Após denúncias, MPCE cobra explicações a Hospital da Mulher sobre falta de insumos e atraso salarial
diarionordeste
A administração do Hospital e Maternidade Dra. Zilda Arns Neumann, o Hospital da Mulher de Fortaleza, terá um prazo de cinco dias para explicar ao Ministério Público do Estado (MPCE) sobre o cancelamento de cirurgias, atrasos salariais, falta de insumos e outras falhas no serviço denunciadas por trabalhadores ao Diário do Nordeste.
O MPCE, por meio da 137ª Promotoria de Justiça de Fortaleza, cobrou explicações à gestão do hospital municipal por meio de ofício expedido nessa terça-feira (3).
No documento, a promotora de Justiça Ana Cláudia Uchoa solicitou que o hospital informe, dentro do prazo de cinco dias:
- a relação de todos os medicamentos e insumos utilizados pela unidade, apresentando a situação atual de estoque de cada item;
- o consumo médio mensal e o consumo de cada item listado entre os meses de dezembro de 2023 e janeiro de 2024, com as quantidades existentes em estoque à época.
O órgão explica que as informações sobre estoques e consumos anteriores são necessárias “para efeito comparativo”. Além da situação de insumos e medicamentos, o MP cobrou que o Hospital da Mulher envie:
- a lista atualizada de quantas e quais cirurgias ocorreram nos últimos seis meses no hospital;
- quantas e quais cirurgias foram canceladas nesse mesmo período;
- quantos leitos de UTI estão funcionando atualmente e quantos estão fechados;
- e a relação dos profissionais que trabalham no hospital e os que estão com seus pagamentos em atraso.
- Na última segunda-feira (2), o Diário do Nordeste publicou reportagem com relatos de trabalhadores e de usuários sobre problemas no funcionamento do Hospital da Mulher.
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O Sindicato dos Médicos do Ceará atestou que a falta de cateter de infusão, equipamento necessário para injetar medicações em bebês recém-nascidos, causou o bloqueio de quatro leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
Somado a isso, uma fonte ligada ao hospital afirmou à reportagem que cirurgias eletivas gerais têm sido “canceladas por falta de material”, e apontou que alguns profissionais médicos “não receberam ainda os salários de setembro nem de outubro”.
Procurada, a Prefeitura de Fortaleza afirmou que “a unidade segue em pleno funcionamento”, e justificou que os outros pontos (atrasos de salários e faltas de materiais) estavam em processo de regularização.
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TSE julga nesta quinta (5) ações que podem cassar todos os deputados estaduais do PL Ceará
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O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) julga, nesta quinta-feira (5), as quatro ações judiciais que podem cassar a chapa do Partido Liberal (PL) eleita para a Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece) em 2022. Ao todo, quatro parlamentares integram a bancada. A legenda é acusada de ter cometido fraude à cota de gênero.
O caso foi julgado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE), que proferiu, em maio do ano passado, sentenças que determinaram a cassação dos deputados Carmelo Neto, Dra. Silvana, Marta Gonçalves e Pastor Alcides Fernandes. A condenação ocasionou na anulação de todos os votos recebidos pelos partidários.
Ao que concluiu o TRE-CE, o PL utilizou ilegalmente o nome de mulheres para cumprir o que prevê a legislação acerca do número mínimo de candidaturas femininas que cada agremiação deve lançar em um pleito.
Pelo que consta nas ações ingressadas contra o Partido Liberal, o diretório estadual teria lançado ao menos seis mulheres como postulantes de maneira fraudulenta para preencher a cota de gênero.
Após a decisão de maio de 2023, recursos foram apresentados e, ao serem acolhidos, acabaram suspendendo os processos. Houve um recurso que chegou a defender a suspeição do juiz eleitoral Érico Carvalho, que participou do julgamento, mas a medida não foi acatada.
Em novembro do ano passado, o julgamento dos embargos foram retomados. A primeira parte foi julgada ainda naquele mês e a finalização ocorreu neste ano. Assim, em janeiro, a Corte Eleitoral cearense rejeitou os últimos embargos de declaração ingressados pela chapa do PL, de modo que foi mantida a cassação.
Os embargos foram os últimos recursos antes das ações serem direcionadas para o TSE. Como ainda há tramitação vigente, os parlamentares seguiram com suas cadeiras na Assembleia Legislativa.
Um parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR), emitido em maio deste ano, no âmbito da Corte Superior Eleitoral, foi favorável à medida tomada pela instância inferior.
