Casa própria: saiba por que desabou o crédito para comprar imóvel usado
Por Thaís Barcellos— Brasília/ O GLOBO
O financiamento de imóveis usados com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) desabou nos últimos meses, após uma série de decisões do governo para privilegiar a aquisição de lançamentos. No programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), números da Caixa Econômica Federal mostram uma queda de 85% na concessão de crédito para compra de imóveis antigos nos últimos dois meses. Para os cotistas do fundo que ganham mais de R$ 8 mil, o recuo é de 98% entre maio e outubro.
Com recursos do FGTS, o governo, por meio de bancos operadores, oferece empréstimos para compra da casa própria a juros mais baixos. O MCMV é destinado a famílias com renda mensal de até R$ 8 mil e permite a aquisição de imóveis de até R$ 350 mil. Quem tem conta no FGTS e ultrapassa o teto do MCMV pode optar pela modalidade Pró-Cotista, que financia casas ou apartamentos de até R$ 1,5 milhão.
O FGTS é usado como funding. Ou seja, o dinheiro depositado pelas empresas fica no fundo e é usado como forma de financiar a casa própria a juros mais baixos do que no mercado tradicional — para a classe média, o financiamento com funding da poupança também está mais difícil, desde que, por falta de recursos, a Caixa passou a exigir uma entrada maior nessa modalidade a partir deste mês.
Mudança no governo Bolsonaro
Na origem do Minha Casa, Minha Vida, não era permitido adquirir imóveis usados. Eles foram incluídos durante o governo de Jair Bolsonaro e mantidos por Luiz Inácio Lula da Silva na reformulação do programa, no ano passado, com ampliação do subsídio (desconto a fundo perdido dado no valor de entrada e na taxa de juros).
A ideia do governo Lula era dar vazão aos 11,4 milhões de unidades habitacionais vagas, segundo o Censo de 2022, e combater o déficit habitacional no país, estimado em 6,2 milhões de moradias.
Mas a opção fez mais sucesso do que o esperado. Em 2023, as moradias usadas representaram 29,32% de tudo que foi financiado com recursos do FGTS, mais do que o dobro de 2022 (13,25%), segundo dados do Ministério das Cidades. Em 2021, a participação tinha sido de apenas 6,25%.
A expansão foi verificada em todas as faixas do programa, mas a preferência pelos imóveis mais antigos foi maior quanto mais alta a renda. No Pró-Cotista, para a classe média alta, a fatia no ano passado foi de 65,41%. Enquanto na faixa 3 do MCMV (voltada para renda familiar entre R$ 4,4 mil a R$ 8 mil), foi de 38,72%.
Fechando a torneira
Diante dos números, já em 2023, o Ministério das Cidades, responsável pelo programa, decidiu fechar, aos poucos, a torneira para os imóveis mais antigos. A avaliação era de que a situação estava desbalanceada, com a aquisição de usados tomando muito espaço dentro do orçamento apertado do FGTS — algo que também incomodou o setor da construção.
Inicialmente, o governo reduziu o subsídio (desconto a fundo perdido ao público do MCMV) para os usados. Neste ano, porém, foram necessárias novas medidas em abril e agosto. A decisão foi privilegiar o acesso a usados às classes mais baixas, restringindo as condições para quem ganha mais de R$ 4,4 mil.
Agora, na faixa 3 do programa, a entrada mínima para compra de usados é de 50% para quem mora no Sul e Sudeste e 30% nas demais regiões. Além disso, o valor máximo do imóvel usado que pode ser financiado caiu de R$ 350 mil para R$ 270 mil. O governo ainda limitou o orçamento do fundo para compra de moradias antigas a R$ 13,3 bilhões. No Pró-Cotista, só podem financiar usados rendas inferiores a R$ 12 mil e com um valor de entrada mínimo de 50%.
Tombo
Dados da Caixa, principal operadora do Minha Casa, Minha Vida, mostram que a fatia de usados ainda é significativa este ano. O financiamento de usados soma R$ 21,1 bilhões no programa até outubro, ou 27,4% do total de crédito contratado com o banco (R$ 77,1 bilhões). Esse percentual, porém, era de 31,2% até agosto, quando o governo decidiu apertar ainda mais as condições para compra dos imóveis mais antigos. Naquele mês, as concessões para compra de usados alcançaram R$ 2,8 bilhões, o maior valor desde o início de 2023. Foram 18 mil unidades habitacionais financiadas.
