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Petrobras: Auditoria do TCU diz que governo Lula atropelou conselho para nomear secretários

Por Johanns Eller e  / O GLOBO

 

O Tribunal de Contas da União (TCU) decide nesta quarta-feira (25) se abre uma representação para apurar se o governo Lula atropelou as recomendações dos comitês internos e o conselho de administração da Petrobras para nomear conselheiros dois secretários do Ministério de Minas e Energia (MME) sobre os quais havia vedação por conflito de interesse “permanente” entre o governo federal, acionista controlador, e a petroleira.

 

É o que aponta uma auditoria sigilosa da unidade especializada em petróleo, gás natural e mineração (AudPetróleo), que passou um pente-fino nas nomeações para a alta cúpula da Petrobras nos primeiros meses do governo Lula e sob a gestão de Jean Paul Prates.

 

Na mira do levantamento ao qual a equipe da coluna teve acesso estão as nomeações do atual presidente do colegiado, Pietro Mendes, que é secretário de Petróleo, Gás e Biocombustíveis do MME, e o ex-secretário-executivo da pasta, Efrain Cruz.

 

Na análise, que foi concluída em maio e já foi apresentada à Petrobras, os técnicos do TCU analisaram registros da avaliação de integridade e governança, os chamados background check, e descobriram que a eleição de Mendes e Cruz para o cargo desconsiderou parecer do Comitê de Pessoas da Petrobras de que os secretários não podiam ser conselheiros justamente por integrarem o Ministério de Minas e Energia.

O parecer do comitê interno que defendia a inelegibilidade da dupla foi chancelado pela maioria dos integrantes do Conselho de Administração em duas reuniões realizadas em março de 2023, às vésperas da assembleia-geral ordinária que elegeria a primeira formação do colegiado sob o terceiro mandato de Lula.

 

Os presidentes da Petrobras desde o primeiro governo Lula

Mesmo assim, ambos foram eleitos conselheiros graças ao voto (ou, nas palavras dos técnicos, a ação "decisiva”) do representante da União no conselho, o procurador da Fazenda Nacional, Ivo Cordeiro Timbó.

 

Timbó apresentou um parecer jurídico elaborado pelo próprio MME que defendia a elegibilidade de Pietro Mendes e Efrain Cruz, à revelia do que prevê o regramento interno da Petrobras e a própria legislação. Embora a tese contrariasse a posição do Conselho de Administração e do Comitê de Pessoas, a posição prevaleceu pois a União é a acionista majoritária da estatal.

 

“Para permitir a concretização da eleição desses indicados, o representante da União, a controladora da Petrobras, desconsiderou a opinião do CA [Conselho de Administração] da Petrobras no sentido de considerá-los inelegíveis”, afirmam os técnicos do TCU em um trecho da auditoria.

 

A nomeação foi costurada pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que assegurou maioria no colegiado enquanto o CEO indicado por Lula, Jean Paul Prates, dominou a composição da diretoria executiva. A disputa entre os dois por espaço e poder na petroleira perduraria até a demissão de Prates, em maio deste ano.

 

O conflito de interesses está relacionado ao fato de que, como secretários do ministério, Pietro e Efrain têm a missão de elaborar políticas públicas que afetam diretamente os negócios da Petrobras. Embora sendo controlada pela União, a empresa tem milhares de acionistas privados e eventualmente objetivos conflitantes com os do governo de turno. Como secretários, os dois devem decidir de acordo com os interesses do governo. Mas, como conselheiros, tem obrigação de agir para beneficiar a companhia.

 

“Embora deva existir uma convergência entre as políticas públicas elaboradas pelo MME e o interesse público perseguido pela Petrobras, ante o que dispõe o art. 8º, §1º, da Lei das Estatais, não se pode esquecer que a persecução de tal interesse pode significar impor à estatal obrigações e responsabilidades distintas daquelas que incidam sobre qualquer outra empresa do setor privado em que atua. Dentro desse contexto, é possível que, em muitas situações, o interesse público representado por um agente que está inserido na estrutura de governo pode conflitar com o interesse público da Petrobras”, define a ala técnica.

 

Mendes e Cruz foram nomeados em abril de 2023. No mês anterior, o então ministro do Supremo Tribunal Federal (STFRicardo Lewandowski suspendeu alguns dispositivos da Lei das Estatais que impediam algumas nomeações de Lula em uma liminar que serviu de base para a defesa da indicação dos secretários por parte da União.

 

Mas, de acordo com os técnicos do TCU, o mero conflito de interesses entre as atribuições da alta cúpula do MME e os da Petrobras seria suficiente para barrar a eleição de Mendes e Cruz à luz da legislação vigente. A liminar de Lewandowski, portanto, não alterou a situação de conflito.

 

Cruz deixou o Conselho de Administração em janeiro deste ano, pouco após ser demitido do Ministério de Minas e Energia. Já Pietro Mendes foi reconduzido como presidente do colegiado em abril deste ano, apesar de um breve afastamento por decisão judicial dias antes em uma ação popular que também questionava justamente o conflito de interesses definido pelo TCU.

 

Outra irregularidade apontada pelos auditores é que tanto Mendes quanto Cruz se autodeclararam como “independentes” no formulário de requisitos para indicação de membros da alta cúpula da Petrobras – definição que a empresa acatou sem qualquer questionamento.

 

O estatuto social da Petrobras prevê que 40% dos integrantes do Conselho de Administração sejam independentes, ou seja, não tenham relação com a União e nem com a administração da companhia. Só que os dois secretários do MME permaneceram dessa forma até 2024, quando o TCU já apurava irregularidades nas nomeações. Cruz foi demitido do ministério em janeiro e deixou o conselho da petroleira, e a designação de Mendes foi atualizada para “não independente”.

