Operação do MPCE investiga contratos de limpeza pública Canindé; prefeita denuncia trato de agentes
A Operação “Puritas Publica” foi deflagrada nesta quinta-feira (11) pelo Ministério Público do Ceará (MPCE), com apoio da Polícia Civil, para investigar o suposto superfaturamento em contratos de prestação de serviços de limpeza pública via Prefeitura de Canindé. Os 12 mandados de busca e apreensão foram cumpridos na cidade e em Fortaleza contra a prefeita Rozário Ximenes (Republicanos), o secretário de Obras e Infraestrutura, Luis Victor Cordeiro Marinho Cruz, e servidores municipais de Canindé, além de empresários da região.
O saldo da ação foi a apreensão de mais de R$ 105 mil em espécie, aparelhos celulares, computadores, armas de fogo, munições e documentos relacionados aos contratos investigados, materiais que podem indicar a prática de crimes de peculato, falsidades material e ideológica, entre outros, segundo o MPCE. As diligências foram realizadas nos prédios da prefeitura, das empresas supostamente envolvidas e nas residências dos investigados.
Pelas redes sociais, Rozário Ximenes se queixou da conduta dos agentes nesta quinta. Segundo a prefeita, eles foram à sua residência "numa exacerbação inimaginável", com "atitudes ásperas e causando temor" em seus funcionários.
"Venho, pois, externar minha indignação e repúdio, não apenas por violar meu lar, desarrumar minhas roupas, pisar em peças íntimas, causando temor nas pessoas mais humildes, destilando ódio por nada encontrarem, pois nada existe, mas, indignação, principalmente, pelo fato de sempre ter me colocado à disposição das autoridades, pelo que não necessitaria de tal ato", relatou.
Ela também tentou afastar as suspeitas sobre sua administração, dizendo que os documentos apreendidos na Prefeitura para análise estão livres de irregularidades. "Desde logo, informo que nada encontrarão, pois tudo sempre foi pautado na legitimidade dos atos", afirmou.
O Diário do Nordeste buscou o MPCE e a Polícia Civil para entender se os órgãos estão cientes do relato da gestora e se há alguma providência cabível em relação a isso. O primeiro informou que não vai se pronunciar sobre o assunto. Quando houver resposta do segundo, a matéria será atualizada
INVESTIGAÇÃO
As investigações são realizadas pela Procuradoria de Justiça dos Crimes contra a Administração Pública (Procap) desde o ano passado, quando o órgão recebeu denúncia de que a Prefeitura de Canindé estaria pagando às empresas responsáveis pela limpeza pública da cidade valores acima do mercado, indicando um suposto superfaturamento dos contratos. Havia, ainda, informações sobre supostos danos ambientais que estariam ocorrendo em regiões do município.
Alece aprova empréstimo de US$ 80 milhões do Governo Elmano; montante chega a R$ 2,7 bi desde 2023
A Assembleia Legislativa do Ceará (Alece) aprovou, por 23 votos a 7, nesta quarta-feira (10), a contratação de um novo empréstimo pelo Governo Elmano de Freitas (PT). A operação de crédito de US$ 80 milhões (R$ 432 milhões na cotação do dólar hoje) será viabilizada junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), com garantia da União, para financiar o Programa de Modernização da Gestão Fiscal do Ceará (Profisco).
Com a nova quantia, o Poder Executivo do Ceará já soma R$ 2,7 bilhões em empréstimos solicitados desde o início da atual gestão.
De janeiro de 2023 até o momento, foram seis projetos aprovados com diferentes cifras, que buscam custear ações de urbanização, moradias, saneamento, entre outras. Uma nova operação de crédito, inclusive, já foi demandada nesta semana pelo governador, que inclui valores de EUR 8 milhões e EUR 92 milhões — R$ 46,8 milhões e R$ 538,2 milhões na cotação do Euro de hoje. Os valores devem financiar projetos para superação da fome e combate à pobreza e à extrema pobreza rural.
A medida ainda não foi apreciada pelo plenário devido ao pedido de vistas do deputado Sargento Reginauro (União) nas comissões da Casa.
Todavia, ela deve ser votada até o dia 17, tendo em vista que tramita em regime de urgência e essa é a data regimental prevista para iniciar o recesso parlamentar.
Prazo curto e dificuldades regionais devem dificultar novo ensino médio já em 2025
Bruno Lucca / folha de sp
Será difícil implementar de maneira satisfatória a nova revisão do ensino médio até 2025, como prevê o texto aprovado pelo Congresso nesta terça-feira (9), dizem secretários de educação e especialistas. Eles citam o prazo curto e diferenças regionais como principais empecilhos.
O novo modelo de ensino, patrocinado pelo governo Lula (PT), exigirá ações como criação de diretrizes, adaptação de carga horária e também de itinerários formativos.
Fica mantida a estrutura definida na reforma de 2017, com a divisão do ensino médio em dois blocos: uma parte comum a todos os alunos e outra, de itinerários formativos —linhas de aprofundamento a serem escolhidas. Mas, agora, haverá mais tempo de aulas para a parte comum.
