Ceará tem energia em quase todas as escolas, mas 65% da rede pública não têm acesso a esgoto
Esse problema é ainda mais presente na rede pública de ensino: 65% das 5.932 escolas públicas cearenses não estão ligadas à rede pública de esgoto. Por outro lado, 81,3% das 1.690 instituições particulares contam com esse serviço.
Já a coleta de lixo chega a quase todas as escolas particulares, atingindo 99,8%, mas essa proporção cai para 86,3% na rede pública. Os dados são do Censo Escolar 2024 e foram analisados no Anuário Brasileiro da Educação Básica 2025, produzido pela organização Todos Pela Educação.
O levantamento deixa o Ceará na 16ª posição em relação às escolas com acesso à rede de esgoto em todas as escolas, entre as 27 unidades federativas. Em primeiro lugar, com 95,1% das unidades atendidas, está São Paulo. No outro extremo, o Amapá ocupa a pior situação, com cobertura de apenas 10,6% das escolas.
No acesso à coleta de lixo nas escolas, o Ceará ocupa a 12ª posição. Nesse caso, os destaques vão para o Distrito Federal, onde 98,4% das unidades escolares são atendidas, e para o Amazonas, que conta apenas com 37,9% de cobertura.
Apesar da realidade ainda preocupante, o Ceará tem melhorado esse cenário ao longo dos anos. Em 2014, apenas 23,6% das escolas públicas tinham ligação com a rede de esgoto. Essa proporção passou para 34,2% em 2019 e atingiu 34,9% em 2024. Na rede particular, em 2014 a proporção de escolas cobertas com o serviço já era de 70,3%.
Quanto à coleta de lixo, a cobertura das escolas públicas cearenses passou de 67,5% em 2014 para 86,3% em 2024.
Diferentes realidades na rede pública
As desigualdades ficam ainda mais acentuadas quando se analisa os resultados das diferentes redes que compõem a educação pública e a localidade onde as instituições estão localizadas. O acesso a esgoto, por exemplo, é ainda mais precário nas escolas municipais que estão na zona rural do Ceará.
Esse detalhamento está disponível no painel de Estatísticas do Censo Escolar da Educação Básica, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Segundo esses dados, a rede estadual do Ceará, em 2024, era composta por 759 instituições de ensino, e 60,3% delas estão ligadas à rede pública de esgoto.
Mas essa proporção sobe para 67,8% entre as 652 escolas estaduais em área urbana e cai para 15% entre as 107 unidades do Estado localizadas na zona rural.
Entre as 5.138 escolas municipais, por outro lado, apenas 31% estão ligadas ao esgotamento sanitário. Na área urbana, onde estão 2.743 delas, pouco mais da metade (54%) tem acesso ao serviço, enquanto essa proporção é de apenas 4,8% das 2.395 escolas municipais na zona rural em todo o Ceará.
A professora Clarice Zientarski, do Departamento de Fundamentos da Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC), trabalha com escolas do campo, indígenas e quilombolas, além das outras unidades da rede pública, e percebe o impacto dessa realidade no cotidiano das comunidades.
Apesar de destacar positivamente o acesso à energia elétrica, tanto nas escolas urbanas quanto nas unidades do campo, a professora avalia que a situação é “muito ruim no que diz respeito às condições mínimas para se ter uma vida digna, pois, como se observa, o acesso à rede de esgoto é quase inexistente”.
“Essas deficiências impactam diretamente no desenvolvimento do processo educativo, resultam na precarização do próprio ensino, do trabalho dos professores e da vida das crianças e jovens que frequentam essas escolas, levando ao adoecimento, à fragilização em relação ao conhecimento, às expectativas de vida e projeção para o futuro”, afirma.
Pedro Rodrigues, coordenador de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação, destaca a importância de que todas as escolas garantam que itens de infraestrutura básica — como esgoto, água potável e coleta de lixo — estejam disponíveis.
Apesar de a competência para realizar a ligação com a rede pública de esgoto, por exemplo, não seja das secretarias de educação, Rodrigues aponta que a falta dela reflete a desigualdade existente no Brasil.
Em julho, o Diário do Nordeste mostrou que a garantia do direito ao saneamento básico ainda é um desafio para as três maiores cidades do Ceará. O Ranking do Saneamento 2025, do Instituto Trata Brasil, mostrou que Fortaleza, Caucaia e Juazeiro do Norte estão entre as 40 menores notas do levantamento.
Em nota, a Secretaria da Educação do Ceará (Seduc) informa que oferta o Ensino Médio e que trabalha para garantir espaços escolares adequados em termos de estrutura e aprendizagem.
“Com relação ao saneamento, mais de 60% das escolas estaduais estão conectadas com a rede pública de esgoto. As que não possuem, são atendidas com fossas sépticas e sumidouros, que seguem padrões de segurança”, afirma.
Sobre a coleta de lixo, segundo a pasta, as escolas estão inseridas no serviço prestado pelos municípios, já que a limpeza é de competência municipal. Leia nota completa no fim desta matéria.
Melhorias na educação do Ceará
Para Rodrigues, apesar de as desigualdades persistirem, os avanços “são inúmeros”, inclusive na infraestrutura básica das unidades escolares. “Por mais que os dados ainda nos choquem — e têm que chocar, porque têm que ser um alarme para que os gestores públicos garantam que as escolas contem com infraestrutura básica —, sabemos que o País tem avançado bastante”, destaca.
Mas são muitos os outros indicadores em que o coordenador destaca melhorias na educação pública. Um deles é a taxa de distorção idade-série nos anos iniciais do Ensino Fundamental do Ceará. Esse aspecto diz respeito aos estudantes que reprovaram mais de duas vezes e, com isso, estão com mais de dois anos de diferença do que deveriam estar na idade escolar.
Em 2014, cerca de 13% dos estudantes do 5º ano estavam com pelo menos dois anos de atraso na trajetória escolar — proporção que reduziu para 3% em 2024. “Aqui temos um avanço muito relevante, que mostra que os alunos não estão mais ficando para trás, eles estão conseguindo acompanhar a trajetória escolar como deveriam”, afirma.
