Funcionário do Banco do Brasil cobrou R$ 1 milhão para ceder credenciais e permitir fraudes
REDAÇÃO DIARIONORDESTE
Uma operação da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) realizada na manhã da última sexta-feira (26) teve como alvo um funcionário da área de tecnologia do Banco do Brasil. Ele é suspeito de cobrar R$ 1 milhão para permitir a invasão do sistema da instituição por criminosos.
Segundo informações do g1, o suspeito teve um celular e um notebook apreendidos para perícia durante as buscas realizadas pela corporação. O funcionário não teve a identidade revelada e não chegou a ser preso.
Em nota, o Banco do Brasil afirmou que a tentativa foi detectada e frustrada por meio de monitoramento interno. A instituição informa que adotou as providências cabíveis no seu âmbito de atuação e acionou a polícia.
De acordo com a delegada Isabel Dávila, o suspeito colaborou com as investigações e deve ser indiciado. Ela ainda apontou que a perícia dos equipamentos deve revelar quem são as pessoas que fizeram o acordo com o funcionário.
Polícia acionada pelo Banco do Brasil
As investigações apontam que o funcionário teria combinado de receber o valor de R$ 1 milhão em troca das credenciais de acesso ao sistema do banco. Com isso, os criminosos iriam invadir a rede e executar fraudes bancárias de grande valor.
A invasão foi impedida pela operação, que foi realizada pela Coordenação de Repressão aos Crimes Contra o Consumidor, a Propriedade Imaterial, e a Fraudes (CORF) da Polícia Civil. O Banco do Brasil também atuou em conjunto.
Em nota, divulgada na íntegra pelo g1, a instituição financeira informa que "detectou e frustrou a tentativa por meio de monitoramento interno e adotou todas as providências no seu âmbito de atuação".
O comunicado também aponta que o Banco do Brasil acionou a polícia e colabora com as investigações sobre o caso.
"O banco possui processos estabelecidos para monitoramento e apuração de situações suspeitas contra a instituição e acrescenta que seu padrão de governança inibe que acessos isolados a credenciais de qualquer funcionário possam causar impactos financeiros a clientes ou à empresa", finaliza a nota.

‘Gratificação faroeste’ restabelecida pela Alerj não pode prosperar
Na última terça-feira, a Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) aprovou, por 45 votos a 17, a volta de um bônus para policiais sintomaticamente apelidado “gratificação faroeste”. O texto aprovado estipula que um agente da Polícia Civil receba de 10% a 150% além do salário em caso de “neutralização de criminosos” — eufemismo para matar. Deputados já cogitam estender o mesmo benefício a policiais militares. Trata-se de um incentivo absurdo à letalidade policial, que não pode prosperar sob nenhuma circunstância.
Tal incentivo já foi tentado no passado e se revelou um equívoco. O aumento das mortes por policiais tirou a vida de muitos inocentes descritos falsamente como delinquentes. Também encorajou a execução sumária de criminosos, sem direito a processo nem defesa. Para piorar, não funcionou como estratégia de conter o crime. Os estados com forças policiais mais letais são os mais inseguros. A taxa de assassinatos no Brasil, medida por 100 mil habitantes, está em 20,8, de acordo com o Anuário Brasileiro da Segurança Pública. Amapá (45) e Bahia (40,6) apresentam mais que o dobro da média nacional. São, não por coincidência, os dois estados com as maiores taxas de mortes decorrentes de intervenção policial.
Ainda que fosse eficaz para conter o crime, a “gratificação faroeste” seria moralmente inaceitável. Num Estado de Direito, o Estado detém o monopólio do uso legítimo da força. Policiais arriscam a vida para preservar a segurança pública e precisam de instrumentos como armas de fogo para garantir a própria vida e a dos cidadãos. Mas seu uso precisa ser defensivo e seguir regras. Na terra sem lei, a polícia se torna também bandida. A máxima popular segundo a qual “bandido bom é bandido morto” viola princípios básicos de civilização.
Por fim, a “gratificação faroeste” foi restaurada pela Alerj num momento em que o Rio vem registrando queda nas mortes violentas. Nesse contexto, a letalidade policial no estado caiu de 8,3 por 100 mil habitantes em 2022 para 4,1 dois anos depois. A redução, porém, não tirou o Rio dos primeiros lugares no ranking nacional. São Paulo exibe índices inferiores à metade. Nenhuma polícia do Sudeste ou do Sul chega perto da fluminense em letalidade. Para enfrentar os desafios de segurança pública, Executivo e Legislativo estadual deveriam fortalecer políticas que já provaram ser eficientes, com uso de tecnologia e análises estatísticas para alocar a força policial, maior profissionalização, treinamento e equipamentos como câmeras corporais.
Na quarta-feira, o Ministério Público Federal (MPF) notificou o governador Cláudio Castro (PL) afirmando que a “gratificação faroeste” é inconstitucional. No ofício, argumenta que ela não poderia ter sido estabelecida por iniciativa do Legislativo, descumpre decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF das Favelas e viola o direito fundamental à segurança pública. Antes de uma decisão da Justiça que na certa a derrubará, Castro deveria vetá-la.
A Criação de empregos formais desacelera com juro alto em 2025; agro é exceção
Leonardo Vieceli / FOLHA DE SP
O Brasil segue com desempenho positivo na geração de empregos com carteira assinada em 2025, mas o ritmo de abertura de vagas mostra desaceleração em meio ao cenário de juros altos. É o que aponta um levantamento das economistas Janaína Feijó e Helena Zahar, do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), a partir de dados do Novo Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados).
De janeiro a julho, as contratações com carteira superaram em 1,3 milhão as demissões no Brasil. Embora continue positivo, o saldo é 10,4% menor do que o registrado em igual período de 2024 (1,5 milhão), segundo a análise.
As cinco grandes atividades investigadas também contrataram mais do que demitiram nos sete primeiros meses deste ano. Só uma, porém, teve um saldo de criação de vagas formais maior em 2025 do que em 2024.
