Decreto antiarmas do governo Lula surtiu efeito? Números dos CACs indicam que não
Por Vinícius Valfré / O ESTADÃO DE SP
Um ano depois da edição do principal decreto antiarmas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o governo federal deixou de enfrentar gargalos da política de controle de armas de fogo e vê riscos de a iniciativa ser derrubada pelo Congresso.
Apesar de ter restituído barreiras derrubadas na gestão de Jair Bolsonaro (PL) para o acesso de civis a armas, o governo não mirou o acervo já existente nem proibiu novos CACs (Caçadores, Atiradores e Colecionadores).
Com efeito, o ritmo de entrada de novas armas em circulação diminuiu, mas o acervo em mãos de civis continua crescendo, assim como o total geral de certificados de registro de CACs, segmento incentivado por Bolsonaro e que se tornou o maior grupo armado do Brasil, superior às polícias.
O Ministério da Justiça, em nota, afirma que o decreto colocou fim ao “caos normativo” do governo Bolsonaro, mas “o impacto do aumento das armas em circulação no país ao longo dos últimos anos será sentido por muito tempo”. Por isso, o atual governo trata como fundamentais “a retomada e o fortalecimento da política de controle de armas e munições”.
Em dezembro de 2022, os CACs tinham 1.277.170 armas registradas. Em junho de 2024, são 1.366.845. Os registros gerais de todos os tipos de CACs, há dois anos, somavam 1.786.536. Agora, contabilizam 1.867.558 (cada pessoa pode ser, ao mesmo tempo, atirador, caçador e colecionador). Os dados são do Exército, disponibilizados por meio de pedidos feitos via Lei de Acesso à Informação (LAI).
O decreto 11.615, de 21 de julho de 2023, previa, por exemplo, um programa especial de recompra de armas que voltaram a ser restritas. A estratégia, definida quando Flávio Dino era o titular do Ministério da Justiça, não saiu do papel.
Além disso, um dos pontos centrais do decreto está em xeque. A tarefa de fiscalização dos CACs deve passar do Exército para a Polícia Federal a partir de janeiro de 2025. Contudo, o contingente de novos policiais e servidores solicitados para atender a demanda ainda não está disponível.
Entidades que contribuíram com a elaboração das diretrizes do decreto de Lula criticam a “implementação incompleta” e a “perda de centralidade” da pauta. Uma análise sobre o primeiro ano do decreto elaborada em conjunto pelos institutos Igarapé e Sou da Paz aponta que a política de controle “não está consolidada nem plenamente funcional”.
“Diversos pontos deste decreto ainda seguem com sua implementação incompleta, inclusive pontos que podem ser importantes legados institucionais, como a transferência de competência de fiscalização de CACs para a Polícia Federal com os recursos necessários para que seja efetiva”, diz o texto.
O documento destaca que o programa de recompra de armas é fundamental para evitar o desvio de armas legais para o crime. Investigações mostram que CACs têm sido usados pelo crime organizado para compra de armas de forma mais fácil.
“O governo passou a alegar que não tinha detectado um interesse considerável, antes mesmo de dizer como o programa funcionaria, e se absteve de promover uma campanha de comunicação sobre os riscos da posse e do porte de armas para viabilizar decisões mais informadas da população”, diz a nota técnica.
Os institutos que atuam pelo desarmamento também alertam para a tramitação do projeto de decreto legislativo 206/2024 que visa reverter alguns dos principais pontos do decreto de Lula. O texto foi aprovado na Câmara e tramita no Senado.
“O decreto já enfrenta ameaças de ser parcialmente suspenso pelo Congresso, sendo necessário maior engajamento social e do próprio governo para que seus pilares sejam mantidos tendo como norte a priorização da segurança pública”, frisaram as entidades.
Ministério diz que não desistiu de programa de recompra
Em nota, o ministério da Justiça afirmou que o decreto 11.615/2023 “foi um passo fundamental para colocar fim ao caos normativo que vigorou entre 2019 e 2022, corrigindo graves distorções na regulamentação da Lei 10.826/2003 e facilitação do acesso a armas e munições no país”.
Também destacou que “a condução responsável da política de controle de armas e munições tem impacto em diferentes formas de criminalidade”, inclusive a violência contra a mulher.
“O impacto do aumento das armas em circulação no país ao longo dos últimos anos será sentido por muito tempo e, por isso mesmo, a retomada e o fortalecimento da política de controle de armas e munições no país são fundamentais para o governo”, informou.