Outro ponto que ele cita é o aumento da proporção de alunos da rede pública com aprendizagem adequada em Língua Portuguesa e Matemática ao final do 5º ano, de 23% em 2013 para 48% em 2023. “Entendemos que é algo muito importante, que são impactos da política pública do Ceará, que é um sucesso e vem sendo reproduzida Brasil afora”, finaliza.
Leia nota completa da Seduc
"A Secretaria da Educação do Ceará (Seduc) oferta o Ensino Médio e vem trabalhando para garantir espaços escolares adequados em termos de estrutura e aprendizagem. Com relação ao saneamento, mais de 60% das escolas estaduais estão conectadas com a rede pública de esgoto. As que não possuem, são atendidas com fossas sépticas e sumidouros, que seguem padrões de segurança.
Sobre a coleta de lixo, as escolas estão inseridas no serviço prestado pelos municípios, já que a limpeza é de competência municipal. O núcleo gestor da escola organiza como os resíduos são acondicionados até a retirada.
Não há incentivo à queima de lixo nas escolas. Inclusive o tema norteador para as atividades pedagógicas em 2025 é Educação Ambiental, Sustentabilidade e Emergência Climática. Assim, os programas, projetos e práticas de ensino da rede estadual são orientados por esse tema, contribuindo para a formação de cidadãos conscientes, capazes de compreender os desafios globais, agir de forma responsável em suas comunidades e promover transformações sociais alinhadas aos compromissos ambientais, construindo um futuro mais justo e equilibrado para todos."
“Para além da aprendizagem, esses itens são importantes para a vida, são condições essenciais para que as crianças vivam dignamente no tempo que estão na escola”, diz.
Mais um teto para ser furado
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
O avanço de propostas inviáveis no Congresso quase sempre se deve a uma certa ingenuidade, puro desconhecimento ou mera hipocrisia por parte dos parlamentares. Alguns senadores, portanto, deveriam explicar qual dessas alternativas está por trás do Projeto de Resolução do Senado 8/2025, por meio do qual pretendem estabelecer um teto para a dívida bruta da União. Trata-se de ideia tão simples quanto equivocada, não só no conteúdo como na forma, e que certamente não resolverá os problemas fiscais que se acumulam há anos.
Em princípio, quem defende a responsabilidade fiscal enquanto princípio não teria motivos para se colocar contra a proposta, haja vista que o arcabouço fiscal proposto pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não foi capaz de estabilizar a trajetória da dívida pública, situação que retroalimenta juros elevados.
Juros elevados, por sua vez, encarecem o crédito para o setor privado, diminuem a atratividade de investimentos em infraestrutura e reduzem a expectativa para o crescimento da economia. É provável que tenha sido nesse contexto que surgiu a ideia do teto para a dívida.
De qualquer forma, na justificativa da proposta, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) argumenta que foi a Constituição que deu ao Senado a competência de fixar limites globais para a dívida consolidada da União, Estados e municípios, mas que eles têm sido aplicados somente para os entes subnacionais.
Originalmente, Renan sugeriu que a dívida pública se limitasse a quatro vezes a Receita Corrente Líquida (RCL) da União, mas o relator, Oriovisto Guimarães (PSDB-PR), propôs que ela não ultrapasse 6,5 vezes a RCL e que não supere o nível de 80% do Produto Interno Bruto (PIB).
Que bom seria se todos os desafios nacionais fossem resolvidos com base no que está escrito em lei. Mas, como lembrou ex-presidente do Banco Central (BC) e ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles em sua coluna no Estadão, o País já conta com um arsenal de leis suficiente para orientar a política fiscal. O diabo está nas exceções que se criam ao longo do tempo para fugir do cumprimento delas. “O que pode ser aprimorado é a execução da política fiscal, sem novas exceções ao sabor do momento”, disse Meirelles.
Também em sua coluna neste jornal, o economista e ex-diretor do BC Alexandre Schwartsman lembrou que o projeto em discussão no Senado padece dos mesmos erros do antigo teto de gastos e do atual arcabouço fiscal: não atacar os gastos obrigatórios, que se expandem em um ritmo acima do crescimento sustentável do PIB. “Fracassam porque tentam conter o sintoma, não sua causa”, definiu.
Exatamente por não resolver a dinâmica do gasto público, o projeto estabeleceria mais um teto para ser furado em tempo recorde. Isso porque a dívida bruta do governo geral já estava em 77,5% do PIB em agosto e deve ultrapassar o nível de 80% do PIB em breve.
O governo fez chegar aos senadores que a proposta poderia paralisar a máquina pública, gerar um choque recessivo e até mesmo levar a um calote, enquanto o BC sinalizou que o projeto imporia dificuldades adicionais à condução da política monetária e à estabilidade financeira.
O mais grave é que, por ser um projeto de resolução do Senado, o texto, uma vez aprovado, entraria em vigor de maneira imediata, sem jamais ter passado pela Câmara e sem estar sujeito a vetos presidenciais. Ora, seria um disparate se um tema de tamanha importância e impacto para as contas públicas fosse decidido apenas pelo Senado.
Após apresentar seu parecer, Oriovisto disse que está disposto a discutir o projeto com o governo e o BC antes que ele seja deliberado e, felizmente, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) decidiu adiar sua votação para debater seus impactos em uma audiência pública com integrantes do Ministério da Fazenda e da Casa Civil.
O melhor mesmo é que o Senado desista de uma vez desse projeto. Afinal, criar uma regra que só serviria para bagunçar ainda mais um conjunto de normas fiscais já bastante confuso e que já nasceria com um prazo de validade curto é tudo de que o País não precisa neste momento.
A um ano da eleição, Lula intensifica agenda, adota discurso eleitoral e mira adversários
A um ano da eleição, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva intensificou a agenda pelo País e já visitou mais capitais e cidades em 2025 do que na totalidade de cada um dos dois primeiros anos do terceiro mandato. O petista tem usado viagens e atos oficiais para acelerar a guinada eleitoral, defendendo bandeiras que ajudaram a recuperar a popularidade do governo, como a soberania nacional, e apresentando programas sociais em tom de pré-campanha de olho em 2026.
