Novas pesquisas do Datafolha e Ipec apontam entraves para melhora da imagem de Lula
Por Nicolas Iory — São Paulo / O GLOBO
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva segue com dificuldade para reagir e melhorar seus índices de popularidade junto aos brasileiros a pouco mais de um ano para as próximas eleições. O cenário foi reforçado por novos resultados de pesquisas de opinião divulgados ontem. Enquanto o mais recente levantamento Ipsos-Ipec mostrou que a reprovação à gestão Lula atingiu o maior patamar já registrado pelo instituto desde o início do atual mandato, o Datafolha apontou para uma reversão de parte da recuperação de imagem que havia sido sinalizada na pesquisa anterior.
O descontentamento captado nos levantamentos surge na esteira da crise provocada pelos desvios em benefícios pagos pelo INSS revelados em operação da Polícia Federal. Na pesquisa Ipsos-Ipec, feita entre quinta-feira da semana passada e segunda-feira e com margem de erro de dois pontos percentuais, a gestão do petista é considerada “ruim” ou “péssima” por 43% da população, contra 25% que a avaliam como “boa” ou “ótima”.
Em março, eram 41% os que se diziam insatisfeitos e 27% os que aprovavam o desempenho da gestão Lula. Já a parcela que vê o governo como regular recuou no período de 30% para 29%.
Pela segunda vez consecutiva, a maioria da população declarou desaprovar a forma como o presidente administra o país. São 55% os que fazem essa avaliação, enquanto 39% dizem aprovar os métodos de Lula. Além disso, para metade dos brasileiros (50%), o governo Lula até aqui está “pior do que se esperava”, enquanto 28% acham que o petista atendeu às expectativas e só 20% acham que ele as superou.
A pesquisa Datafolha, feita entre terça e quarta-feira e com margem de erro de dois pontos, também sinaliza para uma nova variação negativa para o governo. A taxa dos que classificam a gestão federal como “ruim” ou “péssima” oscilou de 38%, em abril, para 40%, enquanto o percentual dos que a consideram “boa” ou “ótima” variou na direção oposta, de 29% para 28%. Outros 31% classificam o governo Lula como “regular”.
Após o governo Lula ter atingido um pico de reprovação em fevereiro (41%), o levantamento seguinte do instituto indicou que a distância entre os que reprovam e os que aprovam a gestão havia diminuído de 17 pontos percentuais para 9 pontos. Agora, o intervalo entre os dois grupos é de 12 pontos.
Quando perguntados sobre o trabalho do presidente, ainda segundo o Datafolha, 46% disseram aprovar o desempenho de Lula, contra 50% que se dizem insatisfeitos. Em abril, as taxas eram de 38% e 49%, respectivamente.
Crise de confiança
A pesquisa Ipsos-Ipec mediu ainda a confiança que a população tem em Lula. Hoje, só 37% dizem confiar no mandatário, o nível mais baixo desde o início da atual gestão. São 58% os que dizem não confiar no presidente. Entre os entrevistados que moram em periferias, a taxa de confiança em Lula recuou de 38% para 31% desde março. Mesmo entre os que dizem ter votado no petista no segundo turno de 2022, não há unanimidade: cerca de um quarto desse grupo (23%) diz que não confia em Lula.
Ainda segundo a pesquisa, as taxas mais elevadas de avaliação negativa do governo são registradas nos grupos dos mais ricos, que têm renda mensal familiar superior a cinco salário mínimos (59%); entre os mais instruídos (51%); e entre os evangélicos (50%). Já os melhores desempenhos foram verificados entre moradores da região Nordeste (38% de ótimo/bom); entre os menos escolarizados (36%); entre quem tem renda familiar de até um salário mínimo (33%); e entre católicos (32%). No Sudeste, região mais populosa e que representa 43% da amostra, o governo tem aval de 23%, mas é mal avaliado por 47%.
O Datafolha também indica que o desgaste na imagem do governo é maior nas classes média e alta, e na população com ensino superior. No último grupo, a aprovação recuou de 31% em abril para 25%. Já entre os que ganham de dois a cinco salários mínimos mensais, a taxa de “ótimo” ou “bom” passou de 26% para 22%.
Segundo o Datafolha, houve sinais de melhora, porém, entre os mais pobres, que ganham até dois salários mínimos por mês: a taxa dos que reprovam a administração de Lula passou de 36% para 33%, enquanto os que a aprovam variaram de 30% para 32% em dois meses. Os moradores do Nordeste também amorteceram a queda da avaliação do governo: na região, são 37% os que veem o governo como ótimo ou bom, taxa que é de 22% no Sul, e de 25% nas demais.
Visão sobre o país
Outra sinalização negativa para o governo veio da pesquisa bianual Ipsos Populism Report, realizada entre fevereiro e março em 31 países e divulgada pelo instituto. Os dados mostram que os brasileiros passaram a considerar a sociedade mais deteriorada e a ver o país em declínio. Os números revertem a melhora observada no início da gestão petista, na comparação com o governo Bolsonaro.
O índice daqueles que identificam deterioração subiu sete pontos em relação a 2023 e atingiu 69%, o que coloca o país em quarto no ranking global. O aumento só foi inferior ao da Alemanha, Coreia do Sul e Indonésia. No caso da percepção de declínio, o salto foi de nove pontos, e os 62% registrados colocam o país acima da média mundial, de 57%. Foram ouvidos para a pesquisa 1 mil brasileiros. A margem de erro é de 3,5 pontos (Colaborou Caio Sartori)
Ceará tem a maior taxa de homicídios do País em 2024, aponta relatório do Ministério da Justiça
O homicídio doloso é caracterizado pela intenção de matar. Em todo o país, foram registrados 35.365 vítimas de ações desse gênero, representando uma média de 97 pessoas assassinadas por dia. No Ceará, foram 3.178 casos em 2024.