A pasta comandada pelo ministro Ricardo Lewandowski acrescentou, ainda, que está mantido o prazo de transferência das atribuições do Exército para a Polícia Federal e que não desistiu do programa de recompra. “O fortalecimento do programa de entrega voluntária e o programa de recompra compõem iniciativas voltadas para a redução dos acervos já em circulação no país e integram um conjunto de esforços de retomada do controle responsável de armas e munições no Brasil”, frisou.
O que se sabe sobre ferrovia sem uso que poderá transportar passageiros entre Fortaleza e Cariri?
Os cerca de 600 quilômetros (km) em linha férrea entre Fortaleza e o Crato, na Região Metropolitana do Cariri, que, no passado, interligavam as duas cidades, não deixaram simplesmente de existir. A ferrovia continua instalada, mas hoje não tem mais operação regular, situação que pode mudar em breve de acordo com estudos de autoridades ferroviárias.
O tema foi tratado por Tufi Daher Filho, presidente da Ferrovia Transnordestina Logística (FTL) e da Transnordestina Logística S.A. (TLSA), em entrevista exclusiva para o Diário do Nordeste. Ambas as empresas são subordinadas à Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e são responsáveis pelo transporte de cargas no Nordeste brasileiro.
Trata-se do maior trecho ferroviário existente no Ceará, interligando a Capital à região do Cariri, próximo à divisa com Pernambuco. A linha férrea, assim como o trajeto entre Fortaleza e Crateús (que integra a ferrovia São Luís — Fortaleza), pertencem à FTL. A ferrovia não utilizada é classificada como "malha não operacional".
Além de cortar o Ceará de norte a sul, o percurso ferroviário definido como não operacional pela empresa concentra mais de 2,5 mil km e passa pelos estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas (até a divisa com Sergipe), bem como as respectivas capitais: Natal, João Pessoa, Recife e Maceió.
A cidade potiguar, por exemplo, utiliza parte da ferrovia para o transporte de passageiros através do Sistema de Trens Urbanos de Natal, operado pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU).
A situação é similar a que ocorre em Teresina (PI) e em Sobral (CE), onde o mesmo tipo de locomoção é compartilhada com a linha férrea de cargas, no caso a malha operacional da FTL.
Segundo Tufi Daher, um grupo de trabalho (GT) incluindo representantes do Ministério dos Transportes, Agência Nacional de Transportes Terrestres (Antt) e do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) estuda a devolução da malha não operacional para o Governo Federal.
COMO UTILIZAR A FERROVIA ENTÃO?
O presidente da FTL explica que boa parte da linha férrea é em bitola métrica (1000 mm) utilizando infraestrutura já defasada, cujo transporte de cargas se torna inviabilizado Ao invés disso, a vocação da malha não operacional é transportar passageiros, assim como já ocorreu no passado.
"Ela é própria para trens de passageiros, nunca foi transportado uma grama de carga, mas mesmo assim como veio no contrato de concessão, era uma obrigação da empresa, que tem pago religiosamente as outorgas, mas desde sempre a gente pediu e temos tudo documentado a devolução disso ao Poder Público. (…) O grupo de trabalho definiu o que deveria ser devolvido à União e qual a parte que caberia de indenização pela empresa ao Estado Brasileiro para devolver essa malha totalmente inoperante", aponta.
Tufi Daher reforça que a FTL não tem interesse no uso da ferrovia, seja ela operacional ou não operacional, para transporte de passageiros. Os trechos que serão devolvidos ao Poder Público foram defendidos para a retomada da locomoção de pessoas, mas em trechos mais curtos.
"Essas malhas podem ser sim aproveitadas, não na sua extensão toda, mas para trens de passageiros locais. Tem várias cidades que tem 10, 12 km que você pode, com investimentos até de pequena monta, fazer trens urbanos, seja VLT, seja a maneira que for. A gente está tratando disso na Paraíba, em Alagoas, aqui no Ceará", pondera.
Vale lembrar que a malha não operacional da FTL não é a que está em estudo pelo Governo do Ceará e pelo Governo Federal para o transporte de passageiros entre Fortaleza e o Cariri. O trecho atualmente em discussão será o da Ferrovia Transnordestina, que ainda está sendo construída pela TLSA, tem 608 km e vai interligar o Porto do Pecém (CE) à cidade de Eliseu Martins (PI).