Trata-se da agropecuária, que foi beneficiada pela supersafra deste ano. De janeiro a julho, o setor teve 109,2 mil contratações a mais do que demissões com carteira. O saldo positivo supera em 32,3% o verificado no mesmo período de 2024 (82,6 mil). Enquanto isso, a geração de vagas foi 14,1% menor nos serviços na comparação de janeiro a julho deste ano com igual intervalo do ano passado. A abertura de postos com carteira também encolheu 13,5% na indústria, 11,7% na construção e 5,4% no comércio.
"O que a gente tem é uma desaceleração, e não uma destruição de postos de trabalho", afirma Janaína. O emprego mostrou trajetória de recuperação nos últimos anos, mas os juros altos para conter a inflação levam a um processo de perda de ritmo da economia, que tende a esfriar a abertura de vagas com o passar dos meses, segundo a pesquisadora. A taxa básica de juros, a Selic, está em 15% ao ano.
"Acaba fazendo com que os agentes econômicos mudem as suas decisões de investimento no curto e no médio prazos", diz Janaína. "Então, muitas vezes os empresários que estavam esperando contratar ou expandir os negócios postergam essas decisões."
CONSTRUÇÃO TEM DESACELERAÇÃO MAIS PERSISTENTE
Com base nos dados do Novo Caged, a economista chama a atenção para o desempenho do emprego formal na construção. De janeiro a julho deste ano, as contratações superaram as demissões em 177,3 mil no setor. Apesar de continuar positivo, o saldo de vagas foi 11,7% menor do que o registrado nos sete primeiros meses de 2024 (200,9 mil).
O número de 2025 é o mais baixo para o período desde 2020, ano inicial da pandemia. À época, o resultado havia sido negativo (-3.323), com mais demissões do que contratações.
O levantamento do FGV Ibre destaca que a construção foi a única atividade a apresentar desaceleração no saldo positivo não apenas frente a 2024, mas também em relação ao acumulado dos sete primeiros meses de 2023 (194,7 mil). O cenário é de uma perda de ritmo mais persistente, de acordo com Janaína.
"A construção tem apresentado, recorrentemente, uma dificuldade para conseguir mão de obra. Existe uma escassez."
Segundo a pesquisadora, o quadro pressiona os salários no setor, já que os empregadores passam a ofertar uma remuneração maior em busca de trabalhadores. Isso, contudo, não tem sido suficiente para resolver o gargalo, diz a economista.
Conforme Janaína, é possível que a recuperação do mercado de trabalho tenha levado mão de obra da construção para outros setores com oportunidades consideradas mais atrativas –em termos salariais ou de jornada, com menor exigência de esforço físico.
"Tem também a questão da taxa de juros, que encarece o financiamento imobiliário. Muitos indivíduos desistem de financiar imóveis, e as construtoras postergam os lançamentos", aponta. A economista afirma que a criação total de vagas com carteira tende a seguir mostrando uma trajetória de desaceleração no Brasil. Para a pesquisadora, além dos juros, outro fator que pode influenciar o cenário é o tarifaço dos Estados Unidos, em vigor desde agosto.
Há, contudo, diferenças setoriais. Enquanto atividades de comércio e serviços tendem a ser estimuladas pela demanda sazonal no fim de ano, a construção deve ficar mais parada, projeta Janaína. "Nos últimos 15 dias de dezembro, não tem muita margem para a construção contratar. Pelo contrário, muitas contratações são postergadas para o início do ano. Então, pode ser que a gente continue a ver uma desaceleração mais expressiva no setor."
Receita Federal fecha cerco à refinaria de Manguinhos e Ricardo Magro, que vive vida de luxo em Miami
A interdição, pela ANP (Agência Nacional do Petróleo), da Refit, nome fantasia da refinaria de Manguinhos, do grupo Fit, não chega a ser uma novidade na vida da empresa. Sua produção já foi interrompida algumas vezes.
Mas a ação, deflagrada nesta sexta-feira (26), é qualificada como uma vitória importante no mercado formal de combustível por efetivamente parar Manguinhos e indicar que se fecha o cerco ao seu controlador, o empresário e advogado e empresário Ricardo Magro, apontado como maior sonegador do Brasil, o que ele nega.
Logo após a mega Operação Carbono Oculto, que em 28 de agosto intensificou o combate ao crime organizado no setor de combustível, Magro declarou em entrevista à Folha que não é sonegador, apenas discute divergência com o Fisco. "Os valores dos nossos débitos não são esses que falam. Eu não tenho auto de infração. Não deixo de emitir nota. Não tomo crédito indevido. Nossa operação é transparente", disse.
O empresário também afirma que tem sido perseguido pelas grandes empresas, incomodadas com sua concorrência, e que é ameaçado pelo PCC por atuar contra a facção, ajudando as autoridades.
De lá para cá, as duas operações envolvendo a Refit, com participação da Receita Federal, reforçam o empenho em enquadrar quem não quer seguir a regulação tributária. O órgão afirma ter encontrado indícios de fraudes relacionadas a tributos na importação e na venda de combustíveis —a empresa afirma que "jamais atuou ou opera como empresa de fachada para atividades ilegais e possui histórico comprovado de atividades legítimas no mercado".
A pendência do grupo de Magro, segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, já soma R$ 11,5 bilhões.
Mesmo com Manguinhos em regime de recuperação judicial há uma década, Magro vinha conduzindo o negócio numa trajetória de crescimento. Até a paralisação, estava com 30% do mercado de combustível do Rio de Janeiro e cerca de 5% de São Paulo —tudo a partir de Miami, nos Estados Unidos, onde fixou residência em 2016 e vive bem.
A Folha teve acesso ao processo de separação do empresário, discussão que ocorreu entre 2019, quando ele saiu de casa, e 2021, com a assinatura de um acordo, mas dá uma ideia de como tem sido sua vida nos Estados Unidos.