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Já no mês seguinte, o baque foi grande, de 70%. Em outubro, as concessões somaram R$ 423 milhões (3.114 unidades) — um recuo ante agosto de 85%. No Pró-Cotista, a redução foi ainda mais significativa. Começou a ficar evidente já em maio, quando entraram em vigor as primeiras restrições. O financiamento passou de R$ 263 milhões para R$ 5 milhões no período — redução de 98%. Em unidades, foi de 1.023 para apenas 29.
‘Equilíbrio’, diz ministro
Segundo o ministro das Cidades, Jader Filho, as restrições atuais buscam alcançar o equilíbrio na política habitacional e estão em permanente avaliação para possíveis afrouxamentos ou novos apertos, sempre mirando a saúde financeira do orçamento do FGTS. A oferta de novos é considerada importante pelo ministro porque gera mais emprego e renda, retroalimentando o fundo. Por outro lado, o usado aumenta as opções para as famílias, principalmente em estados “periféricos”, onde o volume de lançamentos é pequeno em relação às demais localidades, de acordo com Jader Filho.
— Tem que equilibrar esse jogo. Mantendo os novos diante da questão do emprego, para economia girar. Por outro lado, não pode abrir mão dos imóveis usados. Porque, além de ser a única opção em alguns lugares, se concentrarmos só nos novos, os preços vão começar a subir por uma oferta menor que a demanda — disse o ministro ao GLOBO. Jader Filho acrescenta que não seria prudente deixar o orçamento para novos acabar e dar uma sinalização negativa para o setor da construção, já comprometido com investimentos nos próximos anos.
Sobrecarga do fundo
Para além da restrição maior na compra de usados, o orçamento do Pró-Cotista vem perdendo espaço dentro do FGTS, em um momento que poderia funcionar como alternativa para parcela da população que é afetada pela limitação nos financiamentos com recursos da poupança. No ano que vem, o orçamento para a modalidade, considerando novos e usados, será ainda menor, de R$ 3,3 bilhões, contra 5,5 bilhões este ano.
Segundo Jader Filho, se sobrar recursos, o governo vai avançar e facilitar as condições para o Pró-Cotista. Mas o ministro argumenta que é urgente uma discussão de toda a sociedade sobre as alternativas para financiamento imobiliário nas faixas de renda que não compõem o MCMV.
— Não podemos colocar todas as fichas no FGTS. O FGTS não dá conta de absorver toda a demanda que existe hoje no país. Precisamos discutir a questão habitacional — disse o ministro — Se não é o FGTS, qual é a alternativa que o Brasil tem hoje? O Brasil precisa da iniciativa privada e de toda a sociedade. Não é possível uma economia do tamanho da nossa depender só do FGTS.
Novos prefeitos visitam Brasília com ‘pires na mão’ mas deputados não conseguem prometer emendas
Por Iander Porcella (Broadcast) e Victor Ohana (Broadcast) / O ESTADAÕ DE SP
Deputados têm recebido em Brasília a visita de prefeitos que foram eleitos no mês passado. Mas, se de um lado eles estão com o pires na mão, de outro os parlamentares não escondem o incômodo por não conseguir prometer emendas para 2025 aos novos chefes dos Executivos municipais.
As regras para o uso de emendas ainda estão pendentes de entendimento entre Congresso, governo e Supremo Tribunal Federal (STF). Não só a execução das emendas deste ano está bloqueada, por decisão do ministro Flávio Dino, como também o planejamento de envio de recursos em 2025 está comprometido.
A visita de chefes de Executivos municipais recém eleitos a Brasília foi organizada pela Confederação Nacional de Municípios (CNM). O tour da semana passada, por exemplo, fez parte da segunda edição dos Seminários Novos Gestores e incluiu prefeitos do Nordeste, do Espírito Santo e do Rio de Janeiro. O evento é realizado em quatro etapas, até o próximo dia 29.
O projeto de lei elaborado pelo Congresso para tentar convencer Dino a liberar a execução das emendas já passou por votação na Câmara e no Senado. Mesmo com a aprovação do projeto e sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, porém, não há garantia de que o ministro do STF liberará a execução das emendas.
