Com emendas, Congresso dobra aposta em abuso do poder
Em votações apressadas, o Congresso não promoveu mais do que mudanças cosméticas no rito das emendas parlamentares ao Orçamento da União, de modo a dar uma aparente resposta a ilegalidades apontadas pelo Supremo Tribunal Federal e objeto de entendimento entre os três Poderes. Quem o diz não são só especialistas e entidades da sociedade civil.
Nota técnica da própria Consultoria de Orçamentos do Senado conclui que o projeto de lei complementar em tese destinado a dar transparência às emendas, aprovado em caráter definitivo na terça-feira (19), "não responde a praticamente nenhuma das exigências colocadas pelas decisões cautelares do STF e pelo acordo interinstitucional celebrado entre os Poderes".
Segundo o documento, de 14 providências recomendadas, somente 3 são substancialmente atendidas pelo projeto; destas, 2 já constam de normas vigentes. As duas preocupações mais importantes, na prática, foram ignoradas pelos parlamentares.
As assim chamadas emendas Pix —uma esdrúxula modalidade pela qual um deputado ou senador determina a transferência direta de recursos para um governo local, sem nem mesmo a assinatura de um convênio— terão de vir acompanhadas da finalidade do gasto, mas não há mecanismo de controle sobre a devida aplicação do dinheiro.
Já no caso das emendas coletivas (apresentadas por comissões temáticas ou bancadas estaduais), continuam abertas as brechas para que elas disfarcem interesses meramente individuais, sem que o verdadeiro autor possa ser identificado.
Não foi objeto do estudo da consultoria, ademais, o volume aberrante que atingiu a intervenção direta dos congressistas brasileiros no Orçamento.
Os pesquisadores Hélio Tollini e Marcos Mendes, colunista da Folha, constataram que ela não encontra paralelo em 11 países da OCDE analisados, entre eles presidencialistas, como EUA, México e Chile, e parlamentaristas, como Alemanha e Itália, além da França semipresidencialista.
Os números impressionam. Em valores corrigidos, a execução de emendas parlamentares não passava de R$ 3,9 bilhões em 2015. No ano passado, foram R$ 35,9 bilhões. Neste 2024, a cifra pode chegar aos R$ 48,3 bilhões.
Nesse período, o Congresso aproveitou a passagem de presidentes da República politicamente inábeis, como Dilma Rousseff (PT) e Jair Bolsonaro (PL), para se apossar de fatias crescentes do dinheiro do contribuinte.
Esse processo seria mais defensável se respeitasse princípios como impessoalidade e publicidade, ou se a destinação das emendas seguisse critérios de prioridade de política pública. Em vez disso, parlamentares alimentam suas bases eleitorais com o propósito de se perpetuarem nos respectivos postos.
Com o projeto farsesco recém-aprovado, apenas dobram sua aposta no abuso de poder.
Pacote de cortes gera desgaste para consertar problemas que o próprio governo semeou
Em agosto de 2023, com apenas um dia de diferença entre as votações, a Câmara dos Deputados deu o sinal verde para duas medidas que selaram o destino —e as contradições— das contas públicas brasileiras no atual governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Na noite de 22 daquele mês, os deputados concluíram a aprovação do novo arcabouço fiscal, regra proposta pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) e que permite a expansão das despesas em até 2,5% acima da inflação ao ano.
Na sessão do dia seguinte, a mesma Casa avalizou a nova política de valorização do salário mínimo apresentada pelo governo Lula, que estabelece ganhos reais equivalentes ao avanço do PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos antes, resgatando um desenho que já havia vigorado em gestões anteriores do PT.
Tendo no crescimento pujante uma de suas principais bandeiras e apostas para resolver mazelas da economia brasileira, o governo petista escolheu ignorar o fato de que cumprir essa promessa colocaria em risco a regra fiscal que ele mesmo propôs. Afinal, o salário mínimo poderia crescer em ritmo mais veloz do que o limite global de despesas, puxando consigo ao menos 27% dos gastos (fatia do Orçamento diretamente atrelada ao piso).
Não fosse só isso, a nova velha política do salário mínimo foi restabelecida de forma permanente, não mais temporária como no passado, quando a regra precisava ser revalidada pelo Congresso Nacional a cada quatro anos.
