Operação contra golpistas contribui para a democracia
Por Editorial / O GLOBO
São extremamente graves os fatos narrados pela Polícia Federal na investigação do plano de militares das Forças Especiais do Exército (apelidados “kids pretos”) para matar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice Geraldo Alckmin e o ministro do Supremo Alexandre de Moraes, depois da vitória de Lula sobre Jair Bolsonaro em 2022.
Foram presos pela PF quatro militares de alta patente e um policial federal. A prisão do general da reserva Mário Fernandes, secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência no governo Bolsonaro, leva as investigações à antessala da Presidência da República. Fernandes foi ministro interino e, diz a PF, imprimiu dentro do gabinete da Secretaria no Planalto um documento com o sugestivo nome Punhal Verde Amarelo, em que se tramava envenenar Lula e Alckmin.
Entre os fatos investigados, estão mensagens enviadas por Fernandes ao então comandante do Exército, general Freire Gomes, pedindo adesão ao plano — a tentativa foi rechaçada. Em delação premiada, o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, afirmou que Fernandes defendia um golpe de Estado para mantê-lo no poder. Uma de suas funções na trama descrita pela PF era obter adesões nas Forças Armadas. De acordo com as investigações, Cid e outros militares se reuniram em 12 de novembro de 2022 na casa do general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice na chapa de Bolsonaro, para tratar do plano golpista.
A trama previa, ainda segundo a PF, o assassinato das autoridades no dia 15 de dezembro de 2022, seguido pela instalação de um Gabinete Institucional de Gestão de Crise, sob o comando dos ex-ministros Braga Netto e Augusto Heleno. Os golpistas, diz o relatório policial, planejavam usar fuzis, pistolas, metralhadoras, lança-granadas, lança-rojões e armamentos de guerra.
Naquele período, o país vivia momento conturbado, com protestos contra a vitória de Lula exigindo que as Forças Armadas assumissem o poder. “A organização criminosa investigada tinha o objetivo de incitar parcela da população ligada à direita do espectro político a resistir na frente das instalações militares para criar ambiente propício ao golpe de Estado”, diz a PF. O inquérito apresenta indícios de que Fernandes era o elo entre o núcleo palaciano e golpistas acampados diante do quartel-general do Exército em Brasília. Felizmente, o plano não foi adiante, pois o Alto Comando das Forças Armadas não embarcou na aventura.
Foi um avanço que as investigações tenham chegado aonde chegaram. Agora precisam ir até o fim. É fundamental esclarecer se Bolsonaro tinha conhecimento ou se tomou parte no golpe urdido dentro do Palácio do Planalto. Independentemente disso, todos os militares ou civis que tiverem conspirado contra o Estado de Direito precisam responder por seus atos. Não pode haver exceções nem anistia para crime de tamanha gravidade. Por óbvio, as apurações devem ser feitas com serenidade, e aos acusados deve ser garantido amplo direito de defesa.
Sobretudo, é preciso sublinhar que a minoria golpista não representa os militares. Ficou evidente pelo desenrolar dos fatos que, quando confrontadas com a tentativa de golpe, as Forças Armadas seguiram a Constituição. Tal atitude, assim como a investigação que chegou aos golpistas, são sinais de maturidade da democracia brasileira.
Novas regras para as emendas parlamentares são insatisfatórias
Por Editorial / O GLOBO
O projeto aprovado no Congresso para regulamentar emendas parlamentares é insatisfatório. Apesar de trazerem avanços, as regras impostas continuam deixando a desejar em termos de transparência. Entre os avanços, elas preveem a fiscalização regular do Tribunal de Contas da União, priorizam obras de caráter estruturante para tentar reduzir a destinação paroquial das verbas e mudam critérios para emendas enviadas ao caixa de municípios e estados, as “emendas Pix”.
A partir da sanção da lei, os autores dessas emendas e o destino do dinheiro deverão ser identificados. Tudo isso não bastará, porém, para garantir a transparência desejável.
