Há muito Brasil renuncia às vantagens do comércio global
Hoje vítima de uma agressão comercial por motivos políticos, o Brasil historicamente sabota seu próprio desenvolvimento com barreiras à compra de mercadorias estrangeiras que sufocam a produtividade e empobrecem sua população. Respondendo por apenas 1% do comércio global e fora das cadeias produtivas internacionais, o país colhe estagnação e atraso.
Nunca é tarde para mudar, e as condições internacionais oferecem novas chances de integração produtiva, a despeito das tarifas impostas à maioria dos países pelos Estados Unidos.
A situação atual é grave, como evidencia reportagem da Folha. Desde os anos 1980, estamos presos em uma armadilha de baixo crescimento econômico, em que o Produto Interno Bruto avança em média apenas 2,5% ao ano.
A raiz do problema é a produtividade estagnada: entre 1981 e 2023, o indicador mostrou alta de apenas 0,5% ao ano, em média. A indústria amarga quedas (de 0,3% ao ano), enquanto os serviços, que representam 70% das horas trabalhadas, patinam.
Apenas a agropecuária mostra vigor no período, com 6% de crescimento anual, e competitividade a ponto de conquistar posição de destaque no fornecimento de alimentos para o mundo.
Na comparação com os EUA, o quadro é vergonhoso: a produtividade brasileira, que já foi equivalente a 46% da americana nos anos 1980, hoje marca só 25,6%. Esse abismo reflete a incapacidade de adotar tecnologias modernas, bloqueadas por um protecionismo comercial arcaico.
O Brasil impõe tarifas de importação proibitivas, como as de até 11,5% sobre máquinas e equipamentos, entre as mais altas do mundo. A média de 12% para produtos industriais é o dobro da mexicana e quase o triplo da praticada na União Europeia.
Barreiras não tarifárias, ademais, como normas técnicas muitas vezes redundantes e burocracia alfandegária, afetam 86% das importações, encarecendo produtos em até 2,4 vezes.
É um fato curioso que as maiores multinacionais estejam presentes no país, mas servindo quase exclusivamente ao mercado interno. O país se vê isolado mesmo dispondo de base considerável de recursos humanos e técnicos.
O que há, nesse contexto, são apenas remendos, como isenções setoriais. Até mesmo a Zona Franca de Manaus, supostamente voltada a exportações, não passa de entreposto para fluxos internos, uma grave distorção infelizmente intocável politicamente.
Práticas macroeconômicas desastrosas, como a gastança do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), absorvem recursos, limitam o crescimento da poupança doméstica e elevam o custo de capital, dificultando investimentos.
Num mundo que busca um reequilíbrio diante do protecionismo americano, abrem-se novas oportunidades. Para aproveitá-las é preciso reduzir tarifas, reformar a política econômica para geração de poupança e diversificar o acesso a mercados.
Para 35%, culpa do tarifaço é de Lula; 22% acham que é de Bolsonaro, e 17%, de Eduardo, aponta Datafolha
Ricardo Della Coletta / FOLHA DE SP
Apesar dos esforços do governo para associar o tarifaço de Donald Trump à atuação da família Bolsonaro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é visto como o principal culpado pela sobretaxa aplicada ao Brasil por 35% dos entrevistados na última pesquisa Datafolha.
O ex-presidente Jair Bolsonaro (22%) e seu filho Eduardo Bolsonaro (17%), que está nos EUA e faz lobby no governo Trump pelo endurecimento das medidas punitivas contra o Brasil, são o segundo e terceiro mais citados como principais responsáveis, respectivamente. Juntos, somam 39%.
Na pesquisa Datafolha, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes é visto como principal culpado pelo tarifaço por 15% dos entrevistados.
Não sabem responder 7%, enquanto para 3% nenhuma das figuras listadas é responsável. Já 1% diz que todos —Lula, Bolsonaro, Eduardo e Moraes— são culpados.
O Datafolha realizou 2.002 entrevistas em 113 municípios entre os dias 11 e 12 de agosto. A margem de erro é de 2 pontos percentuais, para mais ou para menos, num nível de confiança de 95%.
O Brasil entrou na mira de Trump com a imposição de uma sobretaxa de 50% sobre uma gama de produtos e por meio de sanções diretas a autoridades, entre elas o ministro do Supremo e, mais recentemente, técnicos que trabalharam na formulação do programa Mais Médicos.
A lista de queixas do republicano vai de uma suposta "caça às bruxas" contra Bolsonaro no julgamento por tentativa de golpe de Estado, passa pelos esforços de regulamentação das plataformas digitais e alcança um alegado tratamento injusto dado pelo Brasil a exportadores americanos.