A incongruência foi deliberadamente contratada sob as bênçãos da equipe econômica. Em abril de 2023, Haddad disse, em entrevista à Folha, que o governo atacaria o crescimento das despesas obrigatórias. Menos de um mês depois, assinou ao lado dos ministros Luiz Marinho (Trabalho), Carlos Lupi (Previdência) e Simone Tebet (Planejamento) o projeto de lei que propôs uma política de valorização do piso dissonante do arcabouço.
Documentos internos da Fazenda mostram ainda que nenhuma das secretarias da pasta apresentou qualquer objeção à política do piso, embora àquela altura já fosse sabido que, por essa regra, o salário mínimo de 2024 teria ganho real de 2,9%, equivalente à alta do PIB em 2022 e acima da expansão do arcabouço.
O descompasso entre as duas regras é o que agora obriga o governo a rediscutir a política de valorização do salário mínimo no âmbito de uma revisão de gastos para a qual o próprio PT torce o nariz. Aliás, nos bastidores, pessoas influentes dentro do governo já questionavam quem teria a coragem de falar para Lula que uma de suas principais promessas de campanha era insustentável e precisaria mudar.
O desgaste seria evitável se, na origem, os diferentes governos dentro do Executivo tivessem conversado entre si e atuado de forma coordenada para estabelecer uma regra compatível com o todo.
Em vez disso, o governo Lula desperdiçou a oportunidade de aprimorar a política que determina o dinheiro no bolso de milhões de trabalhadores e aposentados brasileiros e ainda faturar politicamente em cima da herança depreciada deixada por Jair Bolsonaro (PL), que só reajustou o salário mínimo pela inflação.
Dado o retrospecto, um ganho real, ainda que mais brando do que o crescimento do PIB de dois anos antes, já seria um avanço —econômico, social e político.
Agora, o recuo necessário deixa no ar a sensação de retrocesso para aqueles que serão diretamente afetados pela medida.
Considerando parâmetros do próprio governo, o piso pode crescer R$ 6 a menos em 2025 a partir da mudança em estudo, que limita o ganho real do salário mínimo à expansão do arcabouço fiscal —de 2,5% no ano que vem. O mercado aplaude, a população se frustra e o PT calcula os estragos a menos de dois anos da campanha presidencial de 2026.
O mesmo dilema se impõe sobre os pisos de saúde e educação, que voltaram a ser vinculados às receitas e crescem num ritmo acima da expansão do arcabouço. Esse mecanismo foi reativado na transição, em 2022, por meio da PEC (proposta de emenda à Constituição) aprovada para desafogar o Orçamento de 2023, enviado por Bolsonaro repleto de cortes impraticáveis nas áreas sociais.
Antes, os pisos estavam congelados em valores de 2016. Depois disso, foram atualizados apenas pela inflação.
É verdade que Haddad foi oficializado como titular da Fazenda quando a discussão da PEC já estava em curso. A nova regra fiscal do governo ainda era um enigma. Mesmo assim, economistas avaliam que era possível prever no texto algum comando para a equipe econômica exercer posteriormente e conciliar a evolução dos pisos com o arcabouço fiscal.
O pacote de medidas de contenção de gastos segue cercado de especulações e sigilo, e os seguidos adiamentos do anúncio geram uma percepção de hesitação do presidente em apoiar ações tão impopulares. No entanto, o enfrentamento do problema que Lula e o PT precisam fazer agora é mera consequência da desarticulação que prevaleceu no início do governo. O desgaste político é o preço cobrado.
Moraes e PF não demonstraram que conversas e desejos formam um plano coerente e real de golpe
Por J.R. Guzzo / O ESTADÃO DE SP
Uma das novidades da vida cotidiana no Brasil de hoje é o dever quase-legal de acreditar num absurdo por dia. São coisas que dizem com a cara, a formalidade e a segurança de um texto do Diário Oficial, e que não fazem nenhum nexo por qualquer tipo de raciocínio lógico – mas nas quais o cidadão é obrigado a acreditar, sem perguntar nada, sob pena de incidir nos delitos de “fascismo”, “nazismo”, “ato contra a democracia”, “extrema direita”, “golpismo” e “negacionismo”
É a criminalização do ato de pensar – por decisão do STF, da Polícia Federal e da porção da mídia que reproduz mecanicamente o que ambos lhes entregam para publicar. Você tem que acreditar, por exemplo, que um tubo de batom é “substância inflamável”; Alexandre de Moraes escreveu isso. Houve uma tentativa de golpe armado, com estilingues e bolas de gude, em 8 de janeiro de 2023. O mesmo ministro diz que foi agredido no aeroporto de Roma, mas o STF mantém em sigilo há mais de um ano as imagens gravadas do episódio.
