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TCU manda Secom suspender licitação para redes de Lula por suspeita de fraude

Por Gabriel de Sousa e Tácio Lorran / O ESTADÃO DE SP

 

Tribunal de Contas da União (TCU) mandou a Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom) suspender uma licitação de R$ 197 milhões após suspeitas de fraude. O pregão buscava contratar quatro empresas de assessoria em comunicação e gestão de redes sociais para gerenciar perfis do governo Lula. No fim do mês passado, uma auditoria da Corte de Contas identificou possível violação do sigilo da autoria das propostas.

 

 

O Estadão procurou o Palácio do Planalto, mas não obteve retorno.

 

A decisão foi do ministro Aroldo Cedraz que determinou que ainda que a Secom deve se manifestar, em um prazo de 15 dias, sobre as supostas fraudes. “Tenho que os fatos narrados nesta representação, por si só, revestem-se de extrema gravidade e demandam atuação imediata desta Corte a fim de evitar que se concretize contratação possivelmente eivada de vício insanável, ou mesmo por fato típico a ser apurado na esfera competente”, afirmou Cedraz.

 

No final do mês passado, a área técnica do TCU apontou “graves irregularidades” e possível direcionamento na licitação da Secom. A auditoria identificou indícios de que o sigilo da autoria das propostas das empresas foi violado, evidenciando alguma falha ou fraude no processo.

 

Os planos de comunicação das empresas deveriam ser entregues em invólucros, mantido o sigilo das informações de cada uma das propostas apresentadas. No entanto, um dia antes do resultado da licitação, o site “O Antagonista” publicou, por meio de códigos, o resultado do pregão, revelando a violação do sigilo. O segredo neste caso era necessário, pois a Secom analisou a melhor técnica, e não o menor preço.

 

A licitação foi vencida, inicialmente, pelas empresas Moringa Digital, BR Mais Comunicação, Área Comunicação e Usina Digital.

 

Posteriormente, a Moringa Digital e a Área Comunicação foram inabilitadas, pois não conseguiram comprovar capacidade técnica para executar os serviços. Em substituição, foram habilitadas as empresas IComunicação e Clara Serviços Integrados de Vídeo.

 

Aprovação de Lula passa de 50% para 54%; reprovação é de 43%, aponta pesquisa Genial/Quaest

Por Pedro Augusto Figueiredo / O ESTADÃO DE SP

 

A aprovação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) subiu quatro pontos percentuais e foi a 54%, melhor patamar registrado em 2024, enquanto a desaprovação caiu para 43%. Os dados são da pesquisa Genial/Quaest divulgada nesta quarta-feira, 10. Na rodada anterior, realizada em maio, 50% aprovavam e 47% desaprovavam o presidente.

 

A melhora foi puxada pelos eleitores que ganham até dois salários mínimos, grupo no qual a aprovação do petista subiu de 62% para 69% e a desaprovação recuou de 35% para 26%. O desempenho entre os que têm de 35 a 59 anos também melhorou. Nessa faixa etária, 56% aprovam o trabalho de Lula e 41% desaprovam. Há dois meses, eram 50% e 48%, respectivamente.

 

A Quaest realizou 2.000 entrevistas presenciais com eleitores com 16 anos ou mais entre os dias 5 e 8 de julho. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos e o nível de confiança é de 95%.

 

A pesquisa também indicou melhora na avaliação do governo Lula. A parcela que avalia positivamente a gestão subiu de 33% em maio para 36%. No sentido oposto, a avaliação negativa caiu de 33% para 30%. A fatia que considera a administração regular oscilou de 31% para 30%, dentro da margem de erro.

 

Embora a percepção sobre o desempenho de Lula e do governo tenha melhorado, a avaliação dos entrevistados sobre a economia continua negativa. Para 36%, a situação econômica piorou nos últimos 12 meses, enquanto 28% dizem que houve melhora e 32% avaliam que permaneceu igual.

 

Questionados, 63% responderam que o poder de compra dos brasileiros diminuiu no mesmo período, 21% consideram que aumentou e outros 14% que ficou igual. A expectativa para o futuro, contudo, é positiva: 52% disseram esperar que a economia melhore, 27% que piore e 18% não acreditam em mudanças nos próximos 12 meses.

 

População concorda com falas de Lula sobre economia e juros

A Quaest também questionou os entrevistados se as declarações recentes de Lula foram a principal razão para alta do dólar, que chegou a bater R$ 5,70 no dia 2 de julho: 53% disseram não acreditar que as falas do presidente foram a principal razão da alta na cotação da moeda americana, contra 34% que responsabilizam o chefe do Executivo. Outros 13% não souberam ou não responderam.

 

Lula fez uma série de afirmações em entrevistas pelo Brasil de que não era necessário conter despesas e teceu críticas à autonomia do Banco Central. Depois, mudou o discurso, disse que o governo tem responsabilidade fiscal e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou revisão dos gatos para 2025.

 

A pesquisa também perguntou a opinião dos eleitores sobre diversas declarações recentes de Lula. O resultado é que a maioria dos entrevistados concordam com as visões do presidente da República: 90% afirmam que o salário deve subir acima da inflação todos os anos, 87% avaliam que os juros no Brasil são muito altos e 84% dizem que as carnes consumidas pelos mais pobres devem ser isentas de impostos.

 

A maioria dos entrevistados, 66%, concorda com as frequentes críticas de Lula à atual política de juros do Banco Central, comandado por Roberto Campos Neto. Por outro lado, 23% discordam e 11% não sabem ou não responderam.

