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Transferência de renda não é suficiente para acabar com a fome. Especialistas dizem o que falta

Por João Sorima Neto e — São Paulo e Rio / o globo

FOME INFANCIA PERDIDA

 

O relatório anual da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre acesso a alimentos mostrou uma redução da quantidade de pessoas famintas no Brasil em 2023. Segundo o documento, publicado ontem por cinco agências da entidade, com a FAO (alimentação e agricultura) à frente, 8,4 milhões de brasileiros passaram fome entre 2021 e 2023, ou 3,9% da população, menos do que dos 9 milhões (4,2%) de 2020 a 2022, quando o país ainda amargava os efeitos da pandemia de Covid-19.

 

O Brasil havia saído do Mapa da Fome, mas retornou após a pandemia. Em discurso ontem em encontro ministerial do G20, o grupo das maiores economias do mundo, mais a União Europeia e a União Africana, no Rio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu que o país sairá do Mapa da Fome da ONU até 2026, último ano de seu governo

 

Os números divulgados pela ONU mostram que, apesar de a extrema pobreza estar no menor nível histórico, a insegurança alimentar ainda é maior que em 2013, apesar da melhora recente, afirma o economista Marcelo Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV Social).

 

Para ele, esses dados mostram que políticas de transferência de renda, como o Bolsa Família, e melhoria do mercado de trabalho são condições necessárias, mas não suficientes para resolver o problema da insegurança alimentar.

 

—Fatores como a alta do preço dos alimentos, com a guerra na Ucrânia, falta de apoio à agricultura familiar, atraso na entrega da merenda escolar, pioraram as condições de insegurança alimentar no país — explica ele, ponderando que não se sabe o peso de cada uma delas no número final e que quando se olha apenas 2023 houve melhora em ambos indicadores (extrema pobreza e insegurança alimentar).

 

Por isso, diz Neri, programas como o Bolsa família têm impacto direto para redução da pobreza, mas não na redução da insegurança alimentar.

Para o economista, tanto os dados da ONU, através da FAO, lançados a cada três anos, e os divulgados pelo governo, considerando condições de segurança alimentar severa, são indicadores importantes.

 

— O dado da FAO capta a situação a cada três anos e tem flutuações que podem não refletir as condições brasileiras. Já os dados do IBGE seguem a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar e são muito bem feitos. Entretanto, são dados que não são comparáveis.

 

O economista José Giacomo Baccarin, professor da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Unesp, e um dos fundadores do Instituto Fome Zero, avalia que a melhoria de renda, seja via aquecimento do mercado de trabalho ou programas sociais, como o Bolsa Família, explicam a redução do número de pessoas em insegurança alimentar.

 

Alta menor de alimentos

Baccarin lembra que, quando se olha apenas para 2023, a redução da insegurança alimentar é ainda maior. Ele observa que, no ano passado, houve queda no preço dos alimentos, o que também contribui para a melhora dos dados, já que a população mais pobre gasta entre 30% a 40% do orçamento com comida.

 

— E a melhora deve continuar este ano. Acredito que até 2026 seja possível sair do Mapa da Fome. O principal fator para isso é o aumento de renda, que é acesso garantido ao alimento. A população com renda mais alta melhora tanto a situação financeira quanto psicológica, deixando de ter a alimentação como preocupação principal — explica ele.

 

Mariana Pereira, colíder da Força-Tarefa Segurança Alimentar da Coalizão Brasil, avalia que, apesar da melhora do indicador, 8,4 milhões em situação de fome ainda é um patamar elevado. Ela diz que os números devem continuar melhorando.

— Os números caíram num percentual importante e isso pode ter sido reflexo do aumento do valor do Bolsa Família nos últimos anos. É preciso lembrar que o país voltou a figurar no Mapa da Fome da ONU durante a pandemia — disse Mariana Pereira.

 

Em 2022, ano da eleição, o Auxílio Emergencial dado no governo Bolsonaro chegou a R$ 600. No ano passado, o programa voltou a ter o nome de Bolsa Família, nesse mesmo patamar, mas o governo Lula deu um valor adicional para as famílias com gestantes, crianças e adolescentes, com pagamento extra de R$ 150 por cada criança da casa com até seis anos e de R$ 50 para os dependentes de sete a 18 anos incompletos. Gestantes também passaram a receber mais R$ 50.

 

Agricultura familiar

Mariana cita ainda o aumento do crédito rural em 43,3% para agricultura familiar, com juros mais baixos. O novo Plano Safra da Agricultura Familiar 2024/2025 trouxe mais incentivos para quem produz alimentos básicos. Quem produzir arroz, por exemplo, encontrará juros reduzidos para 3%:

— Essa agenda de produzir alimentos em maior quantidade e com mais qualidade está atrelada às mudanças climáticas e é muito importante.

Para Rodrigo Kiko Afonso, diretor-executivo da Ação da Cidadania, entidade fundada pelo sociólogo Herbert de Souza para atuar no combate à fome, os dados da ONU mostram que as políticas públicas importam no enfrentamento do problema.

 

Na visão dele, a retomada do Bolsa Família, com a volta das regras de contrapartidas, como exigir vacinação e frequência escolar das crianças, fez a diferença para reduzir a fome no país em 2023. O avanço não bastou para tirar o país do Mapa da Fome, em parte, porque a retomada das políticas sociais leva tempo.

 

— Tenho plena certeza de vamos melhorar os níveis de 2014 (quando o Brasil saiu do Mapa da Fome). É o exemplo que o mundo precisa para concretizar na cabeça que é a política pública que resolve a questão da fome. A fome é uma decisão política — afirma Afonso.

Não faz sentido sigilo de cem anos sobre documento de ministro

Por Editorial / O GLOBO

 

É contraditório que o governo Luiz Inácio Lula da Silva mantenha sigilo de cem anos sobre documentos oficiais, prática tão criticada pelo próprio Lula durante a gestão Jair Bolsonaro. A negativa mais recente diz respeito a dados fornecidos ao Planalto pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, para avaliar conflitos de interesse no cargo. O pedido negado foi feito por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) pelo portal UOL.

