Governo restinge acesso a 16 milhões de documentos sobre convênios de obras, repasses e emendas
Por Patrik Camporez — Brasília / O GLOBO
A decisão do governo federal de restringir o acesso a parte das informações de convênios públicos afetou 16 milhões de documentos, segundo estimativa do Ministério da Gestão e Inovação (MGI). Os arquivos, antes disponíveis no sistema TransfereGov — plataforma que centraliza dados sobre transferências de recursos públicos —, incluem itens como planos de trabalho, notas fiscais, termos de parceria e relatórios de prestação de contas dos gastos públicos.
Os documentos restritos incluem dados completos de convênios firmados com ONGs, relatórios de execução e outros documentos de empresas contratadas para realizar obras. A restrição impede também o acesso na integra de acordos que somam mais de R$ 600 bilhões em recursos da União, de acordo com dados da Controladoria-Geral da União (CGU). Além disso, a medida atinge informações relacionadas a emendas parlamentares, incluindo aquelas que abasteceram o chamado “orçamento secreto”, declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2022 por falta de transparência.
Em nota divulgado no site do MGI, a pasta informa que "como são mais de 16 milhões de documentos anexados, desde 2007, que podem conter dados sensíveis, o acesso não é disponibilizado de forma ativa, apenas via Lei de Acesso à Informação (LAI), para qualquer cidadão ou cidadã que solicitar". Ao todo, esses acordos somam mais de R$ 600 bilhões em recursos da União, de acordo com dados da Controladoria-Geral da União (CGU).
“Os cerca de 16 milhões de documentos citados se referem à base histórica de documentos anexos complementares de beneficiários de políticas públicas e que podem conter dados e informações não padronizadas consideradas sensíveis pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), como nome, CPF, contracheque, RG e email, entre outras", disse a pasta, acrescentando que “os anexos seguem disponíveis para acesso por órgãos de controle com os dados identificáveis para fins de fiscalização”.
Como revelou O GLOBO na sexta-feira, o MGI passou a restringir o acesso público a documentos referentes a acordos firmados com estados, municípios e organizações não governamentais (ONGs), inclusive os relacionados a emendas parlamentares, com base em um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU).
O MGI afirma, contudo, que as informações principais dos convênios, como valores e CNPJ dos fornecedores, permanecem disponíveis na plataforma. O ministério informou ainda que trabalha no desenvolvimento de uma ferramenta que permita "anonimizar" informações pessoais que porventura possam estar nos demais documentos para poder voltar divulgá-los novamente.
O argumento da pasta é que os arquivos podem conter dados pessoais e, por isso, deveriam ser protegidos pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
— Temos um conjunto grande de documentos e de informações que estão previstas em anexos dos painéis de transparência ativa. Esses documentos precisam passar por um processo de tratamento para que as informações que eles contêm, quando envolvem dados pessoais, não possam ser indevidamente divulgadas em desconformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados — disse o secretário-executivo adjunto do MGI em exercício, Adauto Modesto.
No entanto, a próprio AGU rebate a interpretação feita pelo ministério. Em nota enviada ao GLOBO, o órgão jurídico afirmou que o parecer não orienta e nem autoriza o bloqueio de informações públicas. “No que tange aos convênios e congêneres, o parecer mencionado em nada impede que os documentos continuem plenamente acessíveis, auditáveis e publicamente disponíveis”, afirma.
Após o caso vir à tona, a secretária adjunta de Gestão e Inovação do ministério, Regina Lemos de Andrade, disse que prevê 60 dias para que a pasta passe a disponibilizar, com tarjas, documentos de novos convênios. Quanto aos convênios antigos, ainda não há prazo para serem disponibilizados;
— São milhões, cerca de 16 milhões de documentos nesses quase 20 anos de sistema. Isso ainda não tem prazo — disse a secretária.
Para especialistas, a restrição de acesso à íntegra dos documentos representa um retrocesso. Marina Atoji, gerente de programas da Transparência Brasil, questiona a versão do ministério de que as informações disponíveis atualmente no TransfereGov seriam suficientes para a fiscalização dos gastos.
— Há, sim, uma lacuna clara e grave de disponibilidade de documentos essenciais para o controle social de convênios e repasses. É inaceitável que os próprios termos de convênio com municípios estejam indisponíveis para o acesso livre na transparência ativa. Os anexos das prestações de contas estão fora do ar, o que significa que não é possível ver em detalhes com o que foi gasto o recurso — afirmou Atoji.
Ainda na campanha de 2022, quando era candidato, presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou o sigilo imposto por seu antecessor, Jair Bolsonaro, a documentos do governo e prometeu dar mais transparência à sua gestão. Em um evento no Palácio do Planalto em maio de 2023, cinco meses após sua posse, disse que "sem transparência, não há democracia".
— O acesso à informação, como direito fundamental previsto em nossa Constituição, precisa estar cada vez mais presente na vida de cada cidadão e na cultura de cada agente público — afirmou o presidente na ocasião. — Não tentem lutar contra a transparência, pois ela vai prevalecer.
Questionada, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência afirmou que "as informações relevantes das transferências e parcerias continuam disponíveis". "A Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República reitera o compromisso deste governo com a transparência na gestão dos recursos públicos e a observância da legislação vigente", diz, em