Com relação a 2023, o estado teve um crescimento de 9,85% na taxa de vítimas, ficando atrás apenas do Maranhão, que teve um aumento de 11,47% Os dados do Ceará vão contra o índice nacional, que apresentou uma redução de 6,33%. Em 2023, o país teve cerca de 37.754 vítimas de homicídios dolosos.
Quase metade de todos os crimes do tipo cometidos em 2024 foram praticados no Nordeste. Foram cerca de 45,8% dos casos registrados, concentrando 16.022 vítimas, apesar de uma redução de 2,81% em relação ao ano anterior.
CENÁRIO NA CAPITAL
Fortaleza aparece no ranking dos municípios com os maiores números de homicídios dolosos no Brasil, em 2024.
A cidade está em terceiro lugar, com 801. Rio de Janeiro lidera, com 1.053 casos, sendo seguida por Salvador, que registrou 864.
MORTES VIOLENTAS EM 2025
Os primeiros meses de 2025 apresentaram uma redução de mortes violentas no Ceará e Fortaleza, segundo dados divulgados pela Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS), em fevereiro.
Ao todo, a Capital teve queda de 16,5% e o Estado, 5,3%. Foram registrados no Ceará, em janeiro de 2025, 269 casos de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs) - índice que engloba homicídios, feminicídios, lesões corporais seguidas de morte e latrocínios (roubos seguidos de morte). Em igual período de 2024, foram 284 crimes.
Em abril deste ano, a SSPDS lançou um novo balanço, com mais uma redução. Segundo a pasta, o Ceará teve redução de 11% entre janeiro e março de 2025 em relação ao mesmo período de 2024.
Este é o melhor resultado de CVLI no Ceará desde 2019, ano em que foram registrados 545 óbitos, segundo a SSPDS. Enquanto 2024 registrou 819 ocorrências no primeiro trimestre, neste ano, foram 729. Em número absolutos, o intervalo teve uma queda de 90 mortes.
TROCA DE SECRETÁRIO
Em maio de 2024, o governador Elmano de Freitas (PT), através das redes sociais, anunciou a saída do ex-secretário Samuel Elânio e a posse de Roberto, delegado da Polícia Federal (PF).
Naquele mesmo mês, o Diário do Nordeste ouviu especialistas sobre a troca. O aumento da violência e taxa de homicídios foram pontos levantados recorrentemente nas análises.
POSICIONAMENTO DA SSPDS
Ainda de acordo com a nota da pasta, o Ceará encerrou os cinco primeiros meses de 2025 com redução de 17,7% nos Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLIs). Os cinco primeiros meses deste ano somaram 1.198 ocorrências de mortes violentas, sendo 257 casos a menos do que no mesmo período de 2024, quando foram registradas 1.455 ocorrências.
"A intensificação de ações ostensivas e investigativas é permanente. Somente de janeiro a maio deste ano, as Polícias Militar e Civil prenderam 14.192 suspeitos por crimes variados. Desse total, 1.144 foram capturados por envolvimento com a prática de homicídio doloso, um aumento de 24,9% em relação ao mesmo período do ano passado, quando foram presas 916 pessoas por esse tipo de crime", salienta a SSPDS.
A secretaria pontuou ainda que, em fevereiro deste ano, o governador sancionou o novo sistema de Metas Integradas de Segurança Pública (Misp), iniciativa do programa Ceará Contra o Crime. A iniciativa consiste em estabelecer metas, conforme os estudos dos indicadores da Supesp, para a redução da criminalidade com base científica em manchas criminais. Com os resultados alcançados no 1º quadrimestre de 2025, foi investido um montante de $ 45.421.400,00, no pagamento do bônus para cerca de 25.132 servidores das Forças de Segurança.
"Em março, foi sancionada a lei de reestruturação das Forças de Segurança do Ceará. As mudanças visam modernizar as instituições, atendendo às demandas da sociedade. Assim, foram criados: quatro comandos operacionais, nove batalhões e 19 companhias para a Polícia Militar do Ceará (PMCE); Departamento de Repressão ao Crime Organizado (DRCO) e o Departamento de Repressão aos Crimes contra o Patrimônio (Depatri), duas Delegacias de Repressão contra o Crime Organizado (Draco) nas regiões Norte e Sul, além de 20 novas seccionais e 30 setores de inteligência para a PCCE; três Coordenadorias de Perícia Regionalizadas, dez células de gestão dos núcleos do Interior, 23 novos núcleos de Perícia e quatro coordenadorias na sede: inteligência, custódia, vestígios forenses e segurança da informação e desenvolvimento institucional para a Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce). As outras vinculadas também foram beneficiadas", afirmou ainda a SSPDS.
Governo tenta acelerar liberação de emendas para conter animosidade no Congresso contra MP de Haddad
Por Jeniffer Gularte e Sérgio Roxo — Brasília / O GLOBO
O Palácio do Planalto trabalha para finalizar os cálculos das emendas parlamentares que serão pagas até o fim desta semana para conter reação negativa do Congresso ao pacote fiscal do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Nesta quarta-feira, por exemplo, o União Brasil e PP anunciaram que vão rejeitar as medidas da Fazenda se não houver corte de gastos, as duas legendas têm 109 deputados e quatro ministérios no governo Lula.
Integrantes do governo dizem que só nesta quarta-feira foram pagos R$ 250 milhões em emendas de 2025. Há um entendimento que as críticas às medidas da Fazenda são, em parte, consequência, de demora na liberação de pagamentos em razão do atraso na aprovação do Orçamento e da burocracia da máquina federal.