 

A auditoria ressalta que cabia à estatal verificar se a autodeclaração de independência dos candidatos corresponde aos seus currículos profissionais conforme o regramento da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o que, em tese, não foi feito. A empresa, por sua vez, informou ao TCU que passou a realizar a checagem neste ano.

 

Ainda segundo o levantamento, essa irregularidade não comprometeu o mínimo percentual previsto pelo estatuto da empresa, mas os auditores manifestaram preocupação quanto ao desequilíbrio na composição de outras instâncias, como o Conselho Fiscal e o Comitê de Pessoas.

 

Como informamos em maio, os comitês internos da Petrobras têm maioria de indicados pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.

 

“O papel fundamental desses comitês em auxiliar o conselho de administração no bom desempenho de suas atribuições impõe que a assessoria que eles prestam seja dotada do maior grau possível de imparcialidade”, ressalta o documento.

 

Mais conflitos de interesses

Os técnicos da corte contábil também pediram a abertura de uma segunda representação para apurar possíveis transgressões à Lei das Estatais com a eleição de Victor Saback, atual secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral da pasta de Minas e Energia, para o colegiado.

 

Ao contrário de Mendes e Cruz, Saback não era secretário quando foi indicado para o Conselho de Administração, mas foi nomeado 15 dias depois, e já era secretário quando foi eleito conselheiro na assembleia de acionistas.

 

“Em função do momento em que se deu a nomeação para o cargo no MME, não houve tempo hábil para as análises exigidas nos normativos aplicáveis no tocante a possível configuração de conflito de interesses impeditivo da eleição desse conselheiro”, observam os auditores.

 

Saback também foi designado como conselheiro independente de Administração, embora não tenha se autodeclarado dessa forma ao submeter seu nome ao processo eletivo. A auditoria ressalta que essa classificação chegou a constar no site da Petrobras. A companhia, por sua vez, afirma que o cargo foi corrigido neste ano, assim como no caso de Pietro Mendes.

 

Procurados, Efrain Cruz, Pietro Mendes e Victor Saback não retornaram até o fechamento desta reportagem. O espaço segue aberto.

 

‘Fiscalização contínua’

A decisão sobre abrir ou não as representações compete agora ao plenário do TCU, composto por nove ministros. A auditoria ocorreu dentro de uma ação de acompanhamento da corte na Petrobras, relatada por Benjamin Zymler.

 

O parecer da ala técnica cita ainda inconsistências ou irregularidades nas indicações do então CEO Jean Paul Prates para a direção executiva da companhia, como a escolha de dois diretores que já integravam a empresa como funcionários à revelia de critérios meritocráticos internos e um parecer a favor da escolha de um candidato que não figurava na lista tríplice da Diretoria de Gestão e Compliance, mas foi escrutinado mesmo assim por uma empresa headhunter – ele acabou não sendo nomeado.

 

Os auditores, porém, não propuseram uma representação para apurar estes casos.

 

No fim do governo Jair Bolsonaro, o TCU entregou à equipe de transição de Luiz Inácio Lula da Silva um relatório que elencou a Petrobras entre os setores de alto risco para o futuro governo. No documento, a corte destacou os avanços na governança da empresa, mas ressaltou que "a estatal deve ser fiscalizada continuamente, pois, mesmo em períodos mais recentes, verificaram-se medidas pontuais de afrouxamento de normativos e regras" – em uma referência indireta à Lei das Estatais, que esteve sob a mira de Bolsonaro durante boa parte de sua presidência.

 

Como a própria auditoria de 2024 indica, o alerta não parece ter comovido o governo do PT. Ao decidir sobre as representações defendidas pela ala técnica, os ministros do TCU também esclarecerão se a “fiscalização contínua” da Petrobras permanece uma prioridade para o tribunal.

 

O presidente Lula teve uma ideia: quer um Exército só com bombeiros

Por Marcelo Godoy / o estadão de sp

 

Por que um líder político não pode propor ideias originais? Essa pergunta deve ter passado pela cabeça do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na semana passada. Uns podem dizer que a experiência de passar mais de dez anos na Presidência da República autorizaria qualquer um a buscar soluções para problemas pungentes, como a crise do fogo que ameaça não só as florestas, mas a vida de todos, inclusive a dos confortavelmente instalados em suas salas de jantar nas metrópoles do Sudeste do País.

 

Foi a partir desse pressuposto que Lula resolveu dar sua contribuição à Defesa Nacional. No dia 17, em reunião no Planalto com os chefes dos demais Poderes, o petista revelou o que propôs em uma longa conversa ao ministro José Múcio (Defesa) e ao general Tomás Paiva, comandante do Exército.

 

“A sugestão que eu dei para ele é que, daqui para frente, todos os 70 mil recrutas que são convocados para as Forças Armadas todo ano, e a gente não tem guerra, portanto, não precisa preparar ninguém para a guerra, porque a gente não vai querer guerra, que essa meninada seja preparada para enfrentar a questão climática.” Eis a solução. Lula esquece o mundo em que vive, que a Ucrânia também não queria a guerra. Conflagrações ameaçam escalar como não se via desde a Guerra Fria, com a rivalidade estratégica entre EUA e China, o imperialismo russo e as ações de Israel no Oriente Médio. Tudo isso pode parecer distante à maioria das pessoas, assim como para Lula.

 

O petista parece viver sem prestar atenção à história, apesar de esta se compor dos dramas infinitos de cada pessoa. Lula devia ler a advertência do historiador Marc Ferro. “É possível se fazer um seguro contra o fogo ou contra o roubo, mas não há como se proteger da história.”