Embora em toda democracia haja dispositivos constitucionais para os parlamentares destinarem recursos a suas bases, as emendas no Brasil se tornaram uma aberração pelo vulto que assumiram. Nos últimos dez anos, cresceram quase 550% em termos reais e hoje representam cerca de 20% das despesas livres da União, parcela sem paralelo em qualquer lugar do mundo. Em geral, resultam em mau uso do dinheiro público, pois a lógica do parlamentar é paroquial. Deputados e senadores com mais poder conseguem canalizar volume maior de dinheiro a suas bases eleitorais. Perdem os locais mais necessitados ou sem poder de pressão.
Em 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucionais as “emendas do relator”, por omitirem o parlamentar responsável pelo destino da verba — um incentivo à corrupção. Imediatamente os congressistas encontraram outra saída para alocar recursos segundo critérios políticos: as “emendas de comissão”, que também não identificam os parlamentares responsáveis e saltaram de R$ 474 milhões em 2022 para R$ 15 bilhões neste ano. Pelo texto aprovado no Congresso, elas continuarão uma caixa-preta, pois as novas regras não obrigam a identificação.
Além disso, o Parlamento deu as costas ao compromisso de responsabilidade fiscal. Ainda que tenha imposto limites ao crescimento das emendas, nem cogitou reduzir o total a patamares compatíveis com o resto do mundo. Na votação do Senado, caiu o trecho que permitia ao governo bloquear o pagamento quando a despesa aumenta. Foi mantido apenas o poder de contingenciar, aplicável quando há queda na receita, algo mais raro.
Por fim, ao votar o projeto, o Congresso violou itens do acordo firmado no final de agosto entre representantes de Legislativo, Executivo e Judiciário. O encontro de quatro horas em Brasília há exatos três meses foi um sinal de maturidade depois das duas semanas de choque institucional que sucederam a suspensão do pagamento das emendas pelo Supremo. É certo que nem tudo o que foi acordado foi negligenciado.
Mas agora, quando trechos do texto forem contestados no Supremo — e decerto serão —, é muito provável que sejam barrados, por contradizerem os princípios constitucionais que deveriam norteá-lo, transparência, moralidade e publicidade. O conflito institucional deverá se prolongar.
Inquérito sobre plano golpista que mira Bolsonaro, Braga Netto e militares deve ser concluído nos próximos dias
Por Eduardo Gonçalves — Brasília / O GLOBO
A Polícia Federal (PF) avalia que a Operação Contragolpe, deflagrada nesta terça-feira, não irá atrasar a conclusão do inquérito sobre a trama golpista que mira o ex-presidente Jair Bolsonaro, ex-ministros e militares de alta patente. A expectativa entre investigadores é que o caso seja encerrado nos próximos dias.
O encerramento da investigação foi postergado recentemente após as descobertas de fatos importantes. Um deles é o suposto plano que veio a público nesta terça-feira, elaborados por militares com objetivo de matar o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o vice Geraldo Alckmin.
Mensagens interceptadas indicam que os militares estavam "posicionados" para agir, mas a missão foi abortada. Outro fato que demandou uma análise mais cuidadosa foi a possível conexão entre os golpistas e a chamada "Abin paralela". Parte das informações da investigação veio de mensagens apagadas do celular do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro.
A Polícia Federal considerou que ele omitiu dados de seu acordo de delação premiada, que agora está sendo analisado pela Procuradoria-Geral da República. Cabe ao ministro Alexandre de Moraes a última palavra sobre a validade da colaboração.
As conversas constam de um relatório da PF, que teve o sigilo retirado nesta terça-feira. Ex-número dois da Secretaria Geral da Presidência do governo Bolsonaro, o general da reserva Mario Fernandes é apontado como um dos homens fortes da gestão passada que mais estimulou o golpe de Estado no fim de 2022. Ele teria tentado convencer o comando do Exército a aderir à trama e orientado "caminhoneiros e o pessoal do agro" no acampamento em frente ao Quartel General do Exército, além de ter conversado com o ex-presidente sobre a trama.
A PF irá se debruçar nos próximos dias sobre o material apreendido em endereços dos alvos. Conforme a coluna de Lauro Jardim, Bolsonaro deve ser indiciado na investigação sobre o plano golpista, assim como Braga Netto, Mario Fernandes, o deputado federal Alexandre Ramagem, ex-chefe da Abin, entre outros.