Desde que Trump começou sua ofensiva contra o Brasil, Lula e outras autoridades no governo atribuem o tarifaço à ação, junto às autoridades americanas, de Eduardo e à defesa que Bolsonaro faz do republicano.
Ministros e o presidente também trabalham para associar a família Bolsonaro e a oposição aos danos econômicos decorrentes do bloqueio do mercado americano.
Em julho, Lula realizou um discurso no qual tratou Bolsonaro e Eduardo como "traidores da pátria".
"Ele [Bolsonaro] agora tem que ser tratado por nós como os traidores do século 20 e do século 21 da história desse país", disse na ocasião.
"Ele que tenha vergonha, se esconda da sua covardia e deixe esse país viver em paz. Porque eles não tiveram nenhuma preocupação com os prejuízos que essa taxação vai trazer ao povo brasileiro, que vai trazer à indústria, a agricultura, aos serviços, ao salário do povo, nenhuma preocupação".
Quando Trump incluiu Moraes na Lei Magnitsky, Lula declarou que as sanções contra o magistrado eram motivadas pela "ação de políticos brasileiros que traem nossa pátria e nosso povo em defesa dos próprios interesses" —em outra referência a Bolsonaro e Eduardo.
Por outro lado, a oposição tem colocado o tarifaço na conta do que consideram falhas diplomáticas de Lula —que na campanha americana apoiou a adversária de Trump, Kamala Harris— e nas decisões de Moraes contra bolsonaristas.
O Datafolha também mostrou que, na hora de apontar o culpado, a resposta sofre forte variação de acordo com o voto dado pelo entrevistado na eleição de 2022.
Entre os que votaram em Lula, o índice dos que veem o petista como principal responsável cai para 11%. Dentro desse público, 38% indicam Bolsonaro como culpado e 35%, Eduardo.
A pesquisa revela ainda que 40% dos consultados opinam que, após a decretação da prisão domiciliar de Bolsonaro, Trump irá tomar novas medidas que prejudicarão mais ainda a economia brasileira.
Já 28% apostam que o republicano não se importará com a prisão de Bolsonaro e aceitará negociar medidas que prejudiquem menos a economia. Um quinto dos entrevistados avalia que as medidas serão mantidas, sem modificações que ampliem ou reduzam os impactos econômicos. Por fim, 12% não sabem responder.
Os EUA deram prosseguimento a críticas e a medidas punitivas contra o Brasil após a decretação da prisão. A suspensão dos vistos dos funcionários que atuaram no Mais Médicos, por exemplo, ocorreu na quarta-feira (13).
Dias depois da ordem de detenção domiciliar, o vice-secretário do Departamento de Estado dos Estados Unidos, Christopher Landau, disse que Moraes era responsável por destruir a relação dos EUA com o Brasil.
E, no exemplo mais recente, o próprio Trump afirmou que o Brasil promove uma execução política de Bolsonaro.
Operação paulista contra corrupção deve servir de exemplo a outros estados
Por Editorial / O GLOBO
Causam consternação os fatos revelados pela operação comandada pelo Ministério Público (MP) de São Paulo contra a corrupção na Secretaria da Fazenda e Planejamento do estado. O supervisor da diretoria de fiscalização, Artur Gomes da Silva Neto, é acusado de liderar esquema de cobrança de propina para apressar a análise de processos de ressarcimento de impostos. De acordo com o MP, essa “assessoria tributária criminosa” recebeu mais de R$ 1 bilhão de várias empresas. Entre os alvos, foram presos o empresário Sidney Oliveira, dono da rede de farmácias Ultrafarma, e Mario Otávio Gomes, diretor da varejista Fast Shop. Outras companhias estão sob investigação. Dada a gravidade da operação paulista, ela deveria servir de inspiração para outros estados.
Pelo relatório do MP, a mãe de Gomes da Silva Neto, uma professora aposentada de 73 anos, declarou patrimônio de R$ 411 mil no Imposto de Renda de 2021. Dois anos depois, esse valor saltou para R$ 2 bilhões. A investigação descobriu que ela estava à frente da Smart Tax, uma empresa de fachada, para a qual o filho atraía a clientela do esquema. Na casa de um dos investigados por lavagem de dinheiro, foram encontrados dois sacos com pedras preciosas e R$ 1,2 milhão em espécie.