Tudo vai depender do cumprimento dos critérios de transparência e rastreabilidade exigidos por Dino para o repasse dos recursos.
O juiz que marca e cobra o pênalti
Por Notas & Informações ; O ESTADÃO DE SP
Para o bem do Brasil, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), deveria declarar-se impedido de relatar o inquérito que apura a elaboração de um plano golpista após as eleições de 2022. Poderia ir além e tornar-se apenas o primeiro de outros movimentos igualmente benéficos para o bom funcionamento do STF e a legitimidade de suas decisões, como declarar-se impedido também de julgar o caso quando este chegar ao plenário da Corte. No inquérito, a Polícia Federal (PF) indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro, o general da reserva Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice-presidente, e outras 35 pessoas.
Embora seja improvável que Moraes ignore tal clamor, seria um gesto de grandeza, com abdicação republicana de sua reconhecida afeição pelo protagonismo político, policial e judicial. Ao fazê-lo, o ministro evitaria deixar brechas desnecessárias que venham, no futuro, permitir a anulação de processos, como ocorreu na malfadada Operação Lava Jato, ou mesmo que se volte a falar na delirante ideia de anistia que sistematicamente ronda o Congresso.
O Inquérito 4.874 adquiriu contornos ainda mais graves depois que a Operação Contragolpe, da PF, revelou um audacioso plano para matar o presidente Lula da Silva, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o próprio ministro Moraes. As tramas destrinchadas pela PF, caso sejam comprovadas, indicam que pode ter havido uma tentativa de golpe de Estado urdida por civis e militares inconformados com a democracia. A extensão do furor delitivo, o número de envolvidos, o grau de participação de Bolsonaro e que tipo de punição merece tamanha afronta à democracia e à vontade popular serão objeto de análise dos ministros do STF, sob a liderança do relator.
Não há o que questionar até aí. O duvidoso é o quanto a relatoria de Moraes pode tisnar o que precisa ser inquestionável.
Já tem longa vida o incômodo com a mixórdia de poderes adquiridos por Moraes, hoje um onipotente e onisciente condutor de inquéritos sigilosos e onipresentes. Tudo começou em 2019, com o inquérito das fake news, aberto de ofício pelo ministro Dias Toffoli, então presidente do STF. No ano seguinte, por sorteio, chegou ao gabinete de Moraes o inquérito dos atos antidemocráticos, que se desdobrou, em 2021, para a investigação sobre milícias digitais. Em 2022, as investigações passaram a abarcar também atos como o bloqueio de rodovias e os pedidos de intervenção militar em acampamentos golpistas. No ano passado, Moraes e sua equipe ganharam nova responsabilidade: as investigações e ações penais dos atos do 8 de Janeiro.
Desde então, inquéritos que deveriam prever prazo para acabar, ser transparentes e ter objeto determinado foram prorrogados livremente, assim como também se avançou em cautelares distorcidas, combate à ganância das Big Techs, investigação da falsificação do cartão de vacinas de Bolsonaro e outros tentáculos. Sob a chancela dos seus pares, Moraes se autoatribuiu o papel de livrar a democracia do extremismo e do discurso de ódio, motivando-se a censuras, bloqueios de contas, multas exorbitantes e prisões preventivas cuja legalidade não pôde ser verificada, porque correm sob sigilo. Em muitos casos, nem um “Auto de Fé”, o ritual de penitência dos tempos sombrios da Inquisição, pôde ser ofertado a hereges alvos de suas penalidades. Naturalizou-se ainda sua multiplicidade de papéis, entre as funções de delegado, promotor e juiz – além de vítima.
É essa condição que se deseja evitar com um eventual impedimento de Moraes como relator do inquérito. Não deveria ser o único gesto, mas será um bom começo.
Que não reste dúvida sobre o entendimento deste jornal: o Brasil, ao que parece, quase foi alvo de uma intentona golpista, cujo extremo pode ter sido a montagem de um plano destinado a matar autoridades, Bolsonaro foi, no mínimo, o estimulador-geral do espírito golpista daquele tempo, e seus artífices e executores precisam ser julgados por seus crimes.
Nada disso, porém, reduz o dano dos excessos produzidos pelo ministro Moraes nem oblitera a sua condição de alvo, vítima ou objeto da mesma causa que estará relatando, acusando e julgando. Não há virtuose de tal ordem na defesa recente da democracia que justifique tantos poderes.
