O acompanhamento desses indicadores é importante para as secretarias de Educação saberem se as escolas têm condições de navegar na internet sem dificuldades. Mas isso de nada vale se não houver um projeto pedagógico competente, executado por bons professo
A espera para conseguir acesso a um benefício previdenciário, já longa, deve aumentar com a greve dos servidores do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), iniciada nessa terça-feira (16) em todo o Brasil. A paralisação reivindica melhorias salariais, de condições de trabalho e de carreira.
Em agências de Fortaleza, os serviços já agendados têm tido atendimento garantido – mas as demandas não marcadas e as solicitações pendentes, que precisam de análise de servidores para seguirem os trâmites, devem ser diretamente prejudicadas.
Elenir Pereira, membro da diretoria do Sindicato dos Trabalhadores Federais em Saúde, Trabalho e Previdência Social no Estado do Ceará (Sinprece), diz que “alguns serviços não estão funcionando, porque precisam da pessoa operando o sistema”, e reforça: “tudo o que precisa de análise, como benefícios e auxílio-doença, está parado”.
Uma servidora do INSS ouvida pela reportagem nessa quinta-feira (18) destacou que “as demandas espontâneas, como protocolo para pedido de perícia médica, são as mais afetadas” no contexto de greve, o que agrava déficits anteriores à paralisação.
“Com férias de alguns servidores e agora a greve, às vezes a pessoa chega por volta das 10h30, por exemplo, e não consegue entrar mais pra resolver, porque já está lotado”, ilustra. O atendimento de demandas sem agendamento prévio no INSS deve ocorrer, porém, de 7h às 13h.
João Ítalo Pompeu, presidente da Comissão de Direito Previdenciário (CDPrev) da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção Ceará (OAB/CE), frisa que “o principal impacto é o atraso na análise de benefícios”.
A marcação das perícias médicas, contudo, também pode ser afetada. O serviço é fundamental para concessão de benefícios como o “auxílio-doença”, atual “benefício por incapacidade temporária”; e Benefício de Prestação Continuada (BPC).
A servidora entrevistada pelo Diário do Nordeste explica que “a fila (para marcação) está inflada, tanto com público que tem perfil para os benefícios quanto com o que não tem”. Para checar quem deve ou não ter o serviço agendada, “é preciso abrir cada processo e avaliar. Pra isso, é preciso ter gente”.
O advogado João Ítalo Pompeu acrescenta que “existe a possibilidade de o segurado solicitar o benefício online”, já que diversos serviços do INSS não exigem mais ida a agências. “O problema é que o pedido não vai ser analisado.”
Para Virlane Costa, 32, a espera será exatamente essa: 6 meses. Em março deste ano, ela deu entrada na solicitação de BPC para o filho de 9 anos, que tem Transtorno do Espectro Autista (TEA) – mas a perícia está agendada somente para setembro, “quando tinha vaga”.
“Consegui pra agora (julho) a avaliação social. Tô tentando esse benefício por ele, pra ele. Pra levar ele pras terapias, porque vivo pra ele, não tenho como trabalhar. Não tem quem fique com ele”, justifica Virlane.
Uma das etapas para a concessão de benefícios sociais é a avaliação do beneficiário junto ao serviço social do INSS.
A dona de casa Telva de Araújo, moradora do município de Acaraú, a cerca de 238 km de Fortaleza, conseguiu o procedimento um pouco mais “rápido”: agendou a perícia médica do neto de 7 anos em fevereiro e conseguiu vaga para este mês, em uma agência da capital.
Mesmo com a greve, conseguiu efetivar o serviço. “Tava agendada, eles atenderam. A (avaliação) social é lá na minha cidade, dia 22. Se tá marcada… Espero que atendam”, frisa, apreensiva.
ATRASO NAS PERÍCIAS
O presidente da CDPrev da OAB/CE afirma que hoje, no Ceará, “nosso grande problema é com as perícias”. Segundo João Ítalo, “o índice de atraso aqui é maior do que nos demais estados”, o que prejudica diretamente os usuários.
“Se é um benefício por incapacidade, quem pede geralmente está sem trabalhar, por estar doente. E precisa de dinheiro pra se manter, comer e comprar medicamentos. O prazo razoável seria no máximo uma semana. É inadmissível precisar esperar vários meses”, opina.
O advogado informa que, por meio do Conselho Federal da OAB, foi aberta uma Ação Civil Pública (ACP) “pedindo maior celeridade, que a Perícia Federal do INSS resolva essa demora. E temos um diálogo interno para encontrar soluções”, como acrescentou.
SERVIÇOS NA GREVE
O Diário do Nordeste buscou o INSS para saber como fica o funcionamento das agências no período de greve, tanto para demandas espontâneas como para serviços agendados.
