Ações anticorrupção na Lava Jato não podem ser criminalizadas, diz presidente da Transparência Internacional
Flávio Ferreira / FOLHA DE SP
Em visita ao Brasil, o presidente do conselho da Transparência Internacional (TI), François Valérian, defendeu a entidade de combate à corrupção das acusações feitas em processo no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) que investiga o acordo feito pela Petrobras na operação Lava Jato, no qual a TI atuou como conselheira.
Em entrevista à Folha, Valérian disse que as alegações no CNJ configuram mais uma situação de assédio judicial contra a entidade e não se pode permitir a "perseguição e criminalização do trabalho daqueles que lutam contra a corrupção de indivíduos poderosos".
O chefe global da TI também falou sobre como a corrupção pode prejudicar a transição energética e alertou para o risco de a China estar exportando corrupção.
Em relatório para o CNJ, a Polícia Federal afirmou que a relação de proximidade da TI com os procuradores da Lava Jato no tema do acordo com a Petrobras a "beneficiou indiretamente e a beneficiaria diretamente", por meio de uma assessoria que seria dada para a constituição de uma fundação privada, inclusive com indicação de nomes para um comitê. Segundo o relatório, em última instância, os escolhidos teriam o poder de indicar quais projetos e entidades deveriam ser beneficiadas com os repasses. Qual a posição do sr. sobre essa acusação?
Primeiro, fomos alvo das notícias falsas de que a TI estava recebendo dinheiro das multas da Lava Jato e havia estabelecido sua presença no Brasil com esse propósito. Quando ficou claro que não havíamos recebido um centavo e as pessoas perceberam que estamos presentes em mais de cem países, as notícias falsas mudaram.
A última é que a TI não recebeu nem gerenciou fundos, mas tinha a intenção de fazê-lo. A desinformação é perenemente adaptativa, enquanto o assédio se torna cada vez mais sério. Isso só pode cessar quando os direitos de expressão e associação no Brasil, previstos pela sua Constituição democrática, forem plenamente garantidos.
No mesmo relatório, a Polícia Federal levanta uma hipótese criminal de que o então procurador da República Deltan Dallagnol revelou à Transparência Internacional Brasil "informações contidas em documento preparatório que deviam permanecer em segredo relativas a minuta do acordo de assunção de compromissos entre a força-tarefa da Lava Jato e a Petrobras". Como o sr. vê essa hipótese criminal?
A principal razão da minha visita [ao Brasil] foi expressar o apoio e a confiança do movimento global da TI no trabalho ético e corajoso realizado pelo nosso capítulo brasileiro, que tem sido alvo de campanhas difamatórias e assédio judicial há cinco anos. Além disso, vim em um esforço para envolver diferentes atores para que o Brasil possa recuperar sua liderança global na luta contra a corrupção, assim como tem feito na agenda climática e na luta contra a pobreza.
Como a TI Brasil afirmou muitas vezes, os erros e excessos que inegavelmente ocorreram na Lava Jato devem ser corrigidos, quaisquer responsabilidades devidamente atribuídas e, acima de tudo, melhorias legais e institucionais promovidas para preservar e fortalecer a luta contra a corrupção, evitando que seja cooptada por interesses políticos. O que não pode ser permitido é a perseguição e criminalização do trabalho daqueles que lutam contra a corrupção de indivíduos poderosos.
Como o sr. avalia o voto do corregedor do CNJ, Luis Felipe Salomão, no qual ele afirmou que os acordos da Lava Jato instituíram uma espécie de sistema "cash back" com autoridades estrangeiras?
Nunca ouvi falar de um sistema de reembolso em cooperação criminal internacional. O que sei é que, há décadas, o mundo vem discutindo o retorno dos recursos da corrupção aos seus países de origem. Hoje, convenções já determinam isso, assim como leis nacionais, como na França.