"A gente chegou em um consenso desse GT, que foi finalizado na semana passada depois de três meses de reuniões intensas, eu liderei todas as reuniões pela concessionária. E agora isso evidentemente vai ser submetido ao TCU, para que o TCU possa arbitrar e verificar se aquilo que o GT está levando possa ser viabilizado, e que essa indenização se reverta para o próprio transporte de ferrovias no Brasil", completa o presidente da FTL.
"GOTA DE ÁGUA NA CHAPA QUENTE"
Possíveis indenizações a serem pagas ao Estado pela FTL devem ser revertidas para investimentos em malhas operacionais do transporte de cargas no Brasil, conforme explica Tufi Daher, fazendo uma analogia de que os recursos não podem imediatamente chegar ao Tesouro Nacional e serem redirecionados para outras áreas.
Oficialmente, a FTL está em processo de remodelação em alguns trechos ao longo da malha operacional, como no trecho entre São Luís e Teresina. A empresa tem concessão válida da linha férrea por 30 anos, em contrato que se encerra em 2027. Atualmente, existem tratativas para renovação da concessão por mais 30 anos.
'A pergunta sobre constrangimento poderia ser feita a ele', diz bolsonarista do
Por Rafaela Gama / O GLOBO
Correligionário e um dos principais aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro no Ceará, o deputado estadual Carmelo Neto (PL) não demonstrou incômodo em dividir o palanque com o ex-governador Ciro Gomes (PDT). No último fim de semana, em Juazeiro do Norte, os dois participaram do lançamento da candidatura do prefeito Glêdson Bezerra (Podemos), apoiado por ambos, à reeleição.
— A pergunta sobre constrangimento poderia ser feita a ele, eu estou no palanque onde sempre estive. Em 2020 ajudei a construir a campanha do prefeito Glêdson Bezerra em Juazeiro do Norte, onde saímos vitoriosos, derrotando o candidato do próprio Ciro — afirmou Neto, que é também é presidente estadual do PL.
Apresença de Ciro e de outras lideranças locais ocorreu em apoio a Bezerra, que em 2022 declarou voto em Bolsonaro devido ao “desempenho do governo federal na condução da economia em meio à pandemia e à guerra na Ucrânia”. No ano anterior, ele posou com o então presidente em foto.
Bezerra deve ter como principal adversário o deputado estadual Fernando Santana (PT), que contará com o apoio do senador Cid Gomes, irmão de Ciro e com quem ele está rompido desde as eleições de 2022. Santana também terá a seu favor o governador do Ceará, Elmano de Freitas (PT).
— Em 2022, eu e Glêdson estivemos juntos em atos de campanha do presidente Jair Bolsonaro, e agora, em 2024, estamos juntos mais uma vez. Eu sempre estive do mesmo lado. O PT é um câncer para o Ceará, que tem aumentado a violência, os impostos, sucateado nossa saúde e endividado o estado. Tenho combatido e denunciado isso há anos, e agora o Ciro decidiu lutar contra também — disse Carmelo Neto.
A candidatura de Bezerra não será a única alinhada ao bolsonarista a ser chancelada por Ciro Gomes, que chegou a ser ministro da Integração Nacional no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No Crato, onde esteve em palanque de lançamento da candidatura de Dr. Aloísio (União), Ciro disse que o Ceará enfrentava uma “ditadura” ao comentar sobre a disputa acirrada entre PT e PDT.
— O Ceará está sendo destruído pela incompetência, pela corrupção, pelo mandonismo. Há uma ditadura tentando ser construída, tirando os direitos das pessoas de escolherem suas candidaturas. Tudo armado para que o novo ditador do Ceará não tenha sequer contrastes, e tenho certeza que o Cariri vai se levantar — discursou Ciro.
No estado, Ciro também tem feito ataques direcionados ao ministro da Educação e ex-governador Camilo Santana (PT). Desde o rompimento da aliança entre o PT e o PDT no estado, Ciro critica Santana e o classifica como “traidor”.
Eficiência do Estado deve estar no topo da agenda
Por Editorial / O GLOBO
Se a Constituição estabelece como teto salarial do funcionalismo os vencimentos de um ministro do Supremo, atualmente em R$ 44 mil, como explicar que no ano passado 93% dos juízes, desembargadores e ministros de tribunais superiores, além de 91,5% dos procuradores, tenham recebido rendimento médio mensal acima do limite? A justificativa para uma distorção tão grande, sem falar no atropelo da Constituição, está baseada num artifício. São criados auxílios, gratificações e benefícios de diversas naturezas, dá-se a eles o carimbo de “verbas indenizatórias” e finge-se que tudo é legal e moralmente defensável. Não é.