Considerando uma jornada de cinco horas de aulas diárias, totalizando 3.000 horas nos três anos de formação, 80% da carga horária deverá ser vinculado à parte comum. Esse bloco abriga disciplinas tradicionais —como português, matemática física e história— , com conteúdo vinculado à Base Nacional Comum Curricular.
O restante, 20%, será direcionado para os itinerários formativos, agora divididos em cinco linhas: linguagens, matemática, ciências humanas, ciências da natureza e ensino técnico e profissional.
"Nenhuma reforma educacional no Brasil começa de um ano para o outro", afirma Jonathan Almeida, professor e doutor em educação na Unesp (Universidade Estadual de São Paulo). "Há um longo caminho entre o que decide Brasília e o que ocorre nas escolas", continua ele, também diretor do Ciep (Centro de Inovação e Conhecimento para a Excelência em Políticas Públicas).
Para Almeida, não há como realizar as adequações necessárias, caso do aprofundamento nas áreas de conhecimento, nos próximos cinco meses. O professor argumenta que o país não possui um sistema nacional de educação que unifique as redes. Isso tornaria improvável implementar rapidamente as novas diretrizes em 27 sistemas estaduais com variado grau de complexidade.
"O risco concreto, e o provável, é que a reforma baterá na porta das escolas em um dia chuvoso no horário de almoço e a encontrará nas mesmas precárias condições de funcionamento, será recebida de má vontade e tomará o café frio que sobrou da manhã", diz.
Claudia Costin, presidente do Instituto Singularidades, é mais otimista. Mesmo ponderando haver barreiras logísticas —secretarias com maior ou menor capacidade e diferenças na aplicação da última reforma—, ela defende que é necessário um esforço para implementar o novo ensino médio a partir do próximo ano letivo.
Para isso, cobra maior participação do MEC (Ministério da Educação).
"É importante lembrar que as 27 unidades da federação já vinham implementando o novo ensino médio desde 2017. Então, houve um processo de aprendizado, há currículos já aprovados. No período, porém, não houve muito apoio do MEC. Agora, precisamos de melhor articulação", diz Costin.
A revisão aprovada pelo Legislativo, diz ela, é um "freio de arrumação", uma forma de reorganizar e incrementar alguns pontos do projeto anterior, aprovado durante o governo Michel Temer (MDB).
Mendonça Filho (União-PE) era o ministro da Educação em 2017. Agora, foi relator do texto do novo ensino médio na Câmara. Ele diz que as mudanças são necessárias para incentivar o estudante.
O mais importante em todas as reformas recentes, segue, tem sido o entendimento de ser necessário cada vez mais incentivo à flexibilização do currículo para aproximar o Brasil do resto do mundo.
"A verdade é que não existe um modelo ideal de educação pública, o estado da arte. Porém, só aqui uma pessoa interessada em jornalismo, por exemplo, era obrigado a ter a mesma carga de ciências exatas que alguém interessado em engenharia. Isso era nossa jabuticaba", relata.
Sobre carga horária, o deputado defendia no máximo 2.100 horas ancoradas na Base Nacional Comum Curricular, permitindo maior liberdade aos estudantes para explorarem seus itinerários de interesse. Ele, porém, foi voto vencido na mesa de negociação.
O projeto aprovado prevê 2.400 horas para a maioria dos estudantes. Só no caso do ensino técnico vão ser 2.100 horas, sendo que 300 horas desse montante devem aliar a formação geral e o ensino técnico.
Mendonça considera ser plausível adequar as redes de ensino ao novo ensino médio em 2025 e também fazer ajustes no Enem, para cobrar conteúdos conforme as áreas de conhecimento aprofundadas, a partir de 2027.
Sobre o exame, no entanto, ele ressalta que não haveria problema em adiar as mudanças para 2028.
Nesta quarta-feira (10), representantes do governo petista se reuniram com secretários estaduais de educação em Brasília para discutir os próximos passos do projeto, que ainda aguarda sanção presidencial. Participou desses encontros o ex-ministro da Educação e atual responsável pelo ensino do Pará, Rossieli Soares (PSDB).
Ele diz estar preocupado com o prazo para implementar a reforma em seu estado e afirma que, para ter certo sucesso, isso terá de ser feito de maneira escalonada. Para o 1º ano em 2025, 2º em 2026 e 3º em 2027. "Muitos dos secretários compartilham dessa opinião", afirma. O MEC, porém, ainda não iniciou discussão sobre o tema.
Soares também diz serem inevitáveis algumas mudanças curriculares no Pará para convergir com o novo projeto. Isso demandaria tempo, diretrizes e aprovação do CNE (Conselho Nacional de Educação). Outro secretário presente nas discussões foi Vitor de Angelo, do Espírito Santo. Ele também é presidente do Consed (Conselho Nacional dos Secretários de Educação).
De Angelo diz que há poucos meses para a implementação do novo modelo, e que haverá dificuldades. Mas comemora que as discussões tenham começado ainda no começo do segundo semestre e afirma que confia no trabalho das secretarias.
Quem também celebra o início dos debates sobre o tema ainda em julho é Olavo Nogueira Filho, diretor-executivo do Todos Pela Educação. Assim, diz ele, os estados terão um respiro para analisar e introduzir os novos procedimentos. Há, no entanto, coisas impossíveis de serem aplicadas já em 2025, continua.