Em nota, o instituto informou que “mais de 100 serviços podem ser realizados pela plataforma Meu INSS, que tem versão para celular (Android ou iOS), ou pela Central de Atendimento 135, que funciona de segunda a sábado, das 7h às 22h”.
O INSS lista que serviços como “requerimento, cumprir exigência, solicitar auxílio por incapacidade temporária, entre outros” estão disponíveis online. O instituto não informa como ou quando os pedidos serão analisados.
Em relação às perícias, o INSS “orienta aos segurados e seguradas o uso do Atestmed, visando auxílio-doença com afastamento de até 180 dias”. O Atestmed é a modalidade que substitui a perícia presencial por análise documental.
Em publicação no site oficial, o INSS pontua que “caso não seja possível conceder o benefício pelos documentos médicos ou odontológicos, será indicado ao cidadão que agende uma perícia presencial”, e garante que “o benefício não será indeferido com base exclusivamente na análise documental”.
No contexto da greve, porém, a orientação é de que, “nos casos de perícia médica já marcada para benefício por incapacidade temporária, o segurado pode pedir conversão de agendamento de perícia para Atestmed. Para os demais casos, a orientação é reagendar o atendimento”, finaliza o instituto.
NEGOCIAÇÃO COM GOVERNO
Em nota, o Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI) informou que apresentou uma nova proposta aos servidores do INSS, na terça-feira (16). "Esta foi a quarta reunião realizada pelo ministério junto à categoria", completou o MGI.
Pela atual proposta, segundo o órgão federal, "os servidores terão ganho acumulado de até 28,7%, em quatro anos (2023-2026)". "Na reunião, o governo também se comprometeu com a implementação do Comitê Gestor de Carreiras, previsto em lei."
Segundo o Governo Federal, a proposta também prevê "a valorização do vencimento básico; reduzindo a diferença com a Gratificação de Desempenho de Atividades do Seguro Social – GDASS, e a criação de gratificação de atividade em substituição à Gratificação de Atividade Executiva – GAE".
Situação precária da internet na escola pública desperta preocupação
Por Editorial / O GLOBO
A internet por si só não pode trazer a melhoria na qualidade do ensino de que o Brasil precisa, mas sua ausência e precariedade na rede pública certamente tornam a tarefa mais difícil. Assim como outros programas de governo, o Escolas Conectadas foi lançado em Brasília em setembro do ano passado, com promessa de investimento para conectar a rede pública do ensino básico à rede de banda larga. Mais de nove meses depois de lançado, o cenário não é nada animador.
O Ministério da Educação (MEC) anunciou investimentos de R$ 8,8 bilhões para comprar equipamentos e treinar as equipes. É um volume razoável de recursos, cuja aplicação precisa ser feita com transparência e controle, para que não se repitam desvios já ocorridos na aquisição em massa de computadores por governos.
Por enquanto, preocupa a lentidão na execução do programa. Levantamento do GLOBO a partir do Sistema de Medição de Tráfego de Internet (Simet) revelou que 81% das 71,1 mil escolas com dados disponíveis (ou 57,6 mil) têm conexão de qualidade “ruim” ou “péssima”. Apenas 19% (13,5 mil) contam com sinal de internet considerado “bom” ou “ótimo”. O Censo Escolar de 2023 encontrou 15,7 mil escolas desconectadas da rede, ainda na era analógica.
Outro problema grave é que os gestores das secretarias de Educação nos estados e municípios não monitoram a qualidade da conexão de 77.715 escolas, 48% dos 138 mil estabelecimentos de ensino do país. Isso acontece, segundo o MEC, porque elas não contam com o software que mede a velocidade de conexão. Mas essa tarefa é trivial. Pode ser realizada em dezenas de sites gratuitos por qualquer navegador.
Atenção especial precisa ser dada às regiões menos desenvolvidas. No Amapá, em 80% das escolas (ou 637 de 787) os gestores não sabem a qualidade da conexão à internet. O mesmo acontece em Roraima (86%) e no Acre (82%). O MEC diz que as primeiras a ser atendidas serão as escolas sem banda larga, 79% das quais estão nas regiões Norte e Nordeste.
Conexão de baixa qualidade e falta de monitoramento da velocidade do acesso existem em todas as regiões, independentemente do estágio de desenvolvimento. A pior situação é a de Mato Grosso do Sul, onde 64% da rede escolar tem conexão de má qualidade. Mesmo em São Paulo o índice é de 51%, enquanto 36% dos estabelecimentos escolares não monitoram a velocidade de conexão. No Rio de Janeiro, os índices para os mesmos parâmetros são 48% e 38%. No Sul, o Paraná aparece com 57% de escolas mal conectadas e 23% sem monitoramento de velocidade.