Os crimes atribuídos aos alvos da investigação são de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa.
Outros dois inquéritos que tem como alvo Bolsonaro estão para ser concluídos: o caso da "Abin paralela" e o das fake News. Há uma tese central que liga as três apurações: o governo Bolsonaro teria se utilizado da máquina do Estado para obter "vantagens indevidas de ordem política e econômica", segundo um relatório da PF. Relator dos três casos no Supremo, Moraes já autorizou o compartilhamento das provas entre as investigações.
Plano de assassinar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes: a história repetindo-se como farsa
Por Celso de Mello / O ESTADÃO DE SP
A notícia sobre a prisão de Oficiais do Exército, inclusive a de um general reformado, supostamente envolvidos em gravíssimo e sórdido plano sedicioso (e criminoso) que objetivava, no contexto de um pretendido golpe de Estado, assassinar o Presidente Lula, o Vice-Presidente Alckmin e o Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal , permite afirmar , quanto a tal evento, que é a História repetindo-se como “farsa”, para relembrar a frase de Karl Marx, logo no primeiro parágrafo de seu conhecido trabalho “O 18 Brumário de Luís Bonaparte” (1852) !
MARX , em seu “O 18 Brumário de Luis Bonaparte”, INICIA a sua obra, PROFERINDO , logo no primeiro parágrafo, a sua célebre frase :
“HEGEL observa (...) que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa (...)” !
CABE rememorar, bem por isso, neste ponto, evento ocorrido em Brasília, em 12 de setembro de 1963, uma 5a. feira .
Refiro-me ao episódio que ficou conhecido como “A Revolta dos Sargentos” e em cujo contexto sobrevieram a detenção e o sequestro de um Ministro do Supremo Tribunal Federal por militares da FAB e da Marinha (Sargentos e Cabos amotinados) , que o conduziram até a Base Aérea de Brasília (o sequestro ocorreu no “Trevo da Sarah” ou em suas proximidades ).
O magistrado arbitrariamente detido e criminosamente sequestrado foi o Ministro Victor Nunes Leal , que se dirigia ao Supremo Tribunal Federal para um encontro com o seu então Presidente, o Ministro Lafayette de Andrada !
O Ministro Victor Nunes Leal ficou detido na Base Aérea de Brasília durante uma hora e meia (das 10h00 às 11h30) .
Assim que libertado , retornou à sua residência, para, em seguida, dirigir-se ao STF, onde, em sessão especialmente convocada pelo Ministro Lafayette de Andrada, relatou os fatos que culminaram com sua detenção e sequestro (v. DJU, ed. de 13/09/1963, pgs. 3009/3010). Pronunciaram-se , em referida sessão plenária, além do seu Presidente, também o Ministro Ribeiro da Costa, o dr. Cândido de Oliveira Neto, Procurador-Geral da República , e o dr. Esdras Gueiros, Presidente do Conselho Seccional da OAB/DF , que censuraram duramente o comportamento criminoso de referidos militares.
O registro dessa sessão plenária do Supremo Tribunal Federal , realizada no próprio dia do sequestro do Ministro Victor Nunes Leal (12/09/1963), consta de publicação oficial feita no Diário da Justiça da União, de 13 de setembro de 1963, que contém o relato do Ministro Victor Nunes Leal, seguido dos pronunciamentos do PGR e do Conselho Seccional da OAB/DF.
É importante destacar que o Ministro Ribeiro da Costa , em mencionada sessão plenária do STF (12/09/1963), pronunciou discurso que, meses depois, quando houve o ominoso golpe de Estado de 1964, instaurador da ditadura militar que se abateu sobre nosso País e que destruiu a ordem democrática até então vigente, mostrou-se profético, pois, ao defender a decisão da Suprema Corte proferida contra os militares que queriam exercer cargos políticos, afirmou , com inteira razão, que a função institucional das Forças Armadas é outra, e que incentivar (e permitir) o envolvimento de militares com a atividade política poderia fazer com que as Forças Armadas absurdamente culminassem por se sobrepor às leis e à Constituição da República!
