Lula, com a língua ainda solta, decretou que ‘o povo pobre não come dólar’; come, sim!
Por Alexandre Schwartsman / O ESTADÃO DE SP
Com a língua ainda solta, Sua Sumidade decretou que “o povo pobre não come dólar”, ecoando — para quem lembra — declaração de Maria da Conceição Tavares em 2014, segundo quem “ninguém come PIB”. Ambas as afirmações nos remetem à fábula das uvas verdes e estão obviamente erradas, mas aqui me dedico apenas à tolice presidencial.
No IPCA, índice que mede o custo de vida de famílias com renda até 40 salários-mínimos, o item “alimentação no domicílio” equivale a cerca de 16% do gasto mensal; no caso do INPC, que faz o mesmo para famílias com renda até 5 salários-mínimos, representa ainda mais: 19% da despesa mensal.
Uma vista de olhos nos componentes deste grupo revela coisas como arroz, açúcar, carne bovina e suína, aves, óleo de soja e vários outros assemelhados. Em comum, além de serem alimentos, são produtos que são tipicamente exportados e (se necessário) também importados.
Por conta disto, seus preços são formados em mercados internacionais. Se consumidores querem importá-los, a referência é o preço internacional. Mesmo quando o país é exportador, seu preço doméstico tem que se alinhar ao internacional, senão o produtor não venderá aqui o que pode render mais lá fora.
Entre o preço doméstico, em reais, e o internacional, em dólares, fica a taxa de câmbio, o custo em moeda nacional de cada unidade de dólar; no momento em que escrevo perto de R$ 5,50 por dólar. No final do ano passado, em contraste, o dólar custava aproximadamente R$ 4,90, isto é, ficou uns 12% mais caro.
De acordo com dados do BC, que acompanha os preços das commodities agropecuárias em reais e em dólares, entre dezembro e junho estes valores em dólares aumentaram 6,4%; já em reais, nada menos do que 17,2%. A diferença se deve à subida do dólar.
É curioso, mas não surpreendente, que o mesmo governo que comemorava a queda do dólar como sinal de sucesso de sua política econômica, agora finja que sua alta nada tem a ver com os erros de política econômica e, ainda por cima, promova malabarismos para tentar provar que isto não causa perdas à população, em particular a de baixa renda.
Cada declaração aloprada do presidente sobre não cumprir a meta fiscal por ele mesmo determinada, ou acerca de “mudanças de filosofia” no BC quando indicar seu próximo presidente, encarece um pouco mais o dólar e, consequentemente, a comida (além de tudo o mais importado e exportado).
O povo pobre, em particular aquele do INPC, que consome 19% do seu orçamento em alimentação, encontra isto no seu dia a dia.
Come dólar, sim.
Economista e consultor da A.C. Pastore
Largada das convenções pelo país tem cenários em aberto nas capitais e presença de caciques nos palanques
Por Caio Sartori e Hyndara Freitas— Rio e São Paulo
As convenções partidárias para as eleições municipais começam hoje e o cenário ainda é de indefinição em muitas capitais. Há prefeitos que buscam a reeleição que não bateram o martelo sobre quem será o vice — casos de Rio e Belo Horizonte —, e disputas, como a de São Paulo, em que partidos podem retirar pré-candidaturas e anunciar apoios que mexem no xadrez local. O prazo para os partidos deliberarem sobre coligações, definirem chapa e a lista de candidatos a vereador vai até 5 de agosto, cinco dias antes do prazo limite para registrarem os nomes na Justiça Eleitoral.
Algumas convenções vão ter caciques nacionais prestigiando os postulantes a prefeituras já neste primeiro dia. É o caso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que oficializa a campanha de Guilherme Boulos (PSOL) na capital paulista junto com sete ministros. Boulos tem como vice a petista Marta Suplicy e vai, inclusive, receber suporte financeiro do PT durante a campanha. Outro exemplo é o do presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, que vai a BH anunciar a candidatura à reeleição de Fuad Noman.