A captura do Estado por corporações de servidores públicos privilegiados perdura no Brasil há séculos. Por estar no nosso cotidiano desde os tempos coloniais, dá a impressão de ser imutável ou invencível. Tal entendimento é um engano. Bastaria uma decisão do STF para acabar com artimanhas que aumentam salários acima do teto. Ou a aprovação do Projeto de Lei dos Supersalários, estagnado no Congresso.
Esse é apenas um dos itens da reforma administrativa necessária para conferir ao Estado brasileiro a agilidade necessária a prestar serviços de qualidade. Ele não é inchado. É caro e ineficiente. Ambos os problemas têm conserto. O Brasil dispõe de estudos e de massa crítica para resolvê-los.
A reforma administrativa deve ser encaminhada sem preconceitos, defende o economista Bruno Carazza no livro “O país dos privilégios”. Nem todo funcionário público é privilegiado. Servidores federais e estaduais ganham mais que seus equivalentes no setor privado. Mas os municipais, que atendem a população diretamente, em geral ganham menos. Outro equívoco é achar que o setor público é grande demais. Levando em conta todos os níveis da Federação, o Estado brasileiro emprega 12% da força de trabalho, percentual inferior ao dos Estados Unidos (15%) e ao da média nos países ricos (18%).
O problema está no custo. A massa de servidores custa ao brasileiro 13% do PIB, ante 8,7% nos Estados Unidos ou 7,6% na Alemanha. Isso é resultado não do tamanho do funcionalismo, mas de distorções e privilégios.
A meta deve ser um Estado eficiente. Por isso a reforma administrativa precisa combater promoções automáticas — como a proposta na PEC do Quinquênio em tramitação no Congresso —, avaliações de faz de conta, remuneração desvinculada da produtividade, falta de punição a quem apresenta desempenho insatisfatório e a estabilidade para os comprovadamente incompetentes. Os próprios servidores comprometidos e produtivos são vítimas do ambiente que desincentiva a eficácia.
“A seleção de candidatos precisa ser mais bem regulamentada, e as centenas de carreiras devem ser racionalizadas em número mais restrito, de perfil mais generalista, embora sem perder suas especialidades básicas”, escreve Carazza. “A trajetória do servidor até o topo da carreira também deveria ser alongada, acompanhada de ciclos de capacitação e aperfeiçoamento, bem como de avaliações de desempenho para alcançar a progressão por mérito.”
A estabilidade faz sentido em algumas carreiras, mas a maioria funcionaria melhor com regras semelhantes às da CLT. Em todas, deveria ser ágil a demissão por insuficiência de desempenho. A balança pesa há muito tempo a favor dos interesses individuais dos servidores, em detrimento da sociedade. Isso precisa mudar. E logo.
Os donos dos partidos
Por Merval Pereira / OGLOBO
Ao mais uma vez constatar que o ex-presidente Donald Trump tem o controle completo do Partido Republicano, na convenção que o escolheu como candidato à Presidência, lembrei-me do comentário do cientista político Eric X. Li, também empreendedor de risco na China:
— A China tem muitos problemas, mas o sistema chinês de Estado-partido tem provado a todos uma extraordinária habilidade em mudar. Na América, você pode mudar de partido político, mas não pode mudar a maneira política de ele agir. Na China, você não pode mudar de partido, mas pode mudar a maneira política de ele atuar.
Antes de Trump, era uma constatação, hoje é simplesmente um erro de avaliação. Trump transformou o Partido Republicano numa agremiação política à sua imagem e semelhança, fechada em si mesma, favorável ao isolacionismo comercial, ao protecionismo. Houve época em que governos brasileiros preferiam trabalhar com presidentes republicanos. Mas hoje, levados por Trump, os republicanos são menos abertos ao mundo comercial e aos organismos internacionais, o que pode ser decisivo neste período de guerras que estamos vivendo.
Ao mesmo tempo, a oposição ferrenha à China ganhará destaque nas prioridades da política externa dos Estados Unidos, que teve no presidente republicano Richard Nixon o mentor da aproximação com a China. O domínio de Trump sobre o partido, a ponto de alterar alguns de seus pontos programáticos, mostra que ele soube, ao contrário de Bolsonaro aqui no Brasil, usar o aparelho partidário para garantir sua ascendência política.