A residência do casal era um imóvel com mais de 9.000 metros quadrados e o valor tributável, então, superava US$ 3,5 milhões (R$ 18,7 milhões em valores de hoje). Na época, a ex-esposa dirigia um Range Rover e Magro, um Maserati.
O casal ainda precisou discutir a partilha de um barco Azimut de 60 pés, marca de luxo italiana. O processo destacava que vários outros imóveis tinha sido adquiridas durante o casamento, em áreas nobres, como Sunny Isles, Park Grove, em Coconut Grove, e em Key Biscayne, uma linda ilha na região.
Quando saiu de casa, Magro se mudou para uma propriedade alugada. Pelo que a esposa contou no processo, antes de vencer o contrato de locação, ele alugou uma casa, também em Miami, que pertencia ao jogador de basquete LeBron James —uma mansão luxuosa com cozinha de chef, adega de sommeliê, cinema personalizado e muitos outros recursos, que custava entre US$ 35 mil e US$ 40 mil (R$ 187 mil e R$ 213 mil) por mês.
A trajetória de Magro no setor de combustíveis até esse momento é longa e errática.
Nascido e criado em São Paulo, o próprio conta que o pai foi dono da antiga rede de postos Tigrão, então da bandeira Esso, e que usava aquele macacão da marca. Diz que o negócio praticamente quebrou depois de a petroleira mudar o modelo e apostar em revendas menores. Entre 1997 e 2004, a família, então, passou a atuar na distribuição, quando sofreu novo revés, e decidiu se mudar para o Rio de Janeiro.
No mercado carioca, Magro inicia uma relação comercial com Manguinhos e, em 2008, adquire a refinaria, quando ela estava à beira da falência. Dali para frente foi só controvérsia, com Magro imerso em discussões judiciais, tributárias e policiais.
Manguinhos foi comprada por R$ 7 milhões, em valores da época. O montante foi considerado baixo diante da posição estratégica da refinaria. Na sequência, a Refit emitiu debêntures para captar recursos. Em outubro de 2011, o banco norte-americano BNY Mellon comprou esses créditos por cerca de R$ 100 milhões.
A instituição atuou como administradora e custodiante de fundos de investimento. O principal comprador foi o Postalis (fundo de pensão), que faz a gestão da previdência dos funcionários dos Correios.
Em 2012, o governo de Sergio Cabral decretou a desapropriação da Manguinhos devido a denúncias de sonegação e inadimplência de impostos, forçando a interrupção das atividades da empresa. A Refit, alegando aprofundamento da crise, não pagou as debêntures e a dívida foi convertida em participação acionária.
A diferença entre os valores levou o caso a ser questionado em órgãos de controle. O TCU (Tribunal de Contas da União) interveio, reconhecendo indícios de irregularidade, lesão ao patrimônio público, inclusive por supostos prejuízos tributários, e determinando o bloqueio de recursos da Refit.
Em 2018, o caso chegou ao STF (Supremo Tribunal Federal). O relator, ministro Luís Roberto Barroso, recomendou a suspensão do bloqueio, liberando os recursos da refinaria.
O Postalis liquidou o fundo em maio de 2019, durante a intervenção federal na entidade no contexto da leva de investigações deflagradas pela Lava Jato. No formulário de referência de 2024, o Postalis aparece como detentor de 15,6% das ações ordinárias da Refit, representando o segundo acionista.
Outro ferrenho opositor a Magro é o também ex-governador do Rio Anthony Garotinho. Logo após a Carbono Oculto, ele fez um longo post em seu blog para perguntar quando o dono da Refit seria preso.
Mas Magro também cultiva aliados, e o que se diz é que consegue se preservar tecendo relações com quem estiver no poder.
No final da década de 2000, o ex-secretário de Comunicação do PT e assessor da Casa Civil durante a gestão do ex-ministro José Dirceu, Marcelo Sereno, teve cargos em Manguinhos. Em 2010, foi alvo de uma operação que investigava a existência de uma máfia no mercado local de combustíveis e tinha Manguinhos como um dos principais alvos.
Em 2021, o governo de Jair Bolsonaro (PL), publicou a MP (medida provisória) 1063, que ficou conhecida por liberar a venda direta de etanol para os postos. No entanto, também permitiu que os postos, especialmente os "bandeirados", comercializassem combustíveis de diferentes fornecedores. A Refit foi a campo prospectar mercado.
Raízen e a BR Distribuidora, agora Vibra Energia, entraram na Justiça e conseguiram barrar o avanço da Refit com dois argumentos: os postos tinham contratos de exclusividade, e a MP dava um prazo de 90 dias para a ANP regulamentar as mudanças.
Para surpresa geral, Bolsonaro, então, publicou a MP 1069 para esclarecer a MP 1063: enquanto ANP não fizesse a regulamentação, estava valendo um recente decreto presidencial que já liberava os postos de bandeira a trabalhar com qualquer fornecedor.
Magro nega ter sido favorecido por Bolsonaro e diz que não conhece nenhum integrante da família, apesar de, na cena política carioca, estar ligado a vários integrantes do PL.
É próximo do deputado federal Altineu Cortes (PL-RJ), presidente da sigla no Rio, e do deputado estadual Rodrigo Bacellar, também PL, presidente da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro). É considerado afinado com o governador Cláudio Castro (PL), a quem fez indicações para cargos na secretaria de Fazenda. A Refit fechou com o estado um acordo vantajoso para pagar suas dívidas em prestações.
O próprio Magro chama de amigo o presidente do Progressistas, senador Ciro Nogueira (PI). No entanto, afirma serem ilações os comentários de que o Nogueira teria protelado a tramitação do projeto de lei que vai criar a figura do devedor contumaz para ajudá-lo, suspeita levantada pelo mercado.
Será preciso acompanhar os próximos lances para ver como a cadeia de relações vai se movimentar.