Também hoje, o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), formaliza a missão de se reeleger numa convenção que aliados têm classificado como “cartorial”. Burocrático, o evento vai anunciar a nominata de vereadores do partido e a busca pela reeleição de Paes, mas sem se debruçar sobre a escolha do vice, que ficará para o início de agosto.
Busca por apoio em SP
Apesar de a eleição paulistana ter os dois principais pré-candidatos — Ricardo Nunes (MDB) e Boulos — com vices escolhidos, as convenções de partidos como o União Brasil e o PSDB vão ajudar a definir o cardápio completo de candidaturas que de fato estarão à disposição dos eleitores.
No caso do União, a despeito de a convenção ser hoje, o anúncio da posição do partido sobre a disputa pela prefeitura vai ser feito apenas depois que as demais legendas realizarem convenções. O presidente da sigla na capital, Milton Leite, reuniu-se ontem com o prefeito Ricardo Nunes e disse que a relação “melhorou muito”, mas ainda não colocou os dois pés na pré-campanha de reeleição. O entorno do prefeito, contudo, está otimista.
Certo é que o União não deve respaldar a candidatura própria de Kim Kataguiri, que vem se colocando como pré-candidato há meses. A outra opção da legenda seria Pablo Marçal (PRTB), que conversou com lideranças nacionais da legenda entre junho e o início deste mês. Pesa contra o ex-coach, no entanto, possíveis dificuldades que ele pode ter dentro do próprio partido, que passa por brigas na Justiça envolvendo o comando da sigla. O PRTB sequer marcou a data da convenção.
Outro partido cujos rumos são importantes é o PSDB, que marcou o encontro para 27 de julho. Como o apresentador José Luiz Datena tem no histórico uma série de desistências eleitorais, teme-se que ele deixe a sigla na mão. Dessa vez, Datena diz que vai “até o fim”, e chegou a fazer uma primeira agenda pública nesta semana, no Mercado Municipal. O fato de não ter realizado outras agendas previstas para os últimos dias, no entanto, voltou a levantar rumores sobre uma nova desistência.
O PSB, de Tabata Amaral, se reúne no mesmo dia. Sem definição de vice, a deputada aguarda a decisão de Datena, já que, caso ele desista, o PSB pretende atrair os tucanos.
Candidato à reeleição, Ricardo Nunes e seu MDB têm convenção agendada apenas para 3 de agosto. Com vice já definido — Ricardo Mello de Araújo, do PL —, o evento vai reunir as demais legendas que apoiam o prefeito: PSD, Republicanos, Progressistas, Podemos, Solidariedade, PRD, Agir, Mobiliza e Avante. Ainda não há confirmação sobre a possível presença do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Paes em compasso de espera
No Rio, aliados do prefeito Eduardo Paes estimam que ele só deve bater o martelo sobre o vice por volta do dia 5 de agosto. Apesar de as candidaturas poderem ser registradas até o dia 15, Paes quer definir a chapa antes do debate da Band, que ocorre no dia 8, a uma semana do início oficial da campanha. A escolha está praticamente concentrada em dois nomes: o deputado federal Pedro Paulo e o estadual Eduardo Cavaliere, ambos do PSD.
Principal adversário de Paes na disputa, Alexandre Ramagem (PL) vai ser oficializado pelo partido na segunda-feira. Ele também está com vice indefinido, mas a maior possibilidade, hoje, é que o posto vá para o MDB. A convenção não será um grande evento, mas, ontem e anteontem, o pré-candidato cumpriu agendas públicas com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que serviram como uma espécie de pontapé inicial da campanha.
Ontem, em Campo Grande, Ramagem voltou a adotar o discurso de perseguição, por causa de investigações recentes da Polícia Federal, e apostou em nacionalizar o debate, buscando colar Paes em Lula, seu apoiador no Rio.
Tarcísio Motta (PSOL), que vem aparecendo tecnicamente empatado com Ramagem na segunda colocação nas pesquisas, ainda não definiu a data da convenção. A escolha do vice também segue em aberto e só será feita depois que o prefeito definir o seu.
O PP de Marcelo Queiroz espera fazer a convenção no dia 31, e o União Brasil de Rodrigo Amorim segue sem reservar uma data.