Portanto, parece peculiar para mim que um caso de cooperação penal internacional, que resultou na efetiva sanção do maior esquema de suborno transnacional da história e no retorno de recursos significativos ao país onde as vítimas estavam, possa se tornar, ou ser interpretado, como um sistema de "cash back" da corrupção, liderado por agentes da lei.
A Transparência Internacional assinou um memorando e foi a conselheira da força-tarefa da Lava Jato no acordo com a Petrobras. Isso não indica uma posição a favor de um dos lados nos processos, no caso a favor do Ministério Público Federal, da acusação?
Não estamos tomando partido. O que a TI tem defendido é a boa governança e transparência dos acordos, esse foi e tem sido o único propósito.
O vazamento de mensagens de procuradores da Lava Jato mostrou proximidade deles com representantes da TI no Brasil. Em uma das conversas, os procuradores pediram ajuda à TI para receber autoridades venezuelanas Essa proximidade não foi inadequada?
Nosso papel é constantemente apoiar os sistemas judiciários a fazerem o trabalho contra a corrupção. Então, eu não vejo como inadequado grupos anticorrupção trabalharem com promotores ou juízes anticorrupção. Cada um com seu papel, mas sim, deve haver uma cooperação.
A TI realizou um encontro no Brasil para discutir os temas de corrupção e meio ambiente. Em quais situações eles se entrelaçam?
Primeiro, o planeta foi levado à beira de uma catástrofe climática por causa da extração de carvão, petróleo e gás ao longo dos últimos dois séculos, e a corrupção dominou essas indústrias na maior parte dos últimos dois séculos. Então, a crise climática é amplamente causada pela corrupção.
Agora, precisamos garantir a transição energética. Mas para fazer isso, precisamos ter políticas que levem a esse objetivo, e não queremos que as políticas sejam capturadas pelos interesses privados que abusam do lobby oculto para capturar políticas.
Temos essa grande transição energética que está criando uma nova economia inteira. E essa economia é baseada em produzir eletricidade com mais vento e sol e produzir mais eletricidade como um todo. Mas para fazer tudo isso, precisamos de minerais e estamos de volta aos problemas que têm sido associados à mineração ao longo dos últimos dois séculos. Estamos vendo uma corrida mineradora com riscos de corrupção, riscos de colusão entre poderes públicos e interesses privados, riscos de comunidades locais que estão sendo desrespeitadas.
Portanto, a corrupção está realmente no coração da nossa luta contra a crise climática.
No índice de percepção de corrupção da TI, a China está em 76º lugar. Este índice pode estar distorcido pelo fato de não haver liberdade de expressão no país?
O que sabemos sobre a China é uma visão muito parcial. Vemos que o governo chinês está conduzindo campanhas contra a corrupção internamente, você tem líderes políticos que estão sendo presos. Mas o que a China está fazendo contra a corrupção que está sendo praticada por suas empresas no exterior? O que o governo chinês está fazendo contra a corrupção que o próprio governo está praticando no exterior? Não é suficiente se você age contra a corrupção internamente e não contra a corrupção que está sendo praticada por seus próprios agentes no exterior. Você está simplesmente exportando corrupção.
A Transparência Internacional tem alertado sobre o problema da impunidade. O sr. avalia que esse problema na América Latina está mais relacionado aos agentes de investigação, como a polícia ou o Ministério Público, ou acha que está mais ligado ao Judiciário?
O problema da impunidade está relacionado à falta de separação de Poderes e à falta de força do sistema Judiciário. Em muitos países há essa dificuldade em garantir uma aplicação eficiente da justiça. O que observamos em um certo número de países são retrocessos. Observamos no Brasil que evidências foram anuladas no caso Odebrecht e Lava Jato recentemente, que multas estão sendo suspensas. Isso é preocupante porque o Brasil deveria desempenhar um papel importante na luta mundial contra a economia global da corrupção, dado o tamanho econômico do Brasil, dada a importância geopolítica do Brasil. Então, o Brasil deveria desempenhar esse papel, e bem, não é exatamente o caso agora.