O trabalho dos investigadores ainda desvendará se a ilegalidade na Secretaria da Fazenda paulista se resumiu a acelerar processos administrativos com demandas justas. Mas mesmo esse não seria crime menor. Ao antecipar o ressarcimento de impostos, as empresas melhoram seu fluxo de caixa, reduzem custos financeiros e ficam mais fortes ante a concorrência. No mercado onde essas empresas atuam, furar a fila causa enormes distorções. Ganha quem corrompe, não necessariamente o negócio bem gerido.
O Brasil tem longo histórico de escândalos envolvendo o Fisco. Em 2015, a Polícia Federal deflagrou a Operação Zelotes para desvendar esquema de corrupção no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf), que julga autuações da Receita Federal no âmbito administrativo. A suspeita era que conselheiros e auditores passavam informações privilegiadas e facilitavam a reversão de multas. Passados dez anos da Zelotes, nem todas as ações foram julgadas.
A investigação de suspeitas de crimes contra o Fisco não é apenas um imperativo jurídico. Ao fim, a conta do prejuízo é paga por todos. É conhecida a relação entre mais corrupção e menor desenvolvimento. Por anos, se discutiu na academia se a primeira era uma das causas do segundo. Mais recentemente, tem ficado claro que o combate à corrupção tende a levar a maior crescimento econômico. Um ambiente de negócios em que as empresas que mais avançam são as mais eficientes — não as que pagam propina — é benéfico para toda a sociedade.
Pacote de esmeraldas e dinheiro apreendidos durante a operação do MP de São Paulo — Foto: Reprodução/TV Globo/12/08/2025
Big techs: Gleisi diz que governo fechou propostas de regulamentação
Por Ivan Martínez-Vargas — Brasília / O GLOBO
A ministra Gleisi Hoffmann, da Secretaria de Relações Institucionais, afirmou nesta quarta-feira que o governo fechou propostas de regulamentação das redes sociais para “aumentar a proteção dos cidadãos brasileiros no ambiente digital e promover maior concorrência econômica” entre as plataformas.
Em uma publicação nas redes sociais, Gleisi destacou que o tema será levado ao Congresso Nacional, com o objetivo de “responder à demanda da população brasileira por impor mais responsabilidade das plataformas digitais em garantir um ambiente digital seguro”.
A ministra citou o tema da segurança de crianças e adolescentes, em voga na agenda do parlamento na esteira de um vídeo sobre adultização de crianças e jovens postado pelo influenciador Felca, que viralizou nas redes.
“Entendemos que no Congresso já há projetos em condições de serem votados, como o PL 2628, do senador Alessandro Vieira, relatado pelo deputado Jadyel Alencar. O projeto tem amplo apoio na Casa, conta com apoio do governo e demanda apreciação imediata pela Câmara dos Deputados”, disse Gleisi em seu texto. O projeto era discutido pelos parlamentares antes do vídeo de Felca e teve a tramitação travada com a ocupação da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados por parlamentares bolsonaristas, na semana passada.
No tuíte, Gleisi frisou que há a questão é “muito urgente”. Um requerimento de urgência para a apreciação do projeto de lei já estava na pauta do plenário da Câmara na terça-feira passada (5), quando a sessão foi "cancelada" em meio ao motim de bolsonaristas.
O projeto estabelece deveres de cuidado para as plataformas digitais e as obriga a fornecer mecanismos de controle parental, a mitigar riscos gerados pela operação do negócio e a remover conteúdos que violem direitos de menores assim que tomarem ciência deles.
Além disso, o texto prevê a proibição de caixas de recompensas em jogos eletrônicos e o “perfilamento comportamental” dos menores (uso de técnicas para coletar e analisar dados sobre o comportamento e emoções de crianças e adolescentes, com o objetivo de personalizar serviços e publicidade).
Lula diz que tarifaço não ficará impune e que povo americano e Trump sofrerão as consequências
Por Geovani Bucci (Broadcast) e Gabriel de Sousa (Broadcast) / O GLOBO
SÃO PAULO E BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou nesta terça-feira, 12, que o tarifaço imposto peloos Estados Unidos aos produtos brasileiros “não ficará impune” e que o povo americano e o presidente dos EUA, Donald Trump, vão “sofrer as consequências” da medida.
“Eu queria que entrassem no site americano e procurassem uma picanha. Um quilo de filé estava sendo vendido por US$ 150. Uma coisa que o presidente Trump não pensou, embora ele diga que está juntando muito dinheiro; os produtos taxados em todos os países do mundo vão aumentar de preço nos EUA”, disse o petista em entrevista à BandNews.
“O povo (americano) tem que sentir na pele para saber qual será a reação às taxas do presidente Trump”, afirmou.