Tem sido relatadas também reclamações em relação ao travamento de emendas no Ministério da Saúde. Por causa disso, o governo tem tentado acelerar a liberação dos recursos. Integrantes da equipe de articulação política também entraram em campo para conversar com líderes.
No Planalto, há uma expectativa de que a medida provisória elabora pelo Ministério da Fazenda e publicada ontem será aceita porque do contrário a conta chegará para todos com novos contingenciamentos e bloqueios exigidos pelas regras do arcabouço fiscal que atingirão também as emendas.
— Entre a aprovação, sanção e o início de execução das emendas, nós temos um processo a cumprir, principalmente depois das decisões do Supremo Tribunal Federal, do ministro Flávio Dino. Tivemos que adaptar todos os sistemas e tem o processamento das emendas. Demora um tempo mais. Mas os prazos de processamento dado aos ministérios encerraram na sexta-feira. Então, nós já estamos fazendo o empenho dessas emendas e já vamos começar a pagar a partir deste final de semana — disse a ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmannm nesta quarta.
O governo admite mudança de clima da reunião de Haddad no domingo com os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB) , e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), e líderes da base aliada para o sentimento do Congresso desta quarta.
Participantes da reunião, porém, dizem que, ao fim, em sua fala para imprensa, Haddad só anunciou medidas que tinham recebido o aval das lideranças do Congresso.
No domingo, o encontro acabou com anúncio de alinhamento para apresentação das medidas. Na conversa com os congressistas, Haddad anunciou que a MP vai afetar investimentos que hoje são isentos de Imposto de Renda (IR), como Letras de Crédito Imobiliário (LCI), Letras de Crédito do Agronegócio (LCA). O ministro argumentou que esses títulos continuarão a ser incentivados, com uma alíquota de 5%.
Agora, de acordo com parlamentares ouvidos pelo GLOBO, a taxação de títulos de renda fixa, que hoje são isentos de impostos, como forma de compensação para o tamanho do aumento ser reduzido, é o maior entrave.
Uma ala do governo vê aumento da pressão sobre deputados dos setores que serão atingidos pelas alíquotas enquanto os parlamentares subiram o tom para aceleração no pagamento de emendas por parte do governo. A ministra Gleisi Hoffmann afirmou que as medidas apresentadas por Haddad são correções "justas e necessárias":
— (No domingo) Era um espírito de construção realmente. Eu acho que se sentiram muito pressionados por alguns setores. De fato, o mercado acaba fazendo muita pressão em cima disso, quando você fala em tributação sobre o sistema financeiro. Nós temos que ter coragem de enfrentar esse debate — disse a ministra.
MP de Haddad deve contar com medida para restringir compensações tributárias fraudulentas
Adriana Fernandes / FOLHA DE SP
A MP (medida provisória) que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai editar com medidas alternativas ao decreto de alta do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) deve contar com mecanismo para que a Receita Federal consiga cobrar de forma mais rápida as compensações tributárias fraudulentas.
Hoje, em situações desse tipo, o Fisco precisa entrar em litígio com as empresas para tentar cobrar os débitos que de fato não foram pagos. Por meio da compensação tributária, as empresas pagam tributos devidos com créditos tributários que têm a receber.
A medida deve incluir no texto da MP os casos em que a compensação não será aceita pela Receita Federal. Um técnico do Ministério da Fazenda explicou à Folha que a medida visa coibir os casos em que a empresa utiliza, por exemplo, um crédito de um benefício tributário dado ao leite para compensar um crédito na construção civil. Uma das possibilidades é impor uma penalidade.
O powerpoint apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na reunião de domingo à noite com a cúpula do Congresso para discutir medidas fiscais, incluiu na lista de propostas uma ação de aperfeiçoamento das regras de compensação de créditos tributários para evitar compensação abusiva.
A medida, porém, acabou não sendo debatida durante a reunião que durou quase cinco horas na residência oficial do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). Tampouco foi citada por Hadadd nas entrevistas que concedeu após a reunião.
Segundo relatos da reunião de domingo, nenhuma liderança se interessou pelo tema, concentrando os debates no encontro em críticas ao decreto do IOF, medidas para reduzir em um terço do alcance da alta do imposto e as propostas para garantir o cumprimento da meta fiscal de déficit zero desde ano.
Na manhã do dia seguinte, com vazamento do documento de Haddad para agentes do mercado e escritórios de advocacia, cresceu a preocupação de que o governo restringiria o uso de créditos.
As empresas aguardam o texto legal para identificar o alcance da medida. O temor é ser mais uma medida que possivelmente impacta o fluxo de caixa.
Esforço para diminuir filas no SUS
Uma portaria do Ministério da Saúde, publicada na segunda (9), declarou situação de urgência em saúde pública em razão das longas filas de espera no SUS. A ação, à primeira vista extremada, é condição para que seja executada a medida provisória 1.301, de 30 de maio, que cria o programa Agora Tem Especialistas.
Isso porque a MP altera a lei que regulou o SUS em 1990, ao permitir que a União contrate serviços em estados e municípios só em situações de urgência devido a grande tempo de espera na rede. Tal exceção é necessária, já que o sistema se baseia na autonomia das unidades federativas.
Tamanho esforço de reordenamento legal já indica a importância do Agora Tem Especialistas para Luiz Inácio Lula da Silva. O programa de redução de filas é a grande aposta do petista para criar de fato uma marca no setor.
Na verdade, reformulação do programa, dado que o anterior, instituído em abril de 2024 por Nísia Trindade, não agradou ao presidente porque estaria demorando para apresentar resultados —o que contribuiu para a queda da ministra em fevereiro.
Agora, o Ministério da Saúde também pode contratar clínicas e hospitais privados tanto diretamente quanto por meio de abatimentos de dívidas com a União ou de descontos dos valores dos serviços prestados em futuras cobranças de impostos.