 

Lula diz que não presta contas a ricaços, mas ajuda a Joesley e Wesley Batista mostra o contrário

Por J.R. Guzzo / O ESTADÃO DE SP

 

 

presidente da República, num dos seus últimos acessos de autoadoração em público, disse que não tem de prestar contas “a nenhum ricaço deste país”. É mais um momento extremo de confusão de identidade. Estava falando de si próprio, mas descreveu uma pessoa que não é ele, o presidente Lula - e que não faz, no mundo das realidades, o que ele está fazendo desde o começo do seu governo. A verdade é o contrário do que diz. Se há alguém neste país que presta conta a ricaço é ele mesmo, em pessoa e o tempo todo. São os fatos.

 

Seu último presentão aos bilionários amigos, e amigos dos amigos, é o ato de doação que fez para o Grupo J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista: nada menos que uma medida provisória que cobre pagamentos devidos pela Amazonas Energia a termelétricas compradas há pouco pela Âmbar, uma empresa do grupo no setor de energia. O custo vai ser pago nas contas de luz do público em geral durante os próximos quinze anos.

Medida provisória, para ajudar a vida de uma empresa privada – e ainda por cima enrolada até o talo em processos por corrupção na justiça? É coisa que só se faz em urgências que afetam gravemente o interesse nacional.

 

Mas a J&F, como outras empresas amigas desse grande arco que vai da Odebrecht à Sete Brasil, faz parte do bioma natural de Lula e de seus operadores no governo. É ali que se dá o grande encontro de águas entre os interesses privados e o Tesouro Nacional – e esse caso do socorro às necessidades da Âmbar é mais uma demonstração prática do que acontece na vida real do “Brasil Que Voltou” quando Lula se senta para conversar a sério com os ricaços.

 

Não se procura, nem mesmo, de cuidar das aparências mais constrangedoras. Na história das termelétricas, diretores da J&F estiveram dezessete vezes no Ministério das Minas e Energia ao longo dos onze meses que precederam a edição da medida provisória – fora da agenda oficial, o que não melhora a coisa em absolutamente nada. Agora em maio, inclusive, os próprios irmãos Batista e o próprio presidente da República se encontraram em tête-à-tête no Palácio do Planalto. Nove dias antes da medida provisória, para completar, o ministro das Minas e Energia e o presidente da Âmbar tiveram uma reunião extraoficial.

 

O ministro, depois que a história veio a público, teve a bondade de explicar que uma coisa era uma coisa, outra coisa era outra coisa, e que nenhuma das duas tinha nada a ver entre si. Segundo ele, as dezessete visitas reservadas que os diretores da Âmbar fizeram ao Ministério das Minas e Energia não têm relação com a medida provisória que o mesmíssimo Ministério elaborou em favor da empresa. Foi tudo uma coincidência, diz o ministro. Outra coincidência, pela narrativa oficial, foi que a J&F fechou o negócio de compra das usinas termelétricas, por R$ 4,7 bilhões, logo após a apresentação da medida provisória em seu benefício.

 

O mais bonito da história, como de costume, é que o dinheiro necessário para isso tudo não caiu da árvore. Vai sair, mais uma vez, diretamente do bolso do cidadão para o bolso dos favorecidos – podem ficar dizendo “veja bem” pelo resto da vida, mas o fato objetivo é esse. No seu manifesto contra “os ricos” (no qual foram incluídos nominalmente “os banqueiros”), Lula disse que tinha de “prestar contas ao povo pobre”. Está tudo ao avesso.

 

O presidente é herói histórico dos grandes bancos; não há ninguém que admirem tanto neste país. E as “contas ao povo pobre” de que Lula falou só podem ser as contas de luz – são elas que terão de ser aumentadas durante os próximos quinze anos para ajudar a vida da J&F. Conta de luz nunca é problema para quem tem dinheiro; rico, aliás, nem sabe dizer quanto pagou no último boleto. Mas é um tormento real, permanente e inevitável para os pobres que Lula diz defender. Quem ele defende mesmo, como se vê mais uma vez na prática, são os bilionários. Os pobres de verdade ficam com as esmolas – e mais o problema da conta de luz.

 

É coisa de escroque. O escândalo da Âmbar não é um acidente isolado num governo de justos. É único resultado possível da opção que Lula tomou desde sua entrada na política. Para empreiteiras, banqueiros e gente como os irmãos Batista, tudo que o dinheiro público pode fazer. Para a pobrada, mentira serial e as migalhas que caem da mesa dos paxás.

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Opinião por J.R. Guzzo

Jornalista escreve semanalmente sobre o cenário político e econômico do País

Pesquisa Genial/Quaest: aprovação do governo Lula atinge melhor resultado do ano e se descola da reprovação

Por — O GLOBO

 

Nova pesquisa Genial/Quaest divulgada nesta quarta-feira mostra que a avaliação do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) variou positivamente pela primeira vez em 2024. O percentual dos que consideram a gestão do petista ótima ou boa passou de 33% para 36% em relação a maio, enquanto as percepções negativas sobre o governo recuaram de 33% para 30% no período. Já o grupo que classifica o governo como “regular” foi de 31% para 30%.

 

As oscilações ocorreram no limite da margem de erro da pesquisa, que é de dois pontos percentuais para mais ou menos, mas interrompem uma tendência negativa na avaliação do governo que vinha desde outubro do ano passado. Foram registrados quatro recuos numéricos consecutivos desde agosto do ano passado, quando a gestão do presidente atingiu seu ápice de ótimo ou bom, de 42%.