Em BH, Fuad Noman tem a vice mais encaminhada para o União Brasil, mas a definição também só se dará daqui a alguns dias. Na convenção de hoje, o prefeito vai ser prestigiado por Gilberto Kassab, mas outros caciques nacionais do PSD, como o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, não devem comparecer. Uma presença que pode ser a surpresa do evento é a do ex-prefeito Alexandre Kalil, também do PSD, que vem tendo encontros para definir se embarca ou não na campanha de Fuad.
Líder das pesquisas, Mauro Tramonte (Republicanos) reservou o dia 3 de agosto; Carlos Viana (Podemos), o dia seguinte, assim como o PT de Rogério Correia; Gabriel Azevedo (MDB), o dia 27 de julho, mesma data que o Novo de Luisa Barreto; o PDT de Duda Salabert fará convenção no dia 29. A eleição de Belo Horizonte é considerada uma das mais disputadas, com alto grau de imprevisibilidade.
Favoritismo no Nordeste
No Recife e em Salvador o cenário é mais parecido com o do Rio — e com favoritismo até mais confortável para João Campos (PSB) e Bruno Reis (União Brasil).
Campos deve fazer a convenção em 4 de agosto, mas antes disso, na semana que vem, anuncia o vice. A tendência é que seja Victor Marques (PCdoB), ex-chefe de gabinete do prefeito. Assim como no Rio, o PT tentou emplacar um nome para o cargo, mas fracassou. O posto recebe especial atenção por causa da possibilidade de Campos deixar o novo mandato no meio, caso reeleito, para concorrer ao governo estadual daqui a dois anos, situação parecida com a de Paes.
Em Salvador, Reis tem tudo definido: a convenção será no dia 24, e a vice da chapa vai ser novamente Ana Paula Matos (PDT). Principal adversário do representante do carlismo, cultura política iniciada pelo ex-governador Antonio Carlos Magalhães, o candidato apoiado pelo presidente Lula, Geraldo Júnior (MDB), tem convenção em 4 de agosto. O emedebista vai promover um grande evento com aliados.
Se nessas duas capitais de estados do Nordeste o predomínio dos candidatos à reeleição é consolidado, em Fortaleza a conjuntura é mais embaralhada. Sarto (PDT) tentará um segundo mandato e marcou convenção para o dia 28, e o encontro deve receber figuras como o ex-governador Ciro Gomes.
Rompido com o irmão, o senador Cid Gomes (PSB) apoia Evandro Leitão (PT), cuja convenção vai ser no dia 4 de agosto.
Além deles, protagonizam a disputa os bolsonaristas Capitão Wagner (União) e André Fernandes (PL), ainda com convenções indefinidas.
(com Bernardo Mello)
Michelle Bolsonaro aciona STF contra Gleisi por postagem sobre caso das joias e rachadinha
Por Alessandra Monnerat / O ESTADÃO DE SP
A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) na sexta-feira, 19, contra a presidente do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR). Michelle pede explicações sobre o teor de uma publicação no X (antigo Twitter) feita na última quarta-feira, 10, na qual a petista relacionou a ex-primeira-dama e a família Bolsonaro aos casos das joias e das rachadinhas e a um golpe para se manter no poder.
Gleisi comentava sobre a notícia de que Michelle pode concorrer ao Senado em 2026. Segundo uma pesquisa divulgada no início do mês, a ex-primeira-dama estaria na frente em uma eventual disputa no Distrito Federal. A reportagem tentou contato com as assessorias de Michelle e Gleisi, mas não teve resposta.
“Mais um negócio de família! Os Bolsonaros vão se lançar em peso para o Senado: Michele, Eduardo, Flavio e até o Carlos”, escreveu a presidente do PT. “Depois de roubar joias para pagar suas contas, fazer rachadinhas pra comprar imóveis, tentar golpe pra se manterem no poder, vão atacar a política com estratégia familiar. Para eles o que importa é isso, se garantirem. Não é sobre Deus, Pátria e Família é só a própria, com muito dinheiro e poder”.