Neste ano, em nove meses, Lula já esteve em 65 cidades de 19 Estados, número que supera o total do ano de 2024 (60) e o de 2023 (36), quando priorizou viagens internacionais. A intensificação da agenda marca a contagem regressiva para as eleições de 4 de outubro de 2026 e tem se concentrado em Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, que juntos reúnem cerca de 40% do eleitorado.
Em agosto, em Belo Horizonte, Lula lançou o programa Gás do Povo, o novo vale-gás do governo federal. No mesmo mês, no Rio de Janeiro, participou da divulgação de R$ 33 bilhões em investimentos da Petrobras. Já no fim de julho, em São Paulo, anunciou um pacote de R$ 4 bilhões para urbanização de favelas e, em Sorocaba, transformou a inauguração de consultórios odontológicos em discurso de campanha: “Três mandatos incomodaram muito, muito mais. Imagina se tiver o quarto mandato”, disse.
Depois de SP, MG e RJ, o Nordeste foi o terceiro destino mais visitado por Lula em 2025, região onde historicamente concentra sua base de votos. Durante as viagens, aproveitou para criticar a gestão do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), apontado como um dos principais nomes da direita para 2026, e alfinetar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL): “Podem ter certeza que eu serei candidato para ganhar as eleições, porque eu não vou entregar este País de volta para aquele bando de malucos”, disse no Ceará, em junho.
Para o presidente do PT, Edinho Silva, as viagens são parte do estilo de governar de Lula e servem também para fortalecer os palanques regionais em 2026. “Ele é candidato à reeleição”, resume. Já o ministro da Previdência, Wolney Queiroz, atribui o aumento das agendas às entregas do governo. “Chegou a hora de cumpri-las pelo Brasil, e é isso que ele tem feito.”
O movimento de intensificar as viagens acompanhou a virada no cenário político, quando Lula registrou a pior avaliação de suas três gestões, em fevereiro. Para aliados, o petista recuperou parte da popularidade ao adotar uma ofensiva digital com o mote “ricos versus pobres”, mirando Congresso, Centrão e oposição, tachados como defensores de privilégios em detrimento do povo. O líder do governo na Câmara, Lindbergh Farias (PT-RJ), afirma que Lula chegará “fortalecido” a 2026, depois de “sair das cordas nos últimos meses”.
A disputa em torno do IOF reforçou essa guinada: em julho, a Câmara derrubou o decreto do governo que elevava as alíquotas do imposto, cobrado em operações de crédito como empréstimos, financiamentos e cartão. O revés foi parcialmente revertido por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, o que permitiu ao Planalto ressignificar a disputa e apresentá-la como símbolo de sua defesa da “justiça tributária” e da taxação dos mais ricos.
A melhora apareceu nas pesquisas seguintes. A aprovação de Lula subiu três pontos entre julho e agosto, de 43% para 46%, e se manteve estável em setembro. Para o cientista político Antonio Lavareda, a recuperação também foi alimentada pelo tarifaço de Donald Trump, articulado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL) e endossado por líderes da direita. As sanções abriram espaço para o governo resgatar a defesa da soberania nacional e das cores verde e amarelo, símbolos que haviam se tornado quase exclusivos do bolsonarismo.
Esse discurso foi logo incorporado às agendas. Em agosto, em Juazeiro (BA), Lula voltou a ligar Jair e Eduardo Bolsonaro ao tarifaço de Trump e os chamou de “traidores da pátria”. A ofensiva teve cálculo político: pesquisa Quaest do mesmo mês aponta que 71% dos eleitores avaliam que Trump errou ao impor a tarifa. “Bolsonaro se abraça na bandeira americana. É um patriota falso”, disparou o petista.
Entre aliados, a avaliação é que a narrativa pegou. Eles acreditam que o mote da soberania nacional e o discurso de que os ricos devem pagar mais impostos deu certo e trouxe de volta bandeiras históricas do PT, como a redução das desigualdades e a luta contra o inimigo externo. “Acho que essa foi a grande sacada que fez essa mudança”, afirma o deputado Jilmar Tatto (PT-SP). Na mesma linha, o deputado Rogério Correia (PT-MG) avalia que essas bandeiras “viraram um marco do governo”, dando clareza ao projeto que o partido pretende defender em 2026.
A percepção é semelhante à do marqueteiro político Pedro Simões. Para ele, o governo conseguiu consolidar uma marca que até pouco tempo era vista como ausente. “Antes falavam que faltava marca do governo. Agora está difícil dizer que não tem”, afirma. Ele destaca também os “últimos erros da direita”, como a aprovação da PEC da Blindagem na Câmara, capitaneada pelo Centrão, e a defesa da anistia para os condenados nos atos golpistas. “Quando seu ‘inimigo’ estiver errando, não o interrompa”, diz.
Simões acrescenta que a profissionalização da equipe de comunicação, liderada pelo ministro Sidônio Palmeira na Secretaria de Comunicação Social, ajudou a intensificar a exposição de Lula, com mais viagens, entrevistas e atos oficiais.
Oposição critica ‘palco eleitoral’ no governo
Na oposição, o tom é o oposto. O líder do PL na Câmara, deputado Zucco (RS), sustenta que Lula nunca deixou o palanque desde que voltou ao Planalto e transformou a Presidência em palco eleitoral.
Para o parlamentar, o petista instiga a divisão entre esquerda e direita e, após a queda nas pesquisas, intensificou esse movimento ao abrir “os cofres de forma desordenada” e criar novos impostos para turbinar a arrecadação. “O governo dá com uma mão, ao prometer isenção no Imposto de Renda, mas tira com duas ao criar novas taxações”, afirma, em referência às medidas de compensação enviadas ao Congresso para bancar a ampliação da faixa de isenção.