 

Como medida de transparência, ministros têm de apresentar uma Declaração de Conflito de Interesses. Além de dados patrimoniais, fiscais e pessoais, ela informa se parentes até terceiro grau exercem atividades que podem ser incompatíveis com a função. A Comissão Mista de Reavaliação de Informações alegou que “o documento está integralmente protegido por sigilo fiscal”. O Ministério de Minas e Energia argumentou que a LAI “classifica automaticamente informações de caráter pessoal com status restrito”. A Casa Civil informou que “se trata do estrito cumprimento das normas legais vigentes, e não de imposição de sigilo”.

 

Entende-se que o documento em questão possa conter informações sensíveis, mas o zelo pela transparência exige separar o que deve ser sigiloso e liberar o que é de interesse público. Uma das mudanças feitas na LAI no ano passado trata justamente de documentos sob sigilo de cem anos que contêm informações íntimas. É fundamental mesmo preservar o que é de caráter exclusivamente privado. Mas, nesses casos, os dados pessoais devem ser ocultados, e o restante liberado.

 

Impor sigilo de cem anos sobre o que quer que seja sempre desperta desconfiança. Lula sabe disso. Em debate com Bolsonaro na disputa pela Presidência, ele afirmou: “Farei um decreto para acabar com seu sigilo de cem anos para saber o que esse homem esconde por cem anos”. Um dos documentos trancados na gestão anterior era o cartão de vacinação de Bolsonaro, cujo sigilo foi suspenso em 2023. O documento é alvo de investigação policial por suspeita de fraude. O decreto de Lula realmente saiu, mas a prática se manteve.

Lula não pode nem alegar que o caso de Silveira seja excepcional. O governo mantém sob sigilo também as visitas à primeira-dama, Janja Lula da Silva; gastos com o uso do helicóptero presidencial e com alimentação no Palácio da Alvorada; além de visitas dos filhos do presidente ao Palácio do Planalto. Imagens de câmeras de segurança durante a invasão do 8 de Janeiro também foram consideradas segredo, mas acabaram liberadas pelo Supremo.

 

O sigilo sobre documentos da administração pública só deveria ser decretado em situações necessárias, mediante justificativas razoáveis. Infelizmente não é o que vem acontecendo. Dependendo da conveniência, governos sempre poderão alegar razões pessoais ou de intimidade para carimbar dados como sigilosos, desrespeitando o direito à informação.

 

É preciso preservar o espírito de transparência da LAI. A sociedade tem direito de saber o que se passa na administração pública. Como disse o próprio Lula, o que se tenta esconder por cem anos?

 

Greve no INSS cresce, ameaça revisão de gastos e governo vai à Justiça contra paralisação

Idiana Tomazelli / FOLHA DE SP

 

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) acionou a Justiça nesta terça-feira (23) para pedir a suspensão da greve nacional de servidores do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). O órgão também vai cortar o ponto dos grevistas, descontando do salário os dias de paralisação.

O Executivo decidiu endurecer a postura nas negociações diante do risco de o movimento comprometer as ações de revisão de gastos, cruciais para fechar as contas do Orçamento de 2024 e 2025, e anular os esforços de redução da fila de espera de segurados.

O diagnóstico de que o movimento cresceu nos últimos dias acendeu uma luz amarela dentro do governo.

Representantes da categoria, por sua vez, reivindicam o cumprimento de acordos anteriores e melhorias salariais. "A greve é para causar impacto, mesmo. Pressionar o governo a atender o mais rápido possível a reivindicação dos servidores", diz a diretora da Fenasps (Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social), Viviane Peres.

Segundo a entidade, mais de 400 agências do INSS, situadas em 23 estados e no Distrito Federal, estão fechadas ou funcionando de modo parcial.

Servidores em regime de teletrabalho também aderiram ao movimento. O SINSSP-BR (Sindicato dos Trabalhadores do Seguro Social e Previdência Social no Estado de São Paulo), que atua na greve em âmbito nacional, estima que cerca de 40% das tarefas dos servidores em teletrabalho foram afetadas pela paralisação.

A greve foi deflagrada em 10 de julho, mas ganhou força a partir do dia 16 e tem tido impacto crescente nos atendimentos presenciais e também na análise de requerimentos.

Procurado pela Folha, o INSS disse que 9,6% dos servidores em todo o país aderiram à greve, de acordo com balanço desta terça. Isso representa 1.634 dos 17.067 servidores. O percentual de adesão varia conforme a região e é maior no Nordeste (14%) e no Sul (10%).

O órgão confirmou que os dias parados serão descontados dos salários. Segundo o INSS, trata-se de uma regra geral em caso de paralisações, e os funcionários do órgão já foram comunicados sobre a norma.

A ação judicial contra a greve dos servidores do INSS foi protocolada pela AGU (Advocacia-Geral da União) junto ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), sob o argumento de que os servidores do INSS não podem paralisar a prestação de um serviço essencial à sociedade.

Segundo relatos de dois integrantes do governo, o INSS vinha minimizando os impactos da greve em tratativas nos bastidores, dizendo que a adesão era baixa. As mobilizações dos últimos dias, porém, dispararam um alerta dentro do governo, que conta com as ações do órgão para equacionar o Orçamento de 2024 e 2025.

Neste ano, o governo incorporou às estimativas de despesas uma expectativa de economia de R$ 9 bilhões com a revisão de gastos, sendo a maior parte com a Previdência Social. Já em 2025, a promessa é cortar R$ 25,9 bilhões em gastos obrigatórios.

Para isso, o Executivo traçou um plano de revisão de benefícios como auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda. Cumprir o cronograma desse pente-fino é tido como essencial para alcançar a economia projetada.

Na avaliação de um dos técnicos, o momento é grave, pois a continuidade da greve atrasará as revisões de benefícios, previstas para começarem em agosto.

Outro membro do governo afirma que há o risco de novo represamento de pedidos na fila. Isso ajuda a segurar a despesa no curtíssimo prazo, mas gera uma fatura maior na hora de regularizar os pagamentos no futuro. Se o benefício é concedido, o pagamento é devido desde o momento do requerimento —ou seja, quanto maior a demora, maiores são o valor retroativo e a incidência de juros.

Nos últimos meses, o governo fez um esforço para reduzir a fila do INSS. Em junho, o estoque de requerimentos estava em 1,35 milhão, contra 1,8 milhão em igual mês de 2023.