 

Caso não queira ler Ferro, Lula tem uma opção. Pode se dirigir ao Teatro Municipal de São Paulo e acompanhar, na próxima sexta-feira, a estreia da nova montagem da ópera Nabucco, de Verdi. Se em três mandatos não aprendeu a importância da Defesa, talvez, assistindo ao espetáculo tome ciência da tragédia que pode acompanhar um chefe incauto, como Zedequias. Lula veria o drama de Zacarias, o sumo sacerdote dos hebreus, aquele que pergunta, atônito, como os guerreiros babilônios de Nabucodonosor entraram no Templo. Disfarçados, oras.

 

No Brasil, o petista quer transformar soldados em bombeiros. E quem dissuadirá as ameaças à nossa soberania? Soldados com pistolas d’água? Em vez de Zacarias da ópera, Lula corre o risco de se tornar outro Zacarias, o ingênuo sorridente do quarteto Os Trapalhões... Enquanto o Brasil arde em chamas, só falta saber quem é o Dedé, o Didi e o Mussum no Planalto.

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Análise por Marcelo Godoy

Repórter especial do Estadão e escritor. É autor do livro A Casa da Vovó, prêmios Jabuti (2015) e Sérgio Buarque de Holanda, da Biblioteca Nacional (2015). É jornalista formado pela Casper Líbero.

 

 

 

 

Lula enfrentará na ONU os paradoxos de sua diplomacia

Por Editorial / O GLOBO

 

Ao abrir a Assembleia Geral da ONU no ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva causou boa impressão pelo contraste com o antecessor. Parecia, enfim, que o Brasil estava de volta à cena internacional depois de relegado à posição de pária pelo bolsonarismo. Com quase dois anos de mandato, o encanto se quebrou. Nesta terça-feira, ao repetir a tradição do discurso de abertura, Lula terá de enfrentar os paradoxos e contradições de sua política externa. Sejam quais forem os temas abordados — do aquecimento global à fome, da guerra na Europa ao conflito no Oriente Médio, da Venezuela à crise migratória —, a diplomacia brasileira sob o PT esbarra em obstáculos que ela mesma criou.

 

meio ambiente é um exemplo didático. Antes de assumir, Lula fez questão de se apresentar como líder do combate às mudanças climáticas. Dois anos depois, chega a Nova York com o Brasil encoberto pela fumaça da Amazônia e do Pantanal. A estação seca deste ano bateu recordes, é verdade. Mas faltaram planejamento e prevenção. O governo fez pouco para recompor órgãos ambientais, contratar brigadistas temporários e coordenar o trabalho com equipes estaduais para deter os criminosos. Lula não perde a oportunidade de exigir recursos dos países ricos para mitigar os efeitos das mudanças do clima — e está certo. Mas faria melhor se demonstrasse capacidade de gestão. A levar em conta a atual, mais dinheiro não será barreira para o fogo.

 

Na Venezuela, o histórico de homenagens e rapapés a Nicolás Maduro, recebido com honras em Brasília no início do governo, de nada adiantou para negociar uma saída para a crise desencadeada pela fraude na eleição presidencial. O vencedor nas urnas, o oposicionista Edmundo González, foi obrigado a buscar refúgio na Espanha. A repressão tem sido implacável. De Lula e de seu assessor para Assuntos Internacionais, Celso Amorim, ouviram-se apernas declarações desajeitadas, sem nenhuma crítica que faça jus à fraude escandalosa. Enquanto isso, o fluxo de migrantes venezuelanos cruzando a fronteira brasileira voltou a crescer.

 

Na guerra entre Ucrânia e Rússia, os dois romperam a tradição diplomática brasileira. O território ucraniano foi invadido em 2022. Qualquer justificativa para a agressão é contrária ao direito à autodeterminação, pilar da atuação do Itamaraty. Em vez de condenar Vladimir Putin, Lula e Amorim tentam um malabarismo retórico insustentável. Querem passar por neutros, mas está claro, pelas declarações do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, que o Brasil tem feito o jogo da Rússia.

 

Na visão de Amorim, o Brasil precisa se aliar a inimigos dos Estados Unidos se quiser conquistar papel de mais relevo no plano internacional. Tal lógica tem sido levada a extremos. Há duas semanas, ele se encontrou na Rússia com um representante do Conselho de Segurança Nacional iraniano, sustentáculo de grupos extremistas ou terroristas como Hamas e Hezbollah. Com a aproximação do Irã e de seus satélites, o governo quebra a tradição brasileira de equilíbrio nos conflitos do Oriente Médio e perde credenciais para exercer qualquer tipo de mediação.

 

O Brasil não é a única potência emergente em busca de mais status global. Sob Lula e Amorim, é difícil acreditar que alcance o objetivo.

Lula diz que fome no mundo é por falta de vergonha na cara de governantes e cobra empresários

Por Victor Ohana  e Sofia Aguiar (Broadcast) / O ESTADÃO DE SP

 

BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que a persistência da fome no mundo é por “falta de vergonha na cara” de quem governa os países, e não por falta de dinheiro. O chefe do Executivo brasileiro cobrou atuação de empresários no debate, alfinetando o empresário Elon Musk, e disse que a população mais rica terá que aprender a cuidar do planeta.

 

“A fome no mundo não é falta de dinheiro, é falta de vergonha na nossa cara que governamos o mundo. Porque, na hora que a gente tiver vergonha, que a gente assumir compromisso, a gente acaba com a fome”, comentou Lula, durante um evento da iniciativa Goalkeepers, da Fundação Bill e Melinda Gates, nos Estados Unidos, nesta segunda-feira, 23.

