Projeções de gastos com Previdência têm alta de R$ 31 bi ao longo do ano
Adriana Fernandes / FOLHA DE SP
As projeções de despesas com a Previdência Social subiram R$ 31 bilhões ao longo deste ano, apesar do programa em curso de pente-fino e melhoria da gestão dos gastos com o pagamento dos benefícios implementado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A alta leva em conta o previsto na lei orçamentária e os dados do 5º Relatório Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas do Orçamento de 2024, enviados ao Congresso nesta sexta-feira (22). O valor dos gastos do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) do Orçamento são aprovados pelo Congresso, mas essencialmente definidos pelo Executivo.
Entre o 1º e o 5º relatórios, o salto das estimativas dos gastos com benefícios previdenciários foi de R$ 25,4 bilhões, de acordo com os dados oficiais.
Com base na nova revisão das previsões, apontada no último relatório, o governo anunciou na noite desta sexta-feira (22) que fará o bloqueio de R$ 6 bilhões nos gastos discricionários, que incluem custeio da máquina pública e investimentos. Com o novo bloqueio, a contenção total de gastos no Orçamento de 2024 alcança R$ 19,3 bilhões.
"Está havendo em 2024 um erro grosseiro das projeções. É uma variável que no passado se acertava muito de perto", afirma o pesquisador associado do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), Fabio Giambiagi.
O pesquisador lembra que ele e outros especialistas em contas públicas alertaram desde o início do ano para os dados subestimados das despesas da Previdência Social e a necessidade de medidas para conter seu crescimento.
"Falamos que era impossível [chegar aos números do governo]. Não estamos falando do sexo dos anjos. Como é que quem está de fora do governo está vendo e quem está de dentro não vê? ", diz.
Para ele, a imagem do Ministério do Planejamento fica comprometida com o erro em mais de R$ 30 bilhões nas projeções.
É com base nos dados dos relatórios bimestrais (março, maio, julho, setembro e novembro) que o governo aponta a necessidade de bloquear despesas para o cumprimento do teto de gastos, e contingenciar a fim de não estourar a meta fiscal de resultado das contas públicas.
O novo aumento nas despesas com a Previdência, retratado no relatório, reflete uma execução de gastos acima do esperado e uma redução nas estimativas dos impactos financeiros das ações de melhoria de gestão dos benefícios —uma das principais apostas do governo para conter a trajetória dessa despesa.
No início do ano, o governo esperava uma economia de R$ 10 bilhões com o programa, valor que caiu para R$ 9 bilhões, em julho, e depois a R$ 6,8 bilhões, em setembro. Os dados de novembro só serão conhecidos na segunda-feira (25).
"Houve um erro e espero que não se repita em 2025, porque é muito ruim para o sistema de planejamento", diz. Para o ano que vem, o governo já anunciou uma economia de R$ 25,9 bilhões em despesas com benefícios sociais, que passarão por um pente-fino e aperto nas regras.
Além disso, um pacote de contenção do crescimento de gastos está em elaboração no governo e deve ser anunciado na semana que vem, após seguidos adiamentos.
Especialista em Previdência Social, Giambiagi vê também negligência do Ministério da Previdência no controle do auxílio-doença, o chamado benefício por incapacidade temporária.
"O auxílio-doença foi uma variável que fugiu completamente ao controle e certamente a responsabilidade é do Ministério da Previdência por ter deixado isso acontecer", critica.
"Em qualquer empresa privada, se tem uma despesa que normalmente é 100 e, no mês passa a ser 102, o gerente passa a olhar com cuidado. Se no mês seguinte passa a ser 104, o presidente fica sabendo. Se um mês depois sobe para 106, o gerente é demitido", acrescenta. Na sua avaliação, o aumento dos gastos com o benefício mostram uma fiscalização frouxa.
Giambiagi prevê que as projeções mais altas vão impactar o projeto de Orçamento do ano que vem, que será votado ainda pelo Congresso. Para 2025, o governo estimou no projeto um gasto de R$ 1 trilhão com os benefícios do INSS.
SEM CORTE DE GASTOS
Na expectativa das medidas do pacote do governo, o pesquisador critica a imprensa ao usar o termo corte de gastos para se referir ao pacote fiscal.
"A imprensa está comendo mosca na linguagem utilizada. Ela fica falando o tempo todo de corte e o coitado do leitor acha que vai se gastar menos do que se gasta hoje. Não vai. O gasto continuará aumentando. O que estamos falando é do perfil do gasto", alerta.