Viviane Peres, da Fenasps, afirma que a categoria defende melhores condições de trabalho e valorização da carreira. A falta de pessoal é uma das reclamações —o INSS chegou a ter 25 mil servidores em 2015.

Os servidores também afirmam haver um "sucateamento do parque tecnológico do INSS", com "sistemas lentos, que param por horas quase que diariamente", o que leva à demora no atendimento dos segurados.

A categoria cobra ainda a incorporação de gratificações ao vencimento básico dos servidores. Segundo Peres, as gratificações são hoje a maior parcela da remuneração dos funcionários do INSS.

O Ministério da Gestão e Inovação, responsável pela política de pessoal do governo, apresentou uma proposta de reajuste de 18%, sendo 9% para 2025 e 9% para 2026.

No entanto, a diretora da Fenasps disse que o reajuste é focado nas gratificações. Segundo ela, a categoria tem uma reunião nesta quarta-feira (24) com o presidente do INSS, Alessandro Stefanutto. "A gente já espera que aí seja sinalizada a instalação da mesa de negociação da greve", afirma.

 

Lula critica imposto sobre herança e diz que no Brasil não há interesse em ‘devolver o patrimônio’

Por Caio Spechoto (Broadcast) e Sofia Aguiar (Broadcast) / O ESTADÃO DE SP

 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse nesta terça-feira, 23, que o imposto sobre herança no Brasil é “nada”, e por isso doações de patrimônio para educação e outras áreas são raras. Ele deu a declaração em cerimônia de homenagem aos dez anos do campus Lagoa do Sino, da UFSCar. A unidade, que fica em Buri, no interior de São Paulo, foi construía em uma área doada pelo escritor Raduan Nassar.

 

“Nos Estados Unidos, como o imposto é caro, tem muitos empresários que fazem doação”, disse o presidente da República. “Aqui no Brasil não tem ninguém que faça doação, porque o imposto sobre herança é nada, é só 4%. Então a pessoa não tem interesse em devolver o patrimônio dele”, disse.

 

O presidente repetiu que destinar recursos públicos para saúde e educação é investimento, não gasto. “País importante não é aquele que só exporta soja, milho e minério de ferro. É aquele que exporta inteligência, aquele que exporta conhecimento, aquele que exporta gente para produzir coisas de valor agregado. É com esse País que eu sonho. E por sonhar eu digo para os meus ministros: não utilize nunca a palavra gasto quando estiver falando de educação”, afirmou.

 

“A palavra gasto vale para qualquer coisa, só não vale para cuidar da educação e cuidar da saúde, porque cuidar da saúde é investimento. Uma pessoa com saúde trabalha melhor, vive melhor, está mais feliz”, disse o petista.

 

Na segunda-feira, 22, o governo confirmo o congelamento de R$ 15 bilhões em despesas. O detalhamento de quanto cada órgão do Executivo terá de economizar será divulgado na próxima terça-feira, 30.

PEC da Segurança Pública de Lula turbina PF para combater crime organizado e milícias

Por Guilherme Caetano / O ESTADÃO DE SP

 

A proposta de emenda à Constituição (PEC) em elaboração pelo governo Lula amplia as atribuições da Polícia Federal (PF) e permite que a corporação combata o crime organizado e ainda milícias. Se aprovado, o projeto também vai estender a atuação da PF para áreas de matas, florestas, áreas de preservação e unidades de conservação, sendo possível operações interestaduais e até internacionais.

 

Idealizado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública (MJSP), Ricardo Lewandowski, o texto está em análise na Casa Civil e propõe alterações no artigo 144 da Constituição. Esse artigo trata da Segurança Pública e do papel de cada esfera de Poder. Hoje, o texto constitucional estabelece que cabe à PF “apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União”. Estabelece ainda que a instituição federal tem competência para apurar “outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme”.

 

A proposta de Lewandowski inclui nesse artigo a possibilidade de a PF atuar nas áreas de preservação como matas e florestas e explicita que o órgão também poderá combater “organizações criminosas e milícias privadas”.

 

Símbolo do aparelhamento ideológico sob o governo de Jair Bolsonaro, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) é outro ponto-chave da proposta. Hoje centrada em rodoviais, a atuação da corporação será ampliada para ferrovias e hidrovias, além de bens e serviços de órgãos federais. Com isso, ela deve ser rebatizada para Polícia Ostensiva Federal.

 

A PEC permitirá que governadores solicitem a atuação dessa nova polícia de forma emergencial, sendo necessária autorização do governo federal.

O texto da PEC é aposta para marcar presença em um assunto que tem potencial para desgastar o governo federal. Lewandowski e o secretário nacional de Segurança Pública, Mario Sarrubbo, entendem ser preciso uma polícia de patrulha para trabalhar no mesmo âmbito da PF, cuja competência é investigativa. A ideia é que essa nova força de segurança tem perfil ostensivo, de caráter civil.

 

“A ideia do ministro é criar uma simetria no campo federal. Os Estados têm a polícia judiciária e a ostensiva. A PRF ganharia atribuições e se transformaria numa força ostensiva nacional, ampliando um pouco o leque de atuação”, diz Sarrubbo.

 

Tanto Lewandowski quanto Sarrubbo têm tido cautela em discutir o assunto para deixar claro que não querem interferir na competência estadual de segurança pública. O objetivo é ter uma força complementar para fortalecer o combate ao crime organizado, que tem se expandido pelo País e fora dele sem que as polícias consigam detê-lo. Como cada Estado tem suas próprias corporações, regimentos e sistemas de informação, a cooperação entre diferentes entes é considerada complexa e custosa.

No ano passado, secretários estaduais de Segurança Pública de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul fundaram um grupo para facilitar a integração de ações policiais de combate ao crime desses territórios. Liderada pelo secretário paulista Guilherme Derrite, a iniciativa tem como foco fazer frente ao Primeiro Comando da Capital (PCC), mas encontra obstáculos na atuação das forças envolvidas, já que agentes de segurança não podem atuar em outros estados livremente.

 

A PEC também deve incluir na Constituição o Sistema Único de Segurança Pública e o Fundo Nacional de Segurança Pública, somado ao Fundo Penitenciário Nacional (Funpen). A aprovação da proposta é considerada crucial para Lewandowski. O alto escalão do governo entende haver poucos instrumentos a nível federal para determinar políticas de segurança pública para todo o país.