Lula disse ainda não ter subestimado o presidente norte-americano, mas avaliou que Trump “tem agido com certa anormalidade” na condução das relações comerciais com o Brasil.
Segundo o presidente, há um complexo de superioridade, como quem acha que “pode tudo”; mas, na verdade, ele foi eleito presidente com prazo de validade, pois há o “dia da entrada” e da “saída”.
“Nunca trato relação com presidente de forma ideológica”, continuou o petista. “Não há conveniência pessoal, há interesses políticos, econômicos e pessoais. Faço isso com todo mundo.”
Plano de contingência
Lula anunciou que assinará nesta quarta-feira, 13, a medida provisória (MP) que cria uma linha de crédito de R$ 30 bilhões para empresas brasileiras prejudicadas pelo tarifaço.
O presidente ressaltou que o montante “é só o começo” do plano de contingência para mitigar os efeitos da taxação, que deverá ser ampliado conforme a necessidade.
Brasil decepciona na tarefa crítica de oferecer creches a quem precisa
Por Editorial / O GLOBO
O acesso a creches no Brasil tem crescido em ritmo abaixo do aceitável. Com apenas 41% das crianças de até 3 anos atendidas, a meta de 50% ainda está distante. De cada dez, duas ficam fora da educação infantil por não encontrar creche (ao todo, 2,2 milhões). Desgraçadamente, as mais afetadas são as que mais precisam de atenção. Entre as mais pobres, 29% não acham creche.
Como mostra análise da ONG Todos pela Educação, elaborada a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad-C) e do Censo Escolar, as regiões Norte e Nordeste exibem os indicadores mais críticos. No Amapá, o pior colocado, apenas 10% das crianças são atendidas. No Amazonas e no Acre, a parcela não chega a 20%. Em Pernambuco, 32,5%. São Paulo e Santa Catarina são os estados com maiores taxas de atendimento, mas nenhum passa de 60%.
As capitais do Nordeste com as maiores taxas de atendimento a crianças de zero a 3 anos são Fortaleza e Recife. Porém nenhuma das duas está acima da média. Entre 2019 e 2024, Macapá ampliou as matrículas em 63%, mas continua ocupando a última colocação em cobertura entre as capitais. Para sair dessa situação vexatória, precisará acelerar ainda mais a construção de creches. O mesmo vale para todas as capitais com atendimento abaixo de 30%: Goiânia, Boa Vista, Belém, Rio Branco, Porto Velho e Manaus. Embora ocupe o primeiro lugar em taxa de atendimento, São Paulo, em termos absolutos, tem déficit de 211 mil vagas, o terceiro maior do país, atrás apenas de Minas Gerais (247 mil) e Bahia (220,5 mil).
Passou da hora de governadores e prefeitos ampliarem a oferta desse serviço. As creches são uma política contra a desigualdade. Nos primeiros anos de vida, o cuidado e os estímulos adequados são fundamentais para desenvolver a memória e a execução de tarefas. Famílias de todas as faixas de renda que preferem deixar os filhos pequenos em casa, mas lhes dão atenção, não são o problema. O drama está em todas as que não conseguem, buscam creches e não encontram. Em favelas de grandes metrópoles, as cuidadoras informais são onipresentes. Recebem inúmeras crianças em suas casas e as deixam boa parte do tempo brincando, diante da TV ou eletrônicos. Longe da educação infantil, essas crianças começam a vida em desvantagem.
Creches também favorecem o equilíbrio entre os gêneros. Em 2023, a americana Claudia Goldin ganhou o Nobel de Economia por seu trabalho a respeito do desempenho profissional feminino. Nas suas investigações, ressaltou a diferença de rendimentos entre homens e mulheres depois do nascimento dos filhos. Por questões culturais, as mães sobrecarregadas com o cuidado dos bebês demoram a voltar a trabalhar. As creches aumentam a participação feminina no mercado de trabalho e elevam a renda das famílias. Não faltam, portanto, motivos para governos municipais e estaduais as encararem como prioridade.
Relação dívida/PIB ultrapassará 80% em 2026 e compromete cada vez mais o crescimento
Maeli Prado / FOLHA DE SP
Termômetro da saúde fiscal de um país, a relação entre a dívida pública e o PIB do Brasil, hoje em 76,6%, deve ultrapassar 80% em 2026 e permanecer pelo menos uma década acima desse patamar, em meio a juros altos e rombos persistentes nas contas públicas.
O cenário é do Tesouro Nacional, e sinaliza obstáculos cada vez maiores ao crescimento econômico, que deve ser limitado nos próximos anos pela bagagem de um endividamento crescente.
