Projeto acerta ao disciplinar gasto de prefeituras
Por Editorial / O GLOBO
São muitos os privilégios, distorções e aberrações enraizados na máquina estatal. É, por isso, um alento que o texto da reforma administrativa em debate na Câmara — entre as múltiplas transformações que propõe — se preocupe em melhorar a qualidade do gasto público e em disciplinar regras fiscais que muitas vezes resultam no estouro de orçamentos estaduais e municipais.
Para isso, a principal inovação proposta pelo relator, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), é instaurar o Sistema de Avaliação de Políticas Públicas (Sinap), que será responsável pela revisão periódica dos resultados trazidos pelo gasto de União, estados e municípios, com base em indicadores objetivos. Com isso, haverá subsídio para saber se determinada despesa — em educação, saúde, segurança ou infraestrutura — deve ser mantida, ampliada ou cortada. O projeto ainda prevê enfim criar o Conselho de Gestão Fiscal, previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal, mas nunca instalado. Esse colegiado unificará normas, diminuindo ambiguidades na classificação de despesas. “Há uma inventividade contábil que muitas vezes leva estados a estourar gastos de pessoal ou dívida”, diz Pedro Paulo.
A proposta prevê também que, se a arrecadação de alguma prefeitura estiver baixa ou se ela depender de repasses da União, deverá obedecer a restrições. Em cidades de até 10 mil habitantes, o salário de prefeitos, vices e secretários terá como teto o equivalente a 30% do que ganha o governador do estado. Nos municípios com mais de 500 mil habitantes, 80%. Hoje, há enorme liberdade para Câmaras de vereadores incorrerem em abusos. O projeto quer acabar com isso.
Anhanguera (GO) tem mil habitantes, mas paga mais de R$ 18 mil ao prefeito, valor não muito abaixo do contracheque do chefe do Executivo em Bauru (SP), com população de quase 400 mil. Em Jequié, no Semiárido baiano, o prefeito Zenildo Brandão Santana (Progressistas) ganha pouco menos que o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB-SP). A capital paulista tem 11,7 milhões a mais de habitantes.
Em Ingazeira, no Sertão pernambucano, dos R$ 47 milhões estimados em receitas correntes para este ano, R$ 44 milhões virão do governo federal. A arrecadação própria será quase toda usada para cobrir o custo dos vencimentos do prefeito (R$ 20 mil mensais), da vice (R$ 10 mil mensais), de secretários e vereadores. No município de 5 mil habitantes, a renda média de 1,6 salário mínimo dá a dimensão de quão distorcida é a remuneração do Executivo e do Legislativo locais.
As regras para o gasto de prefeituras no Brasil não guardam qualquer conexão com a realidade local nem com as finanças públicas. A implantação das propostas da reforma administrativa é essencial não apenas para o controle das despesas, mas sobretudo para melhorar a qualidade da gestão pública e dos serviços prestados ao cidadão. Elas já deveriam ter sido implementadas há muito tempo. É importante que o presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), mantenha a prioridade que tem dado ao tema. A aprovação da reforma seria um dos maiores legados da atual composição do Congresso.
Correios culpam governo Bolsonaro por crise financeira sem precedentes
Carlos Petrocilo / FOLHA DE SP
Os Correios culpam a falta de investimentos durante o governo de Jair Bolsonaro (2019-22) pela crise financeira sem precedentes que vivem.
Em resposta a um requerimento de informações apresentado pelo deputado federal Luiz Carlos Motta (PL-SP), a estatal vislumbra um alívio em suas contas com a possibilidade de receber R$ 1,6 bilhão neste ano, conforme aprovado em seu orçamento.
Segundo a empresa, foram R$ 447 milhões de investimentos no período de 2019 a 2022, ante R$ 792 milhões em 2023 e 2024.
"O contexto enfrentado atualmente pela estatal é reflexo de decisões pretéritas, especialmente no período de 2019 a 2022, quando houve severa restrição de investimento", diz Geverson Nery de Albuquerque, assessor especial da presidência da empresa, em ofício entregue à Comissão de Trabalho da Câmara dos Deputados. "Essa limitação comprometeu a competitividade da empresa", completa.
Para tentar reverter a situação financeira complicada, a estatal também se comprometeu a racionalizar suas despesas e adotar medidas como a redução da jornada de trabalho para seis horas, com redução proporcional do salário e o incentivo ao desligamento voluntário.
A empresa registrou um prejuízo de R$ 4,37 bilhões no primeiro semestre deste ano.
Reportagem da Folha, publicada em junho, mostrou que a empresa lidava com atraso no aluguel de agências, falta de pagamento de terceirizados e dificuldades no atendimento do plano de saúde dos funcionários.
A situação levou o presidente da empresa, Fabiano Santos, a pedir demissão.
Quanto a Amazônia perdeu de vegetação nativa em 40 anos? E qual é o principal vetor de desmate?
Por Roberta Jansen / O ESTADÃO DE SP
A Amazônia perdeu 52 milhões de hectares de floresta nos últimos 40 anos, que representam 13% de destruição da vegetação nativa entre 1985 e 2024, segundo dados do MapBiomas, rede colaborativa formada por ONGs, universidades e startups. A área destruída é equivalente a duas vezes o território do Estado de São Paulo.
O estudo, cujos dados foram divulgados nesta segunda-feira, 15, foi feito a partir de imagens de satélite e revela ainda que a soja não é mais o principal vetor do desmatamento, mas sim a abertura de novas áreas de pastagem.
O mapeamento vem à tona menos de dois meses antes da Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-30) em Belém - pela primeira vez o evento será realizado na Amazônia. A conferência é uma tentativa da gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de se projetar na agenda ambiental.
O governo, porém, enfrenta problemas com questões internas - como o controverso plano de exploração de petróleo na Margem Equatorial da Foz do Amazonas, criticado por ambientalistas - e turbulências no cenário internacional, como a saída dos Estados Unidos dos acordos climáticos.