Os casos de irregularidades no sistema financeiro reveladas pela investigação jornalística conhecida como Panamá Papers de 2016 começaram a ser julgados neste mês. Depois dessas revelações ocorreram melhorias no sistema financeiro internacional?
Houve uma melhoria clara no sistema financeiro, mas não é suficiente. E não é apenas o sistema financeiro que está em jogo aqui. Também é a infraestrutura legal, porque os Panama Papers vieram de escritórios de advocacia. E em todos os países, os advogados também têm que lutar contra a lavagem de dinheiro e contra a economia global da corrupção. Portanto, ainda há muito espaço para melhorias no setor legal, e também no setor financeiro, e talvez ainda mais entre os gestores de fundos, as pequenas boutiques de investimento, que estão um pouco abaixo do radar.
O jornalista viajou a convite da Transparência Internacional
RAIO-X | FRANÇOIS VALÉRIAN, 59
Na Transparência Internacional há 16 anos, o francês tomou posse como presidente do conselho da entidade em 2023. Sua atuação na TI começou no secretariado em Berlim, na Alemanha, onde liderou programas de integridade corporativa e iniciou trabalho da entidade junto ao G20 para regulação financeira e anticorrupção. Desde 2019 é do conselho internacional da TI.
É engenheiro com PhD em história (graduações na Ecole Polytechnique e na Ecole des Mines de Paris).
Antes da Transparência Internacional, trabalhou no serviço público francês e na iniciativa privada (atuou no banco BNP Paribas e na empresa Accenture). Foi professor de regulação e controles financeiros na École des Mines de Paris.
Medidas ditatoriais não cabem numa democracia
Precisamos voltar ao trilho de normalidade da democracia. Estamos tentando fazer, numa democracia, um controle que só as ditaduras fazem. Tem que haver uma diferença do que é um ataque à instituição, ataque criminal, calunia, difamação e o que é um comentário de quem é contra o governo, ou discorda de alguma ação da Corte.
Por Merval Pereira / O GLOBO
Há uma clara tendência do STF e TSE, que se misturam por causa do ministro Alexandre de Moraes, de tentar controlar as mensagens, notícias e comentários das redes sociais de maneira definitiva. E nessa cruzada, o ministro tem cometido alguns excessos, sem analisar muito o que pode e o que não pode ser visto como interferência indevida em diversos processos.
Ao assumir a presidência do TSE, como ministro do STF relator dos processos sobre fake News, Alexandre de Moraes deu cumprimento a ordens de um órgão subordinado a ele. Há um conflito de interesses e o prejudicado pode argumentar que o ministro está agindo de maneira errada.
Os ministros estão convencidos de que estão salvando a democracia. Salvaram, realmente, mas é preciso parar um dia. Ou se está na China, num regime ditatorial, onde o governo controla as comunicações, ou nas redes sociais vai passar alguma mensagem que não agrade ao ministro.
Tem que haver uma diferença do que é um ataque à instituição, ataque criminal, calunia, difamação e o que é um comentário de quem é contra o governo, ou discorda de alguma ação da Corte. Precisamos voltar ao trilho de normalidade da democracia. Estamos tentando fazer, numa democracia, um controle que só as ditaduras fazem.
Ministros não podem continuar comentando publicamente assuntos que vão julgar. Não é possível que se sintam liberados para tudo. Claro que nunca tivemos uma tentativa de golpe de Estado tão clara, mas existe um limite. A situação já está controlada; não se pode ter medidas ditatoriais numa democracia, por mais razão que se tenha.
Tropeços com vacinas
O sistema de vacinação no Brasil, que já foi exemplo para o mundo, enfrenta percalços no governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A má nova mais recente diz respeito à aquisição de vacinas atualizadas contra a Covid-19. Em dezembro, a Anvisa concedeu registro para imunizante da Pfizer específico para a variante XBB. Entretanto, quatro meses depois, a compra não foi concluída.