Parcerias público-privadas em saúde não são novidade e contribuem, assim como em outros setores, para eficiência em gestão. Nesse sentido, é sensata a declaração do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, em entrevista para a Folha: "Quem está esperando o atendimento especializado não quer saber se ele vai ser atendido num hospital estatal ou privado. Ele quer ser atendido".
Como a maioria dos especialistas atua no setor privado, parcerias são capazes, em tese, de ampliar o acesso da população de baixa renda a esses profissionais.
O programa também prevê ações para alcançar regiões distantes dos grandes centros, como realização de mutirões com uso de carretas, a abertura de edital para 500 vagas no Mais Médicos Especialistas e oferta de 3.000 bolsas de residência médica.
No caso dos mutirões, é preciso cuidado extra, dados os problemas vistos em ações recentes do tipo no país para realizar cirurgias de catarata.
Resta acompanhar a execução do programa, e o compromisso assumido na MP, de que o governo divulgará relatórios de avaliações e promoverá transparência ativa dos dados, é fundamental para o escrutínio da sociedade.
‘Ou se faz alguma coisa, ou o País vai parar’, diz Salto, sobre as contas do governo
Por Cristiane Barbieri / O ESTADÃO DE SP
Para o economista-chefe da Warren Investimentos, Felipe Salto, especialista em contas públicas, o anúncio das medidas fiscais feito na noite de domingo foi uma evolução que pode amenizar a crise fiscal, caso seja levado adiante. O ponto alto das medidas, em sua opinião, foi trazer de volta à mesa a revisão dos gastos tributários. O ponto fraco foi não ter havido cortes nas despesas públicas, seja por parte do governo, seja pelo Congresso.
Salto afirma que o Congresso é essencial nessa discussão e precisa assumir seu papel. “Vivemos uma espécie de parlamentarismo branco, com o Congresso querendo apenas a parte boa. Agora, quando nem o possível o Congresso parece estar disposto a apoiar, aí fica muito complicado.
A situação está tão grave, diz ele, que “ou se faz alguma coisa, ou o País vai parar”. “Essa é a verdade”, afirma. “Há um risco muito alto do chamado shutdown (apagão) da máquina pública acontecer já no ano que vem, se não houver mudanças. Se o Congresso não aprovar as medidas, a meta fiscal do ano que vem vai ter de ser alterada. Isso vai gerar mais confusão, vai pressionar a curva de juros e vai produzir mais custos para a sociedade como um todo.”
Salto diz que, tecnicamente, as medidas não são as ideais. Só que a política é a arte do possível, afirma, e as medidas são “inescapáveis”. Por isso, “tem de aprovar. Isso é o mínimo — e nem vai ser suficiente ainda".
O anúncio do pacote, feito em conjunto pelo governo e por lideranças do Congresso, foi uma evolução em relação à proposta inicial de aumento do IOF?
Houve um avanço, sim, porque o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está praticamente sozinho na luta pelo ajuste fiscal. O Congresso, apesar do aparente rompante fiscalista, fez o oposto: quis enquadrar o Ministério da Fazenda, colocando o prazo de 10 dias para uma solução. O anúncio feito ontem (domingo), porém, não teve qualquer contribuição do Congresso, que não mexeu em um centavo nas emendas parlamentares ou em qualquer outro gasto. Foi positivo que se tenha conseguido avançar com algumas medidas, mas a minha preocupação é que elas podem ainda não ser suficientes para o que a gente precisa.
A conta não fecha?
Sim. Por exemplo, há uma incerteza muito grande sobre qual será o volume captado com essa tributação das bets, que já são tributadas em 12%. Também tem a questão da anterioridade tributária, já que boa parte das medidas só vão valer para o ano que vem. Por outro lado, a revisão dos gastos tributários foi o ponto alto. Esse tema é um tabu. Os governos anteriores que tentaram fazer alguma coisa sempre esbarraram nas pressões para derrubar isenções, como a do Simples Nacional, da Zona Franca, das instituições filantrópicas, da cesta básica... Parece que a escolha foi deixar de fora esses temas mais polêmicos e priorizar o restante, que é bastante coisa, dá uns R$ 250 bilhões. Se for efetivo o corte de 10% disso, dá uns R$ 25 bilhões, R$ 26 bilhões. É bastante coisa. Além disso, há ainda o JCP (Juros sobre Capital Próprio), que eles voltaram a falar em aumentar de 15% para 20%. São medidas importantes, mas elas não são suficientes para resolver o problema fiscal. Até porque faltou mexer do lado da despesa pública, que é o ponto fraco do anúncio.
Como fica o déficit no curto prazo?
Todas as medidas estão focadas em 2026, porque a maioria delas não vai valer de imediato. Mesmo com a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), que deve ser majorada para 15% sobre aquele conjunto de instituições que hoje tem uma alíquota de 9%, será preciso respeitar a noventena. Se fosse aprovada hoje, valeria para os últimos três meses do ano. O problema é menor porque o volume de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) que o governo estava considerando era algo como R$ 20 bilhões, e na nossa conta a gente considera R$ 15 bilhões. Pelo que foi sinalizado, a reversão do IOF não vai ser tão drástica. Por exemplo, ele vai mexer na parte fixa da alíquota das empresas, mas a parte variável vai continuar com o aumento proposto. O risco sacado, que são descontos de duplicatas, não vai voltar à estaca zero, também vai permanecer alguma tributação sobre isso. Na verdade, o governo ainda vai continuar contando com o IOF, para esse ano principalmente.
E o ano que vem?