 

 A pesquisa mostra também que a aprovação do trabalho de Lula atingiu 54%, maior índice de 2024, contra 43% de desaprovação. No levantamento anterior, em maio, a atuação do petista era aprovada por 50% dos entrevistados e reprovada por 47%. 

A oscilação positiva foi puxada pela parcela da população que ganha até dois salários mínimos e pela faixa que têm entre 35 e 59 anos de idade. No grupo com menor renda, a aprovação do presidente subiu de 62% para 69%, enquanto a reprovação recuou de 35% para 26%. Já no grupo por faixa etária, 56% aprovam o trabalho de Lula (eram 50%) e 41% desaprovam (eram 48%).

 

A aprovação do presidente oscilou positivamente de 54% para 57% entre as mulheres, estrato em que a reprovação recuou de 44% para 39%. Um resultado semelhante foi observado na região Sudeste do país, onde a desaprovação de Lula foi de 55% para 48%, enquanto a aprovação passou de 42% para 48% no período.

 

Percepção sobre a economia

O levantamento traz, por outro lado, sinalizações negativas para o governo na área econômica. A situação econômica piorou, nos últimos 12 meses, para 36% dos entrevistados, melhorou para 28% e permaneceu do mesmo jeito para 32%. Houve apenas variações dentro da margem de erro na comparação com o resultado da pesquisa passada. Questionados sobre o poder de compra, 63% responderam que ele diminuiu no mesmo período, enquanto 21% disseram que aumentou e 14% afirmaram que ficou igual.

 

Para 70%, houve alta nos preços dos alimentos no último mês. São 61% os que observaram crescimento no valor das contas de luz e água e 44% os que apontam alta dos combustíveis. Embora a taxa de desemprego tenha atingido em maio no menor nível desde 2014, conseguir um emprego está mais difícil hoje do que há um ano para 52% e mais fácil para 36%, enquanto 7% acreditam que a dificuldade está igual.

 

Mais da metade (52%) da população, no entanto, tem a expectativa de melhora da economia nos próximos 12 meses, contra 27% que esperam piora e 18% que não acreditam em mudança no panorama econômico. A pesquisa mostra também que os principais problemas do país hoje na visão dos brasileiros são:

  • Economia - 21%
  • Violência - 19%
  • Questões sociais - 18%
  • Saúde - 15%
  • Corrupção - 12%
  • Educação - 8%

Críticas ao Banco Central

O levantamento Genial/Quaest incluiu um bloco de perguntas sobre entrevistas recentes do petista a rádios, e constatou que 41% souberam das declarações do presidente e 59% não ouviram falar. A pesquisa mostra que a ampla maioria dos brasileiros concorda com as opiniões de Lula. Para 90% dos entrevistados, por exemplo, o salário deve ser aumentado todo ano acima da inflação. A maior parte dos entrevistados também acredita que os juros no Brasil são muito altos (87%), que carnes consumidas pelos mais pobres deveriam ter isenção de imposto (84%) e que o governo não deve satisfação ao mercado, mas aos mais pobres (67%).

 

A opinião crítica do presidente à política de juros do Banco Central é outro ponto de convergência entre o pensamento do petista e o da população brasileira. Dois terços dos entrevistados (66%) responderam concordar com as afirmações de Lula neste tema, enquanto 23% discordam e 11% não sabem ou não responderam.

 

A maioria (53%) dos entrevistados não acredita que as falas de Lula tenham sido a principal razão da alta do dólar. Outros 34% responsabilizam principalmente o discurso do presidente pela escalada da moeda americana e 13% que não sabem ou não responderam.

 

A pesquisa também constatou um alto índice de conhecimento e aprovação de programas e iniciativas da gestão petista. Foram avaliados os programas Farmácia Popular (conhecido e aprovado por 86% da população), Bolsa Família (80%), Desenrola (73%) e Pé de Meia (60%). Por outro lado, o Novo PAC (44%) e o Programa Acredita (38%) são desconhecidos por 51% e 56% da população, respectivamente.

 

A pesquisa Genial/Quaest ouviu 2.000 pessoas de 16 anos ou mais no período de 5 a 8 de julho. Foram realizadas entrevistas presenciais em 120 municípios. A margem de erro é estimada em 2 pontos percentuais para mais ou menos, para um nível de confiança de 95%.

 
 
 

TCU tira caso de grupo dos irmãos Batista da pauta em meio a divergência entre ministério e técnicos da corte

Fábio Pupo / FOLHA DE SP

 

O MME (Ministério de Minas e Energia) busca um aval do TCU (Tribunal de Contas da União) para formalizar um acordo com a Âmbar, da J&F —grupo dos irmãos Joesley e Wesley Batista e dono da JBS—, após a empresa deixar de concluir usinas no prazo previsto. A iniciativa contraria a área especializada da corte, que recomenda a rescisão dos contratos.

O ministério enviou ofício a outros órgãos em abril, de forma sigilosa, apresentando um acordo entre a pasta e a empresa, o que foi revelado pela revista Piauí e confirmado pela Folha. O MME afirma que não houve divulgação porque a iniciativa ainda é um ato preparatório e aguarda análise do TCU –que, nesta terça-feira (9), adiou uma decisão sobre o tema.

O acordo conta com a simpatia expressa de ministros da corte e seria julgado pelo plenário nesta quarta (10). Mas a área do tribunal especializada em energia reiterou há pouco mais de duas semanas sua oposição à conciliação, e o caso acabou sendo retirado de pauta na véspera.