Um Brasil que não lê
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
Brasileiros que não costumam ler um livro tornaram-se maioria no Brasil, informa a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, que traz dados inquietantes sobre o perfil dos leitores no País. A pesquisa ouviu 5.504 pessoas em 208 municípios, entre abril e julho deste ano, e constatou que 53% das pessoas entrevistadas afirmam não ter lido um livro, mesmo incompleto, nos três meses anteriores à pergunta – prazo que, segundo os pesquisadores, permitiria classificá-las de leitoras.
É a primeira vez, em seis edições da pesquisa, que o número de não leitores superou o de leitores. Nos últimos cinco anos, o Brasil perdeu 6,7 milhões de leitores, queda registrada em todas as classes sociais, faixas etárias e níveis de escolaridade.
Não é novidade o baixo índice de leitura no Brasil, em geral aplacado de maneira circunstancial pelo habitual sucesso de eventos como a Bienal do Livro de São Paulo – a deste ano reuniu 722 mil pessoas no Distrito Anhembi, teve quatro dos dez dias com ingressos esgotados e um balanço geral de vendas acima das expectativas. Mas o retrato da pesquisa demonstra que a histórica pouca valorização do livro e da leitura, seja no ambiente escolar ou no familiar, chega a níveis perturbadores, agravados pelos hábitos relacionados à internet, às redes sociais e às restrições econômicas e sociais.
Quase metade dos entrevistados declarou que não leu mais por falta de tempo – a atenção ao livro é uma dramática disputa contra a internet, o WhatsApp ou Telegram, as redes sociais e a televisão.
E um contexto igualmente grave: uma escola pública que, em muitos casos, tem dificuldade de criar ambiente propício à leitura. Basta ver a redução do número de pessoas que apontam a sala de aula como lugar de leitura. Em 2007, 25% citavam o espaço escolar, índice que caiu para 19% neste ano, efeito direto de uma realidade em que mais da metade das escolas de ensino básico no Brasil não tem uma biblioteca. Não existe mágica: a escola é decididamente o principal espaço para desenvolver o gosto pela leitura, como mostram algumas correlações diretas entre qualidade da rede de ensino e o ranking de leitores. Incluem-se aí Estados como Santa Catarina, Paraná, Goiás, Espírito Santo e Ceará, citados por recentes pesquisas pelos avanços no aprendizado. Mas convém cautela na análise mesmo nas regiões com indicadores positivos, como os leitores do Sul, pois os altos índices sulistas concentram pessoas mais velhas que, em sua maioria, são leitoras da Bíblia e outros livros religiosos.
O fato é que o Brasil ainda deve mais atenção aos projetos de formação de leitores, de bibliotecas comunitárias e, claro, de reforço da infraestrutura nas escolas públicas. Muitos desses projetos padecem de descontinuidade, carência de recursos e atratividade para jovens leitores. Mas é possível, sim, construir projetos e ferramentas que mostrem ao País que livros podem ser ótimos brinquedos para crianças e imprescindíveis ferramentas para o crescimento profissional e humano de jovens e adultos.
Não custa lembrar, como escreveu o poeta Mário Quintana, que os verdadeiros analfabetos são aqueles que aprenderam a ler e não leem.
‘Só países em guerra têm déficit tão alto quanto o Brasil’, diz Stuhlberger, gestor do fundo Verde
Por Alvaro Gribel / O ESTADÃO DE SP
Um dos principais nomes do mercado financeiro brasileiro já não enxerga grandes riscos com a transição no Banco Central. Para Luis Stuhlberger, CEO da Verde Asset e gestor do Fundo Verde, não há um cenário “Alexandre Tombini” com a gestão de Gabriel Galípolo à frente do órgão, a partir de janeiro, no lugar de Roberto Campos Neto.
O grande problema, diz, é a política fiscal, já que o déficit nominal do governo brasileiro, que inclui as despesas com juros, está no mesmo nível de países que precisam financiar grandes conflitos: “Só Ucrânia, Rússia e Israel, países em guerra, têm déficit tão alto quanto o Brasil”, afirmou em entrevista ao Estadão.