 

Na avaliação do petista, o problema do planeta não é a falta de dinheiro. “Existem trilhões e trilhões de dólares navegando pelo Oceano Atlântico, pelo espaço aéreo, gente vivendo cada vez mais rico sem produzir um copo, uma garrafa d’água, vivendo de especulação”, citou. Ele, então, questionou os gastos que foram feitos no ano passado para produzir armamentos. De acordo com ele, o dinheiro investido em armas, “se aplicado para combater a fome, na agricultura familiar, a ajudar os países pobres, a gente acabaria com a fome no mundo”.

 

Ao lado do bilionário Bill Gates, Lula criticou os empresários ricos. “Você tem hoje no planeta Terra cinco mega empresários que têm mais dinheiro que 10 países. Isso não tem explicação”, disse. “Não sou contra ninguém ser rico, sou contra as pessoas serem pobres. Agora não é possível uma pessoa sozinha ter mais dinheiro que o Reino Unido.”

 

Na fala, o presidente aproveitou para criticar o empresário Elon Musk. Segundo ele, os mais ricos estão fazendo foguete para “procurar espaço para morar”. “Vai ter de aprender a cuidar da Terra, do nosso planeta”, comentou.

 

O chefe do Executivo brasileiro disse que passou por uma avenida em Nova York e viu uma fila de pessoas na rua. Ele, então, falou que sua esposa, Rosângela da Silva, conhecida como Janja, explicou que era uma fila para pessoas pegarem sopa.

 

“Fico indignado: como pode, no Estado mais rico do mundo, de mais competência tecnológica do mundo, como pode a gente saber que tem pessoas pobres obrigadas a pegar uma fila para pegar uma sopa para comer?”, questionou Lula. “Cadê o papel do Estado? O Estado tem de garantir a essas pessoas condições de sobreviver.”

 

Diante disso, o petista disse ser preciso haver uma “concertação mundial para rever o comportamento de todos. “Eu não quero miséria”, afirmou.

 

Brasil sem fome

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que, até 2026, quer o Brasil “sem fome” e defendeu a incumbência do Estado para atender “os mais pobres”, em declaração durante um evento da iniciativa Goealkeepers, da Fundação Bill e Melinda Gates, nos Estados Unidos, nesta segunda-feira, 23. Na ocasião, Lula foi recebido como ganhador de um prêmio pela “Luta Contra a Fome e a Pobreza”.

 

“Já tiramos 24 milhões e 500 mil pessoas, e até 2026, quero outra vez apresentar ao mundo o Brasil sem fome”, declarou. Ele afirmou também que “cabe ao Estado, seja ele americano, brasileiro, ou chinês, ou finlandês, ou norueguês, ter como premissa básica atender necessidade do mais pobre”.

 

O presidente continuou: “O rico não precisa do Estado. A classe média alta não precisa do Estado. Quem precisa do Estado são as pessoas que não tiveram oportunidade de estudar, que não têm uma profissão, que não conseguiram inventar uma Microsoft, que não têm condições”.

Lula também disse que “a fome não é fenômeno da natureza”, e sim, “irresponsabilidade dos governantes que não querem enxergar pessoas mais pobres”.

 

O presidente afirmou ainda que “é inadmissível que no século 21 ainda tenha crianças que vão dormir sem comer”. “A fome é irresponsabilidade dos governantes que não cuidam da necessidade de distribuição de alimentos”, disse. “Nunca sobra espaço para pobre no orçamento.”

 

Bolsa Família

O presidente afirmou que o programa Bolsa Família é a “experiência mais bem-sucedida do mundo” no combate à fome. “A minha tese é de que na hora que o dinheiro começa a circular e a passar na mão de muitas pessoas, elas começam a perceber que começa a gerar emprego, começa a melhorar salário, começa todo mundo a ganhar”, disse. “O Bolsa Família, eu diria, sem medo de errar, que é a experiência mais bem-sucedida de combate à fome no mundo”, prosseguiu.

 

O presidente também afirmou que tentou levar o programa para outros países, como no continente africano. “Esse programa, ele só pode ser executado se houver decisão política de governo”, disse.

 

Lula também se dirigiu ao empresário Bill Gates e disse achar louvável a criação da Fundação, mas pontuou: “O que vai resolver o problema da miséria, efetivamente, não é através da doação de uma fundação, que é importante. É através de políticas públicas”.

 

Economia verde

 

Lula afirmou que o Brasil vai provar ao mundo que é possível não emitir gases de efeito estufa. Ao enaltecer a matriz energética nacional, o chefe do Executivo disse que o País será “imbatível” na transição energética. “Tenho muito orgulho em dizer que, na questão da transição energética, o Brasil será um país imbatível.”

 

“É importante vocês saberem que hoje a matriz elétrica mais limpa do mundo é a do Brasil: 90% da nossa matriz energética é renovável”, acrescentou o petista. Lula afirmou que o Brasil continuará produzindo etanol, biodiesel, hidrogênio verde, energia eólica, solar e de biomassa. “E a gente vai poder provar que o mundo pode ser limpo, pode não emitir gases de efeito estufa e que a gente pode prometer que nós, animais, seres humanos, não vamos continuar destruindo nossa Terra, nossa casa, nosso planeta.”

Lula leva um discurso correto à ONU, mas perdeu relevância e legitimidade

Por Eliane Cantanhêde / O ESTADÃO DE SP

 

 

presidente Lula que abrirá nesta terça-feira a Assembleia Geral da ONU, em Nova York, não tem a força, a disposição e o portfólio de feitos e promessas daquele Lula de 2023, que estava de volta, tinindo, para o terceiro mandato. O discurso e as cobranças serão basicamente os mesmos, mas Lula, assim como a atenção e a repercussão internacional, não.