Zucco também acusa Lula de usar a máquina pública em benefício eleitoral e de atacar Jair Bolsonaro, que, na visão dele, estaria “injustamente preso, retirado do jogo político por uma farsa jurídica”.
Até o final do ano, Lula deve manter o ritmo de viagens e inaugurações, apostando na estratégia de transformar entregas em vitrine eleitoral. A expectativa no Planalto é encerrar 2025 com a base mobilizada nos principais colégios eleitorais e um discurso afinado para entrar em 2026 já em clima de campanha.
Aprovação de reforma administrativa será conquista histórica
Por Editorial / O GLOBO
Convivem no funcionalismo salários baixos, categorias cercadas de privilégios e falta de avaliação objetiva, resultando na péssima qualidade dos serviços prestados à população. Corrigir tais distorções é o objetivo da proposta apresentada pelo relator da reforma administrativa, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ). Aprová-la deve ser prioridade. O Congresso tem, afinal, a oportunidade de corrigir as regras anacrônicas e ineficazes que regem os 11 milhões de servidores públicos. Na União, a folha de pagamentos de R$ 400 bilhões anuais é a segunda maior despesa do Orçamento, abaixo apenas da Previdência. Enquanto esta já passou por mais de uma reforma, as carreiras do funcionalismo jamais foram atualizadas de forma abrangente.
Com a alteração de 40 artigos da Constituição, a proposta estabelece que o funcionalismo seja submetido a avaliações periódicas de desempenho, cujo resultado servirá de base a promoções ou bonificação. O tempo de serviço deixa de ser critério para progressão na carreira. Bônus passam, também, a ter limite: até dois ou, para servidores em cargos de confiança, quatro salários anuais, sobre os quais não incidirá o teto constitucional de R$ 46,3 mil.
O texto estipula um limite de 10% do salário às verbas indenizatórias, os proverbiais “penduricalhos” com que a elite do funcionalismo turbina seus salários. Ficarão dentro desse limite auxílios de alimentação, saúde e transporte, comuns em carreiras no Judiciário e no Ministério Público. A intenção é acabar com o uso de auxílios para aumentar salários e, ao mesmo tempo, resgatar a credibilidade do teto constitucional. Para isso, os gastos com os “penduricalhos” não poderão crescer acima da inflação. A PEC proíbe ainda o pagamento em dinheiro de férias e licenças não usufruídas. Se aprovada, também não haverá pagamentos retroativos sem decisão judicial. Por fim, impõe disciplina ao trabalho remoto, limitando o recurso ao home office.
No cerco para eliminar brechas, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) ficam proibidos de criar benefícios e gratificações. Outra medida moralizadora é o fim da aposentadoria compulsória como pena judicial. Juízes e procuradores passarão a estar sujeitos à perda do cargo se condenados em casos graves. A aposentadoria forçada equivale a um prêmio.
Para que haja ordem no pagamento ao funcionalismo, será estabelecido o prazo de dez anos para que União, estados e municípios criem uma tabela de remuneração. A partir de 2027, os entes federativos já deverão respeitar um teto em suas despesas com pessoal. Mesmo que haja aumento de receita, ele será incorporado ao gasto à razão de no máximo 2,5% por ano. Com isso, reforça-se a disciplina fiscal e impede-se o crescimento automático da folha de pagamentos. A proposta também fixa limites à estrutura administrativa de governos municipais. Prefeituras com déficit sofrerão restrições no número de secretarias. Os salários de prefeitos, vices e secretários ficarão entre 30% e 80% da remuneração do governador, dependendo da população. Além disso, o Executivo federal terá de fazer revisões anuais de gastos, com diagnósticos sobre a alocação dos recursos.
Ao preencher o vazio regulatório sobre as carreiras do Estado, a reforma administrativa promete uma revolução no serviço público. Se o Congresso conseguir aprová-la sem desidratá-la, será um feito histórico.
A Esplanada dos Ministérios, em Brasília — Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo
Atas do conselho da Previdência já registravam irregularidades no consignado há 20 anos
Atas de reuniões do CNPS (Conselho Nacional da Previdência Social) obtidas pela Folha já registravam irregularidades nos descontos de empréstimos consignados de aposentadorias e pensões pagas pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) há 20 anos.
Na 115ª reunião ordinária, de outubro de 2005, os integrantes do colegiado, responsável por estabelecer diretrizes e acompanhar a gestão do RGPS (Regime Geral de Previdência Social), trataram do problema.
Eram os primeiros anos do empréstimo consignado e o conteúdo das atas sugere que o desconto indevido está na gênese dessa modalidade de crédito, de acordo com técnicos do INSS ouvidos pela reportagem sob a condição de anonimato. O consignado tem como garantia de pagamento das parcelas do empréstimo as aposentadorias e pensões.
Um desses técnicos trata o atual escândalo, que envolve os descontos associativos dos benefícios do INSS e motivou a instalação de uma CPI no Congresso Nacional, como assunto "correlato" às irregularidades identificadas duas décadas atrás.
Naquela reunião, representantes da Ouvidoria do Ministério da Previdência alertaram o conselho para o aumento dos casos de descontos do benefício de aposentados e pensionistas que não tinham autorizado a contratação de empréstimos.
Um desses representantes citou no CNPS que a reclamação sobre os casos em que o segurado não autorizava a contratação de empréstimos, mas sofria o desconto era crescente e o percentual dessa reclamação em relação a todas as outras recebidas pelo setor desde julho de 2004 até o mês de setembro de 2005 atingiria 15,7%.
O alerta da Ouvidoria tinha como preocupação a necessidade de informar os segurados do INSS para o uso consciente e comedido do consignado, já que a população beneficiária da Previdência era formada em geral por idosos e pessoas portadoras de alguma deficiência.
Representante do INSS na reunião do CNPS de outubro de 2005, Benedito Brunca foi o responsável pela atualização das informações sobre o consignado e os normativos que regulamentaram a Lei 10.820, de 2003, que autorizou os empréstimos consignados com desconto em folha.