Levando-se em conta que a Amazônia é o maior bioma do País, a perda é significativa, segundo especialistas. Com 421 milhões de hectares, a floresta ocupa praticamente a metade (49,5%) do território brasileiro e tem papel importante na regulação do clima do planeta, especialmente na América do Sul.
Conforme o MapBiomas, no ano passado a vegetação nativa cobria ainda 81,3% do bioma, mas 15,3% já eram ocupados por atividades humanas, como agricultura, criação de gado e mineração, entre outros.
“A Amazônia brasileira está se aproximando da faixa de 20% a 25% prevista pela ciência como o possível ponto de não retorno do bioma, a partir do qual a floresta não consegue mais se sustentar”, diz Bruno Ferreira, do MapBiomas.
“Já podemos perceber alguns dos impactos dessa perda de cobertura florestal, como nas áreas úmidas do bioma. Os mapas de cobertura e uso da terra na Amazônia mostram que ela está mais seca”, acrescenta.
Somando a superfície coberta com água - floresta alagável, campo alagável, apicum (terreno próximo à zona costeira) e mangues -, houve retração de 2,6 milhões de hectares entre 1985 e 2024. Esses dados mostram que 8 dos 10 anos mais secos foram registrados na última década. No ano passado, as áreas úmidas ocupavam 59,6 milhões de hectares.
As imagens de satélite também mostram como a antropização da Amazônia é recente: 83% dessa ocupação do bioma por atividades humanas ocorreram entre 1985 e 2024. Somando todos os usos antrópicos da terra, eles aumentaram 471% (+57 milhões de hectares) nas últimas quatro décadas.
Nesse período, houve avanço de 43,8 milhões de hectares de pastagem - o uso antrópico que mais se expandiu. As pastagens passaram de 12,3 milhões de hectares em 1985 para 56,1 milhões de hectares no ano passado - alta de 355%.
Em termos porcentuais, porém, a expansão mais expressiva foi da silvicultura, que passou de 3,2 mil hectares em 1985 para 352 mil hectares em 2024 – aumento de mais de 110 vezes em 40 anos. A área de agricultura, por sua vez, cresceu 44 vezes (4.321%), passando de 180 mil hectares (1985) para 7,9 milhões de hectares (2024).
Nos últimos anos, a mineração vem ganhando relevância: eram 26 mil hectares em 1985 e, no ano passado, 444 mil hectares. Parte disso ocorre por meio do avanço do garimpo ilegal em áreas protegidas, como reservas indígenas.
De acordo com os novos dados, três em cada quatro hectares convertidos para agricultura (74,4%) são ocupados por lavouras de soja, que ocupavam 5,9 milhões de hectares em 2024.
De 2008 para cá, o desmate para o plantio de soja caiu 68% (769 mil hectares). Nesse período, a soja cresceu principalmente em áreas já abertas de pastagem (+2,8 milhões de hectares) e de agricultura (+1 milhão de hectares).
O ano de 2008 foi o marco estabelecido pela moratória da soja, acordo que busca preservar a floresta, impedindo a compra de soja de produtores que tenham desmatado áreas da região após aquela data.
Como os números do MapBiomas mostram, a moratória foi eficaz. Em meados de agosto, porém, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) ordenou o fim do acordo. A decisão foi suspensa pela Justiça Federal, por meio de liminar, em 25 de agosto.
Rondônia destaca-se como o Estado de maior conversão de vegetação nativa em pastagens, que passaram de 7% de seu território, em 1985, para 37% em 2024. É também o Estado com menor proporção de vegetação nativa na Amazônia (60%), atrás de Mato Grosso (62%), Tocantins (65%) e Maranhão (67%).
Em 2024, 2% da vegetação nativa da Amazônia era secundária, ou seja, formada por áreas que foram desmatadas anteriormente e que estão em processo de regeneração da vegetação nativa. No ano passado, elas totalizaram 6,9 milhões de hectares no bioma.
Esse tipo de vegetação não é a mais desmatada: em 2024, 88% do desmatamento na Amazônia aconteceu em áreas de vegetação primária; apenas 12% foram em vegetação secundária.
Gasto sob Lula 3 cresce em ritmo de quase o dobro da receita
Fernando Canzian / FOLHA DE SP
Os gastos federais no governo Lula 3 têm corrido em ritmo equivalente a quase o dobro do aumento da arrecadação, que cresce substancialmente. O padrão deve se manter em 2026, levando a um colapso no funcionamento da máquina pública a partir de 2027, segundo projeções oficiais. O chamado "shutdown" é a falta de dinheiro para despesas básicas.
Ao longo do terceiro mandato de Lula, a equipe econômica obteve aumento acima da inflação na receita líquida (livre de transferências para estados e municípios, entre outras) de R$ 191,3 bilhões, com arrecadação prevista neste ano de R$ 2,318 trilhões. No período, as despesas cresceram R$ 344 bilhões, devendo atingir R$ 2,415 trilhões, segundo dados da IFI (Instituição Fiscal Independente, do Senado) e do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do Tesouro Nacional.
Com gastos crescendo acima da receita, o governo pode encerrar 2025 com déficit primário (sem contar juros para rolar débitos) equivalente a 0,77% do PIB, incluindo o pagamento de precatórios. Isto deve impactar no crescimento da dívida pública, principal termômetro de solvência dos países. Projeções da IFI indicam que o governo Lula acrescentará cerca de 12 pontos percentuais na dívida em quatro anos.
É para conter essa trajetória explosiva que a equipe do ministro Fernando Haddad (Fazenda) busca elevar ainda mais as receitas. Tentou inicialmente aumentar alíquotas do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). Diante da resistência do Congresso, procura taxar aplicações financeiras isentas e elevar a tributação sobre apostas esportivas e fintechs, entre outras medidas –como majoração mais branda do IOF.
Para especialistas, Lula criou uma armadilha para si, que o levará ao ano eleitoral de 2026 sem gás para grandes gastos em caso de resistência maior de um Congresso majoritariamente de centro-direita, sem motivos para dar fôlego ao PT. O temor é que Lula abandone as regras do arcabouço fiscal que instituiu em 2023 e acelere o crescimento da dívida pública –pressionando inflação e juros para cima.