As usinas em questão são termelétricas compradas pela Âmbar em 2021 poucos meses após elas saírem vencedoras de um leilão emergencial feito durante a crise hídrica e batizado de PCS (Procedimento Competitivo Simplificado). Elas não entraram em operação na data prevista pelo edital.

A empresa tenta há anos alterar o contrato original e um dos pleitos foi trocar as quatro térmicas contratadas por outro empreendimento —uma usina de Cuiabá com mais de 20 anos de operação.

A cláusula 4.4 do contrato original, no entanto, veda essa alternativa, ao explicitar que a energia não pode ser entregue por outra usina. Após idas e vindas sobre o tema na Aneel, o MME solicitou no ano passado que o TCU buscasse um consenso por meio do então recém-criado mecanismo de solução de conflitos da corte –por meio do qual têm sido renegociados diferentes contratos de infraestrutura.

Em março de 2023, o TCU abriu uma comissão de solução consensual composta por representantes do tribunal, da Aneel, do MME e da própria Âmbar. No fim das discussões, integrantes do TCU discordaram do acordo principalmente por divergências em relação à comprovação da capacidade de entrega de energia da Âmbar.

O caso foi a plenário e, por unanimidade, os ministros decidiram em abril deste ano pelo arquivamento do caso baseados na premissa de que os acordos precisavam de consenso. Mas, em suas falas, houve a sinalização de que não se oporiam a um eventual acordo entre empresa e MME.

"Sim, eu tenho uma simpatia por essa proposta [de acordo]", afirmou o ministro Benjamin Zymler. "Nada impede que o ministério, poder concedente, possa desenvolver novas tratativas, considerando aquilo que foi levado em conta pelo procedimento de consenso aqui feito", disse o colega Antonio Anastasia.

Poucos dias depois, em um despacho de abril, o ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia) apresentou a outros órgãos (como a Advocacia-Geral da União) um acordo com a Âmbar nas mesmas bases discutidas no TCU prevendo o encaminhamento ao tribunal antes da entrada em vigor "por precaução e deferência".

"Não nos parece restar outra alternativa a não ser firmar o acordo, inclusive para não penalizar ainda mais os consumidores de energia, diante de uma praticamente certa demanda judicial, com risco elevado, que virá caso o cenário de indefinições perdure ainda mais", afirmou Silveira no despacho.

A Âmbar terá que pagar multa de R$ 1,1 bilhão pelo atraso, seus contratos serão ampliados de 44 para 88 meses e o valor total de receita (montante pago pelos consumidores pelo fornecimento de energia ao sistema elétrico brasileiro) será reduzido de R$ 18,7 bilhões para R$ 9,4 bilhões.

A AudElétrica (Unidade de Auditoria Especializada em Energia Elétrica e Nuclear) do TCU, ciente do acordo alcançado entre MME e empresa fora do TCU, insistiu na oposição ao entendimento e propôs que o ministério "faça cumprir as cláusulas contratuais e editalícias referentes a essas usinas e promova a rescisão unilateral" dos contratos, com as penalidades pertinentes.

Segundo o parecer, a substituição pela usina de Cuiabá não apenas fere a isonomia no tratamento dado às demais usinas do PCS como também iria de encontro à motivação e conformação do leilão que tinha como objeto a "contratação de energia de reserva de novos empreendimentos".

Além disso, o parecer afirma que a energia das usinas da Âmbar têm preço entre R$ 1.594,84 e R$ 1.601,01/MWh, e hoje o custo da energia no curto prazo é de R$ 61,07/MWh. "Não só o sistema elétrico não precisa da energia dessas usinas, passados mais de dois anos da data acordada em contrato, como o preço por ela seria, em muito, superior a alternativas de geração", afirma o texto.

Procurado pela reportagem, o MME afirma que o acordo foi realizado a partir das manifestações do TCU e que a multa da Âmbar é muito superior aos valores a serem arcados pelos demais participantes do PCS que chegaram a um acordo.

"Esse valor, superior à média, foi em razão da possibilidade da produção da energia por meio da UTE Cuiabá, ao invés das usinas originais que foram devidamente instaladas e comissionadas conforme a avaliação da Aneel", afirma a pasta.

Sobre o sigilo do acordo com a empresa, afirmou que ainda "existem questões que podem ser apontadas pelo TCU" e que, por isso, "os documentos que o compõe ainda são considerados preparatórios e protegidos".

Procurada, a Âmbar afirmou que sempre buscou uma solução que evitasse a judicialização do caso, "ampliando a segurança jurídica do setor elétrico brasileiro, a segurança de suprimento do sistema interligado e benefícios para os consumidores de energia em relação ao contrato original do PCS". "As vantagens de um acordo são tão significativas que o próprio TCU recomendou, em plenário, que as partes buscassem o consenso direto para evitar a judicialização", diz a empresa em nota.

Nesta terça, o TCU anunciou que suspendeu atividades dos comitês de resolução de conflitos –por onde passou o processo da Âmbar– devido a um decreto do Executivo criando um mecanismo próprio voltado ao tema e tendo a AGU como órgão central. "As secretarias do TCU estão examinando eventuais repercussões nos processos em curso na Corte. Até que a análise seja concluída, a presidência [do tribunal] determinou a suspensão de todas as reuniões", afirmou a corte em nota.

Contra crime organizado, Estado organizado

Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP

 

O Brasil tem 3% dos habitantes do planeta, mas responde por 10% dos homicídios. O Banco Interamericano de Desenvolvimento estima que o impacto econômico do crime oscila entre 1,8% e 4,2% do PIB só para o setor privado. Segundo estudo de 2023 da Secretaria Nacional de Políticas Penais do Ministério da Justiça, há 72 facções, duas delas com atuação transnacional, o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC).