Para o ano que vem, o efeito das medidas será maior, mas ainda será preciso essa ajuda do IOF. A situação em 2026 é mais grave porque, na nossa conta, considerado o cenário atual do IOF, seria preciso fazer um contingenciamento de R$ 46,8 bilhões. Não há espaço para isso porque a despesa discricionária ficaria inferior ao limite mínimo para o funcionamento da máquina pública. A situação é muito grave. As medidas são positivas, amenizam essa situação muito grave, mas estão longe de resolver o problema fiscal estrutural.
São paliativas?
Não diria paliativas, porque têm efeitos permanentes. Mas, enquanto não mexer do lado do gasto, ainda será um ajuste incompleto porque a carga tributária já é bastante elevada. Não há mais tanto espaço para se resolver o problema aumentando a tributação.
Representantes do agro já vieram a público dizer que as LCAs (Letras de Crédito Agrícola) não devem ser tributadas, bem como do setor de criptoativos, imobiliário e das fintechs. O governo conseguirá resistir à pressão?
São reações esperadas porque ‘farinha pouca. meu pirão primeiro’. Nunca esse ditado valeu tanto. Todo mundo é a favor de revisar o gasto tributário, mas, quando começa a mexer, os beneficiados começam a chiar. O setor do agronegócio, por exemplo, paga pouquíssimo tributo e ainda tem incentivo. As LCA, LCI (Letras de Crédito Imobiliário), o CRI , o CRAS (Certificados de Recebíveis Imobiliário e Agrícolas), debêntures incentivadas e correlatos vão continuar super incentivados (com menos impostos para receberem aplicações de investidores), com uma tributação bem inferior aos 17,5% que vão incidir sobre outros tipos de investimento. Essa reação é esperada, mas o governo, com o apoio do Congresso, tem de resistir.
O presidente da Câmara, Hugo Motta, afirmou que não há o compromisso do Congresso de aprovar as medidas anunciadas. O sr. acredita que elas irão passar?
Sinceramente, não consigo entender. Foi feita uma reunião em que o presidente Hugo Motta colocou o ministro da Fazenda na parede, o que é inédito na história. Aí aconteceu uma segunda reunião em que o Haddad apresentou medidas. Ele e os líderes saem do encontro dizendo que estão de acordo. Ato contínuo, Motta diz não ter compromisso com as medidas. Aí fica muito difícil. Vivemos uma espécie de parlamentarismo branco, com o Congresso querendo apenas a parte boa. Quer participar do orçamento, quer garantir R$ 50 bilhões de emendas — e já tem R$ 52 bilhões aprovados para o ano que vem —, por exemplo, no PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias). Quer aprovar a desoneração da folha sem dizer quem paga a conta, quer manter as renúncias fiscais, quer proteger a Zona Franca... Quer dizer, o Congresso não está disposto a fazer ajuste fiscal. O Congresso é fundamental nesse compromisso que foi firmado. Se titubear, vai tudo por água abaixo. As medidas, tecnicamente, não são as ideais. Eu mexeria na vinculação da saúde e educação, no Fundeb, no Plano Safra (que tem uma fábula de dinheiro para equalização de juros), no subsídio de subvenções, na indexação da previdência ao salário mínimo, no abono salarial. Só que a política é a arte do possível. Agora, quando nem o possível o Congresso parece estar disposto a apoiar, aí fica muito complicado. Não dá para agradar a todo mundo sempre. E o Congresso parece que tem esse anseio de querer agradar a todos os setores a todo momento. Isso é impossível, principalmente com uma situação fiscal em que a dívida está crescendo a olhos vistos. Ou se faz alguma coisa, ou o País vai parar. Essa é a verdade. Há um risco muito alto do chamado shutdown da máquina pública acontecer já no ano que vem, se não houver mudanças. Se o Congresso não aprovar as medidas, a meta fiscal do ano que vem vai ter de ser alterada. Isso vai gerar mais confusão, vai pressionar a curva de juros e vai produzir mais custos para a sociedade como um todo.
O custo seria maior do que adotar essas medidas agora?
As medidas são inescapáveis. Tem de aprovar. Isso é o mínimo — e nem vai ser suficiente ainda. São medidas que estão focadas do lado da receita, mas o gasto tributário, por exemplo, é uma coisa inédita. O Paulo Guedes tentou com a Emenda Constitucional 109, o artigo 4º, colocar na Constituição uma revisão do gasto tributário. O Executivo enviou o projeto, no governo anterior. O Congresso sentou em cima e engavetou o projeto. Os gastos tributários atingiram um nível que é insustentável. Todos os setores têm um pedacinho desse gasto tributário: as filantrópicas, o agronegócio, os abatimentos dos gastos médicos no imposto de renda das pessoas físicas. Ficou faltando o lado da despesa, e eu imagino porque eles não encontraram consenso. Era uma oportunidade para avançar nisso. O Haddad disse que, ao longo dos próximos dias, eles ainda vão negociar essa questão do ajuste do lado dos gastos. É muito importante. As contas que a gente fez inicialmente, antes de ver os detalhes, estavam mostrando um volume de arrecadação até considerável.
De quanto?
Caso as medidas sejam aprovadas, o efeito em valores brutos para 2026 será da ordem de R$ 44,2 bilhões. A parte que ficará para a União girará em torno de R$ 30 bilhões.
Há uma conta do impacto dessa majoração de impostos para a população?
No primeiro trimestre, a economia ainda estava aquecida. A desaceleração já está contratada com a taxa de juros que temos e que não tem saída, já que a expectativa de inflação está acima da meta para os próximos 12 meses. Essa mudança de tributação que está sendo feita vai ser decisiva para mudar essa tendência. A economia vai crescer em torno de 2,3% este ano e, no ano que vem, por volta de 2%, o que também não é o fim do mundo. É menos do que cresceu na média do primeiro biênio, mas não há como atender a todos os objetivos de uma vez só. O momento é de contração fiscal, seja pelo lado da receita, reduzindo a renda disponível, seja pelo lado do gasto, que infelizmente ainda não veio nada.