A Polícia Federal indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por supostamente ter montado uma associação criminosa para desviar joiais e presentes de alto valor destinados ao chefe do Executivo. O valor dos desvios é calculado em R$ 6,8 milhões. Entre as joias investigadas, está um conjunto presenteado a Michelle pelo regime da Arábia Saudita, em um caso revelado pelo Estadão. A ex-primeira-dama não foi indiciada e disse “não saber de nada” sobre o suposto esquema. A defesa do ex-presidente nega irregularidades.
Em relação à prática de “rachadinha”, no ano passado foram revelados detalhes de uma investigação da PF sobre o uso do cartão de crédito de uma assessora da senadora Damares Alves (Republicanos-DF). Rosimery Cardoso Cordeiro teria emprestado por 10 anos seu cartão de crédito a Michelle. As duas negaram irregularidades na prática.
Em 2021, o STF decidiu arquivar um pedido de investigação contra Michelle sobre os R$ 89 mil em cheques depositados pelo ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz na conta dela. Queiroz é o pivô da investigação sobre a suspeita de prática de “rachadinha” no gabinete do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) quando ele integrava a Assembleia Legislativa do Rio.
Na justiça brasileira de hoje não há nada mais suspeito do que a lei
Por J.R. Guzzo / O ESTADÃO DE SP
O Brasil que deu a si próprio as funções de vigilante do “processo civilizatório” faz de conta, há anos, que não existe nada de realmente errado com nosso sistema de justiça. Sim, é possível que haja algum exagero aqui e ali, admitem os integrantes do Conselho Nacional de Fiscalização do Estado de Direito e da Democracia. Talvez haja decisões polêmicas por parte do Alto Judiciário - e uma ou outra dúvida sobre a conduta moral de magistrados que participam de “eventos” pagos por magnatas com causas a serem julgadas nas cortes de Brasília. Pode-se debater se está certo julgarem processos defendidos por escritórios de advocacia onde as suas mulheres trabalham.
Mais do que tudo, é preciso tomar o máximo de cuidado diante de casos em que a lei é indiscutivelmente violada, na letra e no espírito, pelos supremos juízes da nação. Não se pode esquecer que eles agem assim porque entendem que estão salvando a democracia - missão que, do seu ponto de vista, não pode ser atrapalhada por detalhes formais.
Tudo bem, mas o STF e as suas dependências, definitivamente, não estão reagindo de maneira construtiva à essa tolerância toda. Ao contrário: quanto mais os guardiães do bem mostram compreensão com os ministros, a Procuradoria-Geral da República, o Ministério Público e o resto da máquina judiciária, mais todos eles se convencem de que têm o direito e o dever de mandar para o diabo que os carregue a Constituição, o Código Penal e tudo o que estiver estorvando os seus projetos.
Olhe-se, a qualquer hora do dia e da noite, para o que estão fazendo – é certo que vai se encontrar algum absurdo em estado bruto. Olhando um pouco mais, fica muito pior. Há literalmente centenas de casos em que a lei foi diretamente desrespeitada.
O fato é que o “processo civilizatório” aceitou, como a coisa mais normal da vida, que o Poder Judiciário do Brasil gire em torno do ministro Alexandre de Moraes. O resultado direto dessa anomalia é a multiplicação descontrolada de casos em que vale qualquer coisa para não se contrariar o ministro. Acontece o tempo todo. No último espasmo desta justiça de psicose, a PGR, nada menos que a PGR que se coloca à mão direita de Deus, rebaixou-se a tomar partido numa miserável briguinha de aeroporto – só para mostrar serviço a Moraes.
Fez uma denúncia contra desafetos pessoais do ministro por um crime que não foi cometido, o de calúnia, em que mais de um ano de investigação da Polícia Federal não encontrou nenhuma prova e que, de qualquer forma, nunca poderia estar sendo tratado pela PGR e pelo STF. Mas isso tudo é a lei – e na justiça brasileira de hoje não há nada mais suspeito do que a lei.