Segundo o pesquisador, o pacote do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem o único e exclusivo fim de abrir espaço fiscal para que as despesas discricionárias não sejam enxugadas excessivamente.
Ele lamenta que hoje a discussão seja se o salário mínimo vai aumentar 2,5% ou 3% ao ano, em referência a uma das principais medidas em discussão no governo para limitar o ganho real do piso nacional, com o objetivo de alinhar a política de valorização às regras do arcabouço fiscal —cujo limite de despesas tem expansão real de 0,6% a 2,5% ao ano. "É uma medida tímida", avalia.
Empresas mostram como gasto de Lula fomenta o rentismo
O país flerta perigosamente com uma crise de financiamento, que não tardará a se revelar se não houver ações corretivas por parte do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Mesmo com a arrecadação federal em nível elevado, de cerca de 22,6% do Produto Interno Bruto nos 12 meses acumulados até outubro, maior patamar desde 2008, o deficit do Tesouro Nacional deve terminar 2024 em 0,7% do PIB —sem contar a despesa com juros, na casa dos 7% do PIB.
Como resultado a dívida pública está em trajetória explosiva, tendo subido de 71,7% do produto no final de 2022 para 78,3% em setembro. As projeções da Instituição Fiscal Independente (IFI) apontam para 84,1% ao final de 2026, e a mesma entidade calcula que as medidas do governo atual, se mantidas, custarão até R$ 3 trilhões em dez anos.
A consequência da gastança sem controle —herança maldita de Lula para si mesmo— é a disparada dos juros de mercado, que apontam um pico para a taxa Selic de até 14% ao ano. Descontada a inflação, a rentabilidade dos títulos públicos de prazos mais longos se aproxima de 7%, o que é insustentável.
Qualquer desaceleração da economia afetará a coleta de impostos, elevará ainda mais o rombo nas contas e impulsionará o crescimento da dívida além das projeções atuais, que já são temerárias.
O aperto das condições financeiras cobra sua conta. Não é surpresa que as empresas retraiam investimentos e prefiram deixar seus recursos em papéis de curto prazo do governo, indexados à taxa do Banco Central.
Em setembro, são R$ 232,4 bilhões de companhias abertas (fora a Petrobras) que poderiam estar a serviço de investimentos e empregos, 55% a mais que em março de 2021, segundo levantamento da consultoria Elos Ayta noticiado pela Folha. Não tardará para a economia perder vigor, também por causa da pressão em empresas e famílias endividadas.
No curto prazo, os tão atacados rentistas até agradecem a Lula e ao PT. É um erro, porém, acreditar que os juros altos por muitos anos adiante poderão atrair investidores de forma sustentável. Sem sustentabilidade fiscal, com o tempo nenhuma taxa será suficiente para convencer credores.
Ninguém —nem bancos nem investidores— gosta de juros altos. Custo de capital elevado destrói valor ao reduzir preços de ativos, sejam imóveis, ações e os próprios papéis da dívida.
Não passa de infantilidade a crença em conspirações da elite e do mercado financeiro. Muito ao contrário, no início do terceiro mandato de Lula havia expectativas positivas de que o mandatário, com sua experiencia, saberia lidar com as contradições de forma pragmática.
Infelizmente, até aqui ele optou pelo caminho incendiário. Agora, ou apaga as chamas com um programa sério de controle de gastos, cuja divulgação é esperada há semanas, ou seu governo e o país serão ameaçados pela perspectiva de insolvência.
Profissionais do IJF trabalham com improviso, atraso salarial e adoecimento: 'desgastado e fraco'
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Em meio à rotina caótica da unidade, especializada no tratamento de traumas de alta complexidade, palavras como “angústia” e “impotência” marcam os depoimentos de quem está na linha de frente, funcionários de diferentes áreas do IJF ouvidos pela reportagem. Por questões de segurança, todos os nomes aqui são fictícios.
Maria*, técnica de enfermagem servidora do hospital há mais de uma década, por exemplo, relata que nunca imaginou passar por um momento como o atual – embora reconheça que “esse colapso já havia sido anunciado pelos servidores há muito tempo, e reflete negligência histórica”.
Denúncias recebidas pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) na última semana, reportadas pelo Diário do Nordeste, dão conta de que 279 de 375 medicamentos estariam com estoque zerado no Instituto.
Além disso, relatos de pacientes e acompanhantes descrevem a carência de itens essenciais, como gaze, fraldas e lençóis; bem como o cancelamento de cirurgias, a falta de estrutura para acompanhantes – que precisam dormir no chão, em papelões – e até a demora na entrega de refeições.