De maneira geral, sua avaliação é positiva?
Sim, o governo está na direção certa: é o que foi possível de ser feito. Falta muito, principalmente porque faltou o lado do gasto, nem nas emendas parlamentares, que o próprio presidente Hugo Motta tinha dito que estava disposto a cortar, nem nas outras ações. O Fundeb, por exemplo, multiplicou por quase duas vezes e meia. O percentual para este ano será de 23%. Inicialmente era 10%. Então já está mais de duas vezes o que era quando foi aprovada na legislação. Nós não estamos aqui falando de cortar gastos, estamos falando de conter o crescimento. A mesma coisa vale para a questão da indexação ao salário mínimo, para todas as outras agendas que eu mencionei.
Duquesa de Tax: ‘Governo tem de parar de fingir que arrecadação resolve tudo; arrecadação é sintoma’
Por Redação / O ESTADÃO DE SP
A novela em torno das alternativas para substituir o aumento do Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF) deve ter em breve um desfecho, após negociações entre governo e líderes do Congresso e o anúncio de algumas medidas neste domingo, 8, como o aumento da taxação das bets e o fim da isenção para títulos de renda fixa como LCIs e LCAs.
Para a colunista do Estadão, Maria Carolina Gontijo, a Duquesa de Tax, desde 2023, porém, o que se vê não é um “plano de governo, mas um plano de arrecadação”. “Teve taxa das blusinhas, revisão da subvenção do ICMS, IOF, proposta para tributar dividendos”, diz ela (assista à íntegra do programa no vídeo acima).
“É uma lista que mais parece aquela sua tentativa de fazer milagre com o limite do cartão. Pega aqui, parcela ali, paga um cartão com outro, usa cashback ou refinancia o empréstimo. No caso do governo, o nome disso é política fiscal”, afirma a especialista no programa Não vou passar raiva sozinha desta semana. “O governo precisa parar de fingir que arrecadação resolve tudo, porque a arrecadação é sintoma.”
Segundo ela, o arcabouço fiscal não é um projeto de controle de gastos, mas de aumento de receita. “Mas isso tem um prazo de validade, porque arrecadar mais tem limite. Já cortar gasto, parece que ninguém quer nem começar esse papo. Cortar a despesa parece que virou um palavrão.”
Dados recentes da Receita Federal revelam que, entre janeiro de 2024 e abril de 2025, o governo federal deixou de arrecadar R$ 414 bilhões devido a incentivos e isenções tributárias. Segundo a Duquesa, quase um terço do total das renúncias do País foi para um grupo de 48 empresas que conseguiram pagar menos impostos graças a esses inúmeros benefícios e incentivos. “Esses dados mostram a necessidade de fato de uma revisão de políticas de renúncia fiscal.”
Programa
Todas as quintas-feiras, às 9h30, a Duquesa de Tax faz reacts (comentários sobre outros vídeos ou entrevistas) do noticiário econômico no Estadão. Além disso, tem o programa semanal Não vou passar raiva sozinha. Os vídeos inéditos vão ao ar sempre às segundas-feiras, às 9h30, para assinantes do Estadão. Cortes do programa são distribuídos ao longo da semana nas redes sociais e na Rádio Eldorado. A atração também tem uma versão em podcast.
XII Seminário de Prefeitos 2025 debate os fatores que impulsionam o desenvolvimento econômico
Ninguém concebe viver em uma cidade sem planejamento urbano, serviços públicos, geração de emprego, novos negócios e qualidade de vida. Todos esses fatores só podem existir em um cenário com desenvolvimento econômico, que ajuda significativamente a melhorar as condições de vida da população.
Ao impulsionar a produtividade e a competitividade do setor privado, cria um ambiente favorável para negócios e inovação. Além disso, o desenvolvimento econômico contribui para a redução da desigualdade social, elevando os índices de satisfação dos habitantes.
Não por acaso, o Ceará tem experimentado destacados índices de desenvolvimento econômico nos últimos anos: em 2023, o PIB estadual cresceu 2,42%, e em 2024, o crescimento foi ainda mais expressivo, chegando a 6,9%, o maior dos últimos 11 anos. Essa performance coloca o Ceará em 3º lugar no ranking nacional de crescimento econômico, superando a média nacional e liderando entre os estados do Nordeste. Assim, o crescimento acumulado no biênio 2023-2024 supera os 9% de expansão, refletindo a consolidação de políticas econômicas e investimentos no Estado.
Para debater os fatores que impulsionam o desenvolvimento econômico e seus benefícios para a população, o Seminário Gestores Públicos - Prefeitos 2025, a ser realizado nos dias 16 e 17 de junho, no Centro de Eventos do Ceará, em Fortaleza, traz o tema como um de seus painéis mais relevantes.
A temática “Economia e Desenvolvimento” será abordada no Painel 12, tendo a mediação de Alci Porto Gurgel, Diretor Técnico do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Ceará (SEBRAE-CE). Uma das palestras que compõem este momento será proferida por Domingos Filho, Secretário do Desenvolvimento Econômico do Ceará, com o título “Política de Desenvolvimento Econômico do Ceará”.
“É de extrema importância debater o desenvolvimento econômico cearense no Seminário de Gestores Públicos. O Ceará é rico em diversos aspectos favoráveis para impulsionarmos a economia do estado, como polos férteis, clima favorável, infraestrutura que conta com o Porto do Pecém, e neste seminário, alinhamos estratégias para buscar políticas públicas eficazes, além de recursos e parcerias para proporcionar novas oportunidades para os municípios cearenses e com isso garantir mais emprego e renda para o nosso Ceará”, declara o secretário do Desenvolvimento Econômico do Ceará, Domingos Filho.
