A Ferrogrão completa dois anos de vida só no papel
Por Elio Gaspari / O GLOBO
Completam-se amanhã dois anos do lançamento do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC), joia da coroa do governo Lula 3.0. Previa R$ 1,8 trilhão de investimentos. Na cumbuca, entrou o projeto da Ferrogrão. Trata-se de uma ferrovia com mil quilômetros de extensão, ligando as cidades de Sinop (MT) e Miritituba (PA). Pelo andar da carruagem, era fake news, pois nenhuma folha de papel saiu do lugar para permitir a discussão ou a realização da obra, prevista no Novo PAC para ser concluída em 2030.
Na melhor das hipóteses, a Ferrogrão ficou no ar por conta de um governo que não se mexe. Na pior, ela entrou no PAC para enganar a turma do agro.
A ferrovia — paralela à rodovia BR-163 já existente e asfaltada —, permitirá o escoamento de 50 milhões de toneladas de grãos anuais, com o frete estimado em R$ 150 por tonelada, metade do custo do mesmo frete por transporte rodoviário.
Admitindo-se que não se tratou de uma brincadeira, em dois anos Lula 3.0 não mexeu um só papel, nem discutiu um só tema relacionado com essa obra. São muitos e dormentes os interesses contra a abertura de qualquer ferrovia. Se o governo teve de fato algum interesse na obra, nada melhor que abrir a discussão do projeto. Como se sabe, a luz do Sol é o melhor detergente.
Numa época em que tanto se fala das sentenças condenatórias do ministro Alexandre de Moraes, o governo fez que não ouviu sua decisão, autorizando-o a começar o processo de licitação da ferrovia. Como parte das comemorações do segundo ano da inclusão da Ferrogrão no Novo PAC, o governo poderia lançar o Anti-PAC, destinado a explicar por que seus projetos não andam.
A sentença de Bolsonaro
É improvável que o julgamento de Bolsonaro termine em setembro e é possível que ele entre pelos primeiros meses de 2026. Admita-se que em setembro ele entre na reta final. São fortes os sinais de que o ministro Luiz Fux vá pedir vista. Pelo regimento do tribunal, um ministro tem 90 dias para devolver o processo. Por hipótese, passam-se assim os meses de outubro, novembro e dezembro. Começa o recesso, e o tribunal só retoma suas atividades em fevereiro. Basta uma pequena espichada para que se chegue a março de 2026.
Essa demora haverá de acavalar o julgamento do ex-presidente com a apreciação dos recursos relacionados à sua inelegibilidade, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com uma nova composição. 2026 virá com fortes emoções.
Uma tunga cruel
No tempo em que os bichos falavam, a Eletrobras criou um corpo técnico qualificado e protegeu-o com um regime que oferecia uma confortável aposentadoria, gerido pelo fundo de pensão da estatal. Essa era a teoria. Na prática, o fundo foi rapinado por gestores e a reserva virou pó. Nenhum gestor foi responsabilizado. A conta foi para os servidores que sobreviveram. Eles são uns 600, quase todos com mais de 80 anos.
Produziu-se a seguinte gracinha: um servidor recebeu o contracheque de julho, com proventos de R$ 34.441 e descontos de R$ 34.395. Restaria ao servidor viver com R$ 46. Isso não basta. O servidor é informado que será tungado até 2035 e, regularmente, é avisado que está devendo “contribuições extraordinárias em atraso”. Em julho, quando ele deveria viver com R$ 46, devia R$ 6.711. Essa maluquice é explicada matematicamente pelos eletrotecas. O que ninguém explica é que os gestores ficaram numa boa e os servidores estão obrigados a quitar suas leviandades.
O Brasil está negociando na vitrine
Desde 9 de julho, quando o presidente Trump anunciou suas sanções contra o Brasil, Lula, seu governo e alguns personagens periféricos adotaram a pior forma de negociação. Foram para a vitrine, anunciando providências conflitantes com posturas heroicas. Elas dão 15 minutos de fama aos interessados e servem para nada. Jogando com as pretas, Trump está blindado falando só o que lhe interessa. Do jeito que estão as coisas, a margem de negociação é curta, mas nada impede que nos próximos meses surjam brechas, desde que os negociadores saiam da vitrine.
O Homem da Cadeira
Depois da Senhora do Batom, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal produziu o Homem da Cadeira. O mecânico Fábio de Oliveira foi condenado a 17 anos de prisão por ter sentado na cadeira do ministro Alexandre de Moraes durante os distúrbios de 8 de janeiro. Além de sentar-se na cadeira, Oliveira gravou-se dizendo bobagens. Moraes enquadrou-o em cinco crimes: abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado, deterioração do patrimônio tombado e associação criminosa armada. Oliveira não invadiu o plenário do tribunal, ele sentou-se na cadeira do ministro depois que ela foi levada para fora do prédio.
Hospício parlamentar
Parlamentares acorrentaram-se no Congresso, obstruindo seu trabalho. Felizmente, a muvuca serviu para que o repórter Octavio Guedes resgatasse a resposta dada por Ulysses Guimarães, diante de um episódio semelhante: “Eu sou o presidente da Constituinte, não de um hospício.”
Belém x Trump
A Câmara Municipal de Belém declarou Donald Trump persona non grata para a reunião da COP30, de novembro. Direito dela. As labaredas que ameaçam a reunião podem estar recebendo um reforço, permitindo que o presidente americano, com seus dotes teatrais, resolva ser um personagem ausente, empenhado em avacalhar o evento.
O alcance de Krugman
O economista Paul Krugman tornou-se um dos principais críticos do tarifaço de Donald Trump. Incomoda porque mastiga números. Em 1994, os Estados Unidos passavam por uma crise de competitividade, surgiu um bordão, segundo o qual o país deixaria de ser um exportador de semicondutores (chips) para vender batatas fritas (potato chips). Krugman era um economista de 41 anos e explicou, com dados, que o valor agregado das batatas fritas era superior ao dos semicondutores. Matou a piada. À época, o professor Delfim Netto, seu leitor constante, previu: “Ele vai ganhar o prêmio Nobel de Economia”. Ganhou-o em 2008.
Hiroshima, 1945
Efemérides são datas petrificadas que geralmente escondem detalhes relevantes. Todo mundo lembrou os 80 anos da bomba de Hiroshima. Hoje, há 80 anos, o comandante americano no Japão apertou os parafusos da censura dos efeitos da bomba. Proibiu a entrada de jornalistas em Hiroshima e Nagasaki e confinou os jornalistas em Yokohama. Apreendeu filmes e cassou a credencial do repórter australiano Wilfred Burchett, que havia burlado a censura.
Não adiantou. Em setembro a revista “Life” fez seu serviço. Em agosto de 1946, a “New Yorker” publicou a histórica reportagem de John Hersey.