O arcabouço estabeleceu limite entre 0,6% e 2,5% acima da inflação para o crescimento da despesa primária (sem contar juros). Mas o aumento da despesa não pode ultrapassar 70% o da receita. Assim, para cada R$ 1 em novas receitas, podem ser gastos R$ 0,70, respeitando o limite de alta de 2,5%. Apesar de mais frouxo que o teto de gastos do governo Michel Temer, quando a despesa era corrigida só pela inflação, a regra é o que ainda contém crescimento maior do gasto.
O governo Lula, no entanto, usa outros meios para gastar mais, fora da regra do arcabouço –algo que, no final, aumenta a dívida pública. Uma das estratégias é liberar recursos do Orçamento como despesas financeiras, que não são computadas como primárias e ficam de fora da regra fiscal.
Dinheiro do chamado Fundo Social (abastecido com rendas da União com petróleo), por exemplo, tem sido direcionado para irrigar programas do BNDES, o Minha Casa Minha Vida e o Fundo de Investimento em Infraestrutura Social. Cálculo da economista Cecilia Machado, colunista da Folha, mostra que os desembolsos autorizados em alguns desses programas atingem R$ 74 bilhões neste ano –ante R$ 25 bilhões em 2023.
Segundo o especialista em contas públicas e também colunista da Folha Marcos Mendes, antes de Lula assumir, grande parte dos recursos captados pelo Fundo Social eram direcionados ao abatimento da dívida pública.
Outro drible para gastar mais se dá por meio dos chamados fundos privados, que financiam programas como Pé de Meia (até R$ 15 bilhões neste ano) e Desenrola Brasil.
"Esses desembolsos do Orçamento com cara de despesa financeira, que não vão impactar o [déficit] primário, são R$ 59 bilhões maiores do que a média de desembolsos similares de 2018 a 2022, excluindo 2020, ano da pandemia", diz Mendes.
Esses gastos, porém, não são a principal causa para o crescimento das despesas acima da arrecadação. Ao assumir e acabar com o teto de gastos, o governo Lula reestabeleceu a regra de os desembolsos para saúde e educação acompanharem o crescimento da receita corrente líquida (e não mais a inflação), na proporção de 15% e 18% do total arrecadado, respectivamente. Quando a receita sobe, esses gastos aumentam.
Outro motivo é a regra de correção do salário mínimo, que prevê aumentos acima da inflação até 2,5%. Isto tem impacto enorme sobre os benefícios previdenciários, a maior despesa, porque 70% dos pagamentos seguem o piso básico. No atual, governo, o valor dos benefícios previdenciários saltou de R$ 912,2 bilhões para R$ 1.053 trilhão.
Existem outras despesas que também estão crescendo muito, com suspeitas de fraudes ou a partir de decisões judiciais. Uma delas é o BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a pessoas pobres com mais de 65 anos ou deficientes. O total de beneficiários neste governo por decisão administrativa ou judicial passou de 5,1 milhões para 6,3 milhões.
Para Marcus Pestana, diretor-executivo da IFI, a trajetória dos gastos acima da receita líquida deve levar o Brasil ao "shutdown" em 2027, com o estrangulamento dos gastos discricionários (não vinculados e sobre os quais o governo tem liberdade para gastar). A própria equipe econômica escancarou essa possibilidade no Anexo IV do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2026.
"Exceto em saúde e educação, que são protegidos por vinculação, não haverá munição para as Forças Armadas, gasolina para o Ibama e Polícia Federal, nem internet e telefone para os órgãos. Este é o desenho da mediocridade do horizonte brasileiro", diz Pestana.
Em sua opinião, as medidas propostas pela Fazenda para aumento das receitas são "band-aids" para salvar o ano e nada têm de estrutural. Não se espera que o governo, às vésperas do período eleitoral, mexa com as regras que garantem mais recursos para saúde e educação e para o aumento real do salário mínimo.
O economista Alexandre Manoel, ex-secretário do Ministério da Fazenda (2018-2020), acredita que, embora o atual governo tenha conseguido aumentos reais na arrecadação, esse movimento "chegou a um limite". "O Congresso deve aprovar o mínimo para que o país atravesse o ano eleitoral de 2026, e para preservar o fluxo de dinheiro para sustentar as emendas parlamentares", diz.
As emendas são outro ponto de estrangulamento dos gastos discricionários. No governo Lula, elas saltaram de R$ 35,6 bilhões para R$ 50,4 bilhões.
Para os próximos trimestres, até a eleição, o que se espera é um aumento da despesa (e da dívida pública) para manter o governo funcionando; além da preservação das verbas de deputados e senadores.
Nesse cenário, o Brasil perdeu a chance de fazer um ajuste gradual nas contas públicas sob Lula 3, e precisará de um choque em 2027 –com possíveis mudanças nas vinculações em saúde e educação e na regra de aumento acima da inflação no salário mínimo.
'Déficits gêmeos' expõem desequilíbrio de Lula 3 e o aproximam de Dilma
Fernando Canzian / folha de sp
A pouco mais de um ano das eleições de 2026, quando Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve buscar um quarto mandato, o Brasil aparece enredado nos chamados "déficits gêmeos", com contas fiscais e externas em deterioração.
Com atenuantes, o momento guarda semelhança com a situação pré crise no segundo mandato de Dilma Rousseff, e o Brasil caminha para ter os dois maiores rombos do tipo na comparação com a maioria dos países.
Os "déficits gêmeos" ocorrem quando um país apresenta, simultaneamente, um déficit nominal e outro na conta corrente, este em relação a outras nações. Um dos principais motivos para a sua ocorrência neste momento é o fato de a economia ter ficado desequilibrada e aquecida demais após dois anos e meio de gastos públicos insustentáveis sob Lula.
Juros pagos para rolar a dívida pública fazem parte do déficit nominal, e ele tem aumentado fortemente por conta da taxa básica (Selic) estar hoje em 15% ao ano a fim de conter a inflação, provocada pelos gastos excessivos.