No documento da PGR, além de manter a cassação, o vice-procurador-geral Eleitoral, Alexandre Espinosa Bravo Barbosa, recomendou a inelegibilidade de Acilon Gonçalves, que presidia a sigla no Ceará na época da montagem da chapa proporcional.
O que dizem os citados
Nesta terça-feira (3), o atual dirigente do PL Ceará e um dos réus das ações que tramitam na Justiça Eleitoral, o deputado estadual Carmelo Neto, publicou um vídeo nas redes sociais em que mostrou a intimação recebida por ele e que comunicou a inserção do assunto na pauta do TSE.
Segundo o político, o documento foi recebido por ele com "muita serenidade". "Porque sei que não fiz nada de errado", continuou. Apesar disso, disse Carmelo, haveria "muita revolta" da parte dele.
"Se estou na Assembleia é porque o povo quis, me elegeu o deputado mais votado do Ceará, com 118.603 votos", argumentou. De acordo com ele, a ação judicial que o colocou como réu demonstraria uma perseguição contra sua atuação na Alece.
Uma das Ações de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) foi proposta pela Federação Brasil da Esperança (PT, PCdoB e PV), por Adelita Monteiro e pelos suplentes de deputado estadual Audic Mota, Bruno Pedrosa, Élvilo Araújo e Nizo Costa.
Procurado pela reportagem para que pudesse se manifestar, Carmelo Neto encaminhou o mesmo registro postado em seu perfil na internet.
Dra. Silvana, por sua vez, quando indagada, nessa quarta-feira (4), afirmou que não houve fraude na participação do PL no processo eleitoral de 2022. Ao que alegou, todas as mulheres que se candidataram foram votadas. "E não foi negócio de um ou dois votos", completou.
"Elas foram votadas, assinaram tudo e, o próprio TRE, na época, abriu mão de perícia nas assinaturas, porque eram mesmo delas. Então, estamos sendo julgados por uma suposta fraude cometida pelo presidente do partido", frisou.
Pelo que afirmou a parlamentar, ela não teve envolvimento no processo de registro das candidaturas ou até mesmo na participação das mulheres que teriam sido utilizadas como "laranjas". "Não conheço nenhuma dessas mulheres, não participei de formação de chapa, assim como os outros deputados [também não participaram]", salientou.
Silvana, entretanto, admitiu estar preocupada, porque há, no entendimento dela, uma "judicialização" da política no país. "Estamos vivendo uma situação perigosíssima", considerou, revelando ainda que não irá acompanhar o julgamento e que está "com o coração sossegado".
O sentimento de confiança também foi compartilhado pelo deputado Pastor Alcides Fernandes. Ele falou que espera um "julgamento técnico" e "com sabedoria". "Eles vão ver que foram quatro deputados, os quatro deputados somando quase 400 mil votos, inclusive as duas mulheres sendo as mais votadas aqui do estado de Ceará", argumentou.
"Então, a minha palavra é essa, é crer, é acreditar que Deus nos dará vitória e usará aquele Tribunal para fazerem um julgamento justo. É tudo que eu espero", disse o religioso ao PontoPoder quando foi contatado.
Marta Gonçalves, no entanto, por meio de sua assessoria de imprensa, informou que não iria se pronunciar agora. "Quem está falando em nome do partido é o deputado Carmelo Neto", justificou a equipe em um breve texto enviado como resposta.
Naumi denuncia rombo milionário e pede acompanhamento do Ministério Público na transição em Caucaia
Escrito por Inácio Aguiar, / diarionordeste
O prefeito eleito de Caucaia, Naumi Amorim (PSD), foi ao Ministério Público e solicitou que os promotores que atuam no município acompanhem o processo de transição de gestão. Naumi afirma que há um rombo milionário nas contas do município, possivelmente superior aos R$ 200 milhões mencionados recentemente pelo atual prefeito, Vitor Valim.
No último dia 2 de dezembro, o Sindicato dos Médicos do Ceará divulgou uma nota informando que os serviços de anestesiologia poderiam ser interrompidos nos hospitais municipais devido aos constantes atrasos nos pagamentos. O Sindicato chegou a oficiar o secretário de Saúde do município para solicitar providências.
Ainda em novembro, o Sindicato também denunciou o atraso no pagamento dos médicos que atendem a população no Hospital Municipal de Caucaia. Segundo a entidade, os profissionais não haviam recebido o salário referente ao mês de setembro.
Débito anunciado
Após o segundo turno das eleições, durante uma live nas redes sociais, o prefeito Vitor Valim (PSB) afirmou que a Prefeitura de Caucaia possui uma dívida de R$ 200 milhões, que será herdada pela próxima gestão. Ele alegou, no entanto, que o montante seria resultado de gestões anteriores.