"A parte da carga horária é mais viável. Difícil é realizar as mudanças nos itinerários. Envolveria mudanças nos materiais, contratação e alocação de professores, coisas que exigem tempo. Por isso, deveria ficar para 2026", afirma.
Em São Paulo, a pasta de Educação diz que os novos itinerários convergem com os que já são oferecidos pelo estado. Por isso, a secretaria afirma que irá apenas realizar as adequações necessárias de forma que haja continuidade pedagógica. Para o ministro da Educação, Camilo Santana, todas as redes terão tempo para organizar a implementação das mudanças já para o próximo ano letivo, escreveu em nota.
ENTENDA AS NOVAS MUDANÇAS NO ENSINO MÉDIO
Divisão de horas de aulas
Considerando uma jornada de 5 horas de aulas diárias, que totalizam 3.000 horas nos três anos do ensino médio, 80% da carga horária deve ser vinculado à Base Nacional Curricular. O restante é direcionado aos itinerários formativos.
Organização dos itinerários
Em termos de opções formais de itinerários, a nova mudança do ensino médio mantém os cinco itinerários já previstos em 2017: linguagens, matemática, ciências humanas, ciências da natureza, ensino técnico e profissional, com mudanças na carga horária.
Disciplinas obrigatórias
O texto eliminou a obrigatoriedade do ensino de espanhol, algo que tinha sido incluído quando o texto passou no Senado, mas não foi acatado quando na votação final na Câmara. O inglês continua como língua estrangeira obrigatória.
Motivo de novas mudanças
Com a implementação da reforma de 2017 nas escolas, a partir de 2022, apareceram problemas na rede pública. Estudantes, professores e especialistas denunciaram perdas de conteúdos tradicionais na parte comum e oferta deficiente dos itinerários.
TCU manda Secom suspender licitação para redes de Lula por suspeita de fraude
Por Gabriel de Sousa e Tácio Lorran / O ESTADÃO DE SP
O Tribunal de Contas da União (TCU) mandou a Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom) suspender uma licitação de R$ 197 milhões após suspeitas de fraude. O pregão buscava contratar quatro empresas de assessoria em comunicação e gestão de redes sociais para gerenciar perfis do governo Lula. No fim do mês passado, uma auditoria da Corte de Contas identificou possível violação do sigilo da autoria das propostas.
O Estadão procurou o Palácio do Planalto, mas não obteve retorno.
A decisão foi do ministro Aroldo Cedraz que determinou que ainda que a Secom deve se manifestar, em um prazo de 15 dias, sobre as supostas fraudes. “Tenho que os fatos narrados nesta representação, por si só, revestem-se de extrema gravidade e demandam atuação imediata desta Corte a fim de evitar que se concretize contratação possivelmente eivada de vício insanável, ou mesmo por fato típico a ser apurado na esfera competente”, afirmou Cedraz.
No final do mês passado, a área técnica do TCU apontou “graves irregularidades” e possível direcionamento na licitação da Secom. A auditoria identificou indícios de que o sigilo da autoria das propostas das empresas foi violado, evidenciando alguma falha ou fraude no processo.
Os planos de comunicação das empresas deveriam ser entregues em invólucros, mantido o sigilo das informações de cada uma das propostas apresentadas. No entanto, um dia antes do resultado da licitação, o site “O Antagonista” publicou, por meio de códigos, o resultado do pregão, revelando a violação do sigilo. O segredo neste caso era necessário, pois a Secom analisou a melhor técnica, e não o menor preço.
A licitação foi vencida, inicialmente, pelas empresas Moringa Digital, BR Mais Comunicação, Área Comunicação e Usina Digital.
Posteriormente, a Moringa Digital e a Área Comunicação foram inabilitadas, pois não conseguiram comprovar capacidade técnica para executar os serviços. Em substituição, foram habilitadas as empresas IComunicação e Clara Serviços Integrados de Vídeo.
Aprovação de Lula passa de 50% para 54%; reprovação é de 43%, aponta pesquisa Genial/Quaest
Por Pedro Augusto Figueiredo / O ESTADÃO DE SP
A aprovação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) subiu quatro pontos percentuais e foi a 54%, melhor patamar registrado em 2024, enquanto a desaprovação caiu para 43%. Os dados são da pesquisa Genial/Quaest divulgada nesta quarta-feira, 10. Na rodada anterior, realizada em maio, 50% aprovavam e 47% desaprovavam o presidente.
A melhora foi puxada pelos eleitores que ganham até dois salários mínimos, grupo no qual a aprovação do petista subiu de 62% para 69% e a desaprovação recuou de 35% para 26%. O desempenho entre os que têm de 35 a 59 anos também melhorou. Nessa faixa etária, 56% aprovam o trabalho de Lula e 41% desaprovam. Há dois meses, eram 50% e 48%, respectivamente.
A Quaest realizou 2.000 entrevistas presenciais com eleitores com 16 anos ou mais entre os dias 5 e 8 de julho. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos e o nível de confiança é de 95%.