 

Nascidas nos presídios, essas facções exploram, além do narcotráfico, crimes patrimoniais, corrupção de agentes públicos, contrabando, fraudes digitais, extorsão, lavagem de dinheiro e crimes ambientais, do garimpo à grilagem ao tráfico de animais silvestres.

 

O domínio territorial é crucial para essas atividades. A rota do tráfico para o escoamento da cocaína da Colômbia, Peru e Bolívia, passando pela Amazônia até os portos do Nordeste, de onde parte para a Europa e outros continentes, explica a escalada de criminalidade no Norte e no Nordeste na última geração. Com base em dados da ONU, estima-se que só a cocaína que passa pelo Brasil gere um faturamento de R$ 335 bilhões, o equivalente a quase 4% do PIB em 2021.

 

A disputa por territórios é plausivelmente o fator mais relevante a explicar as ondulações nas taxas de homicídios no País. O recorde em 2017 não por acaso coincidiu com um confronto aberto entre o PCC e o CV por rotas e territórios.

 

São alguns dos dados compilados no mais recente diagnóstico do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) sobre o crime organizado no Brasil. O estudo também investiga estratégias de combate adaptadas à realidade nacional, partindo do tripé consensual da criminalística no mundo: cooperação internacional, enfraquecimento da capacidade de lavagem de dinheiro e identificação e responsabilização das cadeias de comando. “O grande desafio contemporâneo que une governos, poderes e órgãos de Estado, bem como o setor privado, mídia e sociedade civil, é o de blindar a economia formal da economia do crime, que cada vez mais acumula poder bélico, político e financeiro e tenta controlar e determinar os rumos da sociedade brasileira.”

 

O problema é que essas instâncias estão unidas em tese, porque agredidas por um inimigo comum. O grande desafio é uni-las na prática, no enfrentamento deste inimigo.

 

O Brasil tem 86 corporações policiais e mais de 1.500 agências municipais, estaduais e federais com poder de polícia e atribuição de aplicação da lei em matéria de segurança pública. “Não faltam sistemas de políticas públicas, mecanismos ou sistemas tecnológicos”, constata o Fórum. “O problema é que eles não seguem uma lógica linear, que articule os sistemas mais amplos e gerais de políticas públicas, com suas diretrizes e objetivos, aos sistemas operativos.”

 

O Fórum propõe ao debate público sete possibilidades de agendas de curto prazo para atuação do Executivo e do Legislativo. Uma delas é a criação de um Comitê Interministerial de Combate ao Crime Organizado para definir um plano de atuação e operações em escala nacional agregando autoridades estaduais e municipais.

 

Grande parte do problema é que o combate a organizações nacionais e transnacionais é feito por órgãos regionais que não têm acesso a um sistema de dados integrado, o que equivale a combater o crime às cegas. A fim de organizar e regular a produção, gestão e compartilhamento de dados, o Fórum sugere que o Congresso aprove a Lei Geral de Proteção de Dados de Interesse da Segurança Pública.

 

Uma base de dados integrada também permitirá mensurações e comparações das políticas nas diferentes unidades da Federação, além da elaboração de diagnósticos sobre a alocação de recursos aos efetivos policiais e o georreferenciamento de áreas de risco para concentrar a repressão ostensiva. Fortalecer e ampliar o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) é particularmente crucial para rastrear operações financeiras e coibir a lavagem de dinheiro.

 

Na raiz de propostas como essas está um princípio tautológico, que o Brasil ainda precisa concretizar: só se pode combater eficazmente o crime organizado com um Estado organizado.

Um governo em ponto morto

Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP

 

A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) disse que fábricas de automóveis poderão ser fechadas ainda neste ano caso o governo não eleve imediatamente as alíquotas de importação sobre carros elétricos.

 

A ameaça revela a munição pesada de que o setor automotivo dispõe para tentar conter o inegável avanço da participação da China no mercado nacional. De janeiro a maio, as vendas de carros chineses no País já superaram as registradas em todo o ano de 2023.

 

O presidente Lula da Silva, como se sabe, não costuma ignorar os apelos da entidade. E talvez isso explique a razão pela qual os carros elétricos e híbridos devem ser incluídos no rol de produtos sobre os quais incidirá o “imposto do pecado”, como é chamado o Imposto Seletivo da reforma tributária.

 

A querela evidencia a regência de um governo desconexo – que, até agora, se mostrou incapaz de definir as bases da transição energética, que diz ser prioridade, e que atua de forma claudicante na regulamentação da reforma tributária. Afinal, o mesmo governo que abre o mercado e comemora a entrada de fabricantes chinesas concede mais incentivos às montadoras de carros a combustão e tenta proteger a indústria local.

 

Como bem resumiu, em entrevista ao Estadão, o representante da chinesa BYD, Alexandre Baldy, ex-ministro do governo de Michel Temer, “existem vários governos dentro do mesmo governo”. Baldy externou um diagnóstico certeiro: por vezes, os integrantes do governo parecem caminhar em direções opostas, sem que o chefe defina a linha mestra.

 

Com sua ambiguidade, o governo Lula fomenta de forma perigosa uma situação que pode se tornar insustentável. Chega a ser irônico que o aviso da Anfavea sobre o risco de fechamento de unidades tenha sido divulgado poucos dias após a sanção presidencial ao programa Mover, que dará nada menos que R$ 19,3 bilhões em incentivos fiscais ao setor até 2028.