Brunca é o atual secretário do RGPS do Ministério da Previdência, nomeado após a crise dos descontos associativos. Ele substituiu Adroaldo Portal, que foi nomeado secretário-executivo pelo novo ministro Wolney Queiroz (PDT-PE). Queiroz substituiu Carlos Lupi no comando da pasta.
Entre os normativos citados por Brunca estavam o prazo de 36 meses e a proibição de contratação de empréstimo por telefone. No início, somente as instituições pagadoras de benefícios podiam celebrar convênios para o fim de consignação em folha, mas depois foi admitida a possibilidade de qualquer instituição financeira realizar tal operação. Na época, o BMG era o maior operador, instituição financeira envolvida no caso do Mensalão.
Procurado diretamente pela reportagem, Brunca não respondeu o pedido para falar sobre a reunião.
Ministro da Previdência Social em 2005 e participante da reunião do CNPS, Nelson Machado disse à Folha que o desconto de associação é um fenômeno completamente diferente do crédito consignado. Ele ressaltou que na época da reunião era o início da implantação do crédito consignado. "Todo o início de processo, claro, tem problema. E a maneira como o INSS lidou com o problema do crédito consignado foi trazer para debate o sistema bancário", disse. "A ata mostra isso."
Segundo ele, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) atuou com os Procons para enfrentar os problemas no início dessa modalidade de crédito. "O fenômeno que aconteceu foi que os bancos começaram a contratar terceirizados para fazer a originação do crédito. E aí era complicado o controle", afirmou. "O sistema bancário criou até um sistema de autorregulação. E eles continuam até hoje atuando e fiscalizando."
Em junho de 2010, numa reunião do CNPS, o representante da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), Evandro José Morello, mostrou-se preocupado com a possibilidade de fraude no processo, lembrando os casos de falsificação de 145 documentos para concessão de empréstimos consignados.
Na época, ele pediu uma conversa com os bancos para garantir uma melhor segurança, de acordo com a ata do colegiado.
Agora, a Contag está entre as investigadas pelos descontos associativos e afirma que sempre pautou sua atuação pela legalidade e transparência.
O novo presidente do INSS, Gilberto Waller Junior, logo que assumiu tomou uma série de medidas regulatórias para barrar as fraudes.
À Folha o INSS disse que intensificou as ações para proteger aposentados e pensionistas de fraudes no crédito consignado, implementando um conjunto de medidas rigorosas e de efeito imediato. A principal delas é a exigência de biometria facial como etapa obrigatória para o desbloqueio de benefícios para empréstimos.
"No mesmo sentido, o Instituto suspendeu a contratação de empréstimos por representantes legais (tutores e curadores) sem autorização judicial prévia, conforme a Instrução Normativa 190/2025. O INSS também descredenciou instituições financeiras que não cumpriram as normas de conformidade exigidas para a prestação desse serviço", diz o INSS em nota enviada à reportagem.
Segundo o órgão, além disso, para fortalecer a proteção ao consumidor, foi firmado um Acordo de Cooperação Técnica com a Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor), do Ministério da Justiça, para monitorar e tratar as reclamações registradas na plataforma Consumidor.gov.br.
A Febraban disse que desconhece registros de problemas em atas do CNPS nos últimos 20 anos, mas reiterou que as instituições financeiras não compactuam com fraudes e ilícitos. Para combater irregularidades no setor, desde janeiro de 2020 está em vigor a Autorregulação do Consignado, que visa eliminar do sistema as más práticas relacionadas à oferta e contratação dessa modalidade de crédito.
Pela autorregulação, é considerada falta grave qualquer forma de captação ou tratamento inadequado ou ilícito dos dados pessoais dos consumidores sem sua autorização e todos os bancos que participam da autorregulação assumem o compromisso de adotar as melhores práticas relativas à proteção e ao tratamento de dados pessoais dos clientes e o combate a fraudes.
Desde o início das regras, em 2020, até setembro de 2025, 1.962 medidas administrativas foram aplicadas a correspondentes bancários, dos quais 113 perderam o direito de exercer a atividade em definitivo e estão impedidos de prestar serviços aos bancos e sete agentes de crédito foram bloqueados.
Os bancos que não aplicarem as sanções a correspondentes podem ser multados pelo Sistema de Autorregulação por conduta omissiva, cujos valores variam de R$ 45 mil até R$ 1 milhão.
Embora a operação Sem Desconto, ação da Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União, que desmontou o esquema ilegal dos descontos, tenha focado nos descontos associativos, as irregularidades na concessão dos empréstimos consignados também entraram na mira das investigações.
Uma frente de investigação mira fraudes e irregularidades envolvendo empréstimo consignado para aposentados e pensionistas e possíveis elos com os descontos associativos de sindicatos e entidades de classe.
Cota para nordestinos em universidade estadual de SC provoca reação de governador: 'Não vamos aceitar'
Por Luis Felipe Azevedo — Rio de Janeiro / O GLOBO
O governador de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL), foi às redes sociais cobrar a reitoria da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) por conta de um edital de pós-graduação com cotas que prevê a reserva de vagas a alunos das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Ele afirma ser “só o que falta, dinheiro do catarinense ter cota para quem é de fora”. Após a repercussão do vídeo, a Udesc publicou uma nota na qual afirma que a prática “não corresponde a uma política institucional e não deverá constar em futuros processos seletivos”.
Lançado em fevereiro deste ano, o edital nº 50/2024 regula a seleção de alunos de pós-graduação em Música, do Centro de Artes, Design e Moda (Ceart) da Udesc. O documento prevê a reserva de quatro vagas para ampla concorrência, três para pretos e pardos, e dois para indígenas, quilombola, transsexuais e pessoas com deficiência. Também há a previsão de uma vaga para graduados no Nordeste, Norte e do Centro-Oeste.
— Já não basta a gente mandar nosso dinheiro para Brasília e voltar uma migalha? Já vou avisando que não concordo. Não vamos aceitar esse absurdo com o dinheiro do catarinense — disse Mello no vídeo publicado nas redes sociais, no qual enfatiza que a universidade é mantida com recursos estaduais.