 

A expectativa é que repita o tom e o script de domingo no Pacto do Futuro, evento paralelo à abertura da Assembleia Geral, um ano antes da COP-30, em Belém: críticas à “perda de vitalidade” da ONU e à falta de atualização do Conselho de Segurança e cobrança aos países ricos por mais responsabilidade, recursos e ações coordenadas no combate à fome, à miséria e à crise climática.

 

Bem colocado, mas Lula perdeu relevância e um tanto de legitimidade ao cobrar muito de todo o mundo, mas apresentar pouco no latifúndio que lhe cabe, o Brasil, por excesso de ideologia e pretensão na política externa, reação morosa e frágil às crises ambientais, relação difícil e custosa com os demais poderes. Na Saúde, jogou a dengue nas costas da ministra Nisia Trindade. Na Educação, gastou-se metade do mandato revendo a reforma do segundo grau.

 

Ao abrir a Assembleia Geral, como fazem todos os anos os presidentes brasileiros ou seus representantes, Lula estará carregando seus erros, como dar corda para Nicolas Maduro, levar rasteira de Daniel Ortega e aproximar-se perigosamente de China e Rússia e ajudar o projeto chinês de usar os Brics como instrumento de poder.

 

O próprio Itamaraty, profissional e pragmático, começa a assumir o incômodo com o excesso de ideologia da “política do Celso Amorim”, que causa retrocessos, projeta dificuldades e, pior, impede uma comparação avassaladora, como se esperava, com os tempos dramáticos de Jair Bolsonaro, que isolou-se dos nossos parceiros tradicionais, aliou-se a ditadores e empurrou o Brasil para a condição de “pária internacional”.

 

Parecia fácil e até natural que qualquer presidente faria melhor e traria alívio a um Brasil ainda traumatizado pela pandemia e pela era Bolsonaro, especialmente Lula, com dois governos bem-sucedidos na inclusão, no investimento nas regiões mais pobres, no meio ambiente, na cultura e na política externa. Mas algo anda emperrado.

 

Se há uma área que, bem ou mal, vem surpreendendo positivamente é a economia, no crescimento, inflação, desemprego. Mas ainda há muitas dúvidas e essa foi, justamente, a área em que Bolsonaro não naufragou. Com uma diferença: ele lavou as mãos e Lula insiste em se meter. Há controvérsias se ajuda ou atrapalha.

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Opinião por Eliane Cantanhêde

Comentarista da Rádio Eldorado, Rádio Jornal (PE) e do telejornal GloboNews em Pauta

Governo Lula vai editar nova regra sobre abordagens policiais a suspeitos, uso de armas e algemas

Por Vinícius Valfré / O ESTADÃO DE SP

 

 

BRASÍLIA - O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai editar uma portaria impondo novas diretrizes para uso da força e que terão que ser seguidas pelas polícias militar e civil de todo o País. As regras também valerão para as guardas municipais. A proposta define o emprego de armas de fogo apenas como “último recurso”, limita as circunstâncias em que alguém pode ser “revistado” e, ainda, exige justificativa por escrito em caso de uso excepcional de algemas.

 

O texto atualiza as diretrizes previstas em uma portaria de 2010 ao reunir, em uma nova portaria, leis, recomendações, possibilidades tecnológicas, decisões judiciais e decretos que estavam dispersos. Segundo técnicos do governo, o objetivo é reduzir a letalidade das forças de segurança.

 

Caso um Estado não siga a futura cartilha, poderá deixar de receber cota do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) voltada a ações de uso da força, como compra de equipamentos especiais. Até então, o governo só tinha a obrigação de “considerar a observância das diretrizes” para fazer os repasses. A mudança nesse dispositivo visa uma “indução que facilite a adesão à diretriz”.

 

Procurado, o Ministério da Justiça informou, por meio de nota, que realizou na semana passada um seminário para tratar do tema e receber novas contribuições. “O documento segue em trâmite interno. Portanto, o prazo para a publicação e a possibilidade de consulta pública estão sendo analisados e serão divulgados assim que definidos”, diz a Pasta.

Em 2023, agentes da segurança pública mataram 17 pessoas por dia. Ao todo, foram 6.393 mortes por intervenção policial, segundo dados compilados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública. A violência policial está em alta na última década e desde 2018 as polícias matam pelo menos 6 mil a cada 12 meses.

 

Um grupo de trabalho coordenado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, do Ministério da Justiça, vem discutindo a nova diretriz nacional desde janeiro e, no início de setembro, chegou a uma primeira versão. Participaram representantes das polícias e de pastas como a dos Direitos Humanos e a da Igualdade Racial.

 

O presidente do Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública (Consesp), Sandro Avelar, disse que o colegiado só vai ter uma posição formal sobre a minuta a partir da próxima reunião, em outubro. O Consesp é uma das entidades incluídas no grupo de trabalho.

 

“Preciso ouvir os colegas secretários antes. Há diferentes pontos de vista de acordo com os Estados, que têm linhas diferentes, pontos de vistas diferentes sobre a atuação”, afirmou Avelar, que é chefe da pasta de segurança no Distrito Federal.

 

A iniciativa do ministério desagrada a “bancada da bala”. “É falta de ter o que fazer, pura incompetência. O policial hoje não pode trabalhar e o governo quer agir como se o Brasil fosse um país sem violência. Isso é um desserviço e vamos reagir a mais esse absurdo. O governo entende de segurança pública como um cavalo tocar piano”, disse o deputado Alberto Fraga (PL-DF), presidente do colegiado.