Bolsonaro não conseguiu formar um partido seu. Já passou por mais de dez legendas sem deixar sua marca, embora tenha transformado o PL no maior partido brasileiro. Mas é Valdemar Costa Neto quem o controla. Outro que acredita nos partidos, tanto que criou um para si, é o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab, que quer transformar o PSD numa legenda de liderança nacional. Quer fortalecer essa ideia nas eleições municipais, aumentando a marca de mil prefeitos que já detém, e levar o governador Tarcísio de Freitas à Presidência da República em 2026.
O presidente da China, Xi Jinping, ressalta o papel central que o Partido Comunista Chinês (PCC) ocupa na sociedade chinesa.
— Dediquem tudo, até mesmo suas preciosas vidas, ao partido e ao povo — disse ele recentemente, no aniversário do PCC.
O mesmo cientista político Eric X. Li explica a importância do PCC:
— Nestes últimos anos, a China tem sido administrada por esse único partido e, ainda assim, as mudanças têm sido extensas e amplas, possivelmente maiores que em qualquer outro grande país. A China é uma economia de mercado, mas não é um país capitalista. Não há jeito ou maneira de um grupo de bilionários controlar o comando das decisões políticas, como os bilionários americanos controlam os fazedores de política dos partidos. Na China, você tem uma economia vibrante, mas o capital não se sobrepõe às autoridades políticas. Capital não tem direitos eternos e entronizados. Na América, capital e juros se colocaram acima dos interesses na nação americana. A autoridade política não pode auditar o poderio do capital, por isso a América é um país capitalista, e a China não é.
Eric X. Li é um típico empreendedor chinês que entendeu os limites de sua ação diante de um governo autoritário, que conteve por meio de diversos mecanismos a ascensão do bilionário Jack Ma, dono do Alibaba. A crítica sobre o modelo chinês, que eles classificam de “meritocracia” e, no Ocidente, chamamos simplesmente de “ditadura”, está em discussão há muito na China e ganha cada vez mais destaque à medida que o modelo ocidental de democracia representativa está em crise.
Desmatamento da amazônia é mais impactado por consumo do Brasil que por exportações
A Amazônia Legal brasileira —que compreende toda a parte da bacia amazônica situada no Brasil e vastas porções adjacentes do cerrado, estendendo-se por nove estados— soma mais de 5 milhões de km2 e corresponde a quase 60% do território nacional.
Atualmente, 23% dessa área já foi desmatada e mais de 1 milhão de km2 encontram-se degradados, colocando a região em risco de atingir um ponto de inflexão ecológica que poderia colapsar os ecossistemas e liberar bilhões de toneladas de carbono na atmosfera.
Algumas regiões, especialmente nas franjas do cerrado e no chamado arco do desmatamento, já são emissoras líquidas de carbono. A manutenção da área preservada e a recuperação de porções degradadas são necessidades urgentes, que mobilizam diferentes atores da comunidade global.
A demanda estrangeira por commodities é frequentemente considerada a motivação principal do desmatamento. Mas, embora esta constitua um fator muito relevante, os mercados domésticos exercem pressão ainda maior. Foi o que constatou um estudo realizado por Eduardo Haddad e colaboradores, publicado na revista Nature Sustainability.
"O desmatamento é frequentemente avaliado a partir da perspectiva da oferta, ou seja, quais setores produtivos estão promovendo a substituição das florestas por outros usos da terra, como agricultura e pecuária. A metodologia que adotamos permite ver o fenômeno do desmatamento também a partir da perspectiva da demanda, identificando as fontes de estímulos econômicos para que os setores produtivos se envolvam no desmatamento", relata Haddad.
"Com base nesse critério, nosso estudo mostrou que 83,17% do desmatamento foi desencadeado por demandas de fora da Amazônia e apenas 16,83% por demandas da própria região. Na composição dos 83,17%, verificamos que 59,68% foram decorrentes de demandas do restante do Brasil e 23,49% de demandas do comércio internacional."
O pesquisador é professor titular da FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo) e consultor de agências internacionais de desenvolvimento, como o Banco Mundial, BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e JAI (Joint Africa Institute).
A metodologia adotada no estudo baseou-se principalmente na chamada MIP (matriz de insumo-produto). Criada pelo russo naturalizado norte-americano Wassily Leontief (1906-1999), a MIP ("input-output matrix", em inglês) representa matricialmente as relações entre os diversos setores da economia, registrando os fluxos de bens e serviços e possibilitando conhecer os impactos que as alterações em um setor produzem nos outros.