O governador oficiou à administração da Udesc , da qual cobra informações sobre os critérios adotados para a concessão de vagas na instituição. A Udesc disse assegurar que “todas as suas políticas de inclusão seguirão a legislação vigente sobre o assunto, bem como os parâmetros constitucionais de igualdade de oportunidades”.
“É importante reforçar que a Udesc é, essencialmente, uma universidade catarinense: dos mais de 12 mil alunos matriculados, cerca de 67% nasceram em Santa Catarina e, quando considerados também os residentes no estado, esse percentual se aproxima de 80%. Portanto, quatro em cada cinco estudantes da universidade são catarinenses, valorizando também a cooperação acadêmica nacional e internacional”, diz a instituição.
A universidade alegou também que “continuará avançando em políticas inclusivas, sempre orientada pela transparência, pelo diálogo com a comunidade acadêmica e pelo compromisso inegociável com o interesse público”.
O silêncio do Brasil
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
Na ONU, o presidente Lula da Silva foi ovacionado ao discursar de maneira contundente, entre outros temas, contra a ação de Israel em Gaza. Mas, quando se abriu a primeira janela de paz real para Gaza, o petista calou-se. Grande na tribuna, pequeno na ação.
Na segunda-feira, o presidente americano, Donald Trump, apresentou a proposta mais abrangente até agora para solucionar o conflito. Aceita por Israel, ela responde consistentemente a duas questões cruciais: como encerrar o combate, com a devolução imediata dos reféns israelenses, e como organizar a reconstrução e a governança de Gaza com vistas à criação de um Estado palestino. Seria de esperar que Lula abraçasse efusivamente a oportunidade. Mas, pelo jeito, ele prefere perorar sobre o “genocídio” a encerrá-lo.
Na quarta-feira, numa comunicação em audiência na Câmara, o chanceler Mauro Vieira fez longas recriminações a Israel, mas não citou o plano. Segundo apuração de O Globo, a diretriz era esperar a posição do Hamas, o que seria condicionar a reação oficial do Brasil ao veredicto de um grupo terrorista. Questionado pelos deputados, Vieira se resignou a dizer que estava “acompanhando” o plano e pretendia “aplaudi-lo”. Quando este editorial foi ao prelo, a única nota recente do Itamaraty sobre o conflito era uma condenação a Israel por impedir uma flotilha de ativistas pró-palestinos de chegar a Gaza a pretexto de entregar ajuda humanitária.
Quando o governo se dignou a tomar conhecimento da proposta – segundo Vieira, na tarde de 30/9, mais de 24 horas após ser lançada –, ela já fora endossada, com ofertas de apoio, pela Autoridade Palestina, por grandes nações islâmicas e ocidentais, por potências como China, Rússia e Índia, por organismos multilaterais como a ONU e por lideranças religiosas, como o papa. Enquanto o Hamas sofre pressão máxima do mundo – incluindo patronos como Catar e Turquia –, o governo que se gaba de ser voz “ativa e altiva” no “Sul Global” silencia.
Assim como Lula nunca desce do palanque no Brasil, nunca desce do púlpito fora dele. Eis a diplomacia reduzida a espetáculo de autopromoção: verborrágica ao posar de tribuno anti-imperialista, mas titubeante quando os fatos exigem pragmatismo; indignada contra Israel, mas condescendente com Hamas, Irã ou Hezbollah; furiosa ao cobrar protagonismo, mas tímida quando pode ser protagonista. O multilateralismo é exaltado na teoria e descartado na prática, justamente quando uma articulação internacional se materializa.
Para Lula, o desfecho do drama importa menos que o figurino dos atores. Se os “fascistas” Trump e o premiê de Israel, Binyamin Netanyahu, rubricam a embalagem do remédio, para Lula ele vira veneno.
Enquanto o mundo desperta e pressiona o Hamas a escolher entre a rendição que pode alicerçar um futuro digno para Gaza ou a imolação que pode soterrá-lo, Lula hesita. Quem mais perde não é Trump nem Netanyahu: são os palestinos, mantidos como peças num tabuleiro em que Brasília só joga para consumo interno.
De nada servem proclamações “históricas” se, quando a História bate à porta, o Brasil emudece. Esta é a hora em que estadistas trocam aplausos por ações. Mas a diplomacia lulista não se guia por avanços no terreno, só por flashes no palco. O resto é silêncio.
‘Ritmo de Brasília’: quando a esquerda desistiu da eficiência no serviço público?
Por Redação / O ESTADÃO DE SP
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, gerou ruído ao falar, numa entrevista recente a um podcast, sobre a estabilidade do servidor público. Ele falou sobre regras claras de desempenho, padrão de qualidade e padrão de eficiência e sugeriu que servidores que não cumprem esses atributos deveriam ter a estabilidade questionada (leia conteúdo integral no vídeo acima).
O discurso de Haddad provocou uma enxurrada de comentários, memes e até um certo sentimento de traição, destaca o colunista do EstadãoPedro Fernando Nery, no programa Chama o Nery. Num dos memes, Haddad foi comparado ao ex-ministro da Economia Paulo Guedes, que durante o governo Bolsonaro usou a expressão de “colocar a granada no bolso do servidor”.
Apesar disso, Haddad se limitou a enfatizar que “é preciso produzir” no setor público, sinalizando preocupação com a entrega de serviços de qualidade à população.
O episódio expõe um dilema político para o governo: de um lado, a base de apoio entre servidores públicos, que teme perdas de direitos ou abertura para a precarização; de outro, a demanda da sociedade por serviços públicos mais eficientes, especialmente em áreas como saúde e educação. Essa tensão ganha relevância diante da proposta de reforma administrativa em discussão no Congresso, relatada pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), que também aborda critérios de avaliação de desempenho no funcionalismo.
Vale lembrar que a Constituição já prevê a possibilidade de demissão de servidores por insuficiência de desempenho, mas a lei que regulamentaria esse mecanismo está parada há quase 30 anos. A fala de Haddad, ainda que não tenha sido uma proposta formal, trouxe o tema de volta ao debate público.