PT gasta mais de R$ 8 milhões com empresas de dirigente que sigla esqueceu de destituir
Juliana Arreguy / FPÇHA DE SP
Quase quatro anos depois de um dirigente partidário pedir para deixar o cargo, o PT o removeu da função. Desde agosto de 2021, quando ele solicitou sua substituição no diretório estadual do Distrito Federal, até abril de 2025, o PT nacional pagou uma quantia correspondente atualmente a R$ 8,2 milhões às empresas dele por serviços de audiovisual, tecnologia da informação e comunicação.
Do total gasto com as empresas Log Produções & Filmes e Dindue, ambas de propriedade de George Barcelos, R$ 7,6 milhões foram pagos enquanto ele ainda constava como dirigente do PT-DF —após a saída dele do posto, o PT continuou contratando suas empresas.
Os valores levantados pela Folha —e corrigidos pela inflação, assim como os demais citados na reportagem— se referem apenas a contratações diretas feitas entre o PT e as duas empresas. Durante o período, a Log Produções também recebeu R$ 194 mil da Urissanê, do marqueteiro Otávio Antunes, para prestar serviços ao partido.
Barcelos e o PT negaram à reportagem conflito de interesses nas contratações. O PT-DF afirmou que desligou o dirigente do cargo em agosto de 2021, mas que demorou quatro anos para informar o TRE-DF (Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal) por causa de "desorganização burocrática". A Urissanê não respondeu aos questionamentos da Folha.
Desde 2021, o PT firmou mais de 200 contratos com a Log por serviços de direção, produção, captação e transmissão ao vivo de eventos do partido, incluindo serviços de intérpretes de libras e legendas para os vídeos, assim como aluguel de equipamentos. Isso incluiu a contratação da empresa, por R$ 51 mil, para a transmissão da posse de Lula em janeiro de 2023 nos canais do PT.
Somente em 2025, entre janeiro e setembro, a Log recebeu R$ 1,4 milhão do partido, dividido em 29 contratos, sendo os mais altos no valor de R$ 120 mil por serviços técnicos prestados em maio, junho e julho.
Já a Dindue, em 2024 e 2025, fechou 15 contratos com o partido para serviços de tecnologia, incluindo, no ano passado, um no valor de R$ 37 mil para criar o site da federação Brasil Esperança, formada por PT, PC do B e PV. A empresa também foi responsável por criar aplicativos, uma rádio online e uma loja virtual do partido.
Barcelos é membro do diretório do PT-DF desde abril de 2015 e já ocupou cargos como secretário de finanças e secretário de comunicação.
Filiado desde a adolescência, contou à reportagem ter sido criado entre o Rio Grande do Sul e Brasília. Ele relatou ter se aproximado das cabeças do partido quando atuou no movimento estudantil, período no qual conheceu o hoje deputado federal Paulo Pimenta (RS), ex-ministro da Secretaria de Comunicação do governo Lula, e quando foi secretário adjunto da Secretaria da Criança e do Adolescente na gestão de Agnelo Queiroz (2011-2014), no DF, após ter sido conselheiro tutelar.
O primeiro contrato firmado pela Log com o PT foi por meio da Urissanê, em maio de 2021, durante a pandemia, para ajudar a colocar de pé o projeto Elas por Elas, voltado para a participação feminina no partido, por meio de palestras em vídeo, criação de site e produção de conteúdo. A partir do mês seguinte, ele começou a ser contratado diretamente pelo partido para serviços semelhantes em outras áreas.
"Como empresa, a Urissanê pagava um imposto e eu, outro [nas contratações pelo PT], para fazer um serviço que eu estava pensando que, na verdade, era para o PT. Aí, em um determinado momento, eu sugeri: por que o PT não me contrata diretamente ao invés dessa dupla tributação?", afirmou.
Segundo Barcelos, como ele tinha expertise em informática, foi chamado primeiro para auxiliar na área técnica em um período no qual o partido passou a realizar muitos eventos em vídeo por causa da pandemia de Covid-19.
Em fevereiro de 2022, por exemplo, a Log foi contratada pelo PT para auxiliar na transmissão do evento de aniversário de 42 anos do partido. Feita durante a pandemia, a cerimônia, ao vivo, exigiu a participação, de casa, de diversos dirigentes partidários por meio de suas próprias câmeras.
Ali, contou, ele achava que já não integrava mais o quadro de dirigentes do PT-DF. Embora não tenha enxergado nenhum impedimento à própria contratação, especialmente porque não era remunerado por sua atuação no diretório, relatou que, para evitar constrangimentos, pediu para deixar a direção regional poucos meses após iniciar os serviços para o partido.
Em trocas de mensagens por WhatsApp e emails, aos quais a Folha teve acesso, Barcelos pediu a um dirigente que o removesse de sua função em agosto de 2021.
"Dos grupos de WhatsApp, já que agora tudo se resolve pelo WhatsApp, eles me removeram. Eu não ia mais às reuniões, não participava mais dos grupos, não participava de mais nada."
A mudança, no entanto, não foi formalizada no TRE-DF. Barcelos alegou ter percebido que seguia como dirigente, ao menos no papel, quando foi verificar a regularização de sua filiação ao PT para poder votar na eleição do partido em 2025. Ele disse ter reiterado o pedido para deixar o posto e que, quando questionou sobre a demora, ouviu que o processo era burocrático e que o grupo acabou se esquecendo de fazer a troca.
O PT-DF, em nota, confirmou o pedido de Barcelos para deixar a direção estadual em 2021 e disse que, à ocasião, além da pandemia, o diretório vivia uma reorganização interna com escassos recursos, "o que ocasionou à época, o rompimento do contrato de toda equipe e, consequentemente, uma desorganização burocrática".
"A lentidão em fazer o aviso ao TRE-DF ocorreu por problemas administrativos do Diretório Regional", afirmou.
Já o PT nacional declarou, por meio de nota, que não há qualquer indício de conflito de interesses ou favorecimento indevido no caso de Barcelos.