DISSE , então, o Ministro Ribeiro da Costa :
“Nessas condições, ao invés de contar o país com Forças Armadas unidas, aptas a agir com a presteza e a energia necessárias em dados momentos, quando a ordem nacional estiver em perigo ou sob ameaça, o que acontecerá, então, é que esses elementos, que são numerosíssimos, e indispensáveis, trarão para o seio das Forças Armadas a cizânia, a divisão, a incompreensão, a indisciplina, pretendendo sobrepor-se, como agora o fizeram, não só às leis e à Constituição, mas aos seus superiores hierárquicos”!
Cabe sempre advertir que o poder militar está sujeito, historicamente, nas democracias constitucionais, ao poder civil , cabendo-lhe, unicamente, as estritas funções institucionais que lhe foram atribuídas pela Constituição !!!
O poder castrense , que NÃO dispõe de atribuição moderadora NEM de função arbitral que lhe permita resolver - como se fosse uma anômala (e estranha) instância de superposição - eventuais conflitos entre as instituições civis do Estado , há de submeter-se, por inteiro e incondicionalmente , à autoridade suprema da Constituição, sob pena de a República democrática - sob cuja égide vivemos - dissolver-se , esmagada pelo peso e deslegitimada pelo estigma de uma estratocracia desestabilizadora da ordem democrática e opressora das liberdades e franquias individuais !!!
A necessidade do controle civil sobre as Forças Armadas - ADVERTEM os estudiosos da matéria (como Eliézer Rizzo de Oliveira , “Democracia e Defesa Nacional: A criação do Ministério de Defesa na Pre- sidência de FHC”, São Paulo, 2005, pág. 84) - busca definir parâmetros e implementar os seguintes objetivos :
“a) O comando inquestionável das Forças Armadas pelo Chefe do Poder Executivo;
b) Garantir a imparcialidade política das Forças Armadas;
c) Estabelecer uma estrutura de ordenamento legal das Forças Armadas que as submeta [aos princípios essenciais do] Estado democrático;
d) Qualquer decisão quanto ao emprego do poder militar deve ter origem exclusiva nas decisões políticas [das autoridades civis] ; e
e) Reafirmar o caráter nacional das Forças Armadas.”
Os fatos hoje noticiados referentes ao alegado envolvimento de altas patentes militares revelam um quadro deplorável de periclitação da ordem democrática e de perversão da ética do poder e do direito!
Em situações tão graves assim, ressurge fundado temor de que se desenhem na intimidade do aparelho castrense movimentos que parecem prenunciar a retomada, de todo inadmissível, de práticas estranhas (e lesivas) à ortodoxia constitucional, típicas de um pretorianismo que cumpre repelir, qualquer que seja a modalidade que assuma: pretorianismo oligárquico, pretorianismo radical ou pretorianismo de massa (Samuel P. Huntington, “Pretorianismo e Decadência Política”, 1969, Yale University Press).
A nossa própria experiência histórica revela-nos – e também nos adverte – que insurgências de natureza pretoriana, à semelhança da ideia metafórica do ovo da serpente (República de Weimar), descaracterizam a legitimidade do poder civil e fragilizam as instituições democráticas !
Impõe-se repelir , por isso mesmo, qualquer manifestação de um pretorianismo oligárquico que pretenda sufocar e dominar , com grave lesão à ordem democrática, as instituiçōes da República !
Já se distanciam no tempo histórico os dias sombrios que recaíram sobre o processo democrático em nosso País, em momento declinante das liberdades fundamentais, quando a vontade hegemônica dos curadores militares do regime político então instaurado sufocou, de modo irresistível e ditatorial , o exercício do poder civil.
É preciso ressaltar que a experiência concreta a que se submeteu o Brasil no período de vigência do regime de exceção (1964/1985) constitui, para esta e para as próximas gerações, marcante advertência que não pode ser ignorada : as intervenções pretorianas no domínio político-institucional têm representado momentos de grave inflexão no processo de desenvolvimento e de consolidação das liberdades fundamentais.