O acompanhamento desses indicadores é importante para as secretarias de Educação saberem se as escolas têm condições de navegar na internet sem dificuldades. Mas isso de nada vale se não houver um projeto pedagógico competente, executado por bons professores, para que as ferramentas digitais resultem em aprendizado para os alunos.
Uma má notícia para Jair Bolsonaro no TSE
Por Rafael Moraes Moura / MALU GASPAR / O GLOBO
Condenado e declarado inelegível duas vezes pelo Tribunal Superior Eleitoral por abuso de poder, o ex-presidente Jair Bolsonaro tem demonstrado que está de olho nas sucessivas trocas na composição da Corte Eleitoral – conforme expôs em discurso na Conferência de Ação Política Conservadora, quando fez referência às mudanças do TSE.
“Temos eleições neste ano, votem com a razão e não com o coração ou emoção. Porque a composição do TSE vai mudar, já mudou, se tivermos uma grande bancada em 2026 pode ter certeza que a gente faz pelo Parlamento, não pela canetada, uma história melhor para todos nós”, discursou Bolsonaro no último dia 6, em Balneário Camboriú (SC).
Mas uma dessas trocas no TSE, prevista para setembro, não é uma boa notícia para o ex-presidente: o fim do mandato do ministro Raul Araújo.
Araújo votou para absolver o ex-ocupante do Palácio do Planalto tanto no caso da reunião dos embaixadores, marcada por ataques ao sistema eleitoral, quanto na ação sobre o desvirtuamento das comemorações do Bicentenário da Independência como palanque eleitoral.
Naqueles dois julgamentos, Bolsonaro acabou condenado — por 5 a 2 — por crimes como abuso de poder político e econômico, sendo declarado inelegível até 2030.
Também foi Araújo quem proibiu, em 2022, a manifestação política de artistas no Lollapalooza no ano passado, medida duramente reprovada por integrantes do TSE, que a interpretaram como censura. O PL acionou o TSE após a cantora Pabllo Vittar levantar uma bandeira com a imagem de Lula durante sua apresentação no festival.
Raul integra a “ala conservadora” do TSE, bloco formado atualmente pelos ministros André Mendonça, Kassio Nunes Marques e Isabel Gallotti. O quarteto não funciona como um grupo monolítico que sempre vota alinhado, mas todos possuem pontes ou alinhamentos ideológicos com o bolsonarismo.
Nunes Marques e Mendonça são os dois únicos ministros do STF indicados por Bolsonaro – e serão respectivamente presidente e vice-presidente do TSE nas eleições presidenciais de 2026, seguindo o esquema de rodízio do tribunal.
Já Gallotti tentou se cacifar para ser indicada ao Supremo durante o governo Bolsonaro, mas acabou preterida, apesar do lobby do marido, o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Walton Alencar.
Com a saída de Raul Araújo, o ministro Antonio Carlos Ferreira – oriundo do Superior Tribunal de Justiça (STJ) — será efetivado como titular, o que vai impactar mais uma vez a correlação de forças do TSE. Ex-diretor jurídico da Caixa, ele foi indicado ao STJ em 2011 pela então presidente Dilma Rousseff.
Três ex-ministros do TSE ouvidos reservadamente pela equipe da coluna definem Ferreira como um magistrado “discreto”, “técnico”, “equilibrado” e “independente”.
Se, de um lado, Raul Araújo livrou Bolsonaro de condenações nas duas ações que levaram à sua inelegibilidade, e de outro, o então relator, Benedito Gonçalves, votou pela punição em ambas as ocasiões, Ferreira é visto como uma espécie de meio termo entre os dois, mas mais próximo de Benedito no campo progressista.
A aposta de ex-ministros do TSE é a de que Ferreira pode ser uma espécie de “swing vote”, ou seja, um integrante que oscile no plenário entre o grupo conservador e a ala mais progressista da Corte, capitaneada agora pela presidente do TSE, Cármen Lúcia, e da qual também fazem parte os ministros Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares.
“Acho que ele é mais técnico e não vai entrar em disputa de grupos”, avalia um ex-ministro. “Ele é um democrata, um juiz sensato”, resume uma fonte que acompanha a dinâmica da Corte Eleitoral. De toda forma, com a saída de Raul Araújo, os aliados de Bolsonaro deixam de contar com um voto considerado certo pela sua absolvição.
Além disso,com a saída do ministro, as ações que investigam a fracassada campanha de Bolsonaro à reeleição serão herdadas por Gallotti, que assumirá a corregedoria.
Dentro do TSE, a avaliação é a de que, com Raul, esses processos — que tratam de pontos como o uso político da Polícia Rodoviária Federal na campanha de 2022 e um ecossistema bolsonarista de desinformação nas redes sociais — foram colocados em banho-maria, sem avanços significativos na coleta de provas.