A campanha de vacinação, que deveria estar em curso, ficou para maio. Ao longo de 2023, o governo só adquiriu doses da Coronavac. A recomendação técnica era aguardar as vacinas de mRNA atualizadas da Pfizer e da Moderna —o registro desta só veio em março.
Atrasou, com isso, o pregão entre as duas concorrentes. Mas nem tudo que é explicável é justificável, especialmente no que toca à saúde da população. O bom gestor precisa antecipar-se a possíveis entraves. Problema similar deu-se na atual epidemia de dengue.
O Ministério da Saúde não agilizou a burocracia para a compra do imunizante Qdenga nem preparou a infraestrutura do sistema de saúde para a alta de casos —que havia sido projetada pela OMS no início de 2023 divido à mudança climática e ao fenômeno El Niño.
Em quatro meses, a doença tirou a vida de 1.116 brasileiros, ante 1.094 em todo o ano passado.
Ademais, a vacinação com a Qdenga obteve baixo comparecimento, mesmo limitada à coorte de 10-14 anos. Na quarta-feira (17), o Ministério da Saúde emitiu nota permitindo inocular pessoas de 4 a 59 anos, como paliativo para não desperdiçar imunizantes com vencimento no fim deste mês.
Por óbvio, o discurso antivacina de Jair Bolsonaro (PL) foi um dos vários descalabros provocados pelo seu governo na área da saúde. Mas o PT já está no poder há 16 meses, e a pasta chefiada por Nísia Trindade não pode mais escorar-se nos desmandos do passado para isentar-se de responsabilidades.
Também cabe assinalar que as pressões políticas do Congresso contra a ministra têm pouco a ver com o bem-estar da população e muito com o apetite fisiológico de parlamentares do centrão pelo gordo orçamento da Saúde.
Renda bate recorde com emprego aquecido e Bolsa Família ampliado em 2023
Leonardo Vieceli / FOLHA DE SP
A renda média domiciliar per capita (por pessoa) subiu a R$ 1.848 por mês no Brasil em 2023. É o maior patamar de uma série histórica iniciada em 2012, apontam dados divulgados nesta sexta-feira (19) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Em relação a 2022 (R$ 1.658), o rendimento teve alta de 11,5%. O recorde anterior da série havia sido alcançado em 2019 (R$ 1.744), antes da pandemia de Covid-19.
Os dados, ajustados pela inflação, integram a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua: Rendimento de Todas as Fontes 2023.
O levantamento vai além do mercado de trabalho e também traz informações de recursos obtidos pela população por meio de iniciativas como aposentadorias, pensões, programas sociais e aluguel.
O ano de 2023 marcou o início do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Segundo Gustavo Geaquinto Fontes, analista da pesquisa do IBGE, um dos fatores por trás do recorde da renda per capita foi o aquecimento do mercado de trabalho, com mais pessoas ocupadas e aumento de salários.
Outras fontes também contribuíram para o avanço do indicador, incluindo aluguel e programas sociais como o Bolsa Família, diz o pesquisador. "Além do crescimento do benefício médio desse programa, houve expansão do percentual de domicílios beneficiados."
Conforme o IBGE, as transferências de renda do Bolsa Família, substituto do Auxílio Brasil, chegaram a 19% dos domicílios do país em 2023 –quase um em cada cinco lares. É o maior percentual da série histórica iniciada em 2012.
Fontes aponta que o ganho real do salário mínimo também pode explicar o comportamento da renda per capita.Nesse sentido, o pesquisador lembra que o salário mínimo influencia não apenas o rendimento do trabalho. Também impacta aposentadorias, pensões e benefícios como o BPC/Loas –pago a pessoas com deficiência e de baixa renda.