A pesquisa também indicou melhora na avaliação do governo Lula. A parcela que avalia positivamente a gestão subiu de 33% em maio para 36%. No sentido oposto, a avaliação negativa caiu de 33% para 30%. A fatia que considera a administração regular oscilou de 31% para 30%, dentro da margem de erro.
Embora a percepção sobre o desempenho de Lula e do governo tenha melhorado, a avaliação dos entrevistados sobre a economia continua negativa. Para 36%, a situação econômica piorou nos últimos 12 meses, enquanto 28% dizem que houve melhora e 32% avaliam que permaneceu igual.
Questionados, 63% responderam que o poder de compra dos brasileiros diminuiu no mesmo período, 21% consideram que aumentou e outros 14% que ficou igual. A expectativa para o futuro, contudo, é positiva: 52% disseram esperar que a economia melhore, 27% que piore e 18% não acreditam em mudanças nos próximos 12 meses.
População concorda com falas de Lula sobre economia e juros
A Quaest também questionou os entrevistados se as declarações recentes de Lula foram a principal razão para alta do dólar, que chegou a bater R$ 5,70 no dia 2 de julho: 53% disseram não acreditar que as falas do presidente foram a principal razão da alta na cotação da moeda americana, contra 34% que responsabilizam o chefe do Executivo. Outros 13% não souberam ou não responderam.
Lula fez uma série de afirmações em entrevistas pelo Brasil de que não era necessário conter despesas e teceu críticas à autonomia do Banco Central. Depois, mudou o discurso, disse que o governo tem responsabilidade fiscal e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou revisão dos gatos para 2025.
A pesquisa também perguntou a opinião dos eleitores sobre diversas declarações recentes de Lula. O resultado é que a maioria dos entrevistados concordam com as visões do presidente da República: 90% afirmam que o salário deve subir acima da inflação todos os anos, 87% avaliam que os juros no Brasil são muito altos e 84% dizem que as carnes consumidas pelos mais pobres devem ser isentas de impostos.
A maioria dos entrevistados, 66%, concorda com as frequentes críticas de Lula à atual política de juros do Banco Central, comandado por Roberto Campos Neto. Por outro lado, 23% discordam e 11% não sabem ou não responderam.
Lula diz que não presta contas a ricaços, mas ajuda a Joesley e Wesley Batista mostra o contrário
Por J.R. Guzzo / O ESTADÃO DE SP
O presidente da República, num dos seus últimos acessos de autoadoração em público, disse que não tem de prestar contas “a nenhum ricaço deste país”. É mais um momento extremo de confusão de identidade. Estava falando de si próprio, mas descreveu uma pessoa que não é ele, o presidente Lula - e que não faz, no mundo das realidades, o que ele está fazendo desde o começo do seu governo. A verdade é o contrário do que diz. Se há alguém neste país que presta conta a ricaço é ele mesmo, em pessoa e o tempo todo. São os fatos.
Seu último presentão aos bilionários amigos, e amigos dos amigos, é o ato de doação que fez para o Grupo J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista: nada menos que uma medida provisória que cobre pagamentos devidos pela Amazonas Energia a termelétricas compradas há pouco pela Âmbar, uma empresa do grupo no setor de energia. O custo vai ser pago nas contas de luz do público em geral durante os próximos quinze anos.
Medida provisória, para ajudar a vida de uma empresa privada – e ainda por cima enrolada até o talo em processos por corrupção na justiça? É coisa que só se faz em urgências que afetam gravemente o interesse nacional.
Mas a J&F, como outras empresas amigas desse grande arco que vai da Odebrecht à Sete Brasil, faz parte do bioma natural de Lula e de seus operadores no governo. É ali que se dá o grande encontro de águas entre os interesses privados e o Tesouro Nacional – e esse caso do socorro às necessidades da Âmbar é mais uma demonstração prática do que acontece na vida real do “Brasil Que Voltou” quando Lula se senta para conversar a sério com os ricaços.
Não se procura, nem mesmo, de cuidar das aparências mais constrangedoras. Na história das termelétricas, diretores da J&F estiveram dezessete vezes no Ministério das Minas e Energia ao longo dos onze meses que precederam a edição da medida provisória – fora da agenda oficial, o que não melhora a coisa em absolutamente nada. Agora em maio, inclusive, os próprios irmãos Batista e o próprio presidente da República se encontraram em tête-à-tête no Palácio do Planalto. Nove dias antes da medida provisória, para completar, o ministro das Minas e Energia e o presidente da Âmbar tiveram uma reunião extraoficial.
O ministro, depois que a história veio a público, teve a bondade de explicar que uma coisa era uma coisa, outra coisa era outra coisa, e que nenhuma das duas tinha nada a ver entre si. Segundo ele, as dezessete visitas reservadas que os diretores da Âmbar fizeram ao Ministério das Minas e Energia não têm relação com a medida provisória que o mesmíssimo Ministério elaborou em favor da empresa. Foi tudo uma coincidência, diz o ministro. Outra coincidência, pela narrativa oficial, foi que a J&F fechou o negócio de compra das usinas termelétricas, por R$ 4,7 bilhões, logo após a apresentação da medida provisória em seu benefício.