Intervenções castrenses, quando efetivadas e tornadas vitoriosas, tendem, na lógica do regime supressor das liberdades que se lhes segue, a diminuir (quando não a eliminar) o espaço institucional reservado ao dissenso, limitando, desse modo, com danos irreversíveis ao sistema democrático, a possibilidade de livre expansão da atividade política e do exercício pleno da cidadania.
Tudo isso é inaceitável porque o respeito indeclinável à Constituição e às leis da República representa , no regime democrático, limite inultrapassável a que se devem submeter os agentes do Estado e as próprias Forças Armadas !
Enfim, parece-me haver , entre a detenção e o sequestro, em 1963 , perpetrados por militares amotinados contra o Ministro Victor Nunes Leal, do STF, e o noticiado plano, agora revelado, de Oficiais militares de assassinar o Presidente Lula, o Vice-Presidente Alckmin e o Ministro Alexandre de Moraes, do STF, um indissociável vínculo histórico, um indisfarçável liame entre a tragédia e a farsa …”
Convidado deste artigo
Indústria em quarto minguante
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
O perfil exportador industrial do Brasil mudou acentuadamente em duas décadas. Em 2003, a indústria de transformação respondia por 82,3% do total exportado, enquanto a indústria extrativa e a agropecuária ficavam, juntas, com os restantes 17,17%. Atualmente, a relação é de quase convergência, com 54% para o setor de transformação e 46% para os outros dois.
Os dados, expostos por Lia Vals, pesquisadora associada da Fundação Getulio Vargas (FGV), em entrevista ao Estadão, demonstram a fragilidade do segmento de transformação, essencial por converter produtos primários em bens acabados ou intermediários, muitas vezes usados pela própria indústria.
A composição da pauta exportadora industrial vem mudando de forma contínua ao longo dos anos e reflete, ao mesmo tempo, a inserção crescente da agropecuária e extrativa brasileiras no comércio mundial e o debacle do setor de transformação. Como lembrou a pesquisadora, o Brasil estava entre os dez maiores exportadores de produtos siderúrgicos da Organização Mundial do Comércio (OMC) nos anos 1990 e, no ano passado, havia caído à 34.ª colocação.
Depois de anos de um crescimento vertiginoso entre o período do pós-guerra e meados da década de 1980, a indústria de transformação ingressou em uma sequência de quedas que suplantou o período de prosperidade. Assim, a indústria de transformação minguou de uma participação de 36% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1985 para algo em torno de 11% em 2023.
Não há como dissociar essa derrocada da sistemática queda da produtividade. Diferentemente do ocorrido em países desenvolvidos, onde o setor industrial começou a refluir quando já contavam com renda per capita semelhante à atual, a indústria nacional foi protagonista de um perde-perde: perdeu mercado doméstico para as importações e perdeu participação nas exportações.
Num cenário duplamente desfavorável, a recuperação é tarefa difícil e lenta, para ser buscada por um planejamento que extrapole governos e se converta em um projeto de Estado. Já não basta reeditar subsídios tributários e as velhas políticas protecionistas.
Em artigo publicado no Estadão e assinado pelo presidente Lula da Silva e por seu vice, Geraldo Alckmin, o governo apresentou ao País a intenção de tocar um projeto de “neoindustrialização”. Oito meses depois, porém, lançou o “Nova Indústria Brasil”, alvo de críticas por reativar instrumentos comprovadamente ineficientes, como o crédito direcionado e subsidiado a setores específicos.
A política de recomposição da indústria de transformação ainda carece de uma visão mais estruturante, algo que vá além da promessa de R$ 300 bilhões em incentivos no curto prazo, visando o ano eleitoral de 2026. É preciso estender o olhar para medidas que definam as próximas décadas, com foco em investimentos em pesquisa e desenvolvimento, novas tecnologias e no aumento da produtividade e da competitividade.
Só assim a indústria brasileira poderá aproveitar um mundo sob novo desenho geopolítico para reconquistar o espaço perdido.