 

O presidente do Conselho Nacional de Comandantes-Gerais das Polícias Militares, coronel Cássio Araújo de Freitas, de São Paulo, não comentou.

Integrante do grupo de trabalho, o presidente da Associação Nacional dos Guardas Municipais do Brasil, Reinaldo Monteiro, disse que as novas diretrizes trazem segurança aos policiais e à sociedade. “O trabalho realizado por esse GT [grupo de trabalho] vai melhorar bastante a vida do policial e vai deixar mais claro para a sociedade como e quando o policial deve usar a força. É fundamental que ela saiba. A ideia central é ter uma norma clara, que respeite os direitos humanos, seja objetiva, de fácil entendimento para a sociedade e reduza episódios que envolva uso excessivo da força”, afirmou.

 

As guardas municipais são uma força de segurança pública em franca expansão no Brasil, com cerca de 100 mil homens. Como mostrou o Estadão, em muitos casos elas são atreladas à vontade política de prefeitos e uma maioria não cumpre todos os critérios exigidos pela lei que as disciplina.

Com um controle externo menos rigoroso do que o das polícias, as “polícias municipais” também têm sido criticadas por excessos Brasil afora. O tema ligou o alerta do Conselho Nacional do Ministério Público, que criou uma Ouvidoria de Combate à Violência Policial. O primeiro acordo de cooperação do novo canal foi realizado com a associação dos guardas.

 

Uma minuta da nova portaria deve ir para consulta pública em breve. A elaboração do documento ainda tramita na pasta chefiada pelo ministro Ricardo Lewandowski.

 

A avaliação do Ministério da Justiça é a de que faltam “protocolos claros” para uso da força das polícias, o que resulta em problemas de formação dos profissionais da segurança. E a consequência é o uso inadequado da força por agentes públicos e o efeito reverso de crescimento da violência.

 

Entre os casos de violência policial no País, o da Bahia é o mais problemático para o governo Lula tanto no aspecto humano quanto pelo lado político. A cada quatro mortos pela polícia no Brasil no ano passado, um foi em solo baiano. Foram 1.699 casos. O PT governa o Estado há 17 anos e virou sócio da escalada geral da violência, tema crescente na preocupação dos brasileiros e que se tornou ponto crítico na avaliação do governo federal.

 

Entenda as principais mudanças propostas

As diretrizes do governo federal para uso da força, em vigor hoje, estão dispostas na Portaria Interministerial 4.226, de 2010. O Ministério da Justiça criou um grupo de trabalho em janeiro para atualizar o documento publicado 14 anos atrás. Confira as novas propostas e a comparação com as diretrizes atuais para os temas a seguir:

Uso de arma de fogo:

A proposta: uso como medida de último recurso.

Como é hoje: não disparar contra pessoas, a não ser em casos de legítima defesa ou contra perigo iminente de morte ou lesão.

Objetivo: “aprimorar” a regra para que ela fique alinhada com princípios contemporâneos do uso da força.

Gerenciamento de crise:

Planejamento de operações

A proposta: planejar operações estrategicamente considerando informações de inteligência para reduzir riscos e uso inadequado da força.

Como é hoje: não existe uma diretriz geral específica.

Gravação

A proposta: fazer gravação de vídeo das operações sempre que possível.

Como é hoje: não existe uma diretriz geral específica.

Tomada de decisão

A proposta: documentar e justificar todas as decisões tomadas durante operações

Como é hoje: sem diretriz geral específica.

Objetivo: alinhar a diretriz à Lei do Sistema Único de Segurança Pública, à resolução do Conselho Nacional do Ministério Público e acolher sentença de 2017 da Corte Interamericana dos Direitos Humanos no caso das chacinas cometidas em 1994 e 1995 na Favela Nova Brasília, no Rio de Janeiro.

Abordagens de suspeitos e buscas em casas

Regras para “revista”

A proposta: o policial deverá informar de forma clara o porquê de o cidadão estar sendo abordado e, ainda, os direitos que ele tem.

Como é hoje: sem diretriz geral específica.

Produção de dados

A proposta: registrar o nome do cidadão abordado, as razões para a “revista” e os procedimentos adotados

Como é hoje: sem diretriz geral específica.

Casos de ‘fundada suspeita’ para abordagem

A proposta: para uma abordagem por “fundada suspeita” deve haver indícios de posse de arma ou outro objeto que indique delito; elementos subjetivos não são suficientes.

Como é hoje: sem diretriz geral específica

Buscas dentro de casa

A proposta: pedir e registrar o consentimento do morador quando não houver mandado judicial para busca domiciliar.

Como é hoje: sem diretriz específica

Objetivo: garantir proteção a direitos fundamentais, transparência e uma atuação legal das autoridades; também leva em conta decisão do STF em um caso que apontou necessidade da “fundada suspeita” para abordagens.

Utilização de algema

A proposta: apenas quando houver resistência à ordem, risco de fuga ou perigo à integridade física de alguém; uso excepcional deve ser justificado por escrito.

Como é hoje: sem diretriz específica

Objetivo: deixar mais explícito os procedimentos para uso de algema à luz da legislação brasileira, de regulamentos anteriores e da Súmula Vinculante 11 do STF.

 

Decepção, diz ex-secretário de Saúde sobre recuo de Nunes em relação a vacinas

Guilherme Seto / FOLHA DE SP

 

"Resumo meu sentimento: decepção". É o que diz Jean Gorinchteyn, secretário de Saúde do governo de São Paulo durante a pandemia da Covid-19, a respeito das recentes declarações do prefeito Ricardo Nunes (MDB) sobre o enfrentamento à doença.