Esse “crê ou morre”, como no Islã, é do tipo pega geral. Em política é obrigatório dizer que o presidente Lula não perdeu nada nas eleições municipais de 2024 – o PT ficou com menos de 5% das prefeituras e o candidato de Lula foi incinerado em São Paulo, mas isso é porque ele “se preservou”. Em economia está decidido que um crescimento de 3% ao ano, igual ao do último ano do governo anterior, é “robusto”. Em conduta, a mulher do presidente dirige palavras de baixo calão a Elon Musk, mas é ele quem propaga o “discurso do ódio”.
A conferência do G-20 ora encerrada no Rio de Janeiro, e que deveria ser a obra prima da política externa de Lula, acabou com um dos comunicados mais indigentes na história do grupo – uma sopa de palavras tão aguada, e tão inútil, que ninguém achou motivo para vetar nada no texto. Mas a alternativa era não sair nem isso, o que parece ter deixado o Itamaraty em princípio de pânico. Como, no fim, arrumou-se alguma coisa para colocar no papel, a verdade oficial é que a diplomacia brasileira deu um show.
A última obrigação expedida pelo ministro Moraes e a PF estabelece que se leve a sério uma “Operação Punhal Verde-Amarelo” – um segundo golpe de Estado de Jair Bolsonaro contra Lula, ou a continuação do primeiro, que já está sendo investigado há quase dois anos, por outros meios. Não parece claro se é uma coisa ou outra, mas a principal novidade é que Lula, nesta versão, seria envenenado. Moraes, que antes seria executado na estrada que vai de Brasília a Goiânia, continua da lista de assassinatos dos golpistas. Iam matar, também, Geraldo Alckmin – coisa que jamais passou pela cabeça de ninguém até hoje.
No golpe como ele era até agora, segundo Moraes e a polícia, a prova mãe era a “delação premiada” do coronel Cid e as suas “minutas do golpe”. A delação, aparentemente, não está valendo mais; nem o ministro e nem a PF estão satisfeitos com ela. As “minutas” não serviriam como prova nem num júri de centro acadêmico. Se o ministro Toffoli decidiu que confissões voluntárias de corrupção ativa são “imprestáveis”, por que as minutas do coronel seriam prestáveis? As provas da polícia, agora, são “conversas entre militares”.
O que a PF mostrou para os jornalistas até agora é uma maçaroca de diálogos idiotas e de orações sem verbo, sujeito, predicado, começo, fim e, sobretudo, sem pé nem cabeça – algo no nível do “quem tomar vacina pode virar jacaré” e outros grandes momentos do governo Bolsonaro. Como iriam envenenar Lula? Com formicida? Não está claro quantos militares tomariam parte no golpe. “Já temos uns vinte”, diz um dos denunciados pela PF. E os outros 220.000 homens que estão no efetivo do Exército? A verba total para financiar o golpe era de R$ 100.000, diz a polícia.
Nem o ministro Moraes e nem a PF demonstraram que essas conversas e desejos formam um plano coerente de golpe, e menos ainda de tentativa real de golpe. Talvez sejam o que se chamam de “atos preparatórios” do desejo de cometer um crime, se ficar provado que conseguiriam mesmo preparar alguma coisa. Mas “atos preparatórios”, na lei brasileira, não são nada. Não foi demonstrada, menos ainda, qual poderia ter sido a participação do maior suspeito da PF e de Moraes nesse golpe – Bolsonaro.
Não há nenhuma declaração gravada de algo que ele tenha dito, ou algum papel assinado, ou uma mensagem de WhatsApp. Tudo o que existe, segundo a PF, é gente falando a respeito de Bolsonaro – e principalmente a respeito do que ele não disse. Mais do que qualquer outra coisa, talvez, você está intimado a considerar que o ex-presidente é o grande culpado por trás disso tudo, só que não está preso. Se o ministro e a polícia estão certos de que o responsável é Bolsonaro, ou gatos gordos como o general Braga, por que eles estão soltos?
A incompetência das investigações chega ao ponto de trabalharem num caso durante dois anos e não levantarem prova alguma que fique de pé? Não há nada, pelo menos, que o STF tenha considerado suficiente até agora para prender Bolsonaro. Caso contrário, é óbvio que ele estaria na cadeia, não é mesmo? São dúvidas formalmente proibidas para o cidadão brasileiro. A democracia recivilizada do Brasil estabeleceu que é ilegal perguntar.