O mais bonito da história, como de costume, é que o dinheiro necessário para isso tudo não caiu da árvore. Vai sair, mais uma vez, diretamente do bolso do cidadão para o bolso dos favorecidos – podem ficar dizendo “veja bem” pelo resto da vida, mas o fato objetivo é esse. No seu manifesto contra “os ricos” (no qual foram incluídos nominalmente “os banqueiros”), Lula disse que tinha de “prestar contas ao povo pobre”. Está tudo ao avesso.
O presidente é herói histórico dos grandes bancos; não há ninguém que admirem tanto neste país. E as “contas ao povo pobre” de que Lula falou só podem ser as contas de luz – são elas que terão de ser aumentadas durante os próximos quinze anos para ajudar a vida da J&F. Conta de luz nunca é problema para quem tem dinheiro; rico, aliás, nem sabe dizer quanto pagou no último boleto. Mas é um tormento real, permanente e inevitável para os pobres que Lula diz defender. Quem ele defende mesmo, como se vê mais uma vez na prática, são os bilionários. Os pobres de verdade ficam com as esmolas – e mais o problema da conta de luz.
É coisa de escroque. O escândalo da Âmbar não é um acidente isolado num governo de justos. É único resultado possível da opção que Lula tomou desde sua entrada na política. Para empreiteiras, banqueiros e gente como os irmãos Batista, tudo que o dinheiro público pode fazer. Para a pobrada, mentira serial e as migalhas que caem da mesa dos paxás.
Jornalista escreve semanalmente sobre o cenário político e econômico do País
Pesquisa Genial/Quaest: aprovação do governo Lula atinge melhor resultado do ano e se descola da reprovação
Por Luis Felipe Azevedo— O GLOBO
Nova pesquisa Genial/Quaest divulgada nesta quarta-feira mostra que a avaliação do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) variou positivamente pela primeira vez em 2024. O percentual dos que consideram a gestão do petista ótima ou boa passou de 33% para 36% em relação a maio, enquanto as percepções negativas sobre o governo recuaram de 33% para 30% no período. Já o grupo que classifica o governo como “regular” foi de 31% para 30%.
As oscilações ocorreram no limite da margem de erro da pesquisa, que é de dois pontos percentuais para mais ou menos, mas interrompem uma tendência negativa na avaliação do governo que vinha desde outubro do ano passado. Foram registrados quatro recuos numéricos consecutivos desde agosto do ano passado, quando a gestão do presidente atingiu seu ápice de ótimo ou bom, de 42%.
A oscilação positiva foi puxada pela parcela da população que ganha até dois salários mínimos e pela faixa que têm entre 35 e 59 anos de idade. No grupo com menor renda, a aprovação do presidente subiu de 62% para 69%, enquanto a reprovação recuou de 35% para 26%. Já no grupo por faixa etária, 56% aprovam o trabalho de Lula (eram 50%) e 41% desaprovam (eram 48%).
A aprovação do presidente oscilou positivamente de 54% para 57% entre as mulheres, estrato em que a reprovação recuou de 44% para 39%. Um resultado semelhante foi observado na região Sudeste do país, onde a desaprovação de Lula foi de 55% para 48%, enquanto a aprovação passou de 42% para 48% no período.
Percepção sobre a economia
O levantamento traz, por outro lado, sinalizações negativas para o governo na área econômica. A situação econômica piorou, nos últimos 12 meses, para 36% dos entrevistados, melhorou para 28% e permaneceu do mesmo jeito para 32%. Houve apenas variações dentro da margem de erro na comparação com o resultado da pesquisa passada. Questionados sobre o poder de compra, 63% responderam que ele diminuiu no mesmo período, enquanto 21% disseram que aumentou e 14% afirmaram que ficou igual.
Para 70%, houve alta nos preços dos alimentos no último mês. São 61% os que observaram crescimento no valor das contas de luz e água e 44% os que apontam alta dos combustíveis. Embora a taxa de desemprego tenha atingido em maio no menor nível desde 2014, conseguir um emprego está mais difícil hoje do que há um ano para 52% e mais fácil para 36%, enquanto 7% acreditam que a dificuldade está igual.
Mais da metade (52%) da população, no entanto, tem a expectativa de melhora da economia nos próximos 12 meses, contra 27% que esperam piora e 18% que não acreditam em mudança no panorama econômico. A pesquisa mostra também que os principais problemas do país hoje na visão dos brasileiros são:
- Economia - 21%
- Violência - 19%
- Questões sociais - 18%
- Saúde - 15%
- Corrupção - 12%
- Educação - 8%
Críticas ao Banco Central
O levantamento Genial/Quaest incluiu um bloco de perguntas sobre entrevistas recentes do petista a rádios, e constatou que 41% souberam das declarações do presidente e 59% não ouviram falar. A pesquisa mostra que a ampla maioria dos brasileiros concorda com as opiniões de Lula. Para 90% dos entrevistados, por exemplo, o salário deve ser aumentado todo ano acima da inflação. A maior parte dos entrevistados também acredita que os juros no Brasil são muito altos (87%), que carnes consumidas pelos mais pobres deveriam ter isenção de imposto (84%) e que o governo não deve satisfação ao mercado, mas aos mais pobres (67%).