Ao lado do novo economista-chefe do Verde, Marcos Fantinatti, em sua primeira entrevista no cargo, Stuhlberger diz que a ideia do governo de isentar o Imposto de Renda até R$ 5 mil terá um custo de R$ 70 bilhões a R$ 80 bilhões por ano, e que isso é um risco que pode ofuscar os ganhos com o pacote de cortes gastos a ser anunciado pelo governo Lula.
Mesmo se enquadrando entre os chamados “super-ricos” do País, Stuhlberger diz que a ideia em elaboração pelo Ministério da Fazenda de garantir uma tributação mínima sobre todas as fontes de renda “não é ruim”, mas pode ser difícil de ser aprovada, em função dos lobbies que atuam no Congresso. A seguir, os principais pontos da entrevista.
Qual a avaliação do sr. sobre o momento atual da economia?
Stuhlberger: O Lula imagina que a melhor forma de governar é distribuir dinheiro. Ele pensa o desenvolvimento sob a ótica do Estado. Juntando-se funcionários públicos, aposentados e benefícios sociais, dá um número que está beirando R$ 1,5 trilhão, distribuído a 110 milhões de pessoas. É sobre esse número que se discute dar um limite para o crescimento do gasto. Agora, existe essa vontade de subir a isenção de Imposto de Renda para R$ 5 mil. Por que ele quer isso? Porque da faixa de renda entre zero a R$ 3 mil, praticamente todo mundo vota no Lula. De R$ 3 mil a R$ 5 mil, ele já perde muitos votos; e de R$ 5 mil para frente, ele perde com folga. Então, são muitos votos a ganhar com a isenção. Só que isso vai custar entre R$ 70 bilhões a R$ 80 bilhões.
E esse tipo de pensamento dificulta o controle das contas públicas?
Stuhlberger: O que o Lula pensa da Faria Lima? Que as empresas têm um monte de benefícios, o que é verdade, porque há mecanismos, como as debêntures incentivadas, que não pagam impostos. Temos uma carga tributária de 34% de Imposto de Renda mais Contribuição Social. Mas, se olhar as empresas de capital aberto, elas pagam muito menos. E aí ele pensa: por que eu vou cortar dos pobres, se os ricos ganham bilhões em dividendos e não pagam impostos? Então, esse é dilema do Lula: a Faria Lima me pressiona, ameaça jogar o dólar para R$ 6 - embora não seja assim - para eu cortar dos pobres. E o que os ricos vão me dar, nada? Esse é o escopo da discussão com o ministro (da Fazenda) Fernando Haddad. E o Haddad claramente fala: se você não fizer nada, vai ficar muito pior: a inflação vai subir, o dólar vai para R$ 7 e você vai perder a eleição. Então, essa é a síntese simples, o dilema do governo.
Fantinatti: Temos uma dívida que terminou o ano passado em 74,7% do PIB e já está rodando quase em 78%. Se pensar do ponto de vista estrutural, temos um déficit de 1% do PIB, talvez 1,5%. E você joga isso sobre uma dívida alta e não consegue enxergar uma trajetória sustentável. O arcabouço (fiscal) prevê uma margem de crescimento da despesa entre 0,6% e 2,5% (ao ano acima da inflação), mas ninguém fala mais nisso. Agora, tudo virou 2,5%. Por que não faz esforço para jogar para 0,6%? Parece que prefere o teto. E, nesse cenário, a dívida vai crescer a três ou quatro pontos por ano; daqui a pouco vai para 85% e 90% (em relação ao PIB).
Vocês projetam estabilização da dívida?
Fantinatti: Não consigo enxergar; pelo menos até 2030, começo da década que vem. E esse eu acho que é o grande problema da economia, que não é fácil resolver.
Stuhlberger: Por que os juros reais do Brasil são os mais altos do mundo? Primeiro pela alta indexação: tudo corrige pelo IPCA. Em segundo lugar, porque quando o governo sobe os gastos da maneira que o PT sobe, e mais o incentivo fiscal com o parafiscal, isso faz a economia crescer acima do potencial, e a inflação aparece. O governo gastou em 2023 por conta da PEC da Transição cerca de R$ 170 bilhões - sem contar que o Bolsonaro já tinha subido um monte, porque ele que triplicou o Bolsa Família. Então, tem inflação crônica, e o Banco Central fica preso em armadilhas das quais não consegue sair - e aí entra num círculo vicioso: juros vão ter que subir para 13% ou 13,5%. E vem o gasto do governo com juros, que é o que incomoda o PT raiz. O Brasil vai fazer déficit nominal de 10%, crescendo mais do que 3% do PIB.
