Brasil decepciona na tarefa crítica de oferecer creches a quem precisa
Por Editorial / O GLOBO
O acesso a creches no Brasil tem crescido em ritmo abaixo do aceitável. Com apenas 41% das crianças de até 3 anos atendidas, a meta de 50% ainda está distante. De cada dez, duas ficam fora da educação infantil por não encontrar creche (ao todo, 2,2 milhões). Desgraçadamente, as mais afetadas são as que mais precisam de atenção. Entre as mais pobres, 29% não acham creche.
Como mostra análise da ONG Todos pela Educação, elaborada a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad-C) e do Censo Escolar, as regiões Norte e Nordeste exibem os indicadores mais críticos. No Amapá, o pior colocado, apenas 10% das crianças são atendidas. No Amazonas e no Acre, a parcela não chega a 20%. Em Pernambuco, 32,5%. São Paulo e Santa Catarina são os estados com maiores taxas de atendimento, mas nenhum passa de 60%.
As capitais do Nordeste com as maiores taxas de atendimento a crianças de zero a 3 anos são Fortaleza e Recife. Porém nenhuma das duas está acima da média. Entre 2019 e 2024, Macapá ampliou as matrículas em 63%, mas continua ocupando a última colocação em cobertura entre as capitais. Para sair dessa situação vexatória, precisará acelerar ainda mais a construção de creches. O mesmo vale para todas as capitais com atendimento abaixo de 30%: Goiânia, Boa Vista, Belém, Rio Branco, Porto Velho e Manaus. Embora ocupe o primeiro lugar em taxa de atendimento, São Paulo, em termos absolutos, tem déficit de 211 mil vagas, o terceiro maior do país, atrás apenas de Minas Gerais (247 mil) e Bahia (220,5 mil).
Passou da hora de governadores e prefeitos ampliarem a oferta desse serviço. As creches são uma política contra a desigualdade. Nos primeiros anos de vida, o cuidado e os estímulos adequados são fundamentais para desenvolver a memória e a execução de tarefas. Famílias de todas as faixas de renda que preferem deixar os filhos pequenos em casa, mas lhes dão atenção, não são o problema. O drama está em todas as que não conseguem, buscam creches e não encontram. Em favelas de grandes metrópoles, as cuidadoras informais são onipresentes. Recebem inúmeras crianças em suas casas e as deixam boa parte do tempo brincando, diante da TV ou eletrônicos. Longe da educação infantil, essas crianças começam a vida em desvantagem.
Creches também favorecem o equilíbrio entre os gêneros. Em 2023, a americana Claudia Goldin ganhou o Nobel de Economia por seu trabalho a respeito do desempenho profissional feminino. Nas suas investigações, ressaltou a diferença de rendimentos entre homens e mulheres depois do nascimento dos filhos. Por questões culturais, as mães sobrecarregadas com o cuidado dos bebês demoram a voltar a trabalhar. As creches aumentam a participação feminina no mercado de trabalho e elevam a renda das famílias. Não faltam, portanto, motivos para governos municipais e estaduais as encararem como prioridade.