Um estudo do Banco Mundial ajuda a explicar o problema. A partir de dados de 101 países, pesquisadores concluíram que, quando a relação dívida/PIB ultrapassa os 64% em países emergentes, estes passam a ter um potencial menor de crescimento.
A partir desse patamar, a cada 1 ponto percentual a mais de dívida, a atividade econômica é reduzida em 0,02 ponto percentual, em média.
"A dívida pública, mantida em um patamar elevado por muito tempo, sufoca e retira potencial de crescimento", aponta Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating. "De forma simples, é só pensar na situação de uma família que tem um endividamento constante e que compromete boa parte da renda."
Pela metodologia do FMI (Fundo Monetário Internacional), que inclui a dívida na carteira do Banco Central e que é a levada em conta no levantamento do Banco Mundial, essa relação já está em 89,9%.
"As projeções do FMI já indicam, para 2025, um patamar 18 pontos percentuais superior à média dos emergentes e 20 pontos superior à média da América Latina", diz o especialista em contas públicas Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena.
Ele explica que a relação dívida/PIB costuma ser usada para comparar a situação financeira de diferentes países. Ela indica o quanto um país deve em relação ao tamanho de sua economia, e a probabilidade de cada governo pagar suas dívidas.
Quando o percentual é baixo, é um sinal que a economia está gerando ganhos suficientes para pagar por seus empréstimos. Os investidores ficam mais confiantes na capacidade de pagamento, e os juros cobrados tendem a ser menores.
Quando essa relação é elevada, como no caso brasileiro, a confiança nessa previsibilidade de pagamento se reduz, e os juros tendem a subir.
Mas a régua é diferente para países desenvolvidos, como os Estados Unidos e o Japão, que possuem dívidas acima de 100% e 200% do PIB, respectivamente. Isso porque são nações que arrecadam muito e possuem taxas de juros muito menores, o que faz com que suas dívidas sejam consideradas sustentáveis ao longo do tempo.
Não é caso do Brasil. Salto estima que a dívida deve se elevar mesmo que haja medidas para ajustar as contas públicas nos próximos anos, como cortar pela metade emendas parlamentares, mudança do cálculo do mínimo da saúde e educação e corte de um quarto dos benefícios tributários, entre outros.
O economista da Warren projeta que a dívida pública/PIB alcançará 93% (pela metodologia do BC) em 2030 mesmo se essa série de ajustes fiscais acontecer. Nesse cenário, o mais otimista, a dívida recuaria a 88% do PIB apenas em 2034. O Tesouro Nacional projeta um percentual menor, de 83,2%, no mesmo ano.
"O problema é a combinação venenosa de juros reais estratosféricos com baixo esforço fiscal", afirma Salto. "Esse quadro revela que será preciso providenciar um programa de ajuste fiscal mais estrutural o quanto antes, o que provavelmente acontecerá somente a partir de 2027", diz, se referindo ao período pós-eleições presidenciais.
A dívida chegou a atingir 89% do PIB em outubro de 2020, auge da pandemia de coronavírus, mas caiu ao longo de 2021 e 2022 influenciada pela forte alta na arrecadação (por causa da disparada da inflação) e pela redução de despesas.
Samuel Pessôa, pesquisador do BTG Pactual e do FGV/Ibre e doutor em economia, aponta que um dos aspectos mais nocivos de uma elevada relação dívida/PIB é o fato de refrear investimentos.
"Se os juros são altos, qualquer atividade intensiva em capital fica muito cara", afirma. "É moradia, toda infraestrutura, habitação, portos e aeroportos, tudo isso é intensivo em capital. Nesse cenário, é muito difícil o país melhorar. A Índia, por exemplo, já é melhor que o Brasil em saneamento básico."
Ele lembra que a arrecadação atual, que vem batendo recordes históricos, mascara o déficit público. "O déficit público está meio mascarado, ele é ainda maior do que o atual. Certamente estamos no auge do ciclo econômico, com a menor taxa de desemprego da história. Mas isso não é sustentável".
Para explicar porque a relação dívida/PIB é particularmente nociva no caso Brasil, Pessôa toma o caso do Japão, país com endividamento muito elevado mas juros baixos.
"O Japão é uma sociedade em que o setor privado poupa muito. Isso se expressa em uma pressão deflacionária permanente, juros muito baixos, com uma certa dificuldade de se manter a economia aquecida a plena capacidade", diz. "Por isso, para compensar, o setor público gasta muito."