 

A partir da aprovação do projeto, seria possível cobrar de cada Estado, por exemplo, a determinação de planos estratégicos para redução de homicídios, da letalidade policial e de retomada territorial de organizações criminosas e milícia, além de padronizar bancos de informação para registro de facções e procurados. Hoje não há uma diretriz obrigando a uniformização de dados, tampouco uma plataforma que permita aos gestores estaduais acesso a informações de outros estados — algo que o MJSP quer resolver.

 

A PEC em gestação no governo está sendo bem avaliada pela corporação que pretende turbinar, de acordo com o presidente da Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais (FenaPRF), José Henrique dos Santos.

 

“Precisamos ter o texto todo para fazer esse debate com os nossos policiais. Mas, da forma como está chegando, a PEC é muito bem-vinda por trazer segurança jurídica nessa atuações que fazemos fora das rodovias federais, quando outros órgãos nos requisitam”, diz Santos.

O texto não deve passar por grandes alterações após análise técnica, dizem fontes da Casa Civil. Após essa etapa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve reunir os ministros que um dia foram governadores, como Rui Costa (BA), Wellington Dias (Piauí) e Camilo Santana (Ceará), para consultá-los sobre potenciais pontos sensíveis da PEC.

A preocupação do presidente é que, como o projeto envolve um assunto que pode resvalar em interesses de governos estaduais, que têm a atribuição constitucional de cuidar da segurança pública, a proposta possa criar algum tipo de ruído e colocar os governadores contra a ideia. Antes de enviar a PEC ao Congresso, Lula deve convocar os 27 governadores para então consultá-los sobre o tema.

 

Bolsonaristas vêm se adiantando para disputar com o governo federal a paternidade de uma reforma nas competências federais na segurança pública. Assim que a PEC de Lewandowski foi elaborada, o senador Marcos do Val (Podemos-ES) começou a coletar assinaturas para propor o seu próprio projeto.

 

A PEC de Do Val, que tinha antes do recesso no Legislativo oito das 27 assinaturas necessárias para ser protocolada e começar a tramitar no Senado, também insere na Constituição o Sistema Único de Segurança Pública e um fundo nacional para financiar políticas na área. O autor diz que seu texto foi elaborado antes do de Lewandowski e se encontra mais completo.

 

“Por exemplo, a nossa PEC propõe uma atuação integrada e hierarquizada das ações e serviços de segurança pública, estabelecendo uma rede eficiente e coordenada em todo o país”, declara o senador. Ele diz confiar que seu projeto vai tramitar paralelamente ao que está sendo elaborado no governo federal.

 

 

Professores temporários: novo PNE do Governo Lula permite que até 30% dos docentes não sejam concursados

Thatiany Nascimento / DIARIONORDESTE

 

A cada 10 professores da educação básica no Brasil, aquela que atende estudantes do infantil ao ensino médio, 6 eram efetivos e os outros 4 temporários, em 2023. No Ceará, a realidade é que a cada 100 professores das escolas públicas, 54 são concursados e outros 46 estão em outros regimes de contratação, conforme o painel de monitoramento do Plano Nacional de Educação (PNE), do Governo Federal. A contratação de professores não concursados deveria ser exceção, mas no Brasil, tanto nas redes estaduais como nas municipais, tem sido a regra. Na nova proposta do PNE, que tramita na Câmara Federal, esse é um dos pontos polêmicos e que tem gerado críticas.  

 

Os impactos do elevado número de professores temporários ou sem vínculo mais estável como o concurso são diversos e vão desde a repercussão na aprendizagem dos alunos à desvalorização da atividade docente

Na proposta do novo PNE - lei federal que norteia ações na área da educação durante uma década - enviada pelo Governo Federal à Câmara em junho deste ano, (Projeto de Lei 2614/2024) uma das críticas das entidades de defesa dos trabalhadores da educação é a flexibilização da proporção permitida de contratação de professores temporários. 

Já na nova proposta, cujo prazo de validade projetado é de 2024 a 2034, o Governo Federal ampliou essa margem e em uma das meta estabelece que até o final da década ao menos 70% dos professores da rede pública devem ter vínculo estável por meio de concurso público. Na prática, há uma maior permissividade com esse tipo de contratação que antes era admitida em 10% das contratações e agora tem uma margem de 30%. 

COMO É A SITUAÇÃO NO CEARÁ

No Ceará, conforme já mostrado pelo Diário do Nordeste, o número de contratação de professores temporários na educação básica, tanto na rede estadual como nos municípios é elevado. 

Conforme o painel de monitoramento do PNE, do Governo Federal, a situação dos docentes na rede pública cearense em 2023 era a seguinte:

  • Rede Federal: dos 1.432  professores, 94,4% são efetivos
  • Rede Estadual: dos 19 mil  professores, 41,4% são efetivos
  • Rede Municipal: dos 69 mil professores, 56,1% são efetivos  
  • Total: dos 87 mil professores, 54,2% são efetivos

Nesse sentido, a rede estadual tem a menor proporção de docentes efetivos. A doutora em Educação e professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Eloisa Vidal, explica que a ênfase na história dos professores temporários “começa a acontecer já em 2015 quando se começa a perceber que, embora os estados tenham feito concurso, esses concursos foram muito mais para o quadro de reposição e não conseguiu suprir a demanda crescente em função da própria ampliação carga horária”. 

Com a reforma do Ensino Médio, acrescenta ela, quando se criam as disciplinas eletivas, essa situação também é acentuada pois “não há como suprir a rede (estadual)  somente com o quadro de professores efetivos”. 

Outro ponto que, segundo a pesquisadora, interfere para um maior número de temporários é a obrigatoriedade do cumprimento da Lei do Piso do Magistério. “A contratação do professor temporário é uma estratégia que os os entes federados usam para essa folha. Porque se o professor é concursado e efetivo na rede, por força de lei ele tem que pagar o piso salarial. Quando eu coloco o professor temporário eu pago por hora-aula, então, pago um salário muito menor. E esse profissional não vai, no futuro, para minha folha de inativos, já que terminou o contrato ele é dispensado”, destaca. 