Valim destacou ainda ter reformado 186 escolas, realizado concursos para professores e criado um programa de passe livre no transporte coletivo, entre outras ações.
As informações da equipe de transição, entretanto, apontam para um cenário caótico nas contas municipais.
Tarcísio comete seu maior erro na segurança pública
Por Editorial / o globo
Questionado sobre a crise na polícia do estado, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), respondeu: “Olhe os números”. Não se poderia esperar conselho mais oportuno. Tarcísio terá muito a ganhar quando seguir o próprio conselho e reconhecer os erros da política de segurança pública que ele e seu secretário Guilherme Derrite têm adotado. De janeiro a dezembro, a PM paulista matou 712 pessoas, segundo dados do Ministério Público — o dobro do registrado no mesmo período de 2022. Diversos episódios recentes formam um quadro preocupante.
É preciso reconhecer que, durante mais de duas décadas, São Paulo se destacou pelos melhores índices brasileiros na segurança pública. Sucessivos governos reduziram a criminalidade, ao mesmo tempo que baixavam a letalidade policial. Estrutura de comando e profissionalismo estiveram sempre entre as metas da polícia. E a maioria dos policiais do estado continua a desempenhar trabalho competente, preocupado com a segurança dos cidadãos. Mas a chegada de Tarcísio e Derrite marcou uma inflexão.
Desde o início, Tarcísio foi ambivalente sobre o uso de câmeras corporais, equipamento que, como revelou reportagem do Fantástico, protege não apenas o cidadão de agressões, mas os próprios policiais de acusações indevidas. A influência de Derrite, presente nas forças táticas, tem sido nefasta. Quando o comando é leniente com a truculência, os policiais mais violentos se sentem livres para agir sem freios.
No mês passado, um menino de 4 anos morreu em Santos, alvejado por projétil da polícia. Um estudante de medicina desarmado foi morto após dar tapa no retrovisor de uma viatura. Um homem de 26 anos levou 11 tiros nas costas depois de furtar sabão em pó num mercado. No ano passado, a polícia promoveu na Baixada Santista a operação que resultou em mais mortos desde o massacre do Carandiru: 36, incluindo vários inocentes. No caso mais recente, um policial jogou um homem de uma ponte (ele sobreviveu). Em todos esses casos, quando fardados, as câmeras estavam desligadas. Abusos só vieram a público por denúncias, imagens de terceiros ou de vigilância.
Olhando para os números, não há relação entre a polícia matar mais e o crime diminuir. As polícias mais letais são as de Amapá e Bahia, estados com as maiores taxas de homicídios. Apesar disso, a linha dura tem sido a política de Tarcísio e Derrite. O governo paulista destaca que os homicídios caíram no estado em 2023 e continuam em queda. Mas essa é uma tendência nacional há anos. Em cidades do interior do estado, houve aumento nos assassinatos. Roubos e furtos de celular caíram menos que em Tocantins, Rondônia ou Mato Grosso. Lesões corporais dolosas e estupros não pararam de subir.
A tolerância com a letalidade policial não é apenas ineficaz. É contraditória, pois os responsáveis por fazer cumprir a lei se tornam suspeitos de crimes. Além de moralmente inaceitável, uma polícia sem respeito por protocolos é a semente de milícias e da corrupção. A suspeita de envolvimento de policiais na execução de um delator no aeroporto de Guarulhos é estarrecedora.
Forças policiais precisam estar preparadas para embates violentos contra criminosos sempre que necessário. Mas é um engano concluir que abusos ajudem. Tarcísio tem na segurança pública o ponto mais fraco de seu projeto político. Deveria acordar para isso.
Não tem cabimento aumentar passageiros no Santos Dumont Ideia em gestação no governo violaria acordo e traria de volta desequilíbrio insustentável aos aeroportos cariocas
Por Editorial / o globo
É um despropósito a ideia em gestação no governo federal de autorizar aumento na quantidade de passageiros do Aeroporto Santos Dumont, no Centro do Rio, a partir de 2025. A medida violaria o acordo costurado no ano passado para equilibrar o movimento nos aeroportos cariocas, evitando o esvaziamento do Tom Jobim/Galeão e a saturação do terminal doméstico. Para a Infraero, estatal que administra o Santos Dumont, pode até ser vantagem arrecadar mais com mais passageiros. Mas seria um erro. O funcionamento dos aeroportos do Rio precisa ser encarado de forma complementar, como noutras cidades e países, e não de maneira isolada.