A concessão de subsídios à indústria automotiva é prática comum governo após governo, mas a reclamação em relação à concorrência chinesa só reforça algo que todos já sabem há anos: políticas protecionistas, por si sós, não são capazes de garantir competitividade à indústria nacional.

 

É bom que se diga que a mesma estratégia – concessão de incentivos – foi usada para atrair ao País as fabricantes chinesas de carros elétricos e híbridos. Com unidades instaladas no Nordeste e um cronograma progressivo de alíquotas para o imposto de importação – 10% em janeiro de 2024, 18% em julho de 2024, 25% em julho de 2025 e 35% em julho de 2026 –, a importação de carros da China, que nunca havia ultrapassado 1% do mercado, disparou.

 

Em paralelo, o governo defende a inclusão dos automóveis no “imposto do pecado”. E o mais curioso é que a proposta surgiu de onde menos se esperava: o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.

 

Em tese, o Imposto Seletivo foi idealizado com o objetivo de sobretaxar bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, mas o fato é que o tributo vem sendo desvirtuado – ora servindo como um mecanismo extra de aumento de arrecadação, ora de atendimento a lobbies.

 

No caso dos carros elétricos, que não emitem poluentes como os com motores de combustão, a alegação encontrada para sobretaxá-los foi a de que suas baterias representam risco ao meio ambiente. Em contrapartida, caminhões a diesel estarão livres do alcance do “imposto do pecado” por ser o transporte de cargas no País essencialmente rodoviário. Para quem não vê lógica nos argumentos, a resposta é de que não há lógica de fato: tudo depende do interesse do momento.

 

Alegando práticas comerciais desleais, o presidente Joe Biden praticamente fechou o mercado dos Estados Unidos aos carros elétricos chineses com uma taxa de importação de 100%. A realidade das relações comerciais entre EUA e China, no entanto, é infinitamente distinta da do Brasil, que tem no país asiático seu principal parceiro comercial. Assim, o governo Lula tenta proteger as montadoras que aqui estão sem afastar as fabricantes chinesas. É o que se conhece por quadratura do círculo.

Ministério da Saúde entrega menos de 10% das vacinas da Covid prometidas para 2024

Mateus Vargas / FOLHA DE SP

 

 

Ministério da Saúde do governo Lula (PT) entregou menos de 10% das vacinas atualizadas contra a Covid-19 prometidas para 2024.

Com poucas doses, a campanha tem ritmo lento e público-alvo limitado. A pasta informou na sexta-feira (5) que repassou 5,7 milhões de vacinas da nova geração desde o começo de maio.

O volume é parte dos 12,5 milhões de imunizantes da Moderna, adaptados para a variante XBB, comprados com atraso pela pasta. O plano é distribuir 70 milhões de doses até o fim do ano, mas o edital para a compra complementar nem sequer foi lançado pelo ministério.

Em nota, a Saúde afirma que o "novo processo de aquisição" está em "fase interna". Ainda declara que irá lançar a disputa depois desta etapa.

A pasta não apontou prazo para finalizar a compra e entregar as novas doses. O ministério também não confirma quantas unidades do modelo atualizado já foram aplicadas.

Segundo a pasta comanda por Nísia Trindade, os dados "estarão disponíveis na RNDS (Rede Nacional de Dados) após ajuste de questões técnicas".

O número de imunizantes da Moderna entregues também estão fora dos painéis públicos do site do Ministério da Saúde.

A diretora da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), Isabella Ballalai, afirma que uma campanha com restrições de doses pode aumentar a hesitação vacinal, ou seja, quando pessoas relutam ou se recusam a tomar a vacina.

"Não é só uma questão de desinformação, fake news, etc. O maior fator [da hesitação] é a falta de informação. A gente também sabe como o acesso às doses é importante. Inclusive o ministério está indo às escolas para melhorar o acesso de adolescentes", diz Ballalai.

A médica afirma que a população deixou de perceber o perigo da doença, ainda que a Covid sido a causa de cerca de 3,9 mil mortes no Brasil em 2024.

"Há um surto de Covid no hemisfério Norte. Normalmente, na sequência tem o nosso surto. É preciso ter uma comunicação mais assertiva sobre a doença, não pode ser só quando chega a vacina. A gente tem que falar mais da Covid no país", declara a diretora da SBIm.

A conduta negacionista de Jair Bolsonaro (PL) na pandemia e o desdém do ex-presidente pelas vacinas foram fortemente explorados por Lula na campanha eleitoral de 2024.

O atraso na compra dos imunizantes, porém, atraiu críticas a Lula feitas por integrantes da comunidade científica e profissionais de saúde.

Em abril, o site "Qual Máscara?", que reúne informações sobre o combate ao novo coronavírus, publicou uma nota cobrando novas doses, no momento em que ainda se arrastava a primeira compra feita com a Moderna.

O ministério afirma que planejava uma compra de vacinas da Covid desde meados de 2023, mas aguardou novas versões surgirem no mercado. A Saúde abriu um processo de compra emergencial das 12,5 milhões de doses após o aval dado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), em dezembro, à vacina da Pfizer adaptada à variante XBB.

Em fevereiro, a secretária de Vigilância em Saúde, Ethel Maciel, havia dito no X, antigo Twitter, que o imunizante adaptado à variante XBB chegaria ao Brasil no mês seguinte. A ministra Nísia Trindade prometeu começar a vacinar grupos prioritários em abril.

Com o atraso, as doses começaram a ser entregues em maio.

"As 70 milhões de doses prevista, em 2024, buscam atender a população alvo, com base nos dados do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística]", disse a Saúde.