Jornalista escreve semanalmente sobre o cenário político e econômico do País
Operação contra golpistas contribui para a democracia
Por Editorial / O GLOBO
São extremamente graves os fatos narrados pela Polícia Federal na investigação do plano de militares das Forças Especiais do Exército (apelidados “kids pretos”) para matar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice Geraldo Alckmin e o ministro do Supremo Alexandre de Moraes, depois da vitória de Lula sobre Jair Bolsonaro em 2022.
Foram presos pela PF quatro militares de alta patente e um policial federal. A prisão do general da reserva Mário Fernandes, secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência no governo Bolsonaro, leva as investigações à antessala da Presidência da República. Fernandes foi ministro interino e, diz a PF, imprimiu dentro do gabinete da Secretaria no Planalto um documento com o sugestivo nome Punhal Verde Amarelo, em que se tramava envenenar Lula e Alckmin.
Entre os fatos investigados, estão mensagens enviadas por Fernandes ao então comandante do Exército, general Freire Gomes, pedindo adesão ao plano — a tentativa foi rechaçada. Em delação premiada, o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, afirmou que Fernandes defendia um golpe de Estado para mantê-lo no poder. Uma de suas funções na trama descrita pela PF era obter adesões nas Forças Armadas. De acordo com as investigações, Cid e outros militares se reuniram em 12 de novembro de 2022 na casa do general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice na chapa de Bolsonaro, para tratar do plano golpista.
A trama previa, ainda segundo a PF, o assassinato das autoridades no dia 15 de dezembro de 2022, seguido pela instalação de um Gabinete Institucional de Gestão de Crise, sob o comando dos ex-ministros Braga Netto e Augusto Heleno. Os golpistas, diz o relatório policial, planejavam usar fuzis, pistolas, metralhadoras, lança-granadas, lança-rojões e armamentos de guerra.
Naquele período, o país vivia momento conturbado, com protestos contra a vitória de Lula exigindo que as Forças Armadas assumissem o poder. “A organização criminosa investigada tinha o objetivo de incitar parcela da população ligada à direita do espectro político a resistir na frente das instalações militares para criar ambiente propício ao golpe de Estado”, diz a PF. O inquérito apresenta indícios de que Fernandes era o elo entre o núcleo palaciano e golpistas acampados diante do quartel-general do Exército em Brasília. Felizmente, o plano não foi adiante, pois o Alto Comando das Forças Armadas não embarcou na aventura.
Foi um avanço que as investigações tenham chegado aonde chegaram. Agora precisam ir até o fim. É fundamental esclarecer se Bolsonaro tinha conhecimento ou se tomou parte no golpe urdido dentro do Palácio do Planalto. Independentemente disso, todos os militares ou civis que tiverem conspirado contra o Estado de Direito precisam responder por seus atos. Não pode haver exceções nem anistia para crime de tamanha gravidade. Por óbvio, as apurações devem ser feitas com serenidade, e aos acusados deve ser garantido amplo direito de defesa.
Sobretudo, é preciso sublinhar que a minoria golpista não representa os militares. Ficou evidente pelo desenrolar dos fatos que, quando confrontadas com a tentativa de golpe, as Forças Armadas seguiram a Constituição. Tal atitude, assim como a investigação que chegou aos golpistas, são sinais de maturidade da democracia brasileira.
Novas regras para as emendas parlamentares são insatisfatórias
Por Editorial / O GLOBO
O projeto aprovado no Congresso para regulamentar emendas parlamentares é insatisfatório. Apesar de trazerem avanços, as regras impostas continuam deixando a desejar em termos de transparência. Entre os avanços, elas preveem a fiscalização regular do Tribunal de Contas da União, priorizam obras de caráter estruturante para tentar reduzir a destinação paroquial das verbas e mudam critérios para emendas enviadas ao caixa de municípios e estados, as “emendas Pix”.
A partir da sanção da lei, os autores dessas emendas e o destino do dinheiro deverão ser identificados. Tudo isso não bastará, porém, para garantir a transparência desejável.
Embora em toda democracia haja dispositivos constitucionais para os parlamentares destinarem recursos a suas bases, as emendas no Brasil se tornaram uma aberração pelo vulto que assumiram. Nos últimos dez anos, cresceram quase 550% em termos reais e hoje representam cerca de 20% das despesas livres da União, parcela sem paralelo em qualquer lugar do mundo. Em geral, resultam em mau uso do dinheiro público, pois a lógica do parlamentar é paroquial. Deputados e senadores com mais poder conseguem canalizar volume maior de dinheiro a suas bases eleitorais. Perdem os locais mais necessitados ou sem poder de pressão.