NOVO PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO

A situação vivenciada no Ceará não destoa da realidade nacional. No Brasil, segundo dados do monitoramento do PNE, apenas no Rio de Janeiro, Rondônia, Rio Grande do Norte, Paraná, Roraima e Bahia mais de 70% dos professores são efetivos. 

O secretário de Comunicação do Sindicato dos Professores e Servidores da Educação do Estado e Municípios do Ceará (APEOC) e secretário de Política Sindical da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Alessandro Sousa Carvalho, reforça que as duas entidades analisam a proposta de flexibilização de 10% para 30% de contratação de temporários apresentada no novo PNE como “negativa” e vão atuar para modificar esse ponto nas casas legislativas (Câmara e Senado).  

Ele também pondera que “o fato de uma rede ter elevado número de professores contratados por tempo determinado pode dificultar a formação continuada, uma vez que esses profissionais estão sujeitos a uma alta rotatividade e, principalmente, não têm acesso às carreiras em suas cidades ou estados. Não havendo acesso às carreiras e consequentemente à progressão remuneratória, não há estímulo à formação”.  

O PNE é o documento federal que define as ações a serem tomadas na área da educação. A existência do PNE é prevista na Constituição Federal que estabelece ainda que a lei tem validade de 10 anos. Portanto, é revisada a cada década. O novo PNE proposto pelo Governo tem 18 objetivos, 58 metas e 253 estratégias que vão da educação infantil à superior, incluindo valorização dos profissionais da educação, infraestrutura, gestão democrática e financiamento da educação. 

IMPACTO NA DOCÊNCIA

Os contratos temporários também trazem prejuízos para a docência em si, conforme avaliam as fontes ouvidas pelo Diário do Nordeste. O representante da APEOC e da CNTE, Alessandro Sousa Carvalho, analisa que os professores contratados de forma temporária estão “sempre apreensivos quanto à manutenção de seu emprego, deixando de se preocupar exclusivamente com o ensino, integração e formação pedagógica, o que enfraquece o processo ensino e aprendizagem e culmina em um grande prejuízo não só para o aluno, mas para toda a comunidade escolar”.

A doutora em Educação e professora da Uece, Eloisa Vidal, também reforça que o professor concursado, geralmente, tem mais autonomia do ponto de vista de gestão, com uma participação mais proativa e equitativa. 

“O professor temporário está muito submetido a gestão, então, ele precisa agradar na sua totalidade a gestão porque no semestre seguinte, uma vez contrariado os interesses da gestão, ele pode não receber a mesma carga horária. Além disso, hoje ele está numa escola, amanhã ele está noutra. O professor temporário é um sujeito migrante na rede”. 

Ela ressalta inclusive que desde o momento da lotação, os professores temporários acabam não sendo prioridade, visto que a preferência nesta definição é dos efetivos. “Essa diferença entre os dois tipos de contratação leva o professor temporário a uma situação de instabilidade muito maior do que o professor efetivo”. 

O QUE DIZ O MEC?

Questionado pelo Diário do Nordeste sobre a flexibilização, o MEC informou em nota que “o aumento da presença de professores com contrato temporário de trabalho nas redes de ensino é fator de atenção e grande preocupação”, já que “a alternância dos professores nas escolas não assegura estabilidade do trabalho pedagógico”. 

O Ministério também destaca que os professores necessitam de estabilidade, “razão pela qual a realização de concursos é imprescindível e, também, incontornável consideradas as determinações constitucionais”. 

O MEC reconhece que os profissionais temporários “não gozam dos direitos dos professores efetivos tais como a seleção por concurso público, o piso salarial nacional definido em Lei, a progressão profissional estabelecida em plano de carreira, jornada de trabalho que contempla tempo reservado para planejamento de aulas, além de direito à formação permanente”.

Na proposta atual (PNE 2024-2034), diz o Ministério, “várias metas e estratégias foram formuladas para enfrentar esse problema”. A meta de, no mínimo, 70% de professores concursados nas redes, segundo o órgão, “leva em conta que há  afastamentos por razões de saúde, para cursos e atividades formativas, licenças gestantes, processos de readaptação, cessões, designações para cargos nos órgãos públicos”. 

TRANSPARÊNCIA

Os dados mencionados nesta matéria podem ser consultados no painel de monitoramentodo Plano Nacional de Educação (PNE), do Governo Federal, neste link

 

Decreto antiarmas do governo Lula surtiu efeito? Números dos CACs indicam que não

Por Vinícius Valfré / O ESTADÃO DE SP

 

Um ano depois da edição do principal decreto antiarmas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o governo federal deixou de enfrentar gargalos da política de controle de armas de fogo e vê riscos de a iniciativa ser derrubada pelo Congresso.

 

Apesar de ter restituído barreiras derrubadas na gestão de Jair Bolsonaro (PL) para o acesso de civis a armas, o governo não mirou o acervo já existente nem proibiu novos CACs (Caçadores, Atiradores e Colecionadores).

 

Com efeito, o ritmo de entrada de novas armas em circulação diminuiu, mas o acervo em mãos de civis continua crescendo, assim como o total geral de certificados de registro de CACs, segmento incentivado por Bolsonaro e que se tornou o maior grupo armado do Brasil, superior às polícias.

O Ministério da Justiça, em nota, afirma que o decreto colocou fim ao “caos normativo” do governo Bolsonaro, mas “o impacto do aumento das armas em circulação no país ao longo dos últimos anos será sentido por muito tempo”. Por isso, o atual governo trata como fundamentais “a retomada e o fortalecimento da política de controle de armas e munições”.

 

Em dezembro de 2022, os CACs tinham 1.277.170 armas registradas. Em junho de 2024, são 1.366.845. Os registros gerais de todos os tipos de CACs, há dois anos, somavam 1.786.536. Agora, contabilizam 1.867.558 (cada pessoa pode ser, ao mesmo tempo, atirador, caçador e colecionador). Os dados são do Exército, disponibilizados por meio de pedidos feitos via Lei de Acesso à Informação (LAI).

 

O decreto 11.615, de 21 de julho de 2023, previa, por exemplo, um programa especial de recompra de armas que voltaram a ser restritas. A estratégia, definida quando Flávio Dino era o titular do Ministério da Justiça, não saiu do papel.