Já o déficit em conta corrente se dá quando é negativo o saldo entre a entrada e saída de dólares, considerando pagamentos líquidos de transferências e importações (em alta com a economia aquecida) e exportações de bens e serviços.
Especialistas afirmam que, embora a principal causa do déficit nominal venha da conta de juros, há impacto direto no aumento da dívida pública, que tem crescido enormemente sob Lula 3.
Dados recentes mostram a velocidade desses desequilíbrios. No front fiscal, os gastos com juros do setor público se tornaram um peso esmagador.
Nos 12 meses encerrados em julho, essa despesa se aproximou de R$ 1 trilhão, levando o déficit nominal do governo central, sob responsabilidade de Lula, a 7,12% do PIB. Somados União, estados e municípios, o Brasil deve encerrar o ano com o indicador em 8,5% do PIB, sendo a maior parte juros (8%).
Os juros aumentam a dívida pública bruta, que atingiu 77,5% do PIB em julho, com uma expansão de seis pontos percentuais em pouco mais de dois anos e meio sob Lula. Poucos países se endividaram tanto nos últimos anos.
Para Samuel Pessôa, do Ibre-FGV e colunista da Folha, do ponto de vista macroeconômico, a situação atual "não é tão diferente" do final do governo Dilma Rousseff. Ele ressalta, porém, que o déficit atual é "mais real" porque a Selic não está artificialmente controlada, como ocorreu em 2014, quando começou a subir só após a reeleição de Dilma.
Lula também não tem controlado preços administrados (energia e combustíveis). Mas Pessôa destaca que o desequilíbrio é grande e que o Brasil, produzindo quatro milhões de barris de petróleo por dia, que geram muita receita, "não deveria ter esse déficit".
Apesar de prever certo alívio nos próximos trimestres devido à desaceleração econômica e cortes de juros, ele enfatiza que o "problema estrutural continuará conosco e precisará ser tratado em 2027". O risco é Lula voltar a pisar no acelerador dos gastos no período eleitoral.
O ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga afirma que os "déficits gêmeos" interagem como "elementos de pressão nos juros e de 'crowding out'", expressão que designa como empresas privadas reduzem investimentos quando o setor público gasta demais.
Fraga destaca que o investimento público no Brasil caiu de cerca de 5% do PIB para menos de 2% nas últimas décadas, apesar de o gasto estatal ter subido, de cerca de 25% do PIB para 34%.
Para ele, a economia está "mais aquecida do que o normal", com a inflação demorando para ceder, sendo o juro o "sintoma mais grave do paciente".
Marcus Pestana, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente, corrobora a preocupação com o investimento, classificando a taxa no Brasil como "ridícula". "São sofríveis 17% do PIB, comparados a 35% em países asiáticos", diz.
Pestana afirma que o "calcanhar de Aquiles" é a questão fiscal, que está levando a um rápido aumento do endividamento público. Ele não vê com muita preocupação o déficit em transações correntes, já que o fluxo de investimento direto ainda cobre o rombo, apesar de crescente.
Livio Ribeiro, sócio da consultoria BRCG, concorda que a maior preocupação é com o déficit fiscal. "É um desequilíbrio estrutural e de longo prazo que não está sendo atacado de frente."
Ribeiro considera o debate da questão fiscal "interditado", com o governo buscando alternativas heterodoxas em vez de enfrentá-lo. O risco, diz, é que se volte a gastar mais em 2026 visando as eleições.
'Feito de palhaço': Gestão Sarto é investigada por distribuir 'papel da casa' sem validade jurídica
"Toda vida que tinha eleição, o pessoal vinha dizendo que nós íamos ter direito, que iam conseguir os papéis da casa própria. (...) E nada da gente receber o papel", narra a diarista Irisneide Cândido. Ela vive há 27 anos na mesma casa, na comunidade Francisco Ivo, no bairro Luciano Cavalcante, em Fortaleza, mas não possuía o documento que reconhece o direito legal ao próprio lar — o "papel da casa".
Em setembro de 2024, foi marcada uma reunião, em uma escola municipal da região, com os moradores da Francisco Ivo. De lá, Irisneide saiu com o "título de legitimação fundiária", entregue como se fosse o sonhado "papel da casa". "Mas a gente não ficou acreditando muito, não", lembra.
Os moradores da comunidade Francisco Ivo não foram os únicos a receber o "título de legitimação fundiária". O mesmo documento foi entregue, entre os meses de agosto e setembro do ano passado, em outras oito comunidades de Fortaleza pela gestão do ex-prefeito José Sarto (PDT).
E, assim como no caso de Irisneide, também teve quem desconfiasse da validade destes títulos. "Quando eu peguei o documento, eu virei a página e vi que era assinado pelo secretário. Eu detectei que o documento era falso, porque um documento que é de cartório, o secretário da habitação não assina", conta o gerente de Recursos Humanos, José Rocha.
Ele é morador do Planalto Vitória, no bairro Canidezinho, desde 2002, quando se mudou com a família para a comunidade. A casa onde viveu com os pais e a irmã foi dividida e, desde 2018, ele tem o próprio espaço no mesmo terreno no qual os familiares vivem. José lembra o dia em que recebeu o documento, em evento na "quadra lotada" de uma escola municipal, e da sensação ao ver o que tinha recebido. "Quando eu peguei, eu já vi logo: isso aqui não é o 'papel da casa'. (...) A gente se sentiu feito de palhaço".
Agora, o Ministério Público do Ceará (MPCE) apura o episódio, por entender que "a emissão dos referidos títulos se deu de forma irregular", conforme indica despacho, de julho deste ano, assinado pelo promotor de Justiça Marcelo Yuri Moreira Martins, da 2ª Promotoria de Justiça de Conflitos Fundiários e Defesa da Habitação.
Foram instaurados nove procedimentos administrativos em Promotorias de Justiça especializadas em Conflitos Fundiários e Defesa da Habitação. Cada um deles será responsável pela apuração de uma das comunidades afetadas. São elas: Dom Lustosa, Conjunto Palmeiras II, Planalto Vitória, Aracapé, Santa Edwirges, Jardim América, Cidade de Deus, Novo Jardim Castelão e Francisco Ivo.