O especialista aponta que o Brasil é um exemplo oposto. "Somos uma das sociedades que menos poupam, e portanto onde os juros são muito elevados e a dívida pública é alta. Mesmo assim, o setor público também gasta muito."
O patamar da dívida pública brasileira é tão elevado que as projeções do Tesouro apontam que o espaço para as despesas livres, que já é limitado, pode se esgotar totalmente nos próximos cinco anos, comprometendo o funcionamento da máquina pública.
"Quando temos um endividamento muito elevado, boa parte do Orçamento fica comprometido. Sobra muito pouco para investimento", aponta Agostini.
Insistência de Lula em alternativas ao dólar é inexplicável
Por Editorial / O GLOBO
A insistência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em defender o uso de moedas alternativas ao dólar nas trocas comerciais demonstra não apenas desconhecimento sobre o funcionamento da economia global. Traduz também uma leitura equivocada da conjuntura internacional e expõe sua inépcia na defesa do interesse brasileiro. Depois do encerramento da cúpula do Brics no Rio de Janeiro em julho, Lula foi questionado sobre a criação de uma plataforma de investimentos nas moedas locais dos integrantes do bloco. Na resposta, disse que o mundo precisava “encontrar um jeito de que a nossa relação comercial não precise passar pelo dólar”.
De lá para cá, não tem perdido a oportunidade de voltar ao tema. Como lembrou em entrevista à GloboNews o analista Vitelio Brustolin, do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense e da Universidade Harvard, nem mesmo Dilma Rousseff, presidente do banco do Brics, o NDB, defende a substituição do dólar como base do comércio mundial. China, Índia e Rússia tampouco têm falado tanto no tema quanto Lula. Até agora, o único resultado de sua investida foi enfurecer Donald Trump.
O uso do dólar no comércio global é incontornável. Numa ponta ou na outra, ele está presente em nove de dez transações em moeda estrangeira. Cerca de 60% das reservas internacionais são cotadas em dólar. Só a China, segunda economia do mundo e a maior do Brics, detém o equivalente a US$ 2 trilhões, segundo estimativas de Ken Rogoff, autor do recém-lançado “Our dollar, your problem” (“Nosso dólar, problema seu”). Quando a maioria dos bancos centrais analisa efeitos externos na trajetória da inflação dos seus respectivos mercados domésticos, os olhos estão na moeda americana. Os preços de commodities, como petróleo ou soja, são cotados em dólar. Dívidas externas de países e corporações, também. As bases de sustentação dessa preferência são a liquidez e a confiança no respeito à propriedade.
É certo que o predomínio do dólar pode não ser eterno. Por algumas medidas, seu uso está em declínio desde 2015. Depois da invasão da Ucrânia, Estados Unidos e países europeus congelaram as reservas da Rússia no exterior (cerca de US$ 330 bilhões) e passaram a usá-las como base para empréstimos aos ucranianos. O confisco reforçou o temor dos chineses de serem alvo no futuro de manobra parecida. Outro sinal preocupante foi a decisão arbitrária de Trump enquadrando o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes nas sanções previstas na Lei Magnitsky, que proíbe operações no sistema financeiro americano.
Mas diminuir a dependência do dólar no comércio é agenda de russos e chineses, não brasileira. Para reforçar o argumento em favor do uso de moedas locais, Lula cita o exemplo do comércio com a Argentina. Esquece que mais de 90% das transações do Mercosul são feitas em dólar. Afinal, que brasileiro guarda dinheiro em pesos argentinos?
Difícil é entender por que Lula se tornou o porta-voz incansável dessa ideia, enquanto os líderes chinês e russo têm sido menos eloquentes. Se a insistência nessa pauta com um sabor de ação coordenada do Brics era uma tática para melhorar a situação do Brasil diante do tarifaço, já está claro que não funcionou.
Cada país tem negociado com suas próprias forças. Lula deveria era adotar uma estratégia mais eficaz para mitigar o efeito das tarifas.
A Ferrogrão completa dois anos de vida só no papel
Por Elio Gaspari / O GLOBO
Completam-se amanhã dois anos do lançamento do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC), joia da coroa do governo Lula 3.0. Previa R$ 1,8 trilhão de investimentos. Na cumbuca, entrou o projeto da Ferrogrão. Trata-se de uma ferrovia com mil quilômetros de extensão, ligando as cidades de Sinop (MT) e Miritituba (PA). Pelo andar da carruagem, era fake news, pois nenhuma folha de papel saiu do lugar para permitir a discussão ou a realização da obra, prevista no Novo PAC para ser concluída em 2030.