Jornalista escreve semanalmente sobre o cenário político e econômico do País
Um crescimento menos ruim
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
O esforço de reconstrução após as cheias no Rio Grande do Sul fez o Fundo Monetário Internacional (FMI) revisar para cima a perspectiva de crescimento econômico do Brasil em 2025, de 2,1% para 2,4%. Do mesmo modo, foram também os efeitos da tragédia gaúcha sobre a economia, especialmente em relação à safra, os responsáveis pela ligeira queda prevista para o Produto Interno Bruto (PIB) em 2024, de 2,2% para 2,1%.
Os ajustes feitos neste mês pelo FMI nas previsões feitas em abril do relatório Perspectiva Econômica Global (WEO, na sigla em inglês) mostraram um cenário menos ruim para o Brasil. Como destaque para a economia brasileira no próximo ano, além da recuperação do Rio Grande do Sul, o aumento na produção de petróleo e derivados (hidrocarbonetos) mereceu citação dos técnicos do fundo.
Se há algo a comemorar na avaliação do FMI, são os efeitos de setores distintos que minimizaram o impacto da devastação provocada pelo desastre climático no setor agrícola, nas indústrias e na logística do Estado gaúcho. A reconstrução está ainda em fase inicial, mas, ao menos na visão dos observadores externos, tende a ser rápida e forte.
A citação específica aos hidrocarbonetos como um componente estrutural que ajudará a puxar a economia em 2025 mostra também que, em meio ao esforço global de descarbonização e à estruturação da transição energética, a produção de petróleo no País é ainda – e o será por mais algumas décadas – um fator impulsionador do crescimento. Por isso o Brasil precisa planejar de forma consciente o desenvolvimento de seus campos de petróleo.
A economia do País caminha neste ano meio passo à frente da média de seus vizinhos da América Latina e Caribe, região que deve crescer 1,9%, segundo o FMI, mas muito aquém de seus pares emergentes e em desenvolvimento que, com PIB médio de 4,3%, evidenciam a marcha lenta do crescimento brasileiro.
Em ocasião anterior, o FMI salientou que a simplificação tributária acarretará, já no período de sete anos de transição – entre 2026 e 2033 –, aumento adicional de até 0,5 ponto porcentual ao PIB por ano. Assegurar o bom andamento da reforma é hoje tão importante quanto demonstrar que é para valer o empenho para equilibrar as contas públicas, tema que foi destaque em outro documento recente do FMI. Na ocasião, técnicos do fundo calcularam que as contas do Brasil só voltarão ao azul em 2028 e que a redução da dívida depende de um esforço mais ambicioso do País.
O FMI faz uma avaliação positiva do País, elevando de 2% para 2,5% o crescimento econômico no médio prazo, resultado da resiliência no controle da inflação, como diz o relatório, com política monetária proativa “e adequadamente restritiva” e um cenário favorável de oferta e demanda.
Mas está na recomendação futura o principal recado do FMI para o Brasil, quando salienta “desafios de longa data” que ainda permanecem, como a dívida pública elevada e o caminho lento em direção a um padrão de vida mais alto. Sinal de que a busca por crescimento sustentável está apenas no começo.
Tributo à confusão
Por Fernando Gabeira / O ESTADÃO DE SP
A reforma tributária está sendo comemorada como um grande avanço. Os mais prudentes dizem que é uma reforma possível, longe da ideal.
Para mim, existem aspectos muito brasileiros em todo esse esforço. O que era destinado a superar a grande confusão tributária acabou resultando em algo muito confuso, apesar das melhoras. O que nos leva a suspeitar que um grande nível de caos existe não apenas no conjunto das leis, mas, principalmente, na cabeça das pessoas.
A primeira constatação aparece na maneira como querem simultaneamente uma ampla isenção e uma tarifa baixa. É evidente que, quanto maior o número de produtos excluídos da cobrança, isso vai refletir nos outros.
A solução mágica foi determinar uma tarifa máxima, de 26,5%. Uma vez determinado esse patamar, era possível incluir entre os isentos, por exemplo, a carne, inclusive os tipos mais caros, consumidos por pessoas de alta renda.