Também foi instaurado procedimento na esfera eleitoral, já que as entregas dos títulos foram realizadas durante a campanha eleitoral de 2024, quando Sarto era candidato à reeleição para a Prefeitura de Fortaleza.
Qual é a irregularidade?
Em publicações no Instagram, o ex-secretário de Habitação da Prefeitura de Fortaleza durante a gestão do ex-prefeito José Sarto, Carlos Kleber, divulga a entrega do "papel da casa" a moradores das comunidades citadas. Sobre o Planalto Vitória, onde vive José Rocha, a postagem, em agosto de 2024, comemora "750 papéis da casa entregues".
No dia 19 de setembro de 2024, a publicação fala da "entrega de 500 papéis da casa aos moradores do Aracapé". "Mais uma comunidade que recebe a segurança jurídica de ser proprietária do seu imóvel", completa. O ex-secretário é quem aparece nos eventos de entrega dos documentos, enquanto o ex-prefeito é apenas citado. Kleber também divulgou fotografias ou vídeos de eventos realizados nas comunidades Novo Jardim Castelão, Cidade de Deus, Conjunto Palmeiras II e Santa Edwirges.
Neles, os "títulos de legitimação fundiária" são sempre chamados de "papel da casa". Contudo, os dois termos não são sinônimos.
"A matrícula (do imóvel) é que tem um apelido carinhoso de 'papel da casa'", explica o presidente da Comissão de Acompanhamento de Regularização Fundiária, Urbana, Rural e Conflitos Fundiários da OAB-CE, Edwin Bastos Damasceno. "Com outro documento, eu posso dizer: 'eu tenho a expectativa do direito (ao imóvel)'. Mas a matrícula é que eu digo: 'opa, agora a lei diz que isso aqui é meu'. E a matrícula do cartório de registro imobiliário da zona é carinhosamente chamada de papel da casa", afirma.
A matrícula do imóvel é considerada a "certidão de nascimento" dele. O registro da matrícula ocorre no Cartório de Registro de Imóveis e nela são descritas informações como a localização, as dimensões, o histórico de transações e a quem pertence o imóvel. O registro da matrícula do imóvel é o último passo do processo de regularização fundiária urbana dos chamados "núcleos urbanos informais" — categoria na qual se encaixam as comunidades afetadas pela irregularidade.
Portanto, para que os moradores tenham acesso ao 'papel da casa', toda a comunidade precisa passar pela regularização fundiária, processo que pode durar anos e envolve diversas etapas. Ao final, é emitida a Certidão de Regularização Fundiária (CRF) e, na sequência, ela é cadastrada no Cartório de Registro de Imóveis.
E, a partir desta certidão, são emitidas as matrículas e, cada morador, passa a ter o reconhecimento legal da própria casa. No caso das nove comunidades envolvidas na apuração do Ministério Público, nenhuma possuía a CRF na época em que houve a entrega do "papel da casa" pela Prefeitura.
É possível perceber a diferença dos documentos no perfil do próprio Carlos Kleber. Em publicação feita após entrega do "papel da casa" na comunidade Rio Doce, no bairro Sapiranga, em novembro do ano passado, moradores aparecem segurando um documento do Cartório de Imóveis da 1ª Zona. Nele, conforme a imagem abaixo mostra, é possível ver a matrícula.
O Riacho Doce não é uma das comunidades que tem o processo apurado pelo Ministério Público. Em publicações de outras comunidades, é mostrado o "título de legitimação fundiária", com assinatura do ex-secretário de Habitação, com as informações do beneficiário e com o alerta que "o presente título perderá sua validade caso o beneficiário deixe de cumprir os requisitos previstos em Lei até a data do registro no competente Cartório de Registro de Imóveis.
'Proteger as famílias'
O PontoPoder entrou em contato com o ex-prefeito José Sarto e com o ex-secretário de Habitação Carlos Kleber, responsável pela entrega dos papéis da casa, que passam agora por apuração pelo Ministério Público do Ceará.
Sarto pontuou que o título de legitimação fundiária é um "documento legítimo e é fruto de um trabalho longo e sério da gestão Sarto". "Portanto, todas as ações realizadas pela gestão do prefeito José Sarto cumpriram estritamente o que diz a Constituição e visaram à garantia jurídica da população mais carente", ressalta, em nota enviada pela assessoria de imprensa.
O ex-secretário Carlos Kleber explica que o título entregue às comunidades é um "ato do poder público" para reconhecer "o cumprimento dos requisitos ao beneficiário para que ocorra a aquisição do direito real de propriedade" e, portanto, "reconhecer o direito de propriedade das famílias ali ocupantes e residentes".
"Daí, portanto, a validade dos títulos entregues que, além de reconhecer o cumprimento dos requisitos legais, tinham a função de proteger as famílias de turbação de suas posses por parte das organizações criminosas, fazendo um congelamento dos dados coletados pela equipe técnica de campo e dando ampla publicidade, de forma a impedir comercialização indevida e, em última análise, atos criminosos contra as famílias beneficiárias de serem expulsas de suas residências".
Carlos Kleber admite que "os títulos não conferem a outorga do direito real de propriedade, mas sim o reconhecimento dos requisitos para que, no momento do registro, seja conferido" esse direito ao imóvel. Ele disse ainda esperar que a atual gestão dê "continuidade ao trabalho na gestão anterior" para que os moradores das comunidades possam receber as matrículas definitivas.
A Legitimação Fundiária é, de fato, prevista na Lei Municipal nº 334/2022, que detalha as normas e procedimentos para a Regularização Fundiária Urbana (ReurbFor) em Fortaleza. A legislação foi aprovada durante a gestão Sarto, que reforçou isso e disse ser o "responsável pelo maior programa de regularização fundiária da história de Fortaleza".
A lei municipal tem como base legislação federal, de nº 13.465/2017, que trata do mesmo tema, mas trazendo as especificidades do Reurb para a capital cearense. No artigo 47, a Lei nº 334/2022 trata da legitimação fundiária e a descreve como "forma originária de aquisição do direito real de propriedade conferido por ato do poder público". Já o título de legitimação fundiária é citado apenas uma vez.