 

Além disso, um dos pontos centrais do decreto está em xeque. A tarefa de fiscalização dos CACs deve passar do Exército para a Polícia Federal a partir de janeiro de 2025. Contudo, o contingente de novos policiais e servidores solicitados para atender a demanda ainda não está disponível.

 

Entidades que contribuíram com a elaboração das diretrizes do decreto de Lula criticam a “implementação incompleta” e a “perda de centralidade” da pauta. Uma análise sobre o primeiro ano do decreto elaborada em conjunto pelos institutos Igarapé e Sou da Paz aponta que a política de controle “não está consolidada nem plenamente funcional”.

 

“Diversos pontos deste decreto ainda seguem com sua implementação incompleta, inclusive pontos que podem ser importantes legados institucionais, como a transferência de competência de fiscalização de CACs para a Polícia Federal com os recursos necessários para que seja efetiva”, diz o texto.

 

O documento destaca que o programa de recompra de armas é fundamental para evitar o desvio de armas legais para o crime. Investigações mostram que CACs têm sido usados pelo crime organizado para compra de armas de forma mais fácil.

 

“O governo passou a alegar que não tinha detectado um interesse considerável, antes mesmo de dizer como o programa funcionaria, e se absteve de promover uma campanha de comunicação sobre os riscos da posse e do porte de armas para viabilizar decisões mais informadas da população”, diz a nota técnica.

 

Os institutos que atuam pelo desarmamento também alertam para a tramitação do projeto de decreto legislativo 206/2024 que visa reverter alguns dos principais pontos do decreto de Lula. O texto foi aprovado na Câmara e tramita no Senado.

 

“O decreto já enfrenta ameaças de ser parcialmente suspenso pelo Congresso, sendo necessário maior engajamento social e do próprio governo para que seus pilares sejam mantidos tendo como norte a priorização da segurança pública”, frisaram as entidades.

 

Ministério diz que não desistiu de programa de recompra

Em nota, o ministério da Justiça afirmou que o decreto 11.615/2023 “foi um passo fundamental para colocar fim ao caos normativo que vigorou entre 2019 e 2022, corrigindo graves distorções na regulamentação da Lei 10.826/2003 e facilitação do acesso a armas e munições no país”.

 

Também destacou que “a condução responsável da política de controle de armas e munições tem impacto em diferentes formas de criminalidade”, inclusive a violência contra a mulher.

“O impacto do aumento das armas em circulação no país ao longo dos últimos anos será sentido por muito tempo e, por isso mesmo, a retomada e o fortalecimento da política de controle de armas e munições no país são fundamentais para o governo”, informou.

 

A pasta comandada pelo ministro Ricardo Lewandowski acrescentou, ainda, que está mantido o prazo de transferência das atribuições do Exército para a Polícia Federal e que não desistiu do programa de recompra. “O fortalecimento do programa de entrega voluntária e o programa de recompra compõem iniciativas voltadas para a redução dos acervos já em circulação no país e integram um conjunto de esforços de retomada do controle responsável de armas e munições no Brasil”, frisou.

O que se sabe sobre ferrovia sem uso que poderá transportar passageiros entre Fortaleza e Cariri?

Luciano Rodrigues / DIARIONORDESTE

 

Os cerca de 600 quilômetros (km) em linha férrea entre Fortaleza e o Crato, na Região Metropolitana do Cariri, que, no passado, interligavam as duas cidades, não deixaram simplesmente de existir. A ferrovia continua instalada, mas hoje não tem mais operação regular, situação que pode mudar em breve de acordo com estudos de autoridades ferroviárias.

 

O tema foi tratado por Tufi Daher Filho, presidente da Ferrovia Transnordestina Logística (FTL) e da Transnordestina Logística S.A. (TLSA), em entrevista exclusiva para o Diário do Nordeste. Ambas as empresas são subordinadas à Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e são responsáveis pelo transporte de cargas no Nordeste brasileiro.

Trata-se do maior trecho ferroviário existente no Ceará, interligando a Capital à região do Cariri, próximo à divisa com Pernambuco. A linha férrea, assim como o trajeto entre Fortaleza e Crateús (que integra a ferrovia São Luís — Fortaleza), pertencem à FTL. A ferrovia não utilizada é classificada como "malha não operacional".

Além de cortar o Ceará de norte a sul, o percurso ferroviário definido como não operacional pela empresa concentra mais de 2,5 mil km e passa pelos estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas (até a divisa com Sergipe), bem como as respectivas capitais: NatalJoão PessoaRecife Maceió

A cidade potiguar, por exemplo, utiliza parte da ferrovia para o transporte de passageiros através do Sistema de Trens Urbanos de Natal, operado pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU).

A situação é similar a que ocorre em Teresina (PI) e em Sobral (CE), onde o mesmo tipo de locomoção é compartilhada com a linha férrea de cargas, no caso a malha operacional da FTL.

Segundo Tufi Daher, um grupo de trabalho (GT) incluindo representantes do Ministério dos Transportes, Agência Nacional de Transportes Terrestres (Antt) e do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) estuda a devolução da malha não operacional para o Governo Federal.

COMO UTILIZAR A FERROVIA ENTÃO?

O presidente da FTL explica que boa parte da linha férrea é em bitola métrica (1000 mm) utilizando infraestrutura já defasada, cujo transporte de cargas se torna inviabilizado Ao invés disso, a vocação da malha não operacional é transportar passageiros, assim como já ocorreu no passado. 

"Ela é própria para trens de passageiros, nunca foi transportado uma grama de carga, mas mesmo assim como veio no contrato de concessão, era uma obrigação da empresa, que tem pago religiosamente as outorgas, mas desde sempre a gente pediu e temos tudo documentado a devolução disso ao Poder Público. (…) O grupo de trabalho definiu o que deveria ser devolvido à União e qual a parte que caberia de indenização pela empresa ao Estado Brasileiro para devolver essa malha totalmente inoperante", aponta.

Tufi Daher reforça que a FTL não tem interesse no uso da ferrovia, seja ela operacional ou não operacional, para transporte de passageiros. Os trechos que serão devolvidos ao Poder Público foram defendidos para a retomada da locomoção de pessoas, mas em trechos mais curtos.