Em 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucionais as “emendas do relator”, por omitirem o parlamentar responsável pelo destino da verba — um incentivo à corrupção. Imediatamente os congressistas encontraram outra saída para alocar recursos segundo critérios políticos: as “emendas de comissão”, que também não identificam os parlamentares responsáveis e saltaram de R$ 474 milhões em 2022 para R$ 15 bilhões neste ano. Pelo texto aprovado no Congresso, elas continuarão uma caixa-preta, pois as novas regras não obrigam a identificação.
Além disso, o Parlamento deu as costas ao compromisso de responsabilidade fiscal. Ainda que tenha imposto limites ao crescimento das emendas, nem cogitou reduzir o total a patamares compatíveis com o resto do mundo. Na votação do Senado, caiu o trecho que permitia ao governo bloquear o pagamento quando a despesa aumenta. Foi mantido apenas o poder de contingenciar, aplicável quando há queda na receita, algo mais raro.
Por fim, ao votar o projeto, o Congresso violou itens do acordo firmado no final de agosto entre representantes de Legislativo, Executivo e Judiciário. O encontro de quatro horas em Brasília há exatos três meses foi um sinal de maturidade depois das duas semanas de choque institucional que sucederam a suspensão do pagamento das emendas pelo Supremo. É certo que nem tudo o que foi acordado foi negligenciado.
Mas agora, quando trechos do texto forem contestados no Supremo — e decerto serão —, é muito provável que sejam barrados, por contradizerem os princípios constitucionais que deveriam norteá-lo, transparência, moralidade e publicidade. O conflito institucional deverá se prolongar.
Inquérito sobre plano golpista que mira Bolsonaro, Braga Netto e militares deve ser concluído nos próximos dias
Por Eduardo Gonçalves — Brasília / O GLOBO
A Polícia Federal (PF) avalia que a Operação Contragolpe, deflagrada nesta terça-feira, não irá atrasar a conclusão do inquérito sobre a trama golpista que mira o ex-presidente Jair Bolsonaro, ex-ministros e militares de alta patente. A expectativa entre investigadores é que o caso seja encerrado nos próximos dias.
O encerramento da investigação foi postergado recentemente após as descobertas de fatos importantes. Um deles é o suposto plano que veio a público nesta terça-feira, elaborados por militares com objetivo de matar o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o vice Geraldo Alckmin.
Mensagens interceptadas indicam que os militares estavam "posicionados" para agir, mas a missão foi abortada. Outro fato que demandou uma análise mais cuidadosa foi a possível conexão entre os golpistas e a chamada "Abin paralela". Parte das informações da investigação veio de mensagens apagadas do celular do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro.
A Polícia Federal considerou que ele omitiu dados de seu acordo de delação premiada, que agora está sendo analisado pela Procuradoria-Geral da República. Cabe ao ministro Alexandre de Moraes a última palavra sobre a validade da colaboração.
As conversas constam de um relatório da PF, que teve o sigilo retirado nesta terça-feira. Ex-número dois da Secretaria Geral da Presidência do governo Bolsonaro, o general da reserva Mario Fernandes é apontado como um dos homens fortes da gestão passada que mais estimulou o golpe de Estado no fim de 2022. Ele teria tentado convencer o comando do Exército a aderir à trama e orientado "caminhoneiros e o pessoal do agro" no acampamento em frente ao Quartel General do Exército, além de ter conversado com o ex-presidente sobre a trama.
A PF irá se debruçar nos próximos dias sobre o material apreendido em endereços dos alvos. Conforme a coluna de Lauro Jardim, Bolsonaro deve ser indiciado na investigação sobre o plano golpista, assim como Braga Netto, Mario Fernandes, o deputado federal Alexandre Ramagem, ex-chefe da Abin, entre outros.
Os crimes atribuídos aos alvos da investigação são de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa.
Outros dois inquéritos que tem como alvo Bolsonaro estão para ser concluídos: o caso da "Abin paralela" e o das fake News. Há uma tese central que liga as três apurações: o governo Bolsonaro teria se utilizado da máquina do Estado para obter "vantagens indevidas de ordem política e econômica", segundo um relatório da PF. Relator dos três casos no Supremo, Moraes já autorizou o compartilhamento das provas entre as investigações.