A torcida no TSE é a de que, com Gallotti, as coisas finalmente voltem a andar por lá.
Mau resultado do Brasil no Pisa está ligado ao baixo investimento na educação pública
Marcelo Takeshi Yamashita
Resultado do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), divulgado em 18 de junho, mostra que 54% dos estudantes brasileiros de 15 anos foram avaliados como tendo uma baixa capacidade de pensamento criativo. A OCDE, organização intergovernamental que conduz a prova, define criatividade como "a competência para se envolver produtivamente na geração, avaliação e melhoria de ideias que podem resultar em soluções originais e eficazes, avanços no conhecimento e expressões impactantes da imaginação".
Dentre as questões selecionadas para avaliar a criatividade estavam, por exemplo, dar três títulos para uma imagem, escrever duas ideias de histórias sobre a interação de um humano e um robô inteligente, preencher balões de diálogo de uma história em quadrinhos com uma conversa entre a Terra e o Sol, criar um pôster para uma feira de ciências com o tema "vida no espaço profundo", sugerir três ideias diferentes para melhorar a acessibilidade para cadeiras de rodas em uma biblioteca, e dar duas ideias diferentes e testáveis para explicar o declínio de uma população de sapos de um rio próximo a uma cidade.
No Brasil, a prova foi aplicada a 10.798 alunos de 599 escolas —mais da metade desses estudantes, 54%, não atende o mínimo que seria esperado em termos de criatividade. No caso das habilidades em matemática, o resultado é ainda mais desastroso com 73% dos alunos com desempenho insatisfatório. Para as habilidades de leitura e ciências, o número de estudantes com desempenho abaixo do esperado corresponde a, respectivamente, 50% e 55%.
É possível recorrer à lista de classificação dos 81 países que participaram desta edição e ver alguma vantagem de não ter ficado em último lugar. A realidade, porém, mostra que o Brasil vai mal na formação dos jovens. O desempenho dos estudantes brasileiros é sofrível, e as políticas públicas da educação básica não estão funcionando.
Um dos motivos frequentemente apontados como causador da baixa qualidade do ensino é o sistema de progressão continuada. Neste processo, os estudantes avançam para a série seguinte ainda que não tenham atingido as condições mínimas para a progressão. Grosso modo, o objetivo é reduzir a evasão dos estudantes através de um processo contínuo de aprendizagem, com apoio pedagógico para que os estudantes possam superar as dificuldades sem que sejam separados de sua turma.
A ideia da progressão continuada é interessante e tem reduzido a evasão —de 2007 a 2020, a evasão no ensino fundamental brasileiro caiu de 5% para 2,2%—, mas não tem funcionado para lidar com a realidade do país, e o recente resultado do Pisa retrata isso. É equivocado, porém, pensar que a reprovação dos estudantes poderia amenizar os problemas educacionais no Brasil.
O sistema de progressão continuada não é utilizado em todos os lugares. Relatório do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), de 2021, mostra que estados com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) semelhantes não têm diferenças significativas nas notas de proficiência em língua portuguesa e em matemática, por exemplo.
Para estudantes do 9° ano do ensino fundamental os estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina têm, respectivamente, notas 268,4; 264,5 e 268,4 para português, e 267,1; 267,1 e 270,5 para matemática. São Paulo adota o sistema de progressão continuada, mas Paraná e Santa Catarina, não. O Amazonas teve a pior nota em português 251,7, e o Maranhão foi o pior em matemática com 229,3.
Os resultados do Saeb são convincentes o bastante para mostrar que o problema educacional brasileiro, escancarado pelos resultados do Pisa, vai além de questões conjunturais, relacionadas à progressão dos estudantes, e atinge de maneira relativamente homogênea o sistema público como um todo.
O atual Plano Nacional de Educação (PNE) data de 2014 e deveria ter encerrado o seu decênio no último 25 de junho. Recentemente, foi aprovada a prorrogação até 31 de dezembro de 2024. Relatório do 5° ciclo de monitoramento das metas do PNE, publicado em 2024 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), pode dar uma indicação de um dos principais problemas estruturais que atingem o sistema educacional.
Embora exista uma rede complexa de fatores afetando a educação pública, não há dúvida de que um investimento mínimo é necessário para começar a enxergar alguma mudança positiva. A defesa de que 10% do Produto Interno Bruto (PIB) seja aplicado na educação pública surgiu na esteira da constituição de 1988 e, mais especificamente, no 2º Congresso Nacional de Educação, de 1997. Este número foi calculado com base na renda per capita e nos investimentos médios por estudantes em vários países. Os detalhes estão descritos no livro Um diagnóstico da educação brasileira e de seu financiamento, de Otaviano Helene.