A opinião crítica do presidente à política de juros do Banco Central é outro ponto de convergência entre o pensamento do petista e o da população brasileira. Dois terços dos entrevistados (66%) responderam concordar com as afirmações de Lula neste tema, enquanto 23% discordam e 11% não sabem ou não responderam.
A maioria (53%) dos entrevistados não acredita que as falas de Lula tenham sido a principal razão da alta do dólar. Outros 34% responsabilizam principalmente o discurso do presidente pela escalada da moeda americana e 13% que não sabem ou não responderam.
A pesquisa também constatou um alto índice de conhecimento e aprovação de programas e iniciativas da gestão petista. Foram avaliados os programas Farmácia Popular (conhecido e aprovado por 86% da população), Bolsa Família (80%), Desenrola (73%) e Pé de Meia (60%). Por outro lado, o Novo PAC (44%) e o Programa Acredita (38%) são desconhecidos por 51% e 56% da população, respectivamente.
A pesquisa Genial/Quaest ouviu 2.000 pessoas de 16 anos ou mais no período de 5 a 8 de julho. Foram realizadas entrevistas presenciais em 120 municípios. A margem de erro é estimada em 2 pontos percentuais para mais ou menos, para um nível de confiança de 95%.
TCU tira caso de grupo dos irmãos Batista da pauta em meio a divergência entre ministério e técnicos da corte
Fábio Pupo / FOLHA DE SP
O MME (Ministério de Minas e Energia) busca um aval do TCU (Tribunal de Contas da União) para formalizar um acordo com a Âmbar, da J&F —grupo dos irmãos Joesley e Wesley Batista e dono da JBS—, após a empresa deixar de concluir usinas no prazo previsto. A iniciativa contraria a área especializada da corte, que recomenda a rescisão dos contratos.
O ministério enviou ofício a outros órgãos em abril, de forma sigilosa, apresentando um acordo entre a pasta e a empresa, o que foi revelado pela revista Piauí e confirmado pela Folha. O MME afirma que não houve divulgação porque a iniciativa ainda é um ato preparatório e aguarda análise do TCU –que, nesta terça-feira (9), adiou uma decisão sobre o tema.
O acordo conta com a simpatia expressa de ministros da corte e seria julgado pelo plenário nesta quarta (10). Mas a área do tribunal especializada em energia reiterou há pouco mais de duas semanas sua oposição à conciliação, e o caso acabou sendo retirado de pauta na véspera.
As usinas em questão são termelétricas compradas pela Âmbar em 2021 poucos meses após elas saírem vencedoras de um leilão emergencial feito durante a crise hídrica e batizado de PCS (Procedimento Competitivo Simplificado). Elas não entraram em operação na data prevista pelo edital.
A empresa tenta há anos alterar o contrato original e um dos pleitos foi trocar as quatro térmicas contratadas por outro empreendimento —uma usina de Cuiabá com mais de 20 anos de operação.
A cláusula 4.4 do contrato original, no entanto, veda essa alternativa, ao explicitar que a energia não pode ser entregue por outra usina. Após idas e vindas sobre o tema na Aneel, o MME solicitou no ano passado que o TCU buscasse um consenso por meio do então recém-criado mecanismo de solução de conflitos da corte –por meio do qual têm sido renegociados diferentes contratos de infraestrutura.
Em março de 2023, o TCU abriu uma comissão de solução consensual composta por representantes do tribunal, da Aneel, do MME e da própria Âmbar. No fim das discussões, integrantes do TCU discordaram do acordo principalmente por divergências em relação à comprovação da capacidade de entrega de energia da Âmbar.
O caso foi a plenário e, por unanimidade, os ministros decidiram em abril deste ano pelo arquivamento do caso baseados na premissa de que os acordos precisavam de consenso. Mas, em suas falas, houve a sinalização de que não se oporiam a um eventual acordo entre empresa e MME.
"Sim, eu tenho uma simpatia por essa proposta [de acordo]", afirmou o ministro Benjamin Zymler. "Nada impede que o ministério, poder concedente, possa desenvolver novas tratativas, considerando aquilo que foi levado em conta pelo procedimento de consenso aqui feito", disse o colega Antonio Anastasia.
Poucos dias depois, em um despacho de abril, o ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia) apresentou a outros órgãos (como a Advocacia-Geral da União) um acordo com a Âmbar nas mesmas bases discutidas no TCU prevendo o encaminhamento ao tribunal antes da entrada em vigor "por precaução e deferência".
"Não nos parece restar outra alternativa a não ser firmar o acordo, inclusive para não penalizar ainda mais os consumidores de energia, diante de uma praticamente certa demanda judicial, com risco elevado, que virá caso o cenário de indefinições perdure ainda mais", afirmou Silveira no despacho.
A Âmbar terá que pagar multa de R$ 1,1 bilhão pelo atraso, seus contratos serão ampliados de 44 para 88 meses e o valor total de receita (montante pago pelos consumidores pelo fornecimento de energia ao sistema elétrico brasileiro) será reduzido de R$ 18,7 bilhões para R$ 9,4 bilhões.