Incentivos governamentais
Ainda no Painel 12, haverá as palestras “A importância dos incentivos do Governo do Ceará para o desenvolvimento econômico do Estado”, com Danilo Serpa, Diretor Presidente da ADECE e “Os Novos Investimentos e as Perspectivas do Porto do Pecém”, proferida por Rebeca Oliveira, Vice-Presidente Financeira do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP). Também vai se pronunciar sobre a temática o Presidente de Honra da UVC - União dos Vereadores do Ceará, Toim Braga, com a palestra “A importância do vereador para o desenvolvimento do município”.
“Debater o desenvolvimento econômico do Estado do Ceará é fundamental, principalmente para o público que estará presente, pois teremos prefeitos, vice-prefeitos, vereadores, secretários, advogados, contadores, deputados, todo o contexto dos representantes do povo participando, que poderá se informar melhor sobre o tema, com palestras de muito conteúdo, que vão contribuir para esse esclarecimento. E nada melhor do que abordar esse assunto tão relevante, especialmente para os dias de hoje, porque o desenvolvimento econômico impacta diretamente a população”, observou Toim Braga.
Hotéis parceiros
A organização do XIII Seminário Gestores Públicos - Prefeitos 2025 firmou parceria com hotéis de Fortaleza, para fortalecer a rede de recepção aos visitantes que virão de outras cidades para participar do evento. Os estabelecimentos oficiais do Seminário são: Hotel Sonata, Hotel Gran Marquise, Oásis Hotel, Bristol Guararapes Hotel, Villa Mayor, Gran Mareiro Hotel e Mareiro Beira-Mar.
Inscrições gratuitas
As inscrições para o XIII Seminário Gestores Públicos - Prefeitos 2025 são gratuitas. Para participar do evento, que vai reunir deputados, prefeitos, vice-prefeitos, vereadores, secretários, gestores e outras autoridades públicas, basta acessar o endereço eletrônico do Seminário (https://gestorespublicos.com.br/), clicar em “Inscreva-se” e fornecer alguns dados pessoais. O Seminário é promovido pelo Sistema Verdes Mares, Instituto Future e Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece), com realização da Prática Eventos.
PT não sabe o que fazer sem Lula
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
A esquerda brasileira está encurralada entre o passado e o risco de se tornar irrelevante, dada sua profunda dependência da reeleição do presidente Lula da Silva para continuar no poder. Em recente entrevista ao programa Conversa com Bial, a ministra de Relações Institucionais e ex-presidente do PT, Gleisi Hoffmann, reconheceu, sem disfarçar um certo tom de lamento, que, “infelizmente, Lula terá de ser candidato” em 2026. Segundo ela, seu partido e a esquerda até “têm quadros políticos”, mas nenhum com “pegada popular” nem tampouco força eleitoral para “fazer disputa e ganhar da extrema direita” na próxima eleição presidencial.
É de reconhecer que a ministra está certa em um ponto. De fato, sem o nome de Lula nas urnas, um candidato que sempre será competitivo – e ainda mais com a força de incumbente movendo a máquina pública federal a seu favor –, não apenas o PT como a esquerda em geral amargarão anos a fio, é possível inferir, sem ter uma perspectiva de poder em âmbito nacional. Basta lembrar quão difícil foi até para Lula derrotar Jair Bolsonaro, um dos piores presidentes da Nova República, na eleição passada. Gleisi, no entanto, omitiu um fato e distorceu outro em sua análise da conjuntura política de seu campo ideológico.
Se o destino da esquerda, para o bem ou para o mal, é profundamente atrelado ao destino de Lula, e não de hoje, a responsabilidade por essa dependência é exclusivamente do presidente. Lula sempre sabotou qualquer movimento de renovação tanto no PT quanto no chamado “campo progressista” – seja o arejamento de lideranças, seja de ideias. Todos os que ousaram, ainda que timidamente, projetar sombra sobre Lula foram logo abatidos no nascedouro, restando ao incauto o culto à personalidade do demiurgo e/ou a posição de “poste” acaso desejasse ter alguma projeção política. Aí estão os exemplos de Dilma Rousseff e Fernando Haddad para desencorajar qualquer um que queira pôr à prova a lulodependência da esquerda.
Outra malandragem de Gleisi foi omitir que a razão para a esquerda “até ter quadros políticos”, mas nenhum deles ser eleitoralmente competitivo, é o fato de a esquerda não ter um projeto para o País, e sim, se tanto, um projeto para aferrar Lula ao poder sabe-se lá até quando. A esquerda brasileira é atrasada. Não enxerga nem o Brasil nem o mundo pelas lentes do século 21. Há uma profusão de análises e pesquisas, na imprensa profissional e na academia, demonstrando a desconexão que se estabeleceu entre a esquerda, em suas múltiplas derivações, e o eleitorado que, historicamente, sempre apoiou seus candidatos. O exemplo mais notório dessa desconexão, claro, é o próprio Lula, que, malgrado estar em seu terceiro mandato presidencial, é recalcitrante em reconhecer erros e se mostra incapaz de oferecer à sociedade um mero esboço de plano coerente, exequível e sustentável para o desenvolvimento do País.
Diante desse deserto propositivo, não resta alternativa a Lula, em particular, e à esquerda, em geral, a não ser apelar para essa suposta ameaça de retorno do que chamam de “extrema direita” à Presidência da República. Foi exatamente o que Gleisi vocalizou na entrevista, antecipando o tom da campanha eleitoral de Lula ou de quem ele ungir em 2026. Qualquer adversário do PT no ano que vem será invariavelmente tratado como o representante das forças do atraso, do golpismo e “das elites” – tudo isso empacotado como “extrema direita”.