A conta da política fiscal eleitoreira
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
Populistas não seriam populares se não fossem eficazes na arte de vender ilusões. Na economia, ela implica rifar o crescimento sustentável no futuro para fabricar um bem-estar efêmero no presente. A regra número um do manual do demagogo é mascarar a expansão de gastos ao final do seu mandato, obrigando a sociedade a pagar a conta no seguinte. Pesquisadores da FGV Ibre fizeram as contas para mostrar o tamanho dessa fatura.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se queixa, por exemplo, de despesas contratadas sem fontes de financiamento herdadas de Jair Bolsonaro. De fato, Bolsonaro empregou estratagemas criativos para ocultar impactos fiscais, como quando transferiu dívidas do Tesouro – os precatórios – para administrações futuras ou declarou “estado de emergência” em 2022 para justificar gastos fora do teto. Em tese, ele entregou o governo com um superávit primário de 0,2% do PIB; na prática, como os gastos encobertos foram de 0,9%, legou um déficit de 0,7%.
Este retrato do momento é útil à retórica vitimista lulopetista. Mas a trajetória do filme mostra que o lulopetismo é o grande responsável pela disfuncionalidade fiscal cujo preço se vê, por exemplo, nas cotações do dólar. Bolsonaro só aplicou a cartilha lulopetista, mas com menos denodo.
A contabilidade criativa vinha sendo reduzida nos últimos ciclos eleitorais. O déficit real de 0,7% do PIB, ao final de seu mandato, foi de 1,2% ao final de Dilma 2/Temer e de 3,5% ao final de Dilma 1 (1,8% de déficit primário, mais 1,7% de gastos ocultos). Para piorar, o período pré-eleitoral em Dilma 1 foi marcado por fortes intervenções no câmbio para baixar momentaneamente os preços das importações, o que não aconteceu nem no governo Temer nem no governo Bolsonaro – que, inclusive, inviabilizou a prática ao aprovar a autonomia do Banco Central, que Lula detesta.
A própria Dilma só agravou a degradação herdada de seu criador. Após a reestruturação fiscal de FHC e um período de estabilidade no início de Lula 1, a situação fiscal se deteriorou continuamente, de um superávit primário de 2,5% em 2005 para um déficit de 1,8% em 2014. Entre 2015 e 2019, o déficit se manteve em 1,5%. Em 2020, houve uma recuperação, e 2021 se encerrou com superávit de 0,6%.
Nos últimos anos houve, como diz Haddad, aumentos de despesas obrigatórias sem fonte de financiamento, como no Bolsa Família, Fundeb ou emendas parlamentares – todos apoiados pelo PT. Ainda assim, o gasto primário do biênio 2021-2022, de 18,1% do PIB, foi inferior aos 19,5% de 2019, pois o salário mínimo e os gastos com saúde e educação eram ajustados pela variação da inflação, portanto, sem aumento real.
Como dizem os pesquisadores da FGV Ibre, o governo Bolsonaro fez uma “escolha” para acomodar a elevação das despesas, e, se o modelo tivesse sido mantido nos quatro anos subsequentes, teria criado um espaço fiscal de 1 ponto porcentual do PIB. Já o governo Lula “não fez escolha nenhuma”. O salário mínimo agora é reajustado pela inflação e pelo crescimento do PIB, enquanto as despesas com saúde e educação voltaram a ser vinculadas às receitas.
A arrecadação aumentou, mas os gastos aumentaram mais e 2023 voltou a registrar um déficit de 1,6%. Para piorar, o governo elevou gastos parafiscais – como bolsas para estudantes ou empréstimos via fundos públicos –, que não passam pelo Orçamento, mas pressionam a dívida.
Quando Bolsonaro aprovou o aumento “temporário” do Bolsa Família em 2022, Lula ironizou: “É como se fosse um sorvete: chupou, acabou; fica com o palito na mão. Temos que dar uma lição para ele”.
A lição seria aprovar, como nas economias desenvolvidas, mecanismos institucionais para garantir a robustez da política econômica no médio prazo, como limites fiscais num horizonte de três a quatro anos para contrabalançar o apetite imediatista dos ciclos eleitorais. É o que se esperaria de um estadista.
Mas Lula é um populista, e faz o contrário: produz mais sorvetes, com novos sabores, empurrando para 2027 um ajuste fiscal amargo. A sociedade continuará a pagar a conta dos populistas, se não aprender a lição e puni-los nas urnas.