"No Brasil, a MIP mais recente foi feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE] em 2015. Devido à complexidade matemática e à restrição de acesso aos dados de milhões de empresas e suas estruturas comerciais, não houve atualização depois disso. Usar dados de 2015 poderia ser inadequado se não fosse pelo fato de que, infelizmente, a estrutura da economia brasileira mudou muito pouco desde então", explica Haddad.
"A década de 2010 foi a pior na série histórica de 120 anos do Produto Interno Bruto [PIB] do país, com crescimento de apenas 0,3% ao ano. Por isso, utilizamos a MIP de 2015 adaptada para a Amazônia Legal brasileira, combinada com dados setoriais e regionais de desmatamento e de emissões de gases de efeito estufa, para medir os impactos diretos e indiretos da demanda doméstica e internacional por insumos e produtos finais da ALB, com foco em setores intensivos em desmatamento, como a agricultura e a pecuária."
MUDANÇAS NO USO DA TERRA
A Amazônia passou por enormes transformações no último meio século. Inovações técnicas, investimentos em infraestrutura e mudanças políticas facilitaram a expansão do cultivo de soja: da região central do cerrado para vastos segmentos da Amazônia Legal. A produção local de soja, que era inferior a 200 toneladas em 1974, representando apenas 0,02% do montante nacional, alcançou 50 milhões de toneladas em 2022, 41,5% do total brasileiro.
Igualmente vertiginoso foi o crescimento da pecuária: de 8,9 milhões de cabeças de gado em 1974 (9,5% do rebanho brasileiro) para 104,3 milhões de cabeças em 2022 (44,5% do total).
"A expansão da pecuária atendeu principalmente ao crescimento do consumo de carne, produtos lácteos e couro em outras regiões do país. Impulsionado pelo aumento da renda média per capita e pela rápida urbanização, o consumo de carne no Brasil subiu acima da média global após os anos 1960", informa Haddad.
"Dos 1,4 milhão de hectares desmatados pela pecuária, 61,63% visaram atender, direta ou indiretamente, à demanda interna de fora da Amazônia e 21,06% à demanda internacional. O desmatamento por atividades agrícolas mostra um padrão diferente, com 58,38% atendendo à exportação e 41,62 ao mercado interno."
O estudo ressalta que, apesar de afetar diferentes biomas da Amazônia Legal, o desmatamento ocorrido até agora no Brasil se concentrou geograficamente nessa região.
Em 2015, a Amazônia Legal respondia por 65,7% do total do desmatamento acumulado no país. A pecuária foi a principal causa imediata (93,4% do total regional), seguida pela produção agrícola, principalmente de soja, milho e algodão (6,4%), e pela mineração (0,2%).
A construção de infraestrutura e o processo intensivo de urbanização também fazem parte dos fatores antrópicos diretamente ligados à eliminação ou à degradação da cobertura vegetal original da floresta amazônica e do cerrado.
"Atividades ilegais, como a grilagem de terras, são muito relevantes no contexto. Um estudo recente mostrou que metade do desmatamento da Amazônia Legal brasileira nas últimas duas décadas ocorreu em terras públicas ocupadas ilegalmente por grileiros", acrescenta Haddad.
"Disputas legais têm levado décadas e não impedem que a maioria das áreas ilegais ou do desmatamento ilegal em propriedades privadas participe tanto do mercado de terras quanto do processo de produção."
O estudo em pauta demonstra que a demanda econômica originada no centro-sul mais desenvolvido do Brasil impõe uma pressão ainda maior sobre o desmatamento na Amazônia do que as exportações internacionais. Esse conhecimento é muito relevante para orientar políticas públicas e ações da sociedade civil voltadas para preservação ou regeneração.
E, como as mudanças no uso da terra, por meio da pecuária e da agricultura, continuam sendo as principais fontes de emissões de dióxido de carbono (CO2) no Brasil, o controle do desmatamento e da degradação torna-se imperativo para que o país possa cumprir suas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa.
Além de Haddad, participaram do estudo Inácio Fernandes de Araújo Junior, Rafael Feltran Barbieri, Fernando Salgueiro Perobelli, Ademir Rocha, Karina Simone Sass e Carlos Afonso Nobre. O grupo recebeu apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) por meio de dois projetos.
O artigo pode ser lido, em inglês, aqui.