Atualmente, há um limite de 6,5 milhões de passageiros por ano no Santos Dumont. Foi esse limite que levou companhias aéreas a transferir voos para o Galeão, dando nova vida ao terminal internacional — ele tem voltado a funcionar como um centro de conexão necessário não apenas para o Rio, mas para todo o Brasil. A despeito das evidências de que a limitação tem sido bem-sucedida, o secretário nacional de Aviação Civil, Tomé Franca, afirma que os resultados ainda serão avaliados e se mostra favorável à ampliação. O governo deveria descartá-la de imediato, tantos são os fatos em contrário.
Antes da restrição, em vigor desde janeiro, o terminal doméstico chegou a registrar movimento de mais de 11 milhões de passageiros, um absurdo levando em conta suas condições. Até então havia um desequilíbrio insustentável entre os aeroportos do Rio. O Galeão, com excelente infraestrutura e capacidade para 35 milhões de passageiros, vivia às moscas, pondo em risco os vultosos investimentos públicos e privados no terminal ao longo de décadas. Enquanto isso, o Santos Dumont, com capacidade declarada de 9,9 milhões e óbvias limitações físicas, vivia lotado. Isso se traduzia em intermináveis filas no saguão, trânsito parado no entorno e atrasos recorrentes em voos. O desequilíbrio afetava a economia fluminense e o turismo do Rio, porta de entrada de estrangeiros no país.
A restrição no Santos Dumont mostrou-se eficaz. Estima-se que, em 2024, o número de passageiros no Galeão deverá bater 14,2 milhões, alta de 80% em relação a 2023. Projeta-se também recorde de viajantes internacionais (4,6 milhões). O plano da concessionária RIOgaleão para 2025 é chegar a 16 milhões de passageiros. Nos últimos meses, 12 novos destinos nacionais se somaram aos 14 existentes, e novas rotas internacionais estão em implantação. A fixação do limite fez aumentar o total de passageiros dos dois aeroportos (até outubro, a alta foi de 4,4%).
Por tudo isso, não faz sentido quebrar o acordo feito no ano passado, sob a chancela do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho. Não é razoável desmontar uma regra bem-sucedida tanto para conter a deterioração do Galeão quanto para dar mais conforto e segurança a quem usa o Santos Dumont. É fundamental impedir que a Secretaria de Aviação Civil, a Infraero e os lobbies do setor imponham um retrocesso aos aeroportos do Rio.
Com foco na classe média, isenção do IR encorpa tentativas de Lula de atingir faixa mais ‘rachada’ do eleitorado
Por Caio Sartori — Rio de Janeiro / o globo
O projeto do governo federal de isentar do imposto de renda os trabalhadores que ganham até cinco salários mínimos atinge uma parcela numerosa do eleitorado que integra a faixa salarial que mais se divide sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas pesquisas. O plano vai de encontro a outras medidas anunciadas nos últimos meses que focam no mesmo perfil, como o programa de crédito a empreendedores Acredita, e seguem a mesma lógica de afagar aqueles que não integram o bloco dos mais pobres, mas tampouco têm o conforto financeiro dos mais ricos.
Estudo do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da USP (Made-USP) sobre os efeitos econômicos das mudanças no imposto calcula que 23 milhões de trabalhadores ocupam hoje a faixa de renda entre R$ 2,5 mil e R$ 5 mil mensais. São estes os principais beneficiários da proposta, caso aprovada. Já a classe média como um todo, que vai além dos que ganham até R$ 5 mil, é estimada em 43% da população pelo Ministério do Desenvolvimento Social.
Na pesquisa da Quaest de setembro, quem ganha até dois salários avalia o governo de forma positiva em diferentes pontos do questionário com razoável vantagem, enquanto os mais ricos desaprovam. Ainda há um longo caminho até a eventual aprovação das mudanças no imposto de renda, mas a leitura política sobre a proposta passa por incrementar a popularidade de Lula na classe média, indicador decisivo para a eleição de 2026.
O levantamento daquele mês, último antes do que será divulgado na semana que vem, mostra que 51% dos entrevistados que ganham entre dois e cinco salários aprovam o trabalho de Lula, contra 46% que desaprovam. Trata-se de empate técnico dentro da margem de erro de três pontos para mais ou para menos. Se aqui o resultado é rachado, os números descolam no estrato dos que recebem até dois salários — 62% de positivo a 32% de negativo — e no dos que abocanham mais de cinco por mês, em que o petista é aprovado por 40% e reprovado por 57%.