A legislação municipal afirma que, para a emissão da Certidão de Regularização Fundiária, é necessária a "listagem de titulação dos beneficiários com nomes dos ocupantes que houverem adquirido a respectiva unidade, por título de legitimação fundiária ou mediante ato único de registro". "É um dos passos, mas é mais administrativo", resume Edwin Bastos Damasceno. "O processo andou, mas não finalizou. Ele finaliza com a matrícula, (...) e a matrícula é que é conhecida como papel da casa".
'Enganação'
A legitimação fundiária pode garantir a propriedade do imóvel em uma situação, prevista no parágrafo 8, do artigo 47 da legislação municipal. "Olha como são termos técnicos, é até difícil de explicar", pontua o atual secretário de Habitação de Fortaleza, Jonas Dezidoro.
Em casos em que a comunidade já possua a Certidão de Regularização Fundiária, ou seja, já tenha finalizado o ReurbFor, imóveis remanescentes — em que os proprietários não tenham participado do processo original, "o Município poderá reconhecer a legitimação fundiária por título individual".
"O que foi que eles (gestão passada) fizeram? Eles não tinham nem a aprovação da AOP (Análise de Orientação Prévia, um dos passos iniciais, em que o processo passa pela Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente), a primeira etapa. E saíram emitindo o título de legitimação fundiária sem sequer ter aprovação da AOP, sendo que o título só pode ser emitido depois da aprovação da CRF e para os remanescentes. Foi um documento completamente descabido, (...) uma verdadeira enganação".
A atual gestão da Secretaria Municipal de Habitação (Habitafor), acrescenta, fez uma "força-tarefa" para angariar as informações sobre quais comunidades teriam recebido o "título de legitimação fundiária". Os dados foram repassados ao Ministério Público — a princípio, o órgão tinha denúncias apenas sobre o caso da comunidade Dom Lustosa.
"A gente foi pego de surpresa no começo da gestão. A gente começou a ser procurado por algumas pessoas que disseram que receberam... Na cabeça delas, elas tinham recebido o papel da casa. Estavam indo no banco, no cartório, e o banco e o cartório e outras entidades começaram a dizer que não era matrícula. Foi quando isso nos alertou e a gente começou a averiguar e percebeu o que lamentavelmente foi feito pela antiga gestão", relata Dezidoro.
Em março deste ano, em resposta à solicitação feita pelo Ministério Público, a Habitafor — com a Prefeitura de Fortaleza sob a gestão do atual prefeito Evandro Leitão (PT) — informou que a emissão e entrega dos títulos foi feita sem cumprir a legislação.
"A emissão e entrega dos ‘Títulos de Legitimação Fundiária’, que ocorreram em 2024, foram realizadas sem registro cartorário, portanto, não cumprindo a observância das etapas previstas na Legislação Municipal, Lei Complementar nº 334/2022 e, Federal, Lei nº 13.465/17", informa a resposta da Coordenadoria de Regularização Fundiária, vinculada a Habitafor.
Também foram repassadas as informações sobre como está o processo de regularização fundiária de cada comunidade, assim como o número de pessoas que receberam o título de legitimação fundiária. No total, foram 2,2 mil títulos entregues nas nove comunidades, o que afetou cerca de 3,6 mil pessoas.
Previsão para a entrega do 'verdadeiro papel da casa'
Por enquanto, a maioria dessas pessoas segue aguardando a entrega do "verdadeiro papel da casa", conforme define Jonas Dezidoro. "O prefeito Evandro Leitão nos determinou que a gente priorizasse esses processos. E é o que nós estamos fazendo", afirma o titular da Habitafor.
"Mas são processos distintos, porque tem comunidades maiores, comunidades menores, tem comunidades que estão perto de leito de rio, tem comunidade que não. Então, tudo isso tem impacto e eu não tenho como precisar (quando será a entrega do 'papel da casa'), mas nós estamos correndo para que seja o mais rápido possível".
Ele cita como exemplo o Conjunto Palmeiras II, em que 1.030 pessoas receberam o título, enquanto na comunidade Santa Edwirges, no bairro Bonsucesso, foram 200 moradores. "É uma diversidade muito grande. Eu não tenho como precisar o tempo e não é igual para todos", acrescenta.
Para uma das comunidades, o processo foi finalizado. Na Francisco Ivo, os moradores receberam, em junho de 2025, o registro em cartório dos imóveis, com a devida matrícula. Uma das beneficiadas foi Irisneide Cândido, que falou no início desta reportagem.
Ela lembra, inclusive, que também teve receio de ser "mais uma enganação". A desconfiança era compartilhada com outros moradores da comunidade, inclusive o próprio cunhado, que mora no imóvel vizinho ao dela e acabou não participando da entrega feita agora em 2025 por não acreditar que seria verdadeira. "Agora, ele está correndo atrás", diz.
Por isso, Dezidoro pontua que uma das prioridades da atual gestão é "dar credibilidade" a esse processo. "Esse programa do 'Papel da Casa' é uma das nossas prioridades e a gente quer de novo dar credibilidade a ele, porque é levar segurança jurídica para as famílias", diz.

Com o 'papel da casa', Irisneide fala que o sentimento é de felicidade. "A gente tinha medo de tomar nossas casas, porque a gente não tinha como comprovar que era nossa", relata. "Eu só sei que saiu, graças a Deus, saiu".
José Rocha, do Planalto Vitória, ainda aguarda para ver realizado esse sonho, assim como aconteceu com Irisneide. "O 'papel da casa' dá uma segurança, uma dignidade às famílias. Ele dá uma segurança de dizer que algo é seu e ninguém pode lhe tirar. É algo precioso na sua vida, principalmente quando se trata de ambiente familiar", resume.