"As contratações são devidamente comprovadas e vinculadas às atividades partidárias. A atuação anterior do sócio das empresas como membro da instância partidária diversa da nacional não incluía qualquer participação em decisões administrativas ou contratuais da direção do partido."

Criação de empregos formais desacelera com juro alto em 2025; agro é exceção
Leonardo Vieceli / FPLHA DE SP
O Brasil segue com desempenho positivo na geração de empregos com carteira assinada em 2025, mas o ritmo de abertura de vagas mostra desaceleração em meio ao cenário de juros altos.
É o que aponta um levantamento das economistas Janaína Feijó e Helena Zahar, do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), a partir de dados do Novo Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados).
De janeiro a julho, as contratações com carteira superaram em 1,3 milhão as demissões no Brasil. Embora continue positivo, o saldo é 10,4% menor do que o registrado em igual período de 2024 (1,5 milhão), segundo a análise.
As cinco grandes atividades investigadas também contrataram mais do que demitiram nos sete primeiros meses deste ano. Só uma, porém, teve um saldo de criação de vagas formais maior em 2025 do que em 2024.
Trata-se da agropecuária, que foi beneficiada pela supersafra deste ano. De janeiro a julho, o setor teve 109,2 mil contratações a mais do que demissões com carteira. O saldo positivo supera em 32,3% o verificado no mesmo período de 2024 (82,6 mil).
Enquanto isso, a geração de vagas foi 14,1% menor nos serviços na comparação de janeiro a julho deste ano com igual intervalo do ano passado. A abertura de postos com carteira também encolheu 13,5% na indústria, 11,7% na construção e 5,4% no comércio.
"O que a gente tem é uma desaceleração, e não uma destruição de postos de trabalho", afirma Janaína.
O emprego mostrou trajetória de recuperação nos últimos anos, mas os juros altos para conter a inflação levam a um processo de perda de ritmo da economia, que tende a esfriar a abertura de vagas com o passar dos meses, segundo a pesquisadora. A taxa básica de juros, a Selic, está em 15% ao ano.
"Acaba fazendo com que os agentes econômicos mudem as suas decisões de investimento no curto e no médio prazos", diz Janaína. "Então, muitas vezes os empresários que estavam esperando contratar ou expandir os negócios postergam essas decisões."
CONSTRUÇÃO TEM DESACELERAÇÃO MAIS PERSISTENTE
Com base nos dados do Novo Caged, a economista chama a atenção para o desempenho do emprego formal na construção.
De janeiro a julho deste ano, as contratações superaram as demissões em 177,3 mil no setor. Apesar de continuar positivo, o saldo de vagas foi 11,7% menor do que o registrado nos sete primeiros meses de 2024 (200,9 mil).
O número de 2025 é o mais baixo para o período desde 2020, ano inicial da pandemia. À época, o resultado havia sido negativo (-3.323), com mais demissões do que contratações.
O levantamento do FGV Ibre destaca que a construção foi a única atividade a apresentar desaceleração no saldo positivo não apenas frente a 2024, mas também em relação ao acumulado dos sete primeiros meses de 2023 (194,7 mil). O cenário é de uma perda de ritmo mais persistente, de acordo com Janaína.
"A construção tem apresentado, recorrentemente, uma dificuldade para conseguir mão de obra. Existe uma escassez."
Segundo a pesquisadora, o quadro pressiona os salários no setor, já que os empregadores passam a ofertar uma remuneração maior em busca de trabalhadores. Isso, contudo, não tem sido suficiente para resolver o gargalo, diz a economista.
Conforme Janaína, é possível que a recuperação do mercado de trabalho tenha levado mão de obra da construção para outros setores com oportunidades consideradas mais atrativas –em termos salariais ou de jornada, com menor exigência de esforço físico.
"Tem também a questão da taxa de juros, que encarece o financiamento imobiliário. Muitos indivíduos desistem de financiar imóveis, e as construtoras postergam os lançamentos", aponta.
A economista afirma que a criação total de vagas com carteira tende a seguir mostrando uma trajetória de desaceleração no Brasil.
Para a pesquisadora, além dos juros, outro fator que pode influenciar o cenário é o tarifaço dos Estados Unidos, em vigor desde agosto.
Há, contudo, diferenças setoriais. Enquanto atividades de comércio e serviços tendem a ser estimuladas pela demanda sazonal no fim de ano, a construção deve ficar mais parada, projeta Janaína.
"Nos últimos 15 dias de dezembro, não tem muita margem para a construção contratar. Pelo contrário, muitas contratações são postergadas para o início do ano. Então, pode ser que a gente continue a ver uma desaceleração mais expressiva no setor."
Um ultrajante prêmio à barbárie
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) aprovou, por 47 votos a favor e 15 contra, um projeto de lei que restabelece uma bonificação a policiais civis que “neutralizarem” supostos criminosos em alegados confrontos, isto é, que matarem suspeitos durante ações policiais. A própria denominação com a qual o bônus ficou conhecido quando esteve em vigor, nos anos 1990, “gratificação faroeste”, traduz o sentido de terra sem lei que passa a ser tolerado, e até incentivado, no combate à criminalidade no Estado – o que torna mais abominável a decisão dos deputados fluminenses.
Por uma emenda incluída no tal projeto, que se presta à reestruturação da Secretaria de Polícia Civil, cada policial pode receber adicionais que variam de 10% a 150% do salário, a depender da quantidade de suspeitos mortos em supostos confrontos. Trata-se da institucionalização da barbárie, proposta pelos deputados Alan Lopes (PL), Marcelo Dino (União) e Alexandre Knoploch (PL), e aprovada por ampla maioria dos parlamentares.
O prêmio, que também vale para apreensão de armamentos, vigorou no Estado por apenas três anos, de 1995 a 1998, e foi extinto justamente pelo acentuado aumento de execuções durante aquele período. Nos chamados “autos de resistência”, como eram registradas as mortes em confronto, tiros na nuca e no ouvido eram frequentes. Não é necessário perícia técnica para atestar que isso não ocorre quando se está num confronto.