Na melhor das hipóteses, a Ferrogrão ficou no ar por conta de um governo que não se mexe. Na pior, ela entrou no PAC para enganar a turma do agro.
A ferrovia — paralela à rodovia BR-163 já existente e asfaltada —, permitirá o escoamento de 50 milhões de toneladas de grãos anuais, com o frete estimado em R$ 150 por tonelada, metade do custo do mesmo frete por transporte rodoviário.
Admitindo-se que não se tratou de uma brincadeira, em dois anos Lula 3.0 não mexeu um só papel, nem discutiu um só tema relacionado com essa obra. São muitos e dormentes os interesses contra a abertura de qualquer ferrovia. Se o governo teve de fato algum interesse na obra, nada melhor que abrir a discussão do projeto. Como se sabe, a luz do Sol é o melhor detergente.
Numa época em que tanto se fala das sentenças condenatórias do ministro Alexandre de Moraes, o governo fez que não ouviu sua decisão, autorizando-o a começar o processo de licitação da ferrovia. Como parte das comemorações do segundo ano da inclusão da Ferrogrão no Novo PAC, o governo poderia lançar o Anti-PAC, destinado a explicar por que seus projetos não andam.
A sentença de Bolsonaro
É improvável que o julgamento de Bolsonaro termine em setembro e é possível que ele entre pelos primeiros meses de 2026. Admita-se que em setembro ele entre na reta final. São fortes os sinais de que o ministro Luiz Fux vá pedir vista. Pelo regimento do tribunal, um ministro tem 90 dias para devolver o processo. Por hipótese, passam-se assim os meses de outubro, novembro e dezembro. Começa o recesso, e o tribunal só retoma suas atividades em fevereiro. Basta uma pequena espichada para que se chegue a março de 2026.
Essa demora haverá de acavalar o julgamento do ex-presidente com a apreciação dos recursos relacionados à sua inelegibilidade, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com uma nova composição. 2026 virá com fortes emoções.
Uma tunga cruel
No tempo em que os bichos falavam, a Eletrobras criou um corpo técnico qualificado e protegeu-o com um regime que oferecia uma confortável aposentadoria, gerido pelo fundo de pensão da estatal. Essa era a teoria. Na prática, o fundo foi rapinado por gestores e a reserva virou pó. Nenhum gestor foi responsabilizado. A conta foi para os servidores que sobreviveram. Eles são uns 600, quase todos com mais de 80 anos.
Produziu-se a seguinte gracinha: um servidor recebeu o contracheque de julho, com proventos de R$ 34.441 e descontos de R$ 34.395. Restaria ao servidor viver com R$ 46. Isso não basta. O servidor é informado que será tungado até 2035 e, regularmente, é avisado que está devendo “contribuições extraordinárias em atraso”. Em julho, quando ele deveria viver com R$ 46, devia R$ 6.711. Essa maluquice é explicada matematicamente pelos eletrotecas. O que ninguém explica é que os gestores ficaram numa boa e os servidores estão obrigados a quitar suas leviandades.
O Brasil está negociando na vitrine
Desde 9 de julho, quando o presidente Trump anunciou suas sanções contra o Brasil, Lula, seu governo e alguns personagens periféricos adotaram a pior forma de negociação. Foram para a vitrine, anunciando providências conflitantes com posturas heroicas. Elas dão 15 minutos de fama aos interessados e servem para nada. Jogando com as pretas, Trump está blindado falando só o que lhe interessa. Do jeito que estão as coisas, a margem de negociação é curta, mas nada impede que nos próximos meses surjam brechas, desde que os negociadores saiam da vitrine.
O Homem da Cadeira
Depois da Senhora do Batom, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal produziu o Homem da Cadeira. O mecânico Fábio de Oliveira foi condenado a 17 anos de prisão por ter sentado na cadeira do ministro Alexandre de Moraes durante os distúrbios de 8 de janeiro. Além de sentar-se na cadeira, Oliveira gravou-se dizendo bobagens. Moraes enquadrou-o em cinco crimes: abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado, deterioração do patrimônio tombado e associação criminosa armada. Oliveira não invadiu o plenário do tribunal, ele sentou-se na cadeira do ministro depois que ela foi levada para fora do prédio.
Hospício parlamentar
Parlamentares acorrentaram-se no Congresso, obstruindo seu trabalho. Felizmente, a muvuca serviu para que o repórter Octavio Guedes resgatasse a resposta dada por Ulysses Guimarães, diante de um episódio semelhante: “Eu sou o presidente da Constituinte, não de um hospício.”