A meta 20 do atual PNE preconiza especificamente o cumprimento desse porcentual. O gasto público com educação pública deveria ser de 7,0% do PIB até 2019 e 10% do PIB até 2024. O relatório do Inep mostra que esta meta está longe de ser cumprida —até 2022, investiu-se somente "5,1%". O número foi colocado entre aspas porque não é preciso ir além das informações oficiais para ver que este porcentual é enganoso, e está superestimado.
Na página dos Indicadores Financeiros Educacionais do Inep consta, logo no início:
"O Investimento Público Total em Educação compreende os valores despendidos nas seguintes Naturezas de Despesas: Pessoal Ativo e seus Encargos Sociais, Ajuda Financeira aos Estudantes (bolsas de estudos e financiamento estudantil), Despesas com Pesquisa e Desenvolvimento, Transferências ao Setor Privado, outras Despesas Correntes e de Capital, e a estimativa para o complemento da aposentadoria futura do pessoal que está na ativa (Essa estimativa foi calculada em 20% dos gastos com o Pessoal Ativo)."
Ora, "transferências ao setor privado" e "complemento da aposentadoria futura do pessoal que está na ativa" não são investimentos em educação pública. Um gasto estimado de 20% com aposentadorias representa aproximadamente 1% do PIB, ou seja, se incluirmos ainda os repasses para o setor privado, o investimento deve ser menor do que 4% do PIB.
Na física, quando ocorre uma manipulação de números com a finalidade de se chegar a algum resultado pré-determinado, dizemos que o pesquisador está cozinhando os dados. No caso do cálculo do investimento em educação, podemos dizer que foi feita uma completa ceia natalina. Não é difícil, portanto, ver por que a educação pública vai mal. Um investimento adequado pode não ser o único fator para melhorar a educação, mas certamente, um aporte de menos de 4% do PIB dificulta a execução de qualquer boa ideia. Não existe solução mágica. Sem um investimento adequado, o Brasil vai continuar fracassando na educação da população.
Este artigo foi publicado no The Conversation Brasil em parceria com a revista Questão de Ciência e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons Clique aqui para ler a versão original.
Saúde em crise em Fortaleza acirra eleição e mistura falta de recursos com insegurança
Artur Búrigo / FOLHA DE SP
No dia 11 de julho completou um mês desde que Teresinha de Jesus Rocha Mota, 67, deu entrada na rede pública de saúde de Fortaleza após sofrer uma queda e fraturar o braço.
A idosa ficou duas semanas no Hospital Distrital Maria José Barros de Oliveira, conhecido como Frotinha da Parangaba, e então foi encaminhada ao IJF (Instituto Doutor José Frota), o principal hospital gerido pelo município.
"Desde que foi internada ela já teve cinco crises de ansiedade", diz o sobrinho Alan Regis, 40. Ele contou que no último dia 11 o hospital apresentou uma lista de 15 pessoas para cirurgia e que o nome de Terezinha não estava na lista.
Em nota, o IJF afirmou que a paciente "foi acolhida pelo hospital no último dia 26 de junho e segue acompanhada pelas equipes multiprofissionais especializadas, para a análise e planejamento da melhor abordagem".
A situação do IJF é considerada por pacientes, médicos e autoridades como a mais delicada em Fortaleza. Com 665 leitos, é o maior hospital do estado, e recebe diariamente cerca de 200 novos pacientes da capital e região metropolitana.
Na capital cearense, como em outras grandes cidades do país, a saúde pública deve ser um dos principais temas das eleições deste ano, pelo impacto no cotidiano dos eleitores.
O tema foi decisivo na campanha eleitoral anterior, de 2020, transcorrida meses depois da eclosão da pandemia do coronavírus. Em todas as pesquisas do Datafolha feitas nos últimos anos, a saúde esteve à frente como a área mais citada como problemática no país.
Em Fortaleza, o tema tem servido de munição da oposição ao prefeito José Sarto (PDT), que é médico de formação e concorrerá à reeleição. Entre os questionamentos dos adversários, estão o horário limitado de atendimento nos postos de saúde e a falta de insumos e de equipe médica nas unidades.
Também costuma ser mencionada por adversários do prefeito uma entrevista do secretário municipal da Saúde, Galeno Taumaturgo, que disse ao jornal Diário Do Nordeste que a cidade precisa de uma "intervenção urgente" na atenção primária.
O assunto deve ser um dos assuntos centrais nos debates deste ano. Os principais concorrentes de Sarto à Prefeitura de Fortaleza devem ser Capitão Wagner (União Brasil), o deputado estadual Evandro Leitão (PT) e o deputado federal André Fernandes (PL).