DF LIDERA RANKING, MARANHÃO FICA PARA TRÁS
No ano passado, a renda média per capita avançou nas cinco grandes regiões do país. O Sudeste registrou o maior valor (R$ 2.237), e o Nordeste, o menor (R$ 1.146).
No recorte das unidades da federação, o Distrito Federal aparece no topo do ranking. O rendimento per capita local foi de R$ 3.215, seguido pelos resultados de São Paulo (R$ 2.414), Rio de Janeiro (R$ 2.305), Rio Grande do Sul (R$ 2.255) e Santa Catarina (R$ 2.224).
O Maranhão, por outro lado, registrou a menor renda per capita do país –a única abaixo de R$ 1.000. O valor local foi de R$ 969. Acre (R$ 1.074), Pernambuco (R$ 1.099), Alagoas (R$ 1.102) e Bahia (R$ 1.129) vêm na sequência.
TRABALHO REPRESENTA 74,2% DO RENDIMENTO
No Brasil, o rendimento de todos os trabalhos respondeu por 74,2% da composição da renda média domiciliar per capita em 2023. É a maior participação entre as fontes investigadas pela pesquisa, embora tenha ficado levemente abaixo da registrada em 2022 (74,5%).
Já as aposentadorias e pensões responderam por 17,5% da composição da renda per capita no ano passado, também abaixo de 2022 (18,1%).
Enquanto isso, a categoria de outros rendimentos, que inclui os programas sociais, ganhou participação. Esse grupo respondeu por 5,2% da composição da renda em 2023, acima dos 4,6% do ano anterior.
Comandante do Exército reforça cobrança orçamentária em evento com Lula
Cézar Feitoza / FOLHA DE SP
O comandante do Exército, general Tomás Paiva, reforçou nesta sexta-feira (19) os apelos das Forças Armadas por previsibilidade orçamentária durante evento com o presidente Lula (PT).
"A previsibilidade orçamentária é fundamental para fortalecer a Base Industrial de Defesa e aumentar a capacidade de dissuasão em um mundo multipolar, no qual os conflitos bélicos são uma realidade", disse.
As declarações foram dadas durante a cerimônia militar em comemoração ao Dia do Exército e integram a Ordem do Dia, texto divulgado para todos os militares. Segundo o comandante, a previsibilidade no orçamento é ainda importante para "aprimorar o valor do soldado por meio do treinamento eficaz e da dotação de materiais de emprego militar modernos".
Os pedidos dos setores militares pela fixação de 2% do PIB (Produto Interno Bruto) para os gastos do Ministério da Defesa são antigos. Eles têm, como fundamento, a meta orçamentária que a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) definiu para seus países-membros —dos quais o Brasil não faz parte.
A Marinha articulou com o senador Carlos Portinho (PL-RJ), líder do principal partido de oposição ao governo Lula, a apresentação de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) sobre o tema.
O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, afirmou na quarta-feira (17) que a meta orçamentária é "muito grande" para o Brasil. Ele defendeu, porém, que a proposta seja aprovada com algum percentual, para que as Forças Armadas tenham previsibilidade para definir seus gastos.
Lula foi recebido com vaias por parte do público civil que acompanha a cerimônia militar do Dia do Exército, em Brasília. Em resposta, apoiadores cantaram músicas de apoio ao petista.
Essa é a primeira vez desde a posse que opositores de Lula mostram contrariedade com a presença do presidente em eventos militares —utilizados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para manter o confronto com o STF (Supremo Tribunal Federal) e o petista.
O público presente na cerimônia do Dia do Exército se dividiu em duas tendas posicionadas no mesmo local em que, em 2022, apoiadores do ex-presidente acamparam em súplica por um golpe militar.
Durante a leitura da Ordem do Dia, Tomás Paiva reforçou a concepção de que o Exército está firmado em "eternos [...] ideais democráticos".