Pesquisa feita na época por técnicos da própria Alerj e pelo Instituto de Estudos da Religião (Iser) confirmou que a taxa de letalidade nas operações policiais dobrou no período de vigência da gratificação. Mas, ainda que não houvesse a amostra nefasta de uma prática adotada em passado não tão distante, é inconcebível que a solução encontrada pelos deputados para reprimir o crime seja estabelecer recompensa pela cabeça dos supostos bandidos.
Além de, na prática, significar uma licença para matar, trata-se da volta ao tempo da condescendência com atrocidades cometidas por esquadrões da morte formados por policiais civis e militares que promoviam execuções sumárias, sequestros, torturas e extorsões nas décadas de 1960 e 1970 no Rio e em São Paulo. Os grupos de milicianos que se espalham pelo Rio de Janeiro, disputando território e poder com o narcotráfico, guardam muita semelhança com esses esquadrões.
A proposta original de reestruturação da Polícia Civil foi enviada à Alerj pelo governo do Estado e não previa a bonificação, inserida como emenda durante a avaliação na Comissão de Constituição e Justiça. Em entrevista ao jornal O Globo, Marcelo Dino, um dos autores da emenda, disse que o próximo passo é estender os bônus aos policiais militares, dizendo que os bandidos “precisam ser abatidos”.
Caberá ao governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), sancionar ou vetar a medida. Como se trata de um político alinhado ao bolsonarismo, um movimento que louva a barbárie, esperar que ele impeça esse absurdo é provavelmente debalde. De todo modo, é nosso dever rogar que o sr. Castro vete.
‘CPF dos imóveis’ pode aumentar o IPTU em todo o País, afetar classe média e investidores? Entenda
Por Lucas Agrela / O ESTADÃO DE SP
A reforma tributária prevê a criação do Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB), uma espécie de “CPF do imóvel” a partir de 2026. No CIB, o valor de referência para os imóveis passará a ser o valor de mercado e com atualizações com dados que vêm de cartórios, prefeituras e da Receita Federal.
Essa mudança na dinâmica das informações sobre imóveis tem gerado receio em proprietários e investidores em todo o País por causa de uma possível atualização do valor venal, usado como base do cálculo para o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU).
Mesmo sem mudança na alíquota, o temor é de que os dados levem a uma atualização do valor venal usado no IPTU e causem um salto de preços no imposto que afetaria grande parte dos imóveis.
O impacto da mudança ainda é incerto, e os especialistas se dividem entre os que acreditam que ela pode causar um aumento de preços de IPTU e os que dizem que o CIB será indiferente nesse aspecto. O CIB passa a valer a partir do ano que vem para embasar as cobranças de impostos de imóveis no âmbito da Reforma Tributária a partir de 2027 — que trará mudanças especialmente para proprietários de escritórios ou de múltiplos ativos de aluguel.
Procurados, o Ministério da Fazenda e a Receita Federal enviaram esclarecimentos sobre o CIB, mas não comentaram sobre o potencial impacto no aumento do valor venal dos imóveis, que resultaria em aumento do IPTU.
“A Receita Federal esclarece que não procedem informações que têm circulado sobre um suposto aumento da tributação de locações e vendas de imóveis com a Reforma Tributária. Inicialmente, é importante destacar que a Reforma não cria verdadeiramente uma tributação sobre o setor imobiliário, apenas substitui os tributos federais, estaduais e municipais atuais pelo imposto sobre valor agregado – IVA dual, a partir de 2027”, informaram.
O presidente-executivo do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP), Ely Wertheim, acredita que o CIB não terá um impacto negativo para a precificação do IPTU em São Paulo, e, em algumas áreas sobrevalorizadas, ele pode acabar até mesmo reduzindo o valor do imposto.
“Tecnicamente, a gente entende que não (haverá aumento de preço do IPTU), porque o CIB não tem esse objetivo. Evidentemente, não podemos afirmar o que cada prefeitura vai acabar fazendo com essa informação, isso é futuro. Mas o objetivo da criação desse cadastro tem a ver com a reforma tributária, para servir como referência das transações imobiliárias. Ele não vai ser utilizado automaticamente”, afirma Wertheim.
O sócio da área imobiliária do escritório Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados, Vinícius Martins, adota uma postura de cautela, classificando a preocupação com o preço do IPTU diante da criação do CIB, por enquanto, como mera especulação. “Se nada mudar, eu acredito que não vai ter um impacto direto no valor de referência (para o IPTU). Precisa ter outras normativas”, diz Martins.
O advogado explica que a criação do CIB serve como base para a implementação da cobrança dos impostos CBS e IBS, que trarão uma simplificação tributária ao País. Por isso, uma base atualizada de valores se torna uma obrigação acessória da reforma.
Já Vinícius Seixas, sócio do escritório Pinheiro Neto, diz que, a princípio, não descarta que proprietários e investidores de imóveis tenham impacto no valor do IPTU por conta do CIB.
“Supondo que as prefeituras façam uma atualização dos valores venais, que é a base de cálculo do IPTU, com base no CIB, sim, pode impactar. Mas isso ainda é algo que não é o objetivo da regra. Agora presume-se que, com a troca de informação, pode ser que haja a atualização dos valores venais e eventualmente, ao aumentar o valor venal, aumenta a base de cálculo do IPTU. Se aumentar o IPTU, pode ser que os retornos dos proprietários tenham uma redução”, afirma Seixas.
O CEO do GRI Institute, organização do setor imobiliário presente em mais de 100 países, Gustavo Favaron, conta que existem precedentes do chamado CPF dos imóveis no exterior. “Nos países nórdicos, como Suécia, Noruega e Dinamarca, existem agências nacionais responsáveis por mapear e registrar propriedades. Na Holanda, há um órgão nacional com a mesma função. Em grande parte da Europa, há um land registry(registro de terras) que integra e digitaliza essas informações”, diz.