Em nota, o conselho que representa secretários estaduais, Conass, afirmou que é "importante a manutenção da aquisição e distribuição de doses dos imunizantes contra a Covid-19, conforme planejado para o ano de 2024".

A entidade disse que a baixa adesão preocupa, "sendo essencial que o Ministério da Saúde intensifique as ações de comunicação, de forma articulada e integrada com estados e municípios".

O conselho dos secretários municipais, Conasems, disse apenas que segue orientações do ministério.

O governo ainda demonstra dificuldades logísticas para montar a campanha de imunização da Covid.

Como a Folha mostrou, a Saúde incinerou em 2024 cerca de 6,4 milhões de doses de vacinas contra a doença que perderam a validade. Os imunizantes descartados foram fabricados pela Janssen e usam a tecnologia de vetor viral. Esse tipo de vacina perdeu força no SUS (Sistema Único de Saúde) desde o fim de 2022, quando a Saúde passou a priorizar os imunizantes de RNA mensageiro, como da Pfizer e Moderna.

A atual gestão considera que herdou de Bolsonaro um estoque desorganizado e repleto de produtos com validade curta ou já vencidos.

A Saúde já havia perdido cerca de R$ 2 bilhões em vacinas da Covid, de diversos fabricantes, até o começo de 2023. Estes imunizantes perderam validade principalmente entre o fim de 2022 e o começo de 2023.

Relatório da ONU sobre fome no Brasil vira divisor de águas para discurso social de Lula

Por Eduardo Gayer / O ESTADÃO DE SP

 

 

O relatório “Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo”, produzido pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO, da sigla em inglês), será um divisor de águas para o discurso social do governo federal. Com divulgação prevista para 24 de julho, o texto vai dizer, desde já, se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terá a chance de anunciar, no ano da sua provável tentativa à reeleição, em 2026, que tirou o Brasil do Mapa da Fome.

 

Para sair do Mapa da Fome, um país precisa registrar taxa de falta crônica de alimentos inferior a 2,5% da população, por três anos seguidos, no relatório da FAO. O número é divulgado todo mês de julho com dados referentes ao ano anterior. É por isso que, para anunciar a possível conquista em 2026, Lula precisa do indicador abaixo de 2,5% já em 2024, e ainda terá repetir o feito nos dois anos seguintes.

 

No ano passado, a insegurança alimentar no Brasil bateu 4,2%, com dados referentes ao último ano do governo Jair Bolsonaro. Para reverter a tendência de alta, Lula lançou o Plano Brasil Sem Fome, que reúne programas como o Bolsa Família e a busca ativa por cidadãos em situação permanente de desnutrição. Oficialmente, o prazo estabelecido é tirar o Brasil do Mapa da Fome até 2030, mas o presidente quer alcançar a meta ainda neste mandato.

 

“Todos os estudos e pesquisas divulgados apontam grande redução da insegurança alimentar no Brasil. Confio que voltamos à boa notícia da tendência de queda da insegurança alimentar. Mas o resultado, só quando a FAO divulgar”, afirmou à Coluna do Estadão o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, em tom de otimismo para os dados referentes ao primeiro ano de governo Lula.

 

O Brasil saiu do Mapa da Fome em 2014, durante o governo Dilma Rousseff, mas retrocedeu a ele em 2018.

 

O relatório da ONU será divulgado no dia 24 de julho, durante agenda do G20 no Brasil, no Rio de Janeiro, na presença do diretor-geral da FAO,Qu Dongyu, e o economista-chefe, Maximo Torero.

Mudança em pisos não resolve problemas do Orçamento e aumenta poder de emendas na Saúde

Por Daniel Weterman / o estadão desp

 

 

BRASÍLIA – A mudança nos pisos mínimos de gastos com Saúde e Educação, hoje vinculados à arrecadação do governo, não é suficiente para resolver os problemas do Orçamento público e bancar os recursos necessários em outras áreas nos próximos anos, de acordo com números do Tesouro Nacional. A principal causa é o crescimento das despesas obrigatórias, como salários, aposentadorias e benefícios assistenciais, que continuam pressionando o arcabouço fiscal.

 

Além disso, especialistas consultados pelo Estadão apontam que uma diminuição do piso da Saúde aumentaria a participação das emendas parlamentares no orçamento do setor, elevando ainda mais o poder das indicações políticas nos recursos e causando uma distorção no financiamento dos serviços públicos entre as regiões do Brasil (leia mais abaixo).

 

Em março, o Tesouro divulgou um relatório mostrando que uma mudança nos pisos de Saúde e Educação poderia tirar até R$ 133 bilhões dessas duas áreas em 2033, abrindo espaço para outros gastos. Em resposta a um requerimento de informação da liderança do PSOL na Câmara, ao qual o Estadão teve acesso, o órgão divulgou os cálculos que levaram a essa projeção.

 

Os números mostram que, mesmo com o espaço aberto, faltaria dinheiro para bancar o custeio da máquina pública e os investimentos federais nas outras áreas (fora Saúde e Educação) a partir de 2029. A falta de dinheiro é verificada na aplicação das três regras diferentes estudadas pela equipe econômica para a evolução dos pisos: limite de despesas do arcabouço, de no máximo 2,5% acima da inflação; crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) per capita; e crescimento populacional.

 

Atualmente, os gastos mínimos com Saúde e Educação são calculados de acordo com a arrecadação de impostos federais (15% da Receita Corrente Líquida para a Saúde e 18% da Receita Líquida de Impostos para a Educação) e crescem mais que os limites do arcabouço fiscal, de 2,5% acima da inflação, pressionado a nova âncora das contas públicas. Conforme o Estadão mostrou, os pisos vão deixar outras áreas sem recursos até 2028, incluindo habitação, Auxílio Gás, Defesa Civil e custeio dos órgãos federais.