Os riscos do ‘SUS da Educação’
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
A Câmara dos Deputados aprovou o Sistema Nacional de Educação (SNE). Em tese, a ideia do chamado “SUS da Educação” soa sedutora: integrar União, Estados e municípios em torno de objetivos comuns, fortalecer a cooperação federativa e criar uma base de dados capaz de acompanhar a trajetória dos estudantes. No papel, parece um marco institucional. Na prática, o risco é reeditar uma velha armadilha brasileira: multiplicar conselhos, instâncias e regulamentos com novos custos e nenhum ganho de aprendizagem.
Não faltam exemplos de como a educação no Brasil prosperou sem a necessidade de “sistemas nacionais” tentaculares. Sobral, no Ceará, tornou-se referência mundial em alfabetização porque lideranças locais assumiram riscos, inovaram e implantaram práticas comprovadas. Regimes federalistas – dos EUA à Alemanha, do Canadá à Austrália – exibem resultados sem um sistema centralizado que submeta escolas e secretarias.
A comparação com o Sistema Único de Saúde (SUS) é inadequada. Na saúde, faz sentido padronizar protocolos e compartilhar prontuários: a vida de um paciente depende de que informações fluam entre hospitais e níveis de governo. Já na educação, cada rede é responsável por gerir suas escolas, contratar professores, definir estratégias. A interdependência operacional não existe. Um “MEC do B”, como alertam alguns críticos, pode gerar só mais burocracia e confusão.
A redação da Câmara mitigou riscos, tornando as diretrizes orientativas e privilegiando a autonomia federativa. Mas, se a versão original for restaurada no Senado, as comissões nacionais poderiam impor obrigações a Estados e municípios, condicionando transferências ao cumprimento de regras definidas por um punhado de tecnocratas, sindicatos e ONGs, em detrimento dos gestores eleitos. Isso abriria brecha a corporativismo, insegurança jurídica e diluição de responsabilidades.
Outro ponto delicado é o chamado Custo Aluno-Qualidade (CAQ). Em tese, trata-se de estabelecer quanto o Estado deve investir por estudante para garantir padrões mínimos de qualidade. Na prática, corre-se o risco de transformar uma aspiração legítima em obrigação contábil impossível de cumprir. Sem consenso técnico sobre quais insumos considerar e sem lastro fiscal, o CAQ pode virar “letra morta” ou, pior, multiplicar disputas judiciais sobre recursos inexistentes.
Não se trata de negar que a educação brasileira carece de coordenação. O País gasta tanto quanto ou mais que muitos vizinhos, mas segue patinando na zona de rebaixamento dos rankings internacionais. O problema é como usar melhor o dinheiro já disponível, não fabricar novas engrenagens. Incentivos inteligentes funcionam melhor do que padronizações impostas. Experiências internacionais indicam que currículos claros, sistemas de avaliação robustos e políticas de valorização docente são mais eficazes do que multiplicar instâncias colegiadas.
O Brasil precisa de políticas simples e factíveis: atrair jovens talentos para o magistério, formar melhor seus professores, premiar boas práticas e reforçar a autonomia dos gestores locais. O governo federal tem um papel – na avaliação, no financiamento complementar, na compensação das desigualdades. Mas é ilusório imaginar que conselhos em Brasília resolverão problemas que nascem na sala de aula.
O Senado deveria manter o caráter orientativo introduzido pela Câmara. Tornar obrigatórias as diretrizes do novo sistema significaria engessar ainda mais uma máquina já emperrada, sob o risco de desviar o foco do que realmente importa: letramento de qualidade, aprendizado consistente em matemática e ciências, gestão eficiente e professores motivados.
Um banco nacional de dados pode, sim, ser útil para identificar gargalos e compartilhar boas práticas. A criação de instâncias de diálogo entre entes federados – desde que sirva para cooperação voluntária, e não para coerção centralizada – também pode ter valor. Mas, se o SNE consumar a “obra-prima do barroco tecnocrático”, como advertiu neste jornal o especialista em educação Claudio de Moura Castro, terá cumprido apenas a sina de tantas outras reformas educacionais no Brasil: grandes promessas, poucos resultados.
Fazenda assimila o pouso da economia
EDITORIAL II DA FOLHA DE SP
Diante dos juros altos e do esgotamento de impulsos fiscais e creditícios, a esperada desaceleração gradual da economia brasileira vem se confirmando nos últimos meses e já afeta as projeções do setor
privado e mesmo do governo.
No setor privado, a estimativa mediana para o crescimento do Produto Interno Bruto neste ano, coletada pelo Banco Central, caiu de 2,23% em julho para 2,16% agora. O Ministério da Fazenda também ajustou sua estimativa de 2,5% para 2,3%, atribuindo o revisão principalmente aos juros do BC de 15%
anuais, os mais altos desde 2006.
Decerto são recuos pequenos. Mas, desde 2021, o padrão vinha sendo elevar as projeções ao longo do ano, à medida que o desempenho do PIB superava expectativas. Não é o que ocorre agora.
Entre os principais fatores de mudança, destaca-se o ritmo mais lento das concessões de crédito e a alta da inadimplência.
Em paralelo, a criação de empregos formais, embora ainda positiva, com quase 149 mil vagas em maio de 2025 e um saldo acumulado de mais de 1 milhão nos primeiros cinco meses do ano, mostra sinais de arrefecimento.
Mesmo com desemprego baixo, em 5,8%, há alguma diminuição no avanço da renda, e os salários de entrada de contratados já não sobem além da inflação.
Um fator externo que se soma a esse quadro é o tarifaço imposto pelos Estados Unidos, com elevação da taxação sobre produtos brasileiros para até 50%.
De acordo com cálculos a Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda, a sanção americana pode tirar 0,2 ponto percentual do PIB brasileiro entre agosto deste ano e dezembro de 2026.
Para a SPE, porém, o impacto cai à metade com as medidas adotadas pelo governo para auxiliar setores atingidos e, ao longo do tempo, com o redirecionamento de parte das vendas para outros mercados externos.
De mais positivo, a necessária desaceleração econômica e a valorização cambial recente reduzem pressões sobre os preços. A inflação esperada em 2025, que rondava 5,6% até abril, caiu a 4,85% —ainda acima, ressalve-se, da meta de 3% e do teto de 4,5%.