A questão agora é saber se, em algum momento, será possível associar eficiência no serviço público a uma visão progressista — ou se o conceito seguirá visto como uma pauta de viés neoliberal.
Reforma administrativa: PEC limita supersalário, veda férias de 60 dias e cria regras para concursos
Por Daniel Weterman / O ESTADÃO DE SP
BRASÍLIA — A reforma administrativa na Câmara vai propor uma tabela única de remuneração para todo o serviço público brasileiro, instituir uma medida de avaliação do desempenho dos servidores e restringir o pagamento dos supersalários.
O Estadão teve acesso ao conteúdo das propostas que serão apresentadas pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), coordenador do Grupo de Trabalho da reforma, na Câmara. O pacote inclui uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), um Projeto de Lei (PL) e um Projeto de Lei Complementar (PLP). Veja os principais pontos:
Supersalários
A PEC restringe os chamados supersalários, que são as remunerações pagas acima do teto salarial do funcionalismo (hoje, de R$ 46,4 mil por mês). As verbas indenizatórias, que inflam o salário da elite do funcionalismo público com “penduricalhos”, deverão ter natureza reparatória e destinar-se exclusivamente ao pagamento de despesas realmente episódicas, eventuais e transitórias.
Será proibido o pagamento de “penduricalhos” de forma rotineira e permanente e a concessão indistinta de verba à totalidade de uma categoria, acabando com o que acontece hoje. Os auxílios de alimentação, saúde e transporte ficarão fora dessa restrição.
O orçamento dos governos para o pagamento de verbas indenizatórias terá um “teto de gastos” e não poderá crescer mais do que a inflação do ano anterior, com base nos valores pagos em 2020. Além disso, o pagamento retroativo desses valores somente poderá ocorrer por decisão judicial transitada em julgado.
Para servidores públicos que recebem 90% ou mais do teto constitucional, os auxílios de alimentação, saúde e transporte, no total, não poderão ultrapassar 10% do salário.
A PEC também vai proibir a aposentadoria compulsória como sanção disciplinar para magistrados e membros do Ministério Público que praticarem faltas graves. Juízes e procuradores poderão ser demitidos por processo administrativo disciplinar pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ou pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
Férias e criação de novos ‘penduricalhos’
A PEC proíbe férias de 60 dias, gozadas atualmente por juízes, e define que nenhum servidor tenha férias superiores a 30 dias por ano, com exceção de professores e profissionais de saúde expostos a riscos que justifiquem um período maior. O poder público também não poderá pagar adicional de férias superior a um terço da remuneração do período e não poderá parcelar as férias em mais de três períodos.
A PEC também proíbe aumento de salário ou de parcelas indenizatórias apenas por tempo de serviço, incluindo quinquênios, e pagamento de férias ou licenças não usufruídas. Atualmente, algumas categorias usam essas vantagens para inflarem salários fora do teto constitucional.
Novas verbas remuneratórias ou indenizatórias só serão criadas com aprovação do Congresso. Hoje, alguns órgãos das próprias categorias, como Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), criam benefícios generalizados para os servidores sem aprovação de lei.
Tabela única
A União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios deverão implementar, por meio de lei específica, uma tabela remuneratória única para para todos os agentes públicos. Essa tabela deverá conter o número de “escadas” remuneratórias de cada cargo público, com valores entre o salário mínimo (R$ 1.518) e o teto do funcionalismo (hoje R$ 46,4 mil por mês). A remuneração inicial de uma carreira será limitada a 50% do valor do último nível da mesma carreira.
Avaliação por desempenho
A PEC vai instituir uma exigência de avaliação dos servidores públicos por desempenho. Todo os órgãos do setor público deverão realizar avaliação periódica de desempenho dos funcionário. A PEC preserva a estabilidade, mas, na fase do estágio probatório, que hoje dura de dois a três anos, deixa explícito que o servidor será exonerado se for verificada inaptidão para o exercício das atribuições e responsabilidades inerentes ao cargo.
Para os demais efetivos, a PEC estabelece que a progressão funcional nas carreiras e o pagamento de bônus estarão condicionados à avaliação por desempenho e a instrumentos instrumentos de governança e gestão. os órgãos poderão instituir um bônus por resultado, equivalente a uma 14º folha de pagamento, para aqueles que cumprirem os objetivos e as metas definidas.
Concursos públicos
Para realizar novos concursos públicos, o governo deverá fazer o chamado “dimensionamento da força de trabalho”, para identificar onde há necessidades, com metodologia definida em regulamento — que não está na PEC — e ampla divulgação pública, para planejar a alocação de pessoal. Os concursos públicos deverão priorizar carreiras transversais, que são aquelas que contratam profissionais com alta qualificação e que ficam disponíveis para atuarem em mais de um órgão, como analista de infraestrutura e especialista em políticas públicas. O poder público deverá ainda comprovar a necessidade dessas contratações.
Os Estados e municípios poderão aderir ao Concurso Nacional Unificado (CNU) do governo federal e utilizar a base de aprovados para selecionar servidores.
Cargos comissionados
Do total de cargos na administração, no máximo 5% poderá ser reservado para cargos comissionados (destinados a não servidores e nomeados politicamente) na União, nos Estados e nos municípios. Esse porcentual poderá ser maior somente nos municípios de até 10 mil habitantes, para até 10%, em situações devidamente justificadas. No mínimo 50% dos cargos em comissão devem ser ocupados por servidores efetivos. A União e os Estados deverão implementar o limite em dois anos após a promulgação da PEC. Os municípios terão três anos para se adaptarem. Quem não cumprir o prazo ficará impedido de criar novos cargos de comissão e funções de confiança (servidores que recebem funções de chefia).
Os ocupantes de cargos comissionados e funções de confiança serão submetidos à avaliação periódica de desempenho diferenciada dos demais servidores públicos, com objetivos e metas estabelecidos pela gestão.