Belém x Trump
A Câmara Municipal de Belém declarou Donald Trump persona non grata para a reunião da COP30, de novembro. Direito dela. As labaredas que ameaçam a reunião podem estar recebendo um reforço, permitindo que o presidente americano, com seus dotes teatrais, resolva ser um personagem ausente, empenhado em avacalhar o evento.
O alcance de Krugman
O economista Paul Krugman tornou-se um dos principais críticos do tarifaço de Donald Trump. Incomoda porque mastiga números. Em 1994, os Estados Unidos passavam por uma crise de competitividade, surgiu um bordão, segundo o qual o país deixaria de ser um exportador de semicondutores (chips) para vender batatas fritas (potato chips). Krugman era um economista de 41 anos e explicou, com dados, que o valor agregado das batatas fritas era superior ao dos semicondutores. Matou a piada. À época, o professor Delfim Netto, seu leitor constante, previu: “Ele vai ganhar o prêmio Nobel de Economia”. Ganhou-o em 2008.
Hiroshima, 1945
Efemérides são datas petrificadas que geralmente escondem detalhes relevantes. Todo mundo lembrou os 80 anos da bomba de Hiroshima. Hoje, há 80 anos, o comandante americano no Japão apertou os parafusos da censura dos efeitos da bomba. Proibiu a entrada de jornalistas em Hiroshima e Nagasaki e confinou os jornalistas em Yokohama. Apreendeu filmes e cassou a credencial do repórter australiano Wilfred Burchett, que havia burlado a censura.
Não adiantou. Em setembro a revista “Life” fez seu serviço. Em agosto de 1946, a “New Yorker” publicou a histórica reportagem de John Hersey.
PAC de Lula era de vidro e se quebrou
Elio Gaspari / Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada" / folha de sp
Completam-se amanhã dois anos do lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento, joia da coroa do governo Lula 3.0. Previa R$ 1,8 trilhão de investimentos.
Na cumbuca, entrou o projeto da Ferrogrão. Trata-se de uma ferrovia com mil quilômetros de extensão, ligando a cidade de Sinop (MT) ao distrito de Miritituba (PA). Pelo andar da carruagem, era fake news, pois nenhuma folha de papel saiu do lugar para permitir a discussão ou a realização da obra, prevista no PAC para ser concluída em 2030.
Na melhor das hipóteses, a Ferrogrão ficou no ar por conta de um governo que não se mexe. Na pior, ela entrou no PAC para enganar a turma do agro. A ferrovia (paralela à rodovia BR-163 já existente e asfaltada), permitirá o escoamento de 50 milhões de toneladas de grãos anuais, com o frete estimado em R$ 150 por tonelada, metade do custo do mesmo frete por transporte rodoviário.
Admitindo-se que não se tratou de uma brincadeira, em dois anos Lula 3.0 não mexeu um só papel nem discutiu um só tema relacionado com essa obra.
São muitos e dormentes os interesses contra a abertura de qualquer ferrovia. Se o governo teve de fato algum interesse na obra, nada melhor que abrir a discussão do projeto. Como se sabe, a luz do Sol é o melhor detergente.
Numa época em que tanto se fala das sentenças condenatórias do ministro Alexandre de Moraes, o governo fez que não ouviu sua decisão, autorizando-o a começar o processo de licitação da ferrovia.
Como parte das comemorações do segundo ano da inclusão da Ferrogrão no PAC, o governo poderia lançar o Anti-Pac, destinado a explicar porque seus projetos não andam.
Uma tunga cruel
No tempo em que os bichos falavam, a Eletrobras criou um corpo técnico qualificado e protegeu-o com um regime que oferecia uma confortável aposentadoria, gerido pelo fundo de pensão da estatal. Essa era a teoria.
Na prática, o fundo foi rapinado por gestores, e a reserva virou pó. Nenhum gestor foi responsabilizado. A conta foi para os servidores que sobreviveram. Eles são uns 600, quase todos com mais de 80 anos.
Produziu-se a seguinte gracinha: um servidor recebeu o contracheque de julho, com proventos de R$ 34.441 e descontos de R$ 34.395. Restaria ao servidor viver com R$ 46.
Isso não basta. O servidor é informado que será tungado até 2035 e, regularmente, é avisado que está devendo "contribuições extraordinárias em atraso". Em julho, quando ele deveria viver com R$ 46, devia R$ 6.711.
Essa maluquice é explicada matematicamente pelos eletrotecas. O que ninguém explica é que os gestores ficaram numa boa e os servidores estão obrigados a quitar suas leviandades.