Espremidos entre os dois grupos estão os brasileiros da faixa intermediária — que na Quaest equivalem a 44% da amostra, percentual majoritário dentro do total. — O governo entende que essa classe média é muito importante. E não estou dizendo isso apenas em função das pesquisas — afirma o ministro da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta.
Pela ótica eleitoral, com 2026 no horizonte, atrair parte desse contingente de renda média é crucial para Lula ampliar as chances de reeleição. Um risco a ser levado em conta, no entanto, é a inflação. — Não há possibilidade de vitória eleitoral sem cativar a classe média — afirma o presidente do Instituto Locomotiva, Renato Meirelles. — A questão do imposto de renda vai colocar mais dinheiro no bolso, e isso é muito bom politicamente. Mas, se a inflação ou as bets tirarem esse dinheiro, não adianta nada.
O alerta voltado para a inflação joga luz sobre o principal dilema do pacote anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, visto como insuficiente pelo mercado financeiro para garantir o equilíbrio das contas do governo a longo prazo, o que também pode afetar o aumento de preços — já que essa desconfiança se traduz, em parte, na alta do dólar.
Colaboram para o risco inflacionário, ainda, até mesmo os resultados positivos da economia, como o bom ritmo do PIB e a taxa de desemprego nas mínimas históricas. Com a economia aquecida, a oferta poderá não dar conta da demanda, com chance de resultar em inflação.
Empreendedorismo
Na esfera política, o poder de compra é considerado fator-chave na tomada de decisão do eleitor. — Dinheiro no bolso tem um peso enorme no voto, assim como a inflação de alguns produtos. Tem que entregar a picanha e a cerveja prometidas na campanha — exemplifica Renato Meirelles. Na esteira do diagnóstico, houve críticas internas no governo voltadas para o foco praticamente exclusivo nos mais pobres, o que teria deixado quase metade dos brasileiros com a sensação de invisibilidade.
— Queremos criar um país com padrão de consumo, educação e transporte de classe média — afirmou o presidente Lula em fevereiro. Nos últimos meses, pulularam ideias para tentar reverter o cenário e alinhar o governo à defesa feita pelo presidente. Além da isenção do imposto de renda, promessa de campanha de Lula em 2022, foi lançado o Acredita, programa do Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte que oferece crédito a empreendedores — um tipo de trabalhador com o qual o PT, forjado na luta sindical do Brasil de mais de quatro décadas atrás, ainda sofre para lidar.
— É uma tentativa de chegar nesse público. O presidente tem falado muito do entendimento dele de que é uma nova relação de trabalho que se criou. O cara não é um trabalhador formal, mas também não é um empresário. Sinto cada vez mais o Lula percebendo isso — afirma ao GLOBO o ministro da pasta, Márcio França. O empreendedor, avalia França, não tem uma opinião inexorável sobre o governo.
— Ao contrário de cortes mais ideológicos, como militares, agronegócio, evangélicos, esse pequeno empreendedor não tem um conteúdo contra o Lula. Ele tem bronca de governos em geral, que ficam “mandando imposto para ele pagar” enquanto cria “bolsas” que não são para ele — observa. — É um sujeito vulnerável, passível de mudar de opinião: se o negócio dele andar, ele começa a achar o governo bom.
Ampliação do Pé-de-Meia
Também foi ventilada, na Educação, a extensão de um dos programas mais bem-sucedidos do governo: o Pé-de-meia, que hoje oferece uma “poupança” a estudantes do ensino médio de famílias inscritas no CadÚnico. A ideia de aumentar o projeto abarcaria todos os alunos do ensino médio da rede pública.
Na leitura do presidente do Locomotiva, Lula ainda fala “mais para quem está no formal do que no informal”, mas o Acredita começa a jogar para esse outro público. Só que ainda falta, diz, uma “perspectiva de futuro” na narrativa do governo. A expressão é a mesma usada no mês passado pelo favorito para suceder Gleisi Hoffmann na presidência do PT, Edinho Silva, ao GLOBO.
Alguns ensaios disso foram feitos. Chamou atenção, no anúncio de Haddad sobre o pacote fiscal, o uso da palavra “prosperidade”, muito presente no ideário evangélico neopentecostal e no imaginário empreendedor. Nesta quinta-feira, em Brasília, a sigla do presidente Lula promove o seminário “A realidade brasileira e os desafios do Partido dos Trabalhadores”, com dirigentes, parlamentares e candidatos eleitos nas últimas eleições municipais.
O saldo da disputa deste ano — foram conquistadas apenas 252 prefeituras, sendo Fortaleza a única capital — fez o partido refletir sobre as mudanças no eleitorado.