"Essas malhas podem ser sim aproveitadas, não na sua extensão toda, mas para trens de passageiros locais. Tem várias cidades que tem 10, 12 km que você pode, com investimentos até de pequena monta, fazer trens urbanos, seja VLT, seja a maneira que for. A gente está tratando disso na Paraíba, em Alagoas, aqui no Ceará", pondera.

Vale lembrar que a malha não operacional da FTL não é a que está em estudo pelo Governo do Ceará e pelo Governo Federal para o transporte de passageiros entre Fortaleza e o Cariri. O trecho atualmente em discussão será o da Ferrovia Transnordestina, que ainda está sendo construída pela TLSA, tem 608 km e vai interligar o Porto do Pecém (CE) à cidade de Eliseu Martins (PI).

"A gente chegou em um consenso desse GT, que foi finalizado na semana passada depois de três meses de reuniões intensas, eu liderei todas as reuniões pela concessionária. E agora isso evidentemente vai ser submetido ao TCU, para que o TCU possa arbitrar e verificar se aquilo que o GT está levando possa ser viabilizado, e que essa indenização se reverta para o próprio transporte de ferrovias no Brasil", completa o presidente da FTL.

"GOTA DE ÁGUA NA CHAPA QUENTE"

Possíveis indenizações a serem pagas ao Estado pela FTL devem ser revertidas para investimentos em malhas operacionais do transporte de cargas no Brasil, conforme explica Tufi Daher, fazendo uma analogia de que os recursos não podem imediatamente chegar ao Tesouro Nacional e serem redirecionados para outras áreas.

Oficialmente, a FTL está em processo de remodelação em alguns trechos ao longo da malha operacional, como no trecho entre São Luís e Teresina. A empresa tem concessão válida da linha férrea por 30 anos, em contrato que se encerra em 2027. Atualmente, existem tratativas para renovação da concessão por mais 30 anos.

TREM

 

Lula não pode mais fugir ao imperativo fiscal

Por Editorial / O GLOBO

 

O Brasil vive uma crise fiscal aguda e, se as medidas necessárias não forem tomadas a tempo, terá de enfrentar um cenário duplamente catastrófico: estagnação no crescimento e alta na inflação. A tarefa inescapável para fugir desse prognóstico é ajustar as contas públicas. Enquanto o governo gastar mais do que arrecada, não haverá conserto. Levando em conta o pagamento de juros da dívida, o buraco supera 6% do PIB. Sem os juros, está ao redor de 1%. Mantida a situação atual, a dívida como proporção do PIB crescerá em todos os anos do atual governo, mesmo que a economia registre expansão anual entre 2% e 2,5%. É real o risco de Luiz Inácio Lula da Silva terminar seu terceiro mandato presidencial com a dívida bruta em 82% do PIB, 10 pontos percentuais acima do patamar de 2022.

 

Essa é a realidade puramente aritmética, que ele resiste a aceitar. Desde o ano passado, Lula adota um discurso ambíguo em relação às metas estipuladas pelo próprio governo. Ora faz questão de ressaltar seu compromisso com a responsabilidade fiscal, ora põe em dúvida a urgência de cumprir os objetivos. Em entrevista à TV Record nesta semana, voltou à carga: “É apenas uma questão de visão. Você não é obrigado a estabelecer uma meta e cumpri-la se você tiver coisas mais importantes para fazer”. Noutro trecho, aliviou e disse que fará “o que for necessário para cumprir o arcabouço fiscal”.

 

Como no filme “Feitiço do tempo”, em que os personagens vivem as mesmas situações repetidamente, as declarações de Lula mais uma vez lançaram a Bolsa de Valores para baixo e o dólar para o alto. Foi a preocupação com a desvalorização do real que o motivou a determinar no início do mês o cumprimento “a todo custo” das metas previstas para 2024, 2025 e 2026. Com a intenção de resgatar alguma credibilidade, o governo anunciou o o plano de congelar R$ 15 bilhões no Orçamento deste ano e de enviar ao Congresso corte de R$ 26 bilhões no de 2025.

 

Nesta quinta-feira, Lula se reuniu com ministros no Palácio do Planalto para discutir os detalhes de um pente-fino nos programas sociais. A iniciativa é positiva, por mostrar que o governo entendeu os limites da estratégia de tentar apenas aumentar a arrecadação. Mas é insuficiente. Em artigo publicado no GLOBO, o ex-secretário do Tesouro Nacional Mansueto Almeida explicou por que reduções tímidas nas despesas não resolverão o problema. “O ajuste fiscal necessário para colocarmos as dívidas bruta e líquida numa trajetória de queda é de pelo menos 3 pontos do PIB (R$ 350 bilhões) — e precisa ser feito ao longo dos anos”, escreveu Mansueto.

 

O comprometimento de Lula com a responsabilidade fiscal será testado pela resposta a duas questões. A primeira é desvincular despesas de receitas. Os gastos com saúde e educação crescem seguindo a arrecadação. Por óbvio, a solução não é congelar as verbas de duas áreas vitais, mas adotar um novo método para corrigi-las. A segunda questão é desvincular benefícios previdenciários do salário mínimo, cujo reajuste pode superar a inflação. Ambos os mecanismos de correção inviabilizam qualquer ajuste fiscal. Nas palavras certeiras de Mansueto: “Nos demais países, é normal haver despesas que crescem automaticamente com o aumento da receita? Não. É normal que benefícios sociais tenham o mesmo valor que o piso da Previdência? Não. Teremos de rever essas regras”.

Governo vai congelar R$ 15 bi em despesas para cumprir arcabouço em 2024, anuncia Haddad

Marianna HolandaNathalia GarciaCatia Seabra / FOLHA DE SP

 

O ministro Fernando Haddad (Fazenda) afirmou nesta quinta-feira (18) que haverá bloqueio de R$ 11,2 bilhões e contingenciamento de R$ 3,8 bilhões no Orçamento deste ano no relatório bimestral de receitas e despesas que será publicado na próxima segunda-feira (22).

"Nós vamos ter que fazer uma contenção de R$ 15 bilhões para manter o ritmo do cumprimento do arcabouço fiscal até o final do ano", disse Haddad.