É um déficit muito elevado...
Stuhlberger: Só Ucrânia, Rússia e Israel, países em guerra, têm déficit tão alto quanto o Brasil. A gente está com déficit de quem está em guerra. Por isso o mercado está tão cético, mesmo com pacote de R$ 30 a R$ 40 bilhões, mesmo que se aprove uma PEC rápida, que tudo caiba no (teto de) 2,5%. O problema é que ainda tem os R$ 70 bilhões da ideia da isenção do Imposto de Renda até R$ 5 mil. O gasto vai ficar controlado, mas a arrecadação vai cair. E aí, o que dizem Haddad e Lula? Vamos na Faria Lima e dizer que eles têm que pagar mais.
Seis tribunais, 16 desembargadores e 7 juízes afastados: o esquema de venda de sentenças no País
Por Pepita Ortega / O ESTADÃO DE SP
Uma tempestade de investigações sobre venda de sentenças e corrupção assolou, neste segundo semestre, seis tribunais estaduais em três regiões do País, acendendo um alerta até em gabinetes do Superior Tribunal de Justiça (STJ). As apurações levaram ao afastamento de 16 desembargadores, sete juízes – inclusive com uma prisão e a imposição de tornozeleira a seis deles – e quatro servidores do STJ, dois dos quais estão afastados. A Polícia Federal (PF) investiga suposta corrupção em processos milionários que envolvem desde disputa de terras até a ação criminal de um narcotraficante internacional.
As investigações se encontram em diferentes estágios. Em uma delas, já foi apresentada denúncia do Ministério Público, atingindo dois juízes. Em outra, a Polícia Federal indiciou um desembargador. O Estadão procurou todos os magistrados investigados. Eles negam envolvimento com ilícitos. A reportagem busca contato com lobistas, advogados e outros citados nos inquéritos. O espaço está aberto para manifestações.
Os tribunais sobre os quais pairam suspeitas da PF são os dos Estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, São Paulo, Espírito Santo e Maranhão. Também são investigadas ramificações de um grande esquema desbaratado na Bahia há alguns anos, na esteira da Operação Faroeste.
A PF ainda investiga possíveis elos entre os esquemas investigados nos Estados. Há nomes que ligam as diferentes investigações, em especial de advogados apontados como lobistas de sentenças. Juízes de primeiro grau e desembargadores estão na mira do STJ e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
A lista de crimes investigados é extensa: corrupção, lavagem de dinheiro, fraude processual, falsidade documental, extorsão, falsificação de documento público, peculato, exploração de prestígio e organização criminosa.
Os tentáculos do esquema
Os indícios de que tentáculos dos esquemas de venda de decisões judiciais podem ter alcançado o STJ partiram das investigações sobre integrantes dos tribunais de Justiça de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul – ligadas, como mostrou o Estadão, por dois lobistas de sentenças, um deles assassinado no ano passado. A Corte superior investiga quatro servidores no caso – dois deles já afastados – e nega veementemente o envolvimento de ministros.
A citação ao STJ fez com que o caso fosse levado ao gabinete do ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF). O procurador-geral da República, Paulo Gonet, pediu que a investigação fique sob a alçada da Corte máxima para verificar se há ou não o envolvimento de algum ministro do STJ com o caso. A ideia é a de que quaisquer suspeitas sejam dirimidas já no Supremo, inclusive para evitar eventuais argumentos de nulidade dos inquéritos.
Enquanto Zanin não dá a palavra final sobre a continuação das investigações no STF, as demais investigações sobre desembargadores têm sequência.
As principais investigações miram três tribunais (MT, MS e TO), os mesmos que lideram a lista das Cortes que mais gastaram com seus desembargadores e juízes no ano passado, conforme levantamento do Conselho Nacional de Justiça. Outras Cortes também já enfrentaram investigações da PF. As ofensivas abertas nos últimos meses fizeram diligências em 11 Estados e no Distrito Federal. As investigações miram, além dos magistrados, outras 86 pessoas, entre desembargadores aposentados, advogados, servidores do Judiciário, ex-procuradores de Justiça e até um governador.