Para Favaron, o CIB é mais um fator que pode nortear o mercado com relação ao valor dos imóveis, junto a pontos como oferta e demanda e macroeconomia. Ele diz que o eventual aumento do IPTU deve ter impacto limitado ao consumidor de alta renda. “O impacto maior deve recair sobre moradores de classe média e média baixa, já que esse perfil tem orçamento mais limitado e sentirá mais diretamente o peso de uma elevação da base tributária nos gastos com moradia”, afirma.
O CEO e cofundador da startup imobiliária Liquid, Thiago Yaak, conta que o mercado brasileiro ainda tem imóveis com preços abaixo dos verdadeiros em diversas cidades e uma eventual mudança na base do cálculo do imposto pode causar elevação de preço.
“O maior impacto será para quem vive em imóveis cujo valor venal está congelado há muitos anos. Em muitas cidades, as prefeituras não atualizam as plantas de valores, e os imóveis são taxados muito abaixo de seu preço real de mercado. O CIB aproxima esses valores da realidade, o que pode resultar em aumentos de IPTU. Isso atinge principalmente moradores que compraram imóveis há muito tempo, em regiões que se valorizaram, mas continuaram pagando imposto sobre uma base antiga”, diz Yaak.
Ele lembra que os investidores imobiliários precisarão se adequar também à cobrança do CBS e do IBS, que incidirá sobre quem tem mais de três imóveis com ganho anual de aluguéis de R$ 240 mil ou mais. “Para o investidor profissional, o CIB traz um ganho de governança. Os imóveis regularizados, com dados claros e valores de referência reconhecidos, são mais fáceis de negociar, securitizar ou usar como garantia em crédito estruturado. No longo prazo, isso tende a valorizar quem opera de forma estruturada e aumentar a liquidez dos portfólios”, afirma Yaak.
Bruno Sindona, fundador da holding imobiliária Sindona, afirma que as informações que muitas cidades brasileiras têm sobre os imóveis estão desatualizadas, ainda que tenham sido refinadas nos últimos anos com sistemas de integração de fotos e imagens aéreas. Por isso, ele acredita que os novos dados terão impacto nos preços do IPTU.
“Sobre se o IPTU tende a aumentar, eu acho que tende sim. O IPTU no Brasil é relativamente baixo em comparação com o mundo. Boa parte desse valor baixo não vem da alíquota, vem do valor venal precário que muitas prefeituras têm. Mas nos últimos anos as prefeituras já vêm corrigindo muito esse valor venal”, afirma.
Outros possíveis impactos
No caso de uma mudança no valor venal dos imóveis, outros dois impostos podem ser impactados pelo CIB: o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). O motivo é o mesmo do IPTU. Mesmo sem aumento na alíquota, o incremento no valor do imóvel resultaria em um aumento do valor total pago.
Por exemplo, o ITBI pago na compra de um imóvel é de 3% do seu valor na cidade de São Paulo. Se esse imóvel for vendido por R$ 500 mil e o valor venal dele for de R$ 380 mil, o porcentual será cobrado sobre o valor menor, pois é o oficial. Com a mudança do valor para melhor refletir os preços, o valor total do imposto aumentaria também.
Vale ressaltar que as mudanças não são automáticas. Elas precisam de normatização de cada prefeitura (no caso do ITBI) e governo estadual (para o ITCMD). Mas as condições para a possibilidade de aumento passarão a existir com o CIB.
O que dizem as prefeituras
O Estadão procurou as prefeituras das 27 capitais dos Estados brasileiros para comentar o impacto potencial do CIB no IPTU, mas recebeu poucas respostas — ampliando a incerteza sobre o tema. A maioria disse que o CIB não terá impacto nos preços do IPTU. Uma delas foi a prefeitura de São Paulo, que informou manter informações atualizadas sobre os valores dos imóveis na cidade e que, por isso, o CIB não causaria aumento no imposto.
A prefeitura do Rio reforçou que o CIB não causaria aumento automático dos valores venais, mas reconheceu que a integração dos dados pode resultar em uma correção dos preços dos imóveis usados como base para o IPTU. “Embora o CIB possa possibilitar a atualização e correção de dados cadastrais, o que eventualmente pode refletir em ajustes no valor venal de alguns imóveis, a Prefeitura do Rio esclarece que qualquer alteração no IPTU dependerá de estudos técnicos, processos administrativos regulares e será sempre acompanhada de ampla transparência e comunicação prévia aos contribuintes”, informou.
A prefeitura de Porto Velho informou que a mudança na base do cálculo do IPTU depende de uma lei municipal específica e ressaltou ter autonomia para definir a base desse cálculo do imposto. A Secretaria Municipal das Finanças de Fortaleza informou que o CIB não cria tributos nem altera, por si só, a base de cálculo de impostos. “A implantação do CIB deve ser entendida como um instrumento de cooperação federativa”, disse, em nota.
A prefeitura de Belo Horizonte reforçou que o CIB não causará uma atualização automática de valores venais para definição de preços de IPTU, e que mudanças devem ser aprovadas por lei municipal. “Não é verdade que a implantação do CIB viabilize uma atualização automática dos valores venais dos imóveis para fins de IPTU. Esse imposto continua submetido às regras constitucionais e legais atualmente vigentes. Hoje, os municípios adotam as Plantas Genéricas de Valores (PGV), que têm por objetivo definir as regras para se chegar ao valor venal do imóvel, que é a base de cálculo do IPTU”, informou. A prefeitura de Curitiba tem discurso semelhante sobre o tema.
A prefeitura de Aracaju informou manter seus dados imobiliários atualizados e, portanto, não prevê aumento por causa do CIB. “A apuração do Valor Venal dos Imóveis, utilizado como base de cálculo do IPTU, já utiliza dados de mercado imobiliário, como provenientes de guias de ITBI e ofertas. Desse modo, a adoção do CIB não acarretará aumento dos valores venais para fins de IPTU”, disse.