Ele afirmou ainda que o detalhamento será feito no relatório de receitas e despesas. Segundo o ministro, o anúncio desta quinta é para "evitar especulação".

A declaração foi feita depois de uma reunião dos ministros que integram a JEO (Junta de Execução Orçamentária) com o presidente Lula (PT). Além de Haddad, participam do encontro Simone Tebet (Planejamento e Orçamento), Rui Costa (Casa Civil) e Esther Dweck (Gestão e Inovação).

Lula havia dito na última terça-feira (16), em entrevista à TV Record, que ainda tinha de ser convencido sobre corte de gastos neste ano. "Se estou dando o anúncio, é porque ele já foi", disse o ministro da Fazenda a jornalistas.

Já Simone complementou: "Hoje foi tranquilo, ele foi convencido lá atrás".

De acordo com os ministros, o descontingenciamento pode ser revisto, a depender do aumento de receitas. "Já o bloqueio é mais difícil", disse Simone.

De acordo com um interlocutor do governo, os mais afetados pelo bloqueio deverão ser os que concentram obras, como Cidades, Desenvolvimento Regional, Turismo e Esporte. Uma fonte envolvida com o processo afirma que as áreas de saúde e educação também serão atingidas dado o tamanho do corte.

As obras do Minha Casa Minha Vida não iniciadas, por exemplo, deverão ter desembolso parcial. Haverá congelamento de despesas que estavam previstas, mas nem foram iniciadas. Nesse caso, está prevista retenção até no Ministério da Gestão e Inovação, uma vez que concursos públicos não foram realizados.

Até mesmo a Secom deverá ser atingida, já que a contratação de empresas que venceram licitação para comunicação digital está suspensa por decisão do TCU (Tribunal de Contas da União).

Segundo a Folha apurou, o contingenciamento de R$ 3,8 bi fica condicionado à apresentação de receita para compensar a desoneração da folha de pagamento. Se o Congresso conseguir fonte alternativa, liberam os recursos.

Na última quarta-feira (16), o ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), prorrogou até 11 de setembro o prazo para que governo federal e os parlamentares busquem um acordo sobre o tema.

O anúncio desta quinta ocorre para manter o déficit dentro da margem prevista, entre zero e 0,25% do PIB (Produto Interno Bruto).

O governo já havia anunciado para 2025 um corte de R$ 25,9 bilhões e deixou aberta a possibilidade de antecipar parte da tesourada para este ano. Na terça-feira, Haddad já havia aberto a possibilidade de haver bloqueio e contingenciamento no Orçamento deste ano no relatório do dia 22.

O anúncio do corte para o ano que vem sucedeu dias de turbulência nos mercados diante da desconfiança crescente dos agentes econômicos quanto ao compromisso do governo em cumprir as regras fiscais vigentes.

Nas últimas semanas, Lula adotou, com mais ênfase, discurso de respeitar a responsabilidade fiscal, após desconfiança crescente dos agentes econômicos quanto ao compromisso do governo em cumprir as regras fiscais vigentes.

Após um período de volatilidade no mercado, o ministro da Fazenda disse que o presidente determinou a preservação do arcabouço fiscal e anunciou um corte para 2025 de R$ 25,9 bilhões em despesas com benefícios sociais, que passarão por um pente-fino.

Esses eram justamente os sinais mais cobrados pelo mercado financeiro diante da ampliação das incertezas fiscais e que foram endereçados por Haddad em sua declaração no Planalto, após dias sem nenhum anúncio concreto.

O presidente Lula, na quarta, questionou o custo para o país por atrasos históricos em investimentos sociais.

"Todo santo dia nesse governo, toda vez que a gente vai discutir assunto qualquer, sempre aparece artigo no jornal, na revista, na TV, para dizer: 'não, vai gastar muito, gastar com educação, com saúde, com transporte, com reforma agrária, com pessoa com deficiência'", disse.

"A pergunta que eu faço é a seguinte: quanto custou neste país não cuidar das coisas certas no tempo certo? Quanto custou a esse país não fazer reforma agrária na década de 1950, quando grande parte do mundo fez? Quanto custou passar sete anos sem aumentar valor da merenda escolar? Quanto custou a esse país não investir nas universidades no tempo certo?", questionou.


ENTENDA A DIFERENÇA ENTRE BLOQUEIO E CONTINGENCIAMENTO

O novo arcabouço fiscal determina que o governo observe duas regras: um limite de gastos e uma meta de resultado primário (verificada a partir da diferença entre receitas e despesas, descontado o serviço da dívida pública).

Ao longo do ano, conforme mudam as projeções para atividade econômica, inflação ou das próprias necessidades dos ministérios para honrar despesas obrigatórias, o governo pode precisar fazer ajustes para garantir o cumprimento das duas regras.

Se o cenário é de aumento das despesas obrigatórias, é necessário fazer um bloqueio.

Se as estimativas apontam uma perda de arrecadação, o instrumento adequado é o contingenciamento.

Como funciona o bloqueio

O governo segue um limite de despesas, distribuído entre gastos obrigatórios (benefícios previdenciários, salários do funcionalismo, pisos de Saúde e Educação) e discricionários (investimentos e custeio de atividades administrativas).

Quando a projeção de uma despesa obrigatória sobe, o governo precisa fazer um bloqueio nas discricionárias para garantir que haverá espaço suficiente dentro do Orçamento para honrar todas as obrigações.

Como funciona o contingenciamento

O governo segue uma meta fiscal, que mostra se há compromisso de arrecadar mais do que gastar (superávit) ou previsão de que as despesas superem as receitas (déficit). Neste ano, o governo estipulou uma meta zero, que pressupõe equilíbrio entre receitas e despesas.

Como a despesa não pode subir para além do limite, o principal risco ao cumprimento da meta vem das flutuações na arrecadação. Se as projeções indicam uma receita menos pujante, o governo pode repor o valor com outras medidas, desde que tecnicamente fundamentadas, ou efetuar um contingenciamento sobre as despesas.

Pode haver situação de bloqueio e contingenciamento juntos?

Sim. É possível que, numa situação hipotética de piora da arrecadação e alta nas despesas obrigatórias, o governo precise aplicar tanto o bloqueio quanto o contingenciamento. Nesse caso, o impacto sobre as despesas discricionárias seria a soma dos dois valores.

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