No TJ-MS, desembargadores são obrigados a usar tornozeleira
A mais recente ação aberta no rastro de venda de sentenças atingiu em cheio o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, afastando cinco desembargadores, um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado e um servidor da Corte estadual. A particularidade do inquérito foi a colocação de tornozeleiras eletrônicas nos magistrados para monitorar se eles chegam perto de outros investigados ou do TJ-MS.
Principais investigados – Desembargadores Vladimir Abreu da Silva, Alexandre Aguiar Bastos, Sideni Soncini Pimentel, Marcos José de Brito Rodrigues e Sérgio Fernandes Martins (presidente do Tribunal de Justiça); conselheiro do TCE-MS Osmar Domingues Jeronymo e servidor do TJ-MS Danillo Moya Jeronymo.
Diligências – Aberta no dia 24 de outubro, por ordem do ministro Francisco Falcão, do Superior Tribunal de Justiça, operação fez 44 buscas em endereços de investigados, em São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Brasília.
Crimes investigados – Corrupção, lavagem de dinheiro, organização criminosa, extorsão e falsificação de escrituras públicas.
Provas – As investigações tem como base: provas da Operação Mineração de Ouro, aberta em 2021 no encalço de suposto envolvimento de conselheiros do TCE-MS em fraudes em licitações, superfaturamento de obras e desvio de recursos públicos; telefonemas interceptados na Operação Lama Asfáltica; diálogos encontrados no celular de Roberto Zampieri, apontado como lobista dos Tribunais.
Processos sob suspeita – Ações que envolvem disputa de terras – inclusive com suposto favorecimento de um procurador de Justiça do Estado.
Personagem-chave – O empresário Andreson de Oliveira Gonçalves, considerado um lobista de sentenças, é investigado por negociar decisões no TJ-MS, foi citado também nas investigações do CNJ sobre suposto esquema de venda de sentenças no TJ de Mato Grosso e teria “influência” no STJ.
Esquema no TJ-MT é envolto por rastro de sangue e abastecido por celular ‘bomba’
As investigações sobre um suposto esquema de venda de sentenças no Tribunal de Justiça de Mato Grosso partiram de conversas encontradas no celular de Roberto Zampieri, assassinado a tiros em dezembro de 2023. Ele é apontado como “lobista dos tribunais” e mantinha “amizade íntima” com desembargadores da Corte estadual. Segundo a apuração, os magistrados recebiam presentes e propinas em vez de se declararem impedidos para julgar os processos. Há suspeitas de venda de decisões judiciais com pagamentos via Pix e até em barra de ouro.
Principais investigados – Os desembargadores Sebastião de Moraes Filho e João Ferreira Filho e o juiz Ivan Lúcio Amarante afastados pelo Conselho Nacional de Justiça, órgão de correição do Judiciário.
Diligências – A apuração que veio à tona é conduzida pelo CNJ e foi abastecida por informações da Polícia Civil de Mato Grosso. Ainda não houve uma fase ostensiva da investigação.
Crimes investigados – CNJ investiga cenário de graves faltas funcionais e indícios de recebimento de vantagens indevidas, “esquema organizado de venda de decisões”, com até nepotismo, destacando “muito possivelmente, prática de crimes no exercício da jurisdição” – o que deve ser apurado pela PF.
Provas – Mensagens no celular de Zampieri, em especial com o desembargador Sebastião de Moraes Filho. O conteúdo incluía frivolidades como futebol, anedotas políticas, mensagens de autoajuda e frases motivacionais. O desembargador compartilhava sua rotina pessoal com o lobista, narrando idas ao pilates, RPG e salão de beleza. Sebastião nega ilícitos e envolvimento com Zampieri.
Processos sob suspeita – Disputa de terras. A suspeita da Polícia Civil de Mato Grosso é de que o estopim para a morte de Zampieri tenha sido justamente uma decisão de Sebastião, contrária aos interesses de um adversário do advogado. O indiciado como mandante do crime chegou a alegar, junto ao TJ-MT, a suspeição do desembargador em razão da amizade com o lobista dos tribunais. Personagem-chave – Roberto Zampieri, o lobista dos tribunais. “Vendia para os dois lados”, disse Sebastião sobre o “amigo”.