A AudElétrica (Unidade de Auditoria Especializada em Energia Elétrica e Nuclear) do TCU, ciente do acordo alcançado entre MME e empresa fora do TCU, insistiu na oposição ao entendimento e propôs que o ministério "faça cumprir as cláusulas contratuais e editalícias referentes a essas usinas e promova a rescisão unilateral" dos contratos, com as penalidades pertinentes.
Segundo o parecer, a substituição pela usina de Cuiabá não apenas fere a isonomia no tratamento dado às demais usinas do PCS como também iria de encontro à motivação e conformação do leilão que tinha como objeto a "contratação de energia de reserva de novos empreendimentos".
Além disso, o parecer afirma que a energia das usinas da Âmbar têm preço entre R$ 1.594,84 e R$ 1.601,01/MWh, e hoje o custo da energia no curto prazo é de R$ 61,07/MWh. "Não só o sistema elétrico não precisa da energia dessas usinas, passados mais de dois anos da data acordada em contrato, como o preço por ela seria, em muito, superior a alternativas de geração", afirma o texto.
Procurado pela reportagem, o MME afirma que o acordo foi realizado a partir das manifestações do TCU e que a multa da Âmbar é muito superior aos valores a serem arcados pelos demais participantes do PCS que chegaram a um acordo.
"Esse valor, superior à média, foi em razão da possibilidade da produção da energia por meio da UTE Cuiabá, ao invés das usinas originais que foram devidamente instaladas e comissionadas conforme a avaliação da Aneel", afirma a pasta.
Sobre o sigilo do acordo com a empresa, afirmou que ainda "existem questões que podem ser apontadas pelo TCU" e que, por isso, "os documentos que o compõe ainda são considerados preparatórios e protegidos".
Procurada, a Âmbar afirmou que sempre buscou uma solução que evitasse a judicialização do caso, "ampliando a segurança jurídica do setor elétrico brasileiro, a segurança de suprimento do sistema interligado e benefícios para os consumidores de energia em relação ao contrato original do PCS". "As vantagens de um acordo são tão significativas que o próprio TCU recomendou, em plenário, que as partes buscassem o consenso direto para evitar a judicialização", diz a empresa em nota.
Nesta terça, o TCU anunciou que suspendeu atividades dos comitês de resolução de conflitos –por onde passou o processo da Âmbar– devido a um decreto do Executivo criando um mecanismo próprio voltado ao tema e tendo a AGU como órgão central. "As secretarias do TCU estão examinando eventuais repercussões nos processos em curso na Corte. Até que a análise seja concluída, a presidência [do tribunal] determinou a suspensão de todas as reuniões", afirmou a corte em nota.
Contra crime organizado, Estado organizado
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
O Brasil tem 3% dos habitantes do planeta, mas responde por 10% dos homicídios. O Banco Interamericano de Desenvolvimento estima que o impacto econômico do crime oscila entre 1,8% e 4,2% do PIB só para o setor privado. Segundo estudo de 2023 da Secretaria Nacional de Políticas Penais do Ministério da Justiça, há 72 facções, duas delas com atuação transnacional, o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC).
Nascidas nos presídios, essas facções exploram, além do narcotráfico, crimes patrimoniais, corrupção de agentes públicos, contrabando, fraudes digitais, extorsão, lavagem de dinheiro e crimes ambientais, do garimpo à grilagem ao tráfico de animais silvestres.
O domínio territorial é crucial para essas atividades. A rota do tráfico para o escoamento da cocaína da Colômbia, Peru e Bolívia, passando pela Amazônia até os portos do Nordeste, de onde parte para a Europa e outros continentes, explica a escalada de criminalidade no Norte e no Nordeste na última geração. Com base em dados da ONU, estima-se que só a cocaína que passa pelo Brasil gere um faturamento de R$ 335 bilhões, o equivalente a quase 4% do PIB em 2021.
A disputa por territórios é plausivelmente o fator mais relevante a explicar as ondulações nas taxas de homicídios no País. O recorde em 2017 não por acaso coincidiu com um confronto aberto entre o PCC e o CV por rotas e territórios.
São alguns dos dados compilados no mais recente diagnóstico do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) sobre o crime organizado no Brasil. O estudo também investiga estratégias de combate adaptadas à realidade nacional, partindo do tripé consensual da criminalística no mundo: cooperação internacional, enfraquecimento da capacidade de lavagem de dinheiro e identificação e responsabilização das cadeias de comando. “O grande desafio contemporâneo que une governos, poderes e órgãos de Estado, bem como o setor privado, mídia e sociedade civil, é o de blindar a economia formal da economia do crime, que cada vez mais acumula poder bélico, político e financeiro e tenta controlar e determinar os rumos da sociedade brasileira.”
O problema é que essas instâncias estão unidas em tese, porque agredidas por um inimigo comum. O grande desafio é uni-las na prática, no enfrentamento deste inimigo.
O Brasil tem 86 corporações policiais e mais de 1.500 agências municipais, estaduais e federais com poder de polícia e atribuição de aplicação da lei em matéria de segurança pública. “Não faltam sistemas de políticas públicas, mecanismos ou sistemas tecnológicos”, constata o Fórum. “O problema é que eles não seguem uma lógica linear, que articule os sistemas mais amplos e gerais de políticas públicas, com suas diretrizes e objetivos, aos sistemas operativos.”