Ocorre que o verdadeiro representante da extrema direita, Bolsonaro, está inelegível. Logo, não representa mais ameaça alguma à ordem democrática. A rigor, não é improvável que ao tempo da eleição o ex-presidente esteja preso por ordem do Supremo Tribunal Federal. Assim, será muito difícil formar uma nova “frente ampla” em torno da candidatura petista sob a bandeira da “defesa da democracia”, que, como é notório, prevaleceu sobre seus inimigos.
Sem a retórica do medo, quase nada sobra para uma esquerda anacrônica e incapaz de inspirar esperança para a maioria dos brasileiros. E sem propostas concretas para lidar com os reais problemas do País, resta-lhe o risco de desaparecer como força de transformação social, reduzida a um grupo fechado em torno de Lula e de um discurso vazio de sentido.
Falta planejamento e sobra desperdício
Por Rolf Kuntz / O ESTADÃO DE SP
Com vento a favor, proteção dos anjos e algum empenho do empresariado, a economia brasileira poderá crescer pouco mais de 2% neste ano – 2,4%, segundo estimativa oficial – e sobre isso nem vale a pena especular, segundo a sabedoria da Roma antiga. “Carpe diem, quam minimum credula postero”, aconselhou o poeta Horácio em sua ode a Leuconoe. Algo como: aproveita o dia de hoje, porque pouquíssimo podes confiar no amanhã. Mas até na antiguidade havia algum planejamento, como indica, por exemplo, o desenho das cidades, ou como se observa na organização militar, nas fortificações, na distribuição populacional e na estocagem de alimentos. Coisas do passado?
Pode ser. Valorizada no Brasil por alguns políticos do Império, exercida na maior parte do século 20 e mantida no começo do atual, essa prática vem sendo desprezada em Brasília. Ainda se mantém um Ministério do Planejamento e o ministro da Fazenda, talvez por teimosia, insiste em desenhar cenários e roteiros para os próximos anos. Mas o governo tende a funcionar, no dia a dia, como se a noção de planejamento embutisse apenas um jogo verbal. O presidente persegue fins políticos pessoais, aparentemente voltado para as eleições de 2026 e sem um roteiro claro de metas econômicas e sociais de prazos diferentes.
Por enquanto, a economia se move. Depois de dois anos de crescimento razoável, o Produto Interno Bruto (PIB) aumentou 1,4% no primeiro trimestre, puxado principalmente pela agropecuária. A indústria recuperou algum dinamismo na primeira metade do mandato, avançou mais um pouco no primeiro trimestre deste ano e perdeu impulso em abril. O vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin, tem um programa de recuperação e modernização do setor industrial, mas com efeitos pouco visíveis, provavelmente, no curto prazo.
O presidente Lula tem deixado o ministro Alckmin trabalhar sem interferência, pelo menos visível, por enquanto. Ao mesmo tempo, o bom desempenho da agropecuária permite alguma tranquilidade quanto aos preços internos da comida. Além disso, o vigor da atividade rural parece garantir o prolongamento de alguma segurança nas contas externas, apesar das iniciativas desastrosas do presidente Donald Trump.
Essas iniciativas têm ameaçado a boa ordem dos mercados internacionais, comprovando o desprezo do presidente americano pelas normas de convivência entre os Estados. No caso do Brasil, falta verificar, com dados práticos, como a nova política da Casa Branca afetará as exportações de aço, alumínio e outros bens industriais para o mercado americano. Os efeitos dessas medidas no comércio de vários países poderão levar a alguma reordenação das trocas. Por enquanto, o governo brasileiro pouco se manifestou sobre as mudanças.
Esperar para ver também tem sido uma atitude comum quando se trata das condições e perspectivas da economia interna. Analistas e empresários têm apontado como provável uma desaceleração da atividade no segundo semestre. Mas essa possibilidade é menos inquietante do que as projeções de crescimento nos próximos anos. Estima-se um ritmo pouco inferior a 2% no próximo ano e, em seguida, uma estabilização em torno daquela taxa. São perspectivas abaixo de medíocres para um país com as dimensões econômicas e o desenvolvimento já alcançado pelo Brasil. Outros emergentes aparecem, nas avaliações de entidades internacionais, como potências mais dinâmicas e com maiores possibilidades de expansão nos períodos seguintes.
Essas avaliações podem ser discutíveis, mas um dado inegável, e muito relevante, é a diferença entre as taxas de investimento produtivo. O valor investido no Brasil pelos setores privado e público tem ficado, com frequência, abaixo de 18% do PIB, nível superado em muitos outros emergentes.
Os juros elevados podem dificultar, como frequentemente se afirma, a decisão empresarial de investir em máquinas, equipamentos, instalações e outros meios produtivos. A afirmação é verdadeira, mas a disposição de imobilizar recursos nesses ativos depende também da confiança dos agentes privados e das condições de previsibilidade. No caso do setor governamental, a destinação de recursos ao potencial produtivo é relacionada, normalmente, à boa gestão dos fundos disponíveis e a projetos de expansão e transformação econômica e social.
Para obter resultados duradouros e relevantes, o governo deve buscar esses objetivos de forma persistente. Para isso, são indispensáveis uma condução eficiente da arrecadação tributária, uma gestão prudente e produtiva das verbas públicas e uma boa definição de objetivos e de etapas de realização de projetos. Entre outras mudanças, o País necessita, obviamente, de novos padrões de elaboração e de aplicação de recursos orçamentários. A racionalização do sistema de emendas, diferente daquele conhecido em outros países e semelhante a uma privatização de recursos públicos, é uma necessidade inegável.
Repensar o orçamento é também uma providência necessária para o País escapar da armadilha dos dois por cento.