltaico, somente dois estão na fabricação de equipamentos. Assim, essa elevação da alíquota do Imposto de Importação acarreta retração de postos de trabalho exatamente na cadeia mais pujante, que agrega o setor de distribuição e comercialização de equipamentos e os serviços de instalação e manutenção de sistemas fotovoltaicos.

 

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