É vergonhosa a persistência de policiais trabalhando para bandidos
Por Editorial / O GLOBO
Os papéis de bandido e policial infelizmente têm se confundido com frequência maior no dia a dia. No Rio, pelo menos 72 policiais militares da ativa, pagos pelo Estado para proteger os cidadãos, fazem segurança particular para contraventores, como mostrou levantamento do GLOBO nos processos criminais envolvendo três bicheiros. O número não leva em conta bombeiros, policiais civis, penais e agentes da reserva, que também costumam ser arregimentados pelo jogo do bicho.
No mês passado, a promiscuidade dos agentes da lei foi exposta pelo atentado ao contraventor Vinicius Pereira Drumond no Rio. Alvejado com mais de 30 tiros, ele escapou ileso, graças à blindagem do Porsche que dirigia e à pronta ação da escolta. Ela reunia dois PMs do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), tropa de elite da corporação. Os guarda-costas improváveis foram identificados pela Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) e pelo Ministério Público durante investigações de assassinatos e outros crimes da contravenção.
A promiscuidade não é fato novo. Surpreende é persistir por décadas. Em 1994, o estouro da fortaleza do bicheiro Castor de Andrade só deu certo porque contou com um pequeno grupo de promotores e PMs do serviço reservado de absoluta confiança, impedindo que ele fosse avisado, como costumava acontecer. Os agentes selecionados para a ação não estavam na folha de pagamento de Castor. Daí a frase que ficou famosa: “Que polícia é esta?”. Não era a que ele tinha no bolso. A operação expôs uma longa lista de propinas pagas a autoridades para fazer vista grossa ao jogo do bicho.
Não é só no Rio que a linha entre policiais e bandidos tem sido ultrapassada. Em São Paulo, as investigações sobre a execução do empresário Vinícius Gritzbach, delator do Primeiro Comando da Capital (PCC), no aeroporto de Guarulhos, também expuseram ligações entre agentes e o crime. Em junho, a Justiça Militar de São Paulo aceitou denúncia contra 18 PMs acusados de envolvimento no caso. Gritzbach delatou relações espúrias entre policiais e o PCC. Sua escolta também era formada por PMs.
Não se pode generalizar. A vasta maioria das dezenas de milhares de policiais respeita as fronteiras da lei. Mas preocupa que haja desvios apesar das medidas de controle. A questão central não é se policiais deveriam fazer bicos — essa é outra discussão. O que não faz sentido é trabalharem como seguranças para cidadãos com extensas folhas corridas, beneficiados com frequência por informações privilegiadas sobre investigações e operações. Não há dúvida de que casos assim costumam ser punidos, por vezes com expulsão. É preciso, contudo, evitar que aconteçam, aperfeiçoando os critérios de recrutamento e permanência nas tropas.