O pré-candidato à reeleição afirma, entre outros pontos, que está reformando todos os postos de saúde, além de construir novos, e que tem buscado fazer novas contratações para zerar a fila de consultas.
Na capital cearense, a fila de espera para cirurgias, principalmente para colocação de próteses, é comum, afirma o médico Max Ventura, presidente do sindicato dos médicos do Ceará.
"Mas também faltam outras coisas, desde fio para sutura para neurocirurgia até coisas mais simples, como gás luva, esparadrapo e até algodão, como a equipe de enfermagem nos contou recentemente", afirma Ventura.
A falta de insumos causa um represamento de cirurgias e, consequentemente, um acúmulo de pacientes que ficam no hospital à espera dos procedimentos, conta o presidente do sindicato.
"Um paciente que entra lá por uma fratura de fêmur, por exemplo, pode ficar duas semanas esperando por cirurgia no ambiente intra-hospitalar, em que ele corre o risco de ser contaminado. Ele pode evoluir para uma infecção grave e ir para a UTI [Unidade de Terapia Intensiva]", diz Ventura.
O IJF disse que a incapacidade de fornecedores causou falhas pontuais na entrega de alguns insumos nos últimos meses. Também afirmou que "as situações foram devidamente contornadas, de acordo com o ordenamento orçamentário e legal da administração pública".
O sistema de saúde pública da capital cearense é organizado em dez hospitais, que operam em um sistema chamado de misto, com atendimentos a ocorrências de acordo com a complexidade, explica Magda Moura de Almeida, professora do departamento de saúde comunitária da UFC (Universidade Federal do Ceará) e gerente de atenção à saúde do Hospital Universitário Walter Cantídio.
O IJF é o único hospital municipal que atende alta complexidade, mas vinha recebendo a demanda de casos de média complexidade porque os frotinhas –unidades responsáveis por esse tipo de atendimento– estavam em obras.
"É um desenho de rede interessante, mas que está funcionando há pouco tempo. Enquanto os frotinhas estavam fechados, em reforma, realmente o IJF estava muito sobrecarregado. Com a reabertura dos frotinhas, eles têm conseguido absorver a questão da cirurgia secundária", afirma a professora.
Procurada, a assessoria de comunicação da secretaria de saúde não quis comentar a situação geral da saúde pública no município.
Quando a reportagem esteve no IJF, há cerca de um mês, viu pacientes em macas em um ambiente que parecia um corredor. Eles estavam ao lado de pessoas que esperavam por atendimento e o local também servia como via de acesso a outros ambientes do hospital.
Questionada, a assessoria do hospital disse que não há registro de pacientes atendidos em corredores das áreas de internação.
Max Ventura disse que o local não deveria servir para internar pacientes e que em outros andares do prédio a situação é ainda pior.
"São vários corredores. Tem um lugar que parece um piscinão de tantas marcas encostadas, uma próxima a outra, que fica um amontoado de pacientes", afirmou.
A promotora de Justiça Lucy Antoneli, do MP-CE (Ministério Público do Ceará), disse que o acúmulo de pacientes nos corredores está entre as principais causas de reclamações feitas por familiares de pacientes no IJF ao órgão.
Outros questionamentos frequentes são a espera por cirurgias e em relação à prioridade na fila para procedimentos cirúrgicos.
"Nós percebemos um aumento recente de pedidos em relação a cirurgias e demora nas filas", disse a promotora. Ela afirmou que o órgão procura por resolver os casos extrajudicialmente entre os envolvidos.
O MP-CE diz, em nota, que foram registradas 594 reclamações entre 1° de abril de 2023 e 30 de junho de 2024 nas Promotorias de Saúde Pública de Fortaleza abrangendo tanto hospitais e estabelecimentos de saúde, como as Secretarias de Saúde do Estado e do Município.
O problema de pacientes internados à espera de cirurgias não é novo. Em 2017, o pai de Elayne Mendonça, 31, ficou dois meses com o pulmão perfurado aguardando pelo procedimento.
"É sempre assim, não melhorou nada desde então", disse Mendonça. Ela estava no hospital para acompanhar sua irmã, que tinha levado o filho, de dois meses, que havia sido diagnosticado com encefalite (inflamação no cérebro) autoimune.
Mendonça e a irmã também citaram uma preocupação compartilhada por outras pessoas ouvidas pela reportagem no IJF: a sensação de insegurança no local.
Em abril, um ex-funcionário do hospital atirou e decapitou um trabalhador do hospital no interior do prédio. Ele havia acessado a área interna via reconhecimento facial, mesmo tendo sido demitido há quase dois anos, de acordo com a Secretaria da Segurança Pública do Ceará.