 

Em resposta à reportagem, o Tesouro Nacional afirmou que a simulação foi realizada com parâmetros macroeconômicos de janeiro deste ano e que não refletem necessariamente as escolhas políticas nem as bases fixadas no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025, encaminhado em abril. Além disso, a destinação final das despesas supera a alçada do governo, pois depende também das emendas parlamentares, disse o órgão.

 

Se nada for feito, as outras despesas discricionárias (não obrigatórias) ficariam com R$ 41,8 bilhões em 2029. Em 2030, o resultado seria negativo e faltariam R$ 14,8 bilhões. O recurso necessário para manter a máquina federal funcionando e não entrar em colapso é calculado em no mínimo R$ 76,9 bilhões para as demais despesas não obrigatórias (tirando Saúde e Educação), de acordo com regra fixada no novo arcabouço fiscal.

 

Se os pisos forem corrigidos conforme o mesmo limite de despesa do arcabouço, de até 2,5% de crescimento real, as outras despesas discricionárias teriam um espaço maior, de R$ 52,4 bilhões em 2019 e R$ 11,2 bilhões em 2030, ainda abaixo do necessário. Ou seja: mesmo com a mudança, faltaria dinheiro para pagar as despesas com conta de luz dos órgãos federais, sem falar de investimentos em rodovias e Defesa Civil, por exemplo. No cenário mais drástico, que é corrigir os pisos conforme o crescimento populacional, faltariam recursos suficientes para cobrir as outras despesas a partir de 2030.

 

Segundo o pesquisador Camillo Bassi, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o principal problema da rigidez orçamentária que pressiona as contas públicas é o alto volume de gastos obrigatórios. Hoje, eles superam 90% do Orçamento. Mesmo que os pisos fossem mexidos, explica ele, os compromissos obrigatórios do governo federal com Saúde e Educação continuariam existindo. Por isso, nem mesmo uma flexibilização pela Desvinculação de Receitas da União (DRU) resolveria o problema.

 

“No caso da complementação da União do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), por exemplo, é impossível atrelar os gastos a um indicador diferente, como o teto do arcabouço ou a inflação. Independentemente do indicador, essa é uma despesa blindada de regramento em termos de crescimento porque é um gasto exógeno”, diz o especialista. Até 2026, a União terá de contribuir com uma complementação equivalente a 23% do Fundeb para Estados e municípios.

Ministério do Planejamento e Orçamento afirmou à reportagem que “a dinâmica prevista para o conjunto de despesas da União é desafiadora”. A pasta ressaltou que novas medidas de revisão de gastos serão anunciadas em momento oportuno e que o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2025 está em elaboração e será devidamente detalhado até 31 de agosto.

 

Emendas tomariam conta do orçamento da Saúde se piso fosse revisto

 

Atualmente, as emendas parlamentares consomem 40% das despesas não obrigatórias das ações e serviços públicos de saúde, como custeio de postos de saúde, hospitais, exames e cirurgias. Uma mudança no piso constitucional da Saúde faria que com as emendas ocupassem mais da metade desse orçamento, de acordo com especialistas consultados pelo Estadão.

 

As emendas individuais, aquelas indicadas por cada deputado e senador, são atreladas à receita e metade deve ir obrigatoriamente para a Saúde. Mexer no piso diminuiria o orçamento total da área, mas não as emendas, fazendo com que a participação dessas indicações aumentassem. Além disso, cada vez mais outros tipos de recursos carimbados pelo Congresso capturam uma parcela maior do dinheiro do setor, como foi o caso do orçamento secreto e agora das emendas de comissão.

 

“Sem o piso, as emendas parlamentares vão ocupar todo o gasto discricionário do ministério e implodir o planejamento sanitário”, diz Élida Graziane Pinto, procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo e professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “Gastar melhor em Saúde e Educação passa pela efetiva aderência dos seus recursos vinculados aos respectivos planos setoriais.”

Estudo do Ipea publicado na semana passada mostra que, entre 2014 e 2022, a participação das emendas aumentou de 3,2% para 9,8% no orçamento do Ministério da Saúde, incluindo todos os gastos obrigatórios e não obrigatórios, e trouxeram problemas para o financiamento do setor — pois não se pautam nas regiões que mais precisam dos recursos, mas nas escolhas livres dos congressistas por critérios políticos.

 

Segundo o texto, o governo deve perder cada vez mais o poder de estimular as políticas prioritárias diante do aumento do espaço das emendas parlamentares no Orçamento federal da área. O dinheiro alocado pelos parlamentares acaba priorizando municípios pequenos, sem condições de gastar o dinheiro e atender a população e a atenção básica, sem dar conta das necessidades envolvendo alta e média complexidade.

 

“Hoje, existem localidades que recebem muitos recursos em detrimento de outras. Com o cobertor curto, isso acaba gerando mais desigualdade no sistema”, afirma Fabiola Sulpino Vieira, especialista em políticas públicas e gestão governamental do Ipea e uma das autoras do estudo.

 

“Ao enviar um volume grande de recursos para município pequeno, esse município tem atenção primária. Dinheiro de emenda não pode ser usado para pagar despesa de pessoal e o principal item de despesa na atenção primária é pessoal — são médicos, enfermeiros e agentes de saúde. Esse recurso vai ser usado para quê?”, questiona.

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