Contratos irregulares de água e esgoto violam Marco Legal do Saneamento
Por Editorial / O GLOBO
É frustrante que, cinco anos depois da entrada em vigor do Marco Legal do Saneamento, 6,5% dos municípios brasileiros, ou 363, ainda mantenham contratos irregulares para prestação de serviços de abastecimento de água e coleta de esgoto, desrespeitando a legislação. A constatação do Instituto Trata Brasil se baseia em dados do Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico.
Segundo o Trata Brasil, 6,7 milhões vivem nesses municípios. Os contratos são considerados irregulares quando as companhias estaduais não conseguem comprovar capacidade econômico-financeira ou não buscam formas de investir para universalizar os serviços — um dos problemas que levaram à mudança na legislação. Estatais ineficientes sem capacidade de investir, movidas mais por critérios políticos que técnicos, contribuíam para os péssimos indicadores de saneamento.
A maior parte desses municípios fica nas regiões Norte e Nordeste, as mais carentes. Os estados com mais contratos irregulares são Paraíba (152), Tocantins (45) e Bahia (23). Chega a ser perverso que os mais necessitados sejam privados de serviços básicos comuns noutras regiões. O abismo é evidente nos números. Nas cidades com contratos irregulares, apenas 64% têm acesso a água encanada (ante 83% nos demais), e meros 27,3% são servidos por coleta de esgoto (ante 58% onde há contratos regulares).
Pode-se argumentar que os municípios menores têm dificuldades intrínsecas para ampliar a cobertura de água e esgoto. Mas o próprio Marco do Saneamento prevê a formação de blocos de cidades para que o serviço seja prestado de forma regional. A criação de consórcios pode atrair investimentos por meio de parcerias público-privadas. Mais que problema de gestão, parece haver entrave político. “São diferentes prefeitos, diferentes governadores. É difícil chegar a um consenso”, disse ao GLOBO Luana Pretto, presidente executiva do Trata Brasil. “Quem mais sofre é a população.”
O Marco do Saneamento, que ampliou a participação da iniciativa privada no setor, foi um alento. Mas ainda há muito a avançar. Da população brasileira, 17% ainda não tem acesso a água potável. Quase 45% não é servida por coleta de esgoto. A nova legislação prevê que, até 2033, 99% tenham água e 90% esgotamento sanitário. O último objetivo está muito distante e, pelo ritmo dos investimentos, fica a cada dia mais difícil que seja cumprido. Mas isso não é desculpa para que governos federal, estaduais e municipais deixem de se esforçar. Pelo contrário.
Existe uma ideia perniciosa, infelizmente ainda bastante disseminada, segundo a qual obras de saneamento não interessam a políticos, porque não aparecem e não dão votos. Mas não é questão de visibilidade. Levar água potável aos brasileiros e implantar sistemas de coleta e tratamento de esgoto reduz o risco de doenças — em especial em crianças —, acaba com o cenário repugnante dos valões a céu aberto e melhora a qualidade de vida. Políticos deveriam saber que tratar o cidadão com dignidade também dá voto.
O município de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, sofre com falta de saneamento — Foto: Guito Moreto / Agência O Globo