Em entrevistas a podcasts bolsonaristas, o emedebista disse que errou ao defender a obrigatoriedade da vacina e o fechamento do comércio durante a pandemia. Ele tem acenado aos apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para recuperar fatia desse eleitorado que migrou para Pablo Marçal (PRTB).

"Todas as estratégias foram técnicas e baseadas na ciência, em normativas definidas pela OMS [Organização Mundial da Saúde] e Opas [Organização Pan-Americana da Saúde]. Não se considerou desejos ou percepções individuais", afirma Gorinchteyn, que é médico infectologista.

Ele diz que as estratégias durante a pandemia agora criticadas por Nunes deram proteção à vida, já que garantiram a disponibilidade de leitos de UTI, respiradores, oxigênio e profissionais.

"Caso contrário teríamos perdido muito mais vidas, histórias e sonhos. Hoje, com a nossa população vacinada e protegida, voltamos ao nosso normal, fato que fez com que uns e outros esquecessem o quanto sofremos. Lembrarão, sim, aqueles que perderam seus entes queridos por não terem respeitado essas normativas", completa o ex-secretário.

Coordenador do coordenador do Centro de Contingência do Coronavírus do governo de São Paulo durante a pandemia, o médico David Uip diz que não se arrepende de absolutamente nada em relação às estratégias adotadas.

"Não tenho dúvida nenhuma de que o estado de São Paulo e o município fizeram o que tinha que ser feito, o que fez com que milhares de mortes fossem evitadas. Conseguimos conter a disseminação do vírus ao promover o isolamento social e a vacinação. Ao mesmo tempo, aumentamos o número de leitos de UTI de 3.500 para 14 mil no momento mais crítico. Não vejo erros, muito pelo contrário", afirma.

Em sua entrevista com Nunes, o bolsonarista Paulo Figueiredo exibiu um vídeo em que o prefeito defende o uso de máscara, álcool em gel e isolamento social.

"A questão da obrigatoriedade da vacina, eu tenho muito tranquilidade, depois de toda a experiência, e tenho humildade para falar isso, que hoje eu sou contra", declarou Nunes em resposta.

Também afirmou que foram equivocadas medidas como fechamento do comércio, que na época ele defendeu. "Está provado que foi errado, até por conta do que está vindo agora de estudo."

Gorinchteyn foi um dos que lideraram o combate à pandemia durante a gestão de João Doria. Ele chegou a fazer parte da pré-campanha de Guilherme Boulos (PSOL) na capital no ano passado, mas decidiu deixá-la após incômodo com o posicionamento do deputado federal a respeito do ataque do Hamas a Israel.

O médico, que é judeu, lamentou que o psolista tenha repudiado o ocorrido sem citar o grupo terrorista.

 

Entrada de quem recebe Bolsa Família no mercado formal é notícia positiva

Por Editorial / O GLOBO

 

De janeiro a julho, a economia brasileira gerou 1,49 milhão de empregos formais, de acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados. Destes, 56,2%, ou 838 mil, foram ocupados por beneficiários do Bolsa Família. O indicador é boa notícia, pois revela que dependentes do auxílio assistencial do Estado têm dado um passo para a emancipação. Mas também é preciso encará-lo com pelo menos duas ressalvas.

 

A primeira é entender por que predominam nas vagas formais do mercado de trabalho os beneficiários do Bolsa Família, que deverá custar R$ 167 bilhões em 2025, ou 1,4% do PIB. Uma alteração nas regras do programa permitiu que, mesmo que um ou mais integrantes da família inscrita consigam emprego, ela receba metade do benefício por mais dois anos, desde que a renda total, acrescida do salário, não ultrapasse meio salário mínimo per capita. Essa mudança estimulou a procurar emprego quem antes temia perder o auxílio caso tivesse carteira assinada.

 

Dos 20,7 milhões de famílias inscritas no Bolsa Família, pouco mais de 13% (2,7 milhões) enquadram-se nessa regra. É provável também que muitos beneficiários prefiram trabalhar como autônomos, ainda temerosos de perder o auxílio. Há 54 milhões de adultos inscritos no cadastro de programas sociais, mais que os 46,8 milhões do mercado de trabalho formal. É importante haver mecanismos de saída do Bolsa Família, para suspender o benefício daqueles que obtiverem emprego e permanecerem empregados.

 

Só assim o programa cumprirá a missão de tirar brasileiros da miséria e integrá-los à sociedade produtiva, sem torná-los dependentes do Estado.

 

A segunda ressalva diz respeito à qualidade dos empregos. Mais da metade das vagas abertas exige baixa qualificação. Com a taxa de desemprego em 6,9%, a mais baixa em uma década, o mercado de trabalho está mais favorável ao empregado que ao empregador. A oferta menor de empregos qualificados reflete o perfil de uma economia pouco diversificada, principalmente em segmentos avançados da indústria e do setor de serviços.

 

Este é o que mais abre vagas no mercado de trabalho, como nas economias desenvolvidas, mas a maior parte exige baixa qualificação.

 

A indústria da construção civil, por empregar de engenheiros a pedreiros, expõe os gargalos na formação de profissionais qualificados. A Sondagem da Construção Civil de julho, do Ibre/FGV, constatou que, no mês anterior, 71,2% das empresas do setor relataram dificuldades em encontrar trabalhadores com boa experiência nos 12 meses anteriores, e 39% encontraram muita dificuldade.