Não se espera desempenho melhor do PIB no ano eleitoral de 2026. As projeções do mercado não chegam aos 2%, enquanto a da Fazenda é de 2,4%. Será difícil, para o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), usar gasto e crédito públicos para obter taxas melhores. Com a inflação ainda não derrubada e contas públicas no vermelho, nem resultados de curto prazo parecem promissores.
Capitão Wagner ameaça pegar ‘colete’, ‘arma’ e ‘juntar policiais’ para capturar Bebeto Queiroz
Em meio a críticas sobre a política de Segurança Pública do Ceará, o ex-deputado federal e presidente do União Brasil no Ceará, Capitão Wagner, disse que está prestes a "colocar um colete e uma arma" e sair em busca do prefeito cassado e foragido de Choró, Bebeto Queiroz (PSB). O ex-parlamentar cobrou, durante o "Café da Oposição", nesta segunda-feira (8), ações do Governo do Ceará para capturar o fugitivo.
Bebeto está foragido desde dezembro do ano passado, após ser alvo de uma operação da Polícia Federal que investigou um esquema de corrupção pelo desvio de recursos de emendas para compra de votos em cidades do interior. A prisão preventiva foi determinada naquela época.
"O Estado tem que ter a coragem de cortar da própria carne. Eu sei que o Bebeto do Choró é do PSB, um partido aliado, mas isso não justifica nós não termos uma operação policial para achar o Bebeto do Choró", criticou.
Wagner disse que o político foragido transita por Fortaleza, Choró e Juazeiro do Norte.
"Todo dia a gente tem notícia de onde está o Bebeto do Choró, só o Governo do Estado que não sabe onde está o Bebeto. É brincadeira? Eu estou para colocar um colete e uma arma e ir atrás do Bebeto. Vão dizer que é sensacionalismo, mas está para acontecer isso. A gente juntar aqui alguns amigos policiais para prender o Bebeto e mostrar que o Estado não prende porque não quer"
O ex-deputado cobrou medidas mais enérgicas do Governo Elmano de Freitas (PT) para reduzir a violência e, sem apresentar provas, levantou suspeitas de que haveria interferência política na atuação das forças de segurança.
"Não adianta comprar mais viatura e contratar mais profissionais se os profissionais não podem atuar. Eu tenho certeza que muitos policiais sabem onde está o Bebeto, mas sabem também a repercussão que é prender um aliado do Governo. Se o governo não disse "Eu quero prender o Bebeto", os policiais não vão agir, porque têm medo de retaliação, e a gente sabe como o governo é", concluiu.
O PontoPoder acionou, no início da tarde desta segunda-feira (8), a assessoria de imprensa do Governo do Ceará. O espaço segue aberto para manifestações.

Presidente do PP culpa governo por acusação de propina ao antecipar rompimento
O presidente do Progressistas (PP), o senador Ciro Nogueira, antecipou a decisão do partido de deixar o governo depois de responsabilizar, em conversas reservadas, auxiliares do presidente Lula (PT) pela disseminação de suspeitas de que empresários envolvidos com o PCC (Primeiro Comando da Capital) teriam pagado propina a ele.
O senador nega "qualquer ligação com qualquer facção criminosa" e encaminhou ofício ao ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, colocando o sigilo telefônico e de seu gabinete à disposição para comprovar a afirmação.
A cúpula da federação União Progressista, dos partidos União Brasil e PP, decidiu nesta terça-feira (2) que todos os detentores de mandatos das siglas devem sair do governo Lula, num primeiro gesto de rompimento.
Na segunda-feira (1), o site ICL Notícias publicou reportagem segundo a qual uma fonte anônima disse que Ciro Nogueira recebeu em seu gabinete dinheiro vivo enviado por Mohamad Hussein Mourad, o "Primo", e Roberto Augusto Leme da Silva, o "Beto Louco".
Os dois foram alvos de megaoperação na semana passada e são acusados pela Receita Federal de chefiar um esquema de lavagem de dinheiro do PCC, utilizando postos de combustível, refinarias e fundos de investimento.
Ainda segundo o ICL, a testemunha diz ter ouvido de Beto Louco o relato da entrega de dinheiro ao senador e contou essas informações à Polícia Federal em depoimento. O encontro teria ocorrido em agosto de 2024.
Um dos três jornalistas que assina a matéria, Leandro Demori é contratado da EBC (Empresa Brasileira de Comunicação), onde tem um programa. A emissora é vinculada à Secretaria de Comunicação Social da Presidência, do ministro Sidônio Palmeira.
Em reuniões com aliados nos últimos dias, Ciro teria afirmado que integrantes do governo espalharam informações falsas sobre o caso. Segundo um político que esteve com o senador, ele teria atribuído as acusações especialmente a Sidônio.
O parlamentar se queixa da reprodução da reportagem pela EBC e pelo site do PT, o que aponta como prova de participação de aliados de Lula na propagação desses rumores.
Nas conversas, Ciro chegou a manifestar a intenção de propor a instalação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) sobre comunicação do governo Lula e sua relação com sites.
O senador foi ministro da Casa Civil durante o governo Bolsonaro e é um dos principais entusiastas, nos bastidores, de uma candidatura do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) à Presidência nas eleições de 2026.
Ele e o presidente do União Brasil, Antonio Rueda, articularam juntos a criação da União Progressista, federação partidária lançada no último dia 19 que agora forma a maior bancada do Congresso Nacional, com 109 deputados federais e 15 senadores.
Segundo a decisão desta terça (2), os ministros filiados aos partidos da federação deverão deixar o governo. São eles André Fufuca (Esporte) e Celso Sabino (Turismo), deputados federais licenciados pelo PP e pelo União Brasil, respectivamente.
Há uma brecha, no entanto, para que indicações de políticos desses partidos, como os ministros Waldez Góes (Desenvolvimento Regional) e Frederico de Siqueira Filho (Comunicações), continuem na Esplanada.
A federação também decidiu apoiar um projeto de anistia a Jair Bolsonaro (PL). Procurados, Ciro e Sidônio não se manifestaram.