"No dia de hoje, ao completar 376 anos de glórias, a Força Terrestre reafirma o eterno compromisso com a Nação brasileira em defesa da Pátria e dos mais caros ideais democráticos, mesmo com o sacrifício da própria vida. Pagamos um alto preço em vidas humanas para honrar nosso juramento."
A declaração foi feita enquanto generais da reserva e oficiais de diversas patentes são investigados pela Polícia Federal sob suspeita de uma trama por um golpe de Estado contra a eleição de Lula no fim de 2022.
Segundo depoimentos colhidos na investigação, os ex-comandantes Freire Gomes (Exército) e Baptista Júnior (Aeronáutica) foram contrários às intenções golpistas apresentadas a eles por Bolsonaro e o então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira.
Ex-chefe da Marinha, o almirante Almir Garnier teria apresentado apoio às propostas que buscavam reverter o resultado eleitoral, de acordo com a investigação.
Enquanto esperavam Lula chegar à cerimônia do Exército, autoridades que ocuparam o tablado principal trocavam afagos e cumprimentos. O ministro da Defesa conversou ao pé do ouvido com o vice-presidente do governo Jair Bolsonaro, general Hamilton Mourão.
O ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas chegou cerca de 20 minutos antes da solenidade. O general sofre de ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica), uma doença degenerativa que tirou-lhe os movimentos.
A esposa de Villas Bôas, Cida, também participou do evento. Como a Folha mostrou, a atuação da cônjuge do general atiçando apoiadores bolsonaristas que pediam um golpe militar foi um estorvo para parte dos generais, em 2022.
Estes avaliavam que os vídeos da esposa de Villas Bôas entre os bolsonaristas inflamavam ainda mais os radicais enquanto a maioria do Alto Comando do Exército atuava nos bastidores para comunicar que não endossaria uma ruptura institucional.
A presença de Lula em eventos militares passou a ser constante após o presidente e Múcio articularem um movimento de reaproximação do petista com os chefes das Forças Armadas.
A estratégia do presidente de promover uma conciliação com as cúpulas militares envolveu uma série de ações de Lula para evitar que integrantes do PT e ministros do próprio governo tentassem enquadrar os homens de farda.
Os primeiros sinais da acomodação foram emitidos quando o presidente decidiu se opor à proposta do Partido dos Trabalhadores de aprovar uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que alterasse o artigo 142 da Constituição, que define os papeis das Forças Armadas na democracia.
O plano dos parlamentares de esquerda era extirpar a GLO (Garantia da Lei e da Ordem) das atribuições dos militares, retirando-os da segurança pública. Seria uma forma ainda de enterrar leituras golpistas sobre as Forças terem um papel moderador na República —tese que foi derrubada por unanimidade no STF (Supremo Tribunal Federal).
Lula ainda optou pela harmonia com os chefes militares ao determinar que seu governo não fizesse menção aos 60 anos do golpe militar de 1964. Eventos organizados pelo Ministério dos Direitos Humanos, de Silvio Almeida, acabaram cancelados às vésperas do 31 de março de 2024.
Em audiência na Câmara na última quarta-feira (17), o ministro José Múcio afirmou aos deputados que foi convidado por Lula para assumir a pasta da Defesa para buscar harmonia entre o governo eleito e as Forças Armadas. "O presidente Lula me trouxe para isso, para conciliar", disse Múcio.
No Dia do Exército do último ano, Lula se encontrou pela primeira vez com o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas desde que o general publicou em rede social texto em que pressionava a Suprema Corte contra o julgamento, em 2018, de habeas corpus que poderia tirar o petista da prisão.
O presidente não interagiu com o general, que ficou na fileira principal das autoridades, mas em cadeira na última coluna à esquerda do palco. Lula, no centro, não cumprimentou o ex-comandante.
A cerimônia desta sexta foi a primeira realizada pelo Comando do Exército desde que o ministro Alexandre de Moraes, do STF, decidiu que os militares investigados pelas articulações golpistas no fim de 2022 fossem proibidos de participar de eventos militares.