 

De modo geral, apesar de os segmentos do mercado de trabalho que exigem mão de obra com maior preparo não serem amplos, a oferta é insuficiente quando a demanda fica aquecida. Faltam profissionais com formação adequada assim que a economia ensaia decolar, e as vagas geradas para a mão de obra sem especialização estão longe de reduzir de forma substancial o desemprego ou subemprego, que acabam mascarados pelos programas sociais.

Aumento dos juros de forma unânime é vitória do Banco Central contra pressões de Lula e do PT

Por Alvaro Gribel / O ESTADÃO DE SP

 

Banco Central fez o que se esperava nesta quarta-feira, 18, e elevou a taxa Selic em 0,25 ponto porcentual, para 10,75% ao ano. A decisão, tomada de forma unânime, é uma vitória do Comitê de Política Monetária (Copom) contra as pressões políticas vindas principalmente do PT e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

 

Roberto Campos Neto, atual presidente indicado por Jair Bolsonaro, e Gabriel Galípolo, próximo presidente indicado por Lula, saem fortalecidos, porque reafirmaram o caráter técnico das decisões deste colegiado. O cenário ficou pior, e os juros subiram. Nada além do básico do manual de política monetária.

 

O tom do comunicado foi duro e deixou escancarada a possibilidade de uma aceleração da Selic em 0,5 ponto na reunião de novembro. Para o BC, o chamado “balanço de risco” ficou assimétrico, ou seja, com mais pressões para que a inflação suba, do que fatores que permitam que ela caia.

A afirmação de que o “hiato do produto ficou positivo” chamou atenção dos economistas, porque indica que, na visão do BC, a economia está superaquecida, ou seja, com uma taxa de crescimento que gera inflação.

 

Galípolo e os outros três diretores indicados por Lula precisavam reafirmar autonomia em relação ao governo Lula. Na prática, eles já vêm fazendo isso, mas um sinal mais forte agora, após a indicação do economista para a presidência do Banco, traria ganhos mais rápidos para o controle das expectativas de inflação.

 

O BC manteve o parágrafo em que afirma suas preocupações com a política fiscal. O tom, neste caso, poderia até ser mais duro, já que nas últimas semanas aumentaram os temores de que medidas de contabilidade criativa estejam em gestação na Esplanada dos MinistériosNesta quarta-feira, houve uma ajuda do BC americano. Como o Fed cortou os juros em meio ponto percentual por lá, o diferencial de juros entre os dois países ficará maior, o que tende a fortalecer o real em relação ao dólar e ajudar a inflação a convergir para a meta.

 

Com a alta de juros agora, e uma provável aceleração à frente, o Banco Central afasta riscos de seguir uma política monetária leniente com a inflação. Poderá, dessa forma, cortar também os juros mais rapidamente à frente. Tudo seria mais fácil se tivesse ajuda da política fiscal.

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Opinião por Alvaro Gribel

Repórter especial e colunista do Estadão em Brasília. Há mais de 15 anos acompanha os principais assuntos macroeconômicos no Brasil e no mundo. Foi colunista e coordenador de economia no Globo.

Fed baixando os juros e Copom subindo são retrato de mais uma oportunidade perdida por Lula 3

Por William Waack / O ESTADÃO DE SP

 

A principal causa das taxas de juros mais altas por aquienquanto descem nos EUA, vem de escolhas políticas do atual governo. A principal delas foi apostar no tratamento das contas públicas via aumento da receita, com pouco empenho em cortar gastos. A oportunidade de fazer algum ajuste nas contas via cortes foi perdida logo no começo do mandato, quando Lula deixou claro que nem queria ouvir falar disso. Apostou na expansão do gasto público como motor do crescimento e impulso do consumo.

 

Produziu um deficit permanente nas contas — e a desconfiança nos agentes econômicos. Reforçada por “atalhos fiscais”, “contabilidade criativa” ou como se queira chamar os truques para dizer que despesas não são despesas.

 

Naquele momento, há quase dois anos, uma outra oportunidade foi desprezada: a de compor um governo de genuína “frente nacional”. Escorado no núcleo duro do PT, Lula perdeu talvez a única chance de mobilizar forças políticas que o ajudassem de fato a se contrapor aos poderes ampliados do Legislativo frente ao Executivo. Acabou formando uma aliança com o STF.

 

Para o mundo lá fora, Lula assumiu o atual mandato exibindo o que considerava excelentes credenciais para tratar de questões ambientais e transição energética. Esse crédito já vinha se dissipando pela demora do Brasil em regular mercado de carbono, entender-se com blocos protecionistas (como a Europa) e definir como pretende ser campeão das energias renováveis e das fósseis ao mesmo tempo.

 

tragédia das queimadas e dos incêndios consolidou ainda mais a noção de uma oportunidade perdida para o Brasil demonstrar ser uma solução, e não um problema no tratamento de questões ambientais em escala planetária. Lula imaginou que pudesse exercer essa “liderança”, uma oportunidade que literalmente está virando fumaça.

 

O conjunto de oportunidades perdidas cobra um preço alto em dois grandes âmbitos dos quais depende, no fundo, a sorte de qualquer governo. O primeiro é a capacidade política de ser “dono” de uma agenda que garanta mais influência e capacidade de articulação, não só na relação com o Legislativo, mas, por exemplo, na escolha de prefeitos nos grandes centros urbanos.

 

O segundo âmbito tem relevância ainda maior: ajudar as condições que fazem uma economia crescer e gerar prosperidade em voos de alcance maior do que são capazes as galinhas. É o que o Lula 3 poderia estar comemorando agora, em vez de bufar por conta de juros altos — o preço amargo da oportunidade perdida.

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Opinião por William Waack

Jornalista e apresentador do programa WW, da CNN

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