O Fórum propõe ao debate público sete possibilidades de agendas de curto prazo para atuação do Executivo e do Legislativo. Uma delas é a criação de um Comitê Interministerial de Combate ao Crime Organizado para definir um plano de atuação e operações em escala nacional agregando autoridades estaduais e municipais.
Grande parte do problema é que o combate a organizações nacionais e transnacionais é feito por órgãos regionais que não têm acesso a um sistema de dados integrado, o que equivale a combater o crime às cegas. A fim de organizar e regular a produção, gestão e compartilhamento de dados, o Fórum sugere que o Congresso aprove a Lei Geral de Proteção de Dados de Interesse da Segurança Pública.
Uma base de dados integrada também permitirá mensurações e comparações das políticas nas diferentes unidades da Federação, além da elaboração de diagnósticos sobre a alocação de recursos aos efetivos policiais e o georreferenciamento de áreas de risco para concentrar a repressão ostensiva. Fortalecer e ampliar o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) é particularmente crucial para rastrear operações financeiras e coibir a lavagem de dinheiro.
Na raiz de propostas como essas está um princípio tautológico, que o Brasil ainda precisa concretizar: só se pode combater eficazmente o crime organizado com um Estado organizado.
Um governo em ponto morto
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) disse que fábricas de automóveis poderão ser fechadas ainda neste ano caso o governo não eleve imediatamente as alíquotas de importação sobre carros elétricos.
A ameaça revela a munição pesada de que o setor automotivo dispõe para tentar conter o inegável avanço da participação da China no mercado nacional. De janeiro a maio, as vendas de carros chineses no País já superaram as registradas em todo o ano de 2023.
O presidente Lula da Silva, como se sabe, não costuma ignorar os apelos da entidade. E talvez isso explique a razão pela qual os carros elétricos e híbridos devem ser incluídos no rol de produtos sobre os quais incidirá o “imposto do pecado”, como é chamado o Imposto Seletivo da reforma tributária.
A querela evidencia a regência de um governo desconexo – que, até agora, se mostrou incapaz de definir as bases da transição energética, que diz ser prioridade, e que atua de forma claudicante na regulamentação da reforma tributária. Afinal, o mesmo governo que abre o mercado e comemora a entrada de fabricantes chinesas concede mais incentivos às montadoras de carros a combustão e tenta proteger a indústria local.
Como bem resumiu, em entrevista ao Estadão, o representante da chinesa BYD, Alexandre Baldy, ex-ministro do governo de Michel Temer, “existem vários governos dentro do mesmo governo”. Baldy externou um diagnóstico certeiro: por vezes, os integrantes do governo parecem caminhar em direções opostas, sem que o chefe defina a linha mestra.
Com sua ambiguidade, o governo Lula fomenta de forma perigosa uma situação que pode se tornar insustentável. Chega a ser irônico que o aviso da Anfavea sobre o risco de fechamento de unidades tenha sido divulgado poucos dias após a sanção presidencial ao programa Mover, que dará nada menos que R$ 19,3 bilhões em incentivos fiscais ao setor até 2028.
A concessão de subsídios à indústria automotiva é prática comum governo após governo, mas a reclamação em relação à concorrência chinesa só reforça algo que todos já sabem há anos: políticas protecionistas, por si sós, não são capazes de garantir competitividade à indústria nacional.
É bom que se diga que a mesma estratégia – concessão de incentivos – foi usada para atrair ao País as fabricantes chinesas de carros elétricos e híbridos. Com unidades instaladas no Nordeste e um cronograma progressivo de alíquotas para o imposto de importação – 10% em janeiro de 2024, 18% em julho de 2024, 25% em julho de 2025 e 35% em julho de 2026 –, a importação de carros da China, que nunca havia ultrapassado 1% do mercado, disparou.
Em paralelo, o governo defende a inclusão dos automóveis no “imposto do pecado”. E o mais curioso é que a proposta surgiu de onde menos se esperava: o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
Em tese, o Imposto Seletivo foi idealizado com o objetivo de sobretaxar bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, mas o fato é que o tributo vem sendo desvirtuado – ora servindo como um mecanismo extra de aumento de arrecadação, ora de atendimento a lobbies.
No caso dos carros elétricos, que não emitem poluentes como os com motores de combustão, a alegação encontrada para sobretaxá-los foi a de que suas baterias representam risco ao meio ambiente. Em contrapartida, caminhões a diesel estarão livres do alcance do “imposto do pecado” por ser o transporte de cargas no País essencialmente rodoviário. Para quem não vê lógica nos argumentos, a resposta é de que não há lógica de fato: tudo depende do interesse do momento.
Alegando práticas comerciais desleais, o presidente Joe Biden praticamente fechou o mercado dos Estados Unidos aos carros elétricos chineses com uma taxa de importação de 100%. A realidade das relações comerciais entre EUA e China, no entanto, é infinitamente distinta da do Brasil, que tem no país asiático seu principal parceiro comercial. Assim, o governo Lula tenta proteger as montadoras que aqui estão sem afastar as fabricantes chinesas. É o que se conhece por quadratura do círculo.