Contratação de temporários por concurso
A PEC institui autoriza a contratação de servidores temporários por concurso público, criando um modelo chamado de “investidura a termo em cargo efetivo”. Nessa modalidade, os funcionários serão contratados por um período não inferior a 10 anos. Para isso, o governo deverá demonstrar que a função é transitória e qual a necessidade daquela contratação. A quantidade de servidores temporários contratados por concursos não poderá ultrapassar 5% do total de efetivos naquele cargo ou carreira.
Planejamento estratégico
O presidente da República, o governador e o prefeito serão obrigados a divulgar, seis meses após a posse, um plano estratégico com objetivos e metas para todo o mandato que deverão orientar acordos anuais para a definição de metas e objetivos na gestão pública. São nesses acordos que estarão previstos os planos de avaliação periódica dos servidores.
Teto de gastos
A PEC institui um teto de gastos para o Judiciário, o Legislativo, os Tribunais de Contas e os Ministérios Públicos nos Estados e municípios, incluindo o pagamento de pessoal. As despesas desses órgãos não poderão ter crescimento real (acima da inflação) superior a 2,5% ao ano a partir de 2027 — o mesmo teto do arcabouço fiscal da União. Os Executivos estaduais e as prefeituras ficarão de fora desse limite. Os municípios, exceto as capitais, com despesas de custeio administrativo que superem a arrecadação própria — sem contar as transferências obrigatórias e voluntárias — terão limites máximos de secretarias, variando de cinco a 10, conforme a população.
O governo federal e os Executivos estaduais e municipais deverão realizar uma revisão de gastos públicos de forma permanente, com avaliação periódica das despesas e realocação de recursos para políticas públicas que forem identificadas como prioritárias. Para a União, as medidas de revisão de gastos deverão estar em um anexo específico da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), enviada todos os anos para o Congresso. O governo Lula inaugurou esse mecanismo em 2023. Com a PEC, a medida se torna constitucional.
Cartórios
As atividades dos cartórios, denominada tecnicamente de serviços notariais e de registro, são exercidas por pessoas em caráter privado, mas por delegação do poder público. A reforma aplica um teto de remuneração aos novos titulares de cartórios, aqueles que assumirem após a aprovação da PEC, que não poderão ter retribuição líquida superior a 13 vezes o teto do STF por ano, descontadas as despesas necessárias à operação do serviço. Hoje, o valor máximo chegaria a R$ 602,8 mil por ano.
Os dirigentes dos cartórios terão as atividades encerradas compulsoriamente ao atingirem 75 anos de idade - essa regra também é aplicável apenas aos todos titulares.
Estatais e quarentena
Estatais não dependentes, exceto aquelas com capital aberto e bancos, passarão a ter de respeito o teto remuneratório do governo federal, equivalente ao salário dos ministros do STF. Hoje, essas empresas não possuem teto para remuneração. A obrigação não se estende aos membros estatutários, segundo a proposta.
Quem ocupar cargos de direção no governo, em empresas estatais e agências reguladoras deverá respeitar um período de quarentena após saírem das funções. O período será de um a a três anos, conforme definição em regulamento. Nesse prazo, essas pessoas ficam proibidas de atuarem em empresas do mesmo setor e representarem interesses de entidades com as quais tenha tido contato em razão do cargo.
Sucateamento de agências reguladoras exige atenção especial do governo
Por Editorial / O GLOBO
O sucateamento das agências reguladoras é preocupante. Todas receberão neste ano menos do que recebiam em 2016, em valores corrigidos pela inflação, revelou reportagem do GLOBO. De acordo com o orçamento aprovado para 2026, sete das 11 continuarão na mesma situação no ano que vem. Enquanto as folhas salariais e demandas da sociedade aumentam, organismos regulatórios essenciais para a fiscalização da qualidade dos serviços públicos são estrangulados com verbas insuficientes.
A Agência Nacional do Petróleo (ANP) teve de interromper por vários dias o monitoramento da qualidade dos combustíveis. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) ficou momentaneamente sem a possibilidade de agendar exames teóricos de habilitação para pilotos e mecânicos. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) demitiu funcionários e interrompeu serviços de fiscalização. O momento não poderia ser pior. O crime organizado tem sido contumaz na venda de combustível adulterado. A demanda por transporte aéreo cresce. Eventos climáticos seguidos de apagão demonstram o descaso das empresas de distribuição de energia.
Não há como negar a gravidade da crise fiscal. A dívida pública só faz crescer. Representava 71,7% do PIB quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse em 2023 e não será surpresa se romper a barreira de 80% até a posse do próximo presidente em 2027. Mas o governo resiste a adotar medidas estruturais de controle de gastos e, em vez disso, para cumprir metas fiscais, prefere compensar o crescimento das despesas via aumento de receitas e sufoca as agências independentes.
Criadas durante a década de 1990 na reforma do Estado promovida por Fernando Henrique Cardoso, elas têm papel insubstituível. Sua atribuição é essencialmente técnica: regular os mercados e zelar pela qualidade dos serviços, evitando abusos do setor privado e ingerência política do Executivo. Com mandato fixo e não coincidente com o calendário eleitoral, seus diretores trabalham de forma autônoma graças à estabilidade das regras, dando atenção especial ao interesse dos consumidores. Elas também protegem os investidores por garantir ambiente de negócios previsível e seguro. Contratos de longo prazo envolvendo cifras bilionárias não podem ficar à mercê do humor de quem é eleito a cada quatro anos.
Dado o histórico de sucateamento, o presidente da Associação Brasileira de Agências Reguladoras (Abar), Vinícius Benevides, tem feito pressão por autonomia financeira. Dos R$ 179 bilhões arrecadados pelos órgãos reguladores entre 2010 e 2022, apenas R$ 75 bilhões voltaram a seus orçamentos. Em julho, Benevides entregou ao vice-presidente Geraldo Alckmin um documento com demandas assinado por 80 instituições. “Sei o que os governos passam, chegou já no limite do limite. Está na hora de as agências terem mais autonomia”, disse ao GLOBO. O assunto merece atenção do governo. O país só tem a perder se as agências continuarem na penúria, incapazes de exercer suas funções a contento.