Eles conseguiram resolver a relação entre duas variáveis fixando apenas uma delas. É como dizer que só posso gastar R$ 5 mil por mês mas vou comer todos os dias em restaurantes e fazer uma viagem à Europa.
Nas discussões de reforma tributária que presenciei, foram muitas ao longo desses anos, sempre surgiu a questão ambiental. Agora, parece que levaram um pouco mais a sério, mas ainda assim decidiram incluir o carro elétrico no chamado imposto do pecado.
O raciocínio é este: as baterias depois de usadas são poluentes. Avariam o carro elétrico só depois de sair de circulação, abstraindo o tempo de uso.
Existe sempre algo de subjetivo na escolha dos produtos a serem isentados. Pessoalmente, não isentaria o açúcar e faria uma carga para que fossem taxados com ênfase os alimentos ultraprocessados.
Minha opinião é baseada em conselhos de médicos e nutricionistas. Mas parece que a questão da saúde pública não foi avaliada em profundidade.
Quando digo que a reforma tributária foi o maior avanço dado pelo Congresso, o faço com resignação. Não é possível esperar grandes saltos no Brasil de hoje.
O próprio governo se empenhou na questão da carne. Foi uma proposta de campanha de Lula da Silva, logo era preciso incluí-la na lista dos não taxados. O resultado real no preço da carne virá nos próximos anos, mas o ganho simbólico é imediato.
Não se pode criticar o governo por querer agradar seu eleitorado básico nem por tomar precauções para não ser suplantado nas próximas eleições.
Mas é possível duvidar da eficácia dessas táticas. Há alguma coisa no Brasil que vale a pena relacionar com a Inglaterra, apesar das diferenças.
Tive a oportunidade de presenciar o fim de um ciclo conservador e o início de uma era trabalhista, na eleição de Tony Blair. No período em que estiveram fora do poder, os trabalhistas se renovaram para conduzir o seu próprio ciclo.
O mesmo aconteceu agora, com a vitória nas últimas eleições. O Labour passou para estar pronto na alternância. Muito possivelmente, no Brasil, a alternância entre conservadores e social-democratas também acontecerá. A diferença é que as forças fora do poder não se preparam nem se transformam para um novo ciclo.
Creio hoje, passados quase dois anos de novo governo, que vivemos esse problema. O período de travessia do deserto da esquerda não foi utilizado para uma renovação no mínimo de ideias. O resultado de tudo isso potencialmente pode encurtar o ciclo. Há varias desvantagens de enfrentar uma nova batalha como se fosse a antiga. As circunstâncias são outras e as respostas à situação transformada são muito pobres, fora do lugar.
Por outro lado a incompreensão dos erros passados é muito perigosa diante de uma opinião pública cada vez mais exigente.
Episódios como a manutenção no cargo de um ministro das Comunicações indiciado pela Polícia Federal, a volta com todo o prestígio dos irmãos Batista, aparentemente favorecidos por uma medida provisória milionária, a demissão de três gerentes da Caixa Econômica que se colocaram contra uma compra de R$ 500 milhões de letras financeiras do Banco Master – tudo isso fortalece a visão de que nada mudou quando a esquerda estava fora do poder.
Por que existir mudanças da esquerda se a direita, por seu turno, continua mergulhada nos próprios erros? É exatamente disso que estou falando. Não se trata de julgar nenhuma das duas forças, mas apenas constatar como são fiéis aos seus erros e como isso significa que não avançaremos muito, enquanto formos prisioneiros da polarização.
No momento, vivemos uma situação interessante na França. Houve uma unidade para vencer ou pelo menos barrar a ascensão da extrema direita. De uma certa forma, guardadas as proporções, foi o que aconteceu no Brasil nas eleições. Passado o momento das comemorações, tanto aqui como lá, torna-se evidente que a motivação eleitoral não basta, isto é, não se trata apenas de derrotar o adversário.
É preciso ter um programa e realizar um bom governo para que o ciclo no poder seja mais longo, não por simples vontade de poder, mas para que haja tempo para realizar o projeto e provocar transformações duradouras, dessas que a própria alternância não consegue destruir.
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JORNALISTA