Já a Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento, Finanças e Tecnologia de Boa Vista disse que existe a possibilidade de aumento do IPTU por causa do CIB. “Estima-se que esse valor real seja maior que o valor da base de dados do município. Portanto, há possibilidade de aumento tanto no ITBI, quanto no IPTU a partir de 2027”, informou, em nota.
A prefeitura de Vitória disse que não haverá aumento no IPTU devido ao CIB na cidade. “O IPTU continuará sendo um tributo municipal, com fato gerador e base de cálculo definidos no Código Tributário Nacional (arts. 32 a 38) e na Lei Municipal 4.476/1997 e suas alterações. Portanto, o CIB não provoca aumento do IPTU”, informou.
Expansão da educação a distância é ponta do iceberg
Segundo o Censo do Ensino Superior 2024, divulgado pelo Ministério da Educação na segunda (22), no ano passado o número de matriculados na graduação por educação a distância (EAD) pela primeira vez superou o do modelo presencial, com 5,2 milhões —50,75% do total de 10,2 milhões de universitários.
Para uma noção da inversão do cenário, dez anos antes 1,3 milhão de matrículas foram registradas em EAD no país, ante 6,5 milhões no ensino presencial.
Também chama a atenção que mais de 95% dos matriculados em cursos a distância estudem em faculdades particulares.
A educação a distância é uma ferramenta válida para expandir o acesso a universidades utilizada em diversos países desenvolvidos. Mesmo assim, critérios precisam ser estabelecidos.
Mesmo descontando problemas metodológicos do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), ele aponta que graduandos de faculdades particulares e da EAD tendem a tirar notas baixas. O Ranking Universitário da Folha também aponta precariedade em boa parte das instituições privadas.
A regulamentação da EAD instituída pelo MEC em maio foi sensata. Entre várias medidas, proibiu-se a modalidade em direito, medicina, odontologia, enfermagem e psicologia e criou-se o modelo semipresencial.
A regulação e a própria saturação do mercado tendem a conter o avanço da EAD —a entrada de novos alunos já vem caindo nos últimos anos. Mesmo assim, ainda há muito a ser feito para melhorar o ensino superior e transformar diplomas em bons empregos e ascensão social.
A baixa oferta de educação técnica e profissionalizante no ensino médio promove inchaço de matrículas em faculdades e cursos de qualidade duvidosa. Nesse quesito, o Brasil está muito atrás do mundo desenvolvido e de vizinhos como Chile e Colômbia.
Já passa da hora, também, de abandonar ranços ideológicos e rever o modelo de financiamento das universidades públicas, que se mostra insustentável, com parcerias e aportes dos beneficiários de renda mais elevada.
Por fim, uma economia com crescimento pífio na última década tem dificuldades em absorver mão de obra qualificada. Impressiona que 256 mil pessoas entre 18 e 65 anos que receberam auxílio do Bolsa Família em 2022 concluíram uma faculdade.
Sem um esforço integrado dos governos em várias frentes, o número de diplomados continuará aumentando, mas sem que isso gere produção de conhecimento, inovação tecnológica e renda.
TCU expõe faz de conta das metas orçamentárias
O Tribunal de Contas da União acendeu um sinal amarelo —que pode virar vermelho— para o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em decisão unânime de seu plenário, o TCU alertou que o Executivo federal deve mirar o centro da meta orçamentária, de déficit zero neste 2025, não o limite inferior de tolerância da norma fiscal, que permite um saldo negativo de até R$ 31 bilhões, sob pena de violar o artigo constitucional que exige a sustentabilidade da dívida pública.
Esse entendimento não tem efeito imediato, mas pode forçar novos congelamentos orçamentários e expõe uma controvérsia jurídica. De um lado, o governo argumenta que o regramento legal obriga a execução de despesas aprovadas pelo Congresso Nacional, mas exigindo contingenciamentos para atingir o piso da banda.
Do outro, o TCU rebate com a emenda constitucional 109, de 2021, e a Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000, que priorizam a estabilidade da dívida, interpretando a meta como um compromisso central, não uma margem flexível para manobras.
Quaisquer que sejam as interpretações, e a administração petista indica que recorrerá ao Supremo Tribunal Federal (STF), é impossível mascarar o problema essencial: a fragilidade fiscal que ameaça a economia do país.
Atualmente, de acordo com as projeções orçamentárias, o governo espera rombo de R$ 30,2 bilhões neste ano —e isso sem contabilizar grande parte do pagamento de precatórios. Para equilibrar a conta seriam necessários cortes de despesas, preferencialmente, e mais receita.
O problema é grave porque nem o centro da meta garante a estabilidade da dívida pública, como manda a lei. Estimativas do Tesouro Nacional indicam que o passivo chegará a 80,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2025 e 81,3% no próximo ano.
Economistas apontam o risco de que a cifra atinja 90% em poucos anos sem ações para conter gastos obrigatórios, tornando o Brasil vulnerável a choques externos e juros elevados.
A raiz do mal está na política perdulária da administração petista. O Palácio do Planalto rechaça ou despreza reformas estruturais, como a previdenciária e a administrativa, entre outras providências para cortar excessos, melhorar a focalização de programas sociais e elevar eficiência.
A banda em torno da meta existe para absorver eventos imprevistos, não para justificar ineficiência cotidiana ou acomodar gastança populista. Na prática, tenta-se excluir dos limites não apenas imprevistos, como a cheia de 2024 no Rio Grande do Sul e o pacote de ajuda a empresas atingidas pelo tarifaço americano, mas também novos programas.
O custo imediato para o país são os juros altos, que elevam o serviço da dívida a R$ 1 trilhão anual. Aceitar esse círculo vicioso é hipotecar o futuro pela conveniência do presente —que é ilusória ante o arrocho que onera famílias e contribuintes.