O suspeito foi preso no mesmo. A secretaria disse que o motivo do crime foi passional.
Não foi o primeiro caso de violência no IJF. No ano passado, um paciente foi preso depois de tentar roubar a arma de um policial militar. Em 2021, um homem furtou uma pinça cirúrgica e feriu duas enfermeiras ao tentar matar um outro paciente que estava internado.
Em nota, o IJF afirmou que reforçou os protocolos de monitoramento e acesso ao hospital, com o apoio de agentes da Guarda Municipal de Fortaleza. Disse também que uma viatura da corporação também permanece à disposição, inclusive para a realização de rondas nas ruas do entorno do hospital.
Entre os desafios para os gestores de saúde do município, o principal deles passa pelo financiamento de cirurgias, afirma a professora Magda de Almeida.
Ela explica que hospitais referências em trauma de alta complexidade, como é o caso do IJF, acabam recebendo pacientes de outros municípios. Eles vêm não apenas da região metropolitana de Fortaleza, mas também de locais mais distantes, como de Sobral (230 km da capital) e da região do Cariri (a 500 km de Fortaleza).
"Os hospitais projetam atendimento para um universo de pessoas, mas acabam vindo pacientes de outros locais, e esse recurso não é repassado para o sistema municipal de saúde. Então, há o financiamento para pessoas que não são de Fortaleza", afirma a professora.
Ela diz que os gestores de saúde locais devem, em parceria com o governo do estado, encontrar uma solução para as repactuações, ou seja, que os municípios de origem dos pacientes arquem com o custo dos serviços médicos nos locais em que eles são feitos.
Outro problema para a gestão dos hospitais públicos é em relação à defasagem na tabela do SUS para procedimentos cirúrgicos, afirma a professora. Isso se reflete principalmente no atraso para cirurgias que precisam de insumos de OPME (Órteses, Próteses e Materiais Especiais).
"O SUS chega a pagar cerca de R$ 5.000 a R$ 10 mil, e uma cirurgia dessa às vezes custa R$ 70 mil, R$ 80 mil. Essa diferença é paga dentro do orçamento do próprio hospital", diz Almeida.
"Uma colocação de uma órtese ou de uma prótese equivale a várias cirurgias de vesícula, por exemplo", completa.
O QUE DIZEM OS PRINCIPAIS PRÉ-CANDIDATOS À PREFEITURA DE FORTALEZA SOBRE O TEMA:
José Sarto (PDT), prefeito de Fortaleza: "Vamos seguir com a política de fortalecimento da atenção primária. Estamos reformando todos os postos de saúde, construindo 18 novos, contratando 2.000 profissionais de saúde e abrindo novos hospitais.
No próximo governo, vamos avançar construindo 12 UPAs 24 horas para dobrar as unidades de pronto atendimento de Fortaleza e contratar mais 1.000 médicos especialistas para zelar a fila de espera por consultas. Também vamos expandir o programa criado na atual gestão de entrega de remédios em casa".
Capitão Wagner (União Brasil): "Minha proposta tem dois itens fundamentais: choque de gestão e modernização, sobretudo daqueles hospitais geridos pela prefeitura. O primeiro é baseado na minha experiência como secretário de Saúde na Prefeitura de Maracanaú (CE) com melhorias na infraestrutura e integração dos sistemas digitais hospitalares.
Sobre a modernização, haverá a universalização do Prontuário Eletrônico e a ampliação da telemedicina, além da oferta qualitativa de serviços públicos de saúde mental, a criação do Hospital do Idoso e a implantação da Cidade do Autista".
Evandro Leitão (PT), deputado estadual: "A principal proposta é fortalecer e ampliar os atendimentos da atenção primária, tornando-os mais eficientes, com atendimento integrado em Policlínicas e UPAs, além de retomar os horários ampliados dos postos de saúde, aperfeiçoando o desenho dos fluxos dos pacientes.
Numa cidade onde mais de 80% da população depende do SUS e que o atual prefeito é médico, fica inadmissível os postos de saúde funcionarem em horário reduzido, com falta de medicamentos, de insumos e ausência de profissionais".
Amapá de Alcolumbre e Randolfe, 2º menor estado, é campeão em emendas
Segundo menor estado do país, o Amapá dos senadores Randolfe Rodrigues (PT), líder do governo, e Davi Alcolumbre (União Brasil), favorito a voltar a presidir a Casa em 2025, lidera proporcionalmente o ranking de emendas parlamentares liberadas até o início deste mês.
O governo federal pagou ao estado R$ 393 milhões em emendas indicadas por deputados federais e senadores, o que dá R$ 535 por habitante.