A decisão atingiu uma série de oficiais-generais que, apesar de terem saído do governo com Jair Bolsonaro, ainda mantêm relações com as cúpulas militares e participavam, eventualmente, das cerimônias.
É o caso dos generais Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira. Ex-chefe do Comando de Operações Terrestres, o general Estevam Theophilo estava no Alto Comando do Exército até o último ano —investigado pela Polícia Federal, porém, também teve de se ausentar dos eventos da Força.
Dino pede a Lula, Lira e Pacheco que falem sobre ‘descumprimento’ de derrubada do orçamento secreto
Por Pepita Ortega / O ESTADÃO DE SP
O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, instou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os presidentes do Senado e da Câmara, Rodrigo Pacheco e Arthur Lira, a se manifestarem sobre um suposto descumprimento da decisão que derrubou o chamado orçamento secreto. Eles terão 15 dias para prestar esclarecimentos à Corte.
O despacho foi assinado por Dino nesta quinta, 18, após duas entidades ‘amigas da corte’ narrarem suposta ‘persistência de descumprimento’ de decisão do STF.
A Associação Contas Abertas e a Transparência Internacional Brasil pediram, inclusive, uma manifestação célere do STF sobre o tema evocando as eleições municipais. Segundo elas, com a chegada do pleito ‘aumentam os riscos de que recursos capturados do orçamento público sejam destinados para beneficiar candidaturas específicas apoiadas por parlamentares federais, violando o direito de livre escolha pelos eleitores e eleitoras’.
As entidades questionam três pontos: ‘uso indevido de emendas do relator-geral do orçamento para efeito de inclusão de novas despesas públicas ou programações no projeto de lei orçamentária anual da União; emendas individuais na modalidade transferência espécie, as emendas PIX, com alta opacidade, baixo controle; e descumprimento da determinação de publicar informações relativas à autoria’ das emendas do orçamento secreto e sua aplicação.
Segundo as entidades, as duas primeiras questões - sobre a inclusão de novas despesas no orçamento e as emendas PIX - envolvem ‘elaboração e execução orçamentária que perpetua a violação dos princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência e comprometem sobremaneira o planejamento orçamentário e a responsabilidade na gestão fiscal’.
O Contas Abertas e a Transparência Internacional Brasil sustentam, por exemplo, que a PEC da Transição teria afrontado decisão do STF ao autorizar que o relator do Orçamento de 2023 apresentasse emendas para a ampliação de dotações orçamentárias.
Para as entidades o Supremo assentou que as emendas do relator se restringem à correção de eventuais erros e omissões.
“Na prática, a execução das emendas feitas pelo relator-geral à Lei Orçamentária de 2023 sob essa normativa estabelece uma dinâmica similar à do chamado Orçamento Secreto para a distribuição de R$ 9,85 bilhões”, argumentam.
Com relação às emendas PIX é apontado um ‘notável salto’ no uso das mesmas, após a decisão do STF sobre a inconstitucionalidade do orçamento secreto.
A petição destaca como essas emendas também ‘operam à margem dos princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência’.
“É praticamente impossível rastrear na totalidade como foram aplicados os recursos da União distribuídos por emendas PIX (mais de R$ 6 bilhões só em 2023), mesmo se cada ente federativo beneficiado cumprisse a rigor as exigências legais de transparência ativa e publicassem, em seus portais de transparência, dados detalhados sobre a aplicação das emendas (o que sequer é o caso)”, frisa o documento.
O último ponto elencado pela Transparência e Contas Abertas é o suposto ‘descumprimento sistemático’ da determinação para que o Executivo dê transparência às emendas declaradas inconstitucionais. Segundo as entidades, nenhum dos dez ministérios que manejaram as antigas emendas RP9 em 2022 cumpriu integralmente as determinações da Corte máxima sobre a publicação, em seus sites, de informação sobre os repasses.