O valor supera, por exemplo, o estado de Alagoas, do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), com liberação de R$ 324 por habitante, e Santa Catarina, governada pelo oposicionista Jorginho Mello (PL), que está em penúltimo no ranking, com R$ 71 por habitante.
Devido à fragilidade das bases governistas das últimas gestões, o Congresso Nacional multiplicou o valor da fatia orçamentária que comanda, o que levou as emendas a atingirem o valor de mais de R$ 50 bilhões neste ano.
Cada um dos 513 deputados e dos 81 senadores decide o destino dessa verba, de forma individual ou coletiva, com as emendas de bancada e de comissões.
Em geral, o recurso é aplicado em pequenas obras nos redutos eleitorais dos parlamentares, como pavimentação de ruas, construção de praças e centros esportivos e aquisição de tratores e ambulâncias.
Alcolumbre comandou o Senado em 2019 a 2021 e é um dos coordenadores da distribuição de emendas no Senado. Sua influência sobre o governo Lula (PT) o levou a ser um dos principais nomes consultados na distribuição dos três ministérios da cota do União Brasil.
Randolfe é líder do governo no Congresso, participou ativamente da campanha de Lula e, nesta quinta-feira (18), assinou sua volta aos quadros do PT com direito a foto ao lado do presidente da República, da primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja, da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e do ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT).
Alcolumbre não quis se manifestar sobre o volume de recursos destinados ao Amapá. Já Randolfe disse apenas, por meio de sua assessoria, que foi para isso que o estado o elegeu.
A maior emenda paga de Alcolumbre neste primeiro semestre foi de R$ 7 milhões, destinada ao Fundo Municipal de Saúde de Laranjal do Jari, cidade de 35 mil habitantes no sul do estado.
O prefeito Márcio Serrão é aliado e do mesmo partido de Alcolumbre. Tanto nas redes sociais do prefeito como nas de Alcolumbre há uma profusão de citações a recursos e obras feitas na cidade sob o patrocínio do senador.
Em abril, por exemplo, Alcolumbre anunciou em suas redes sociais a entrega de uma UBS (Unidade Básica de Saúde) na cidade.
A maior emenda paga de Randolfe neste primeiro semestre é no valor de R$ 6,8 milhões, destinada ao governo do estado no formato Pix, que é o modelo de baixa transparência e rápida liquidez.
Nesse formato, o dinheiro cai direto no cofre de prefeitos ou governadores sem necessidade de definição prévia de projetos a serem aplicados, como ocorre com as emendas normais.
O governo sofreu uma pressão do Congresso para concentrar o pagamento das emendas até o início de julho, como forma de escapar da trava que dificulta a liberação desse tipo de verba nos três meses anteriores às eleições municipais.
Com isso, pagou mais de R$ 22 bilhões até essa data, recurso destinado majoritariamente aos cofres de prefeituras, ultrapassando os cerca de R$ 17 bilhões (em valores já corrigidos) distribuídos antes das eleições de 2022, na gestão de Jair Bolsonaro (PL).
Na parte de baixo do ranking de liberação de emendas por habitante está São Paulo, com R$ 55, seguido de Santa Catarina (R$ 71).
"Não recebi reclamação de nenhum deputado. Eu quero fazer essa conta no final do ano. Claro que estamos no período eleitoral, ou você paga antes ou você tem até o final do ano para pagar, então eu quero fazer essa conta no final", disse o deputado Cobalchini (MDB), coordenador da bancada de Santa Catarina no Congresso.
Cobalchini afirma que há, por exemplo, uma emenda de bancada no valor de R$ 95 milhões já reservada para projetos da defesa civil no Vale do Itajaí, região atingida por enchentes. A liberação do recurso, quando ocorrer, deve equilibrar a comparação com os demais estados, diz.
Ele cita também uma emenda de R$ 50 milhões cuja execução é obrigatória, mas que ainda não foi paga porque depende da conclusão de projetos por parte do estado. "Nesse caso não tem como culpar o governo federal".
Coordenador da bancada de São Paulo, governada pelo também oposicionista Tarcísio de Freitas (Republicanos), o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania) diz que a sub-representação do estado no Congresso afeta o volume de recursos em relação à população.
"São Paulo deveria ter uma representação proporcional à sua população, teria que ter 110 deputados para manter a proporcionalidade, particularmente com os estados do norte", afirma.
Hoje o estado tem 70 deputados federais, a maior bancada da Câmara. A fins de comparação, o Amapá tem 8.
"Isso impacta na questão das emendas destinadas. Além disso, São Paulo também tem um volume maior de desafios, então eu acho que a causa é mais estrutural."
Apesar de proporcionalmente estar no último lugar do ranking, em valores nominais São Paulo foi o destino do maior montante em emendas até o início do mês, R$ 2,45 bilhões.