Diante crise, o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) marcou uma audiência inicial de conciliação para a próxima terça-feira (26), às 10h, no Fórum Clóvis Beviláqua, na Capital. A ideia é promover o "diálogo institucional" entre os representantes do Ministério Público e da Procuradoria-Geral do Município de Fortaleza.
A marcação da audiência vem em resposta à Ação Civil Pública (ACP) ingressada pelo MPCE, em 7 de novembro, a partir da 137ª Promotoria de Justiça de Fortaleza, após os problemas de abastecimento na unidade persistirem desde o início do ano e se intensificarem nos últimos meses.
‘Adoecimento generalizado’
Maria* aponta ainda que a rotina hospitalar é prejudicada pela quantidade insuficiente de profissionais. A técnica estima, por meio de um dimensionamento indicado pelo próprio departamento de Enfermaria da unidade, que o número ideal seria de 782 enfermeiros e 1.698 técnicos.
No entanto, a escala normal – sem contar com a suplementação de horas extras, por exemplo – indica que o hospital tem 493 enfermeiros e 1.112 técnicos, quantidades respectivamente 37% e 7% menores do que as ideais.
“Somos submetidos a cargas horárias excessivas, baixos salários e sobrecarga de serviço devido à escassez de recursos humanos. Tudo isso tem gerado um adoecimento físico e mental generalizado entre os profissionais”, lamenta a servidora.
José*, também servidor da instituição, reforça o sentimento de impotência diante do dever de cuidar dos pacientes. “Você se sente incapaz quando chega em um ambiente que não te dá condições mínimas de trabalho. Me sinto desgastado e fraco”, confessa o profissional.
“Isso impacta diretamente na minha saúde mental, pois muitas vezes você está vendo o paciente ter uma piora clínica por conta de você não ter a medicação para administrar. Daí você pensa: e se fosse eu ou uma pessoa minha?”, pondera.
Os improvisos que os trabalhadores precisam fazer para dar conta da assistência são, em alguns cenários, insuficientes, como relata Ana*, outra servidora ouvida pela reportagem. “Fico muito triste de ver os pacientes idosos chegando do centro cirúrgico já com dor, devido à falta de morfina. Meu coração fica destruído”, queixa-se a técnica de enfermagem.
“A enfermagem zela pelo paciente, mas como podemos dar o nosso melhor com a falta de tudo?”
Julia* compartilha do sentimento de impotência. No último plantão, uma paciente dela passou mal com crise de vômitos, mas não havia medicação para prestar o devido socorro. “Foi muito angustiante e revoltante ver isso. Tive uma crise de choro. Quando acontecer de um paciente ter uma ocorrência grave, precisar de uma medicação, não ter e ele vir a óbito, não quero estar nesse plantão”, sentencia.
No cenário de faltas e de equipes desfalcadas, a trabalhadora afirma que, para garantir a própria saúde, faz tudo “dentro do tempo que o psicológico permite”. “Não faço mais nada atropelado como eu fazia antes, que era nas carreiras para dar tempo cumprir todos os protocolos. Hoje, vamos fazer o que é de competência de cada um, não de cada 10.”
Representando profissionais de nível médio e técnico que atuam na área, como os de enfermagem, o Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Ceará (Sindsaúde/CE) acompanha o cenário de insuficiências.
À reportagem, na semana passada, a diretora da entidade, Marta Brandão, contou que as maiores queixas envolvem o subdimensionamento da equipe de saúde, o que gera uma maior sobrecarga de trabalho e motiva altos índices de afastamento.
‘Efeito dominó’
Dois médicos ouvidos pelo Diário do Nordeste reforçam que o cenário tem gerado adoecimento mental e conflitos internos diante da impotência para garantir o direito da população à saúde. Jorge*, ortopedista e servidor que atua com cirurgias, relata que a falta de materiais gera um efeito dominó grave.
“A falta de remédios e insumos é uma realidade, e isso afeta principalmente os procedimentos. Eu preciso de um tipo de material pra fazer a cirurgia, então os pacientes que precisam ficam internados sem previsão de fazerem o procedimento, o que pode levar não só a complicações imediatas, mas sequelas a longo prazo, ficando até sem andar”, diz.
“Essa situação causa estresse. Duas semanas que venho trabalhar, tinha procedimento marcado, mas não tinha material, anestesista ou equipe”, destaca Jorge*.
Daniel*, médico que trabalha na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do IJF, endossa que “faltam insumos básicos, desde material de curativo a remédios básicos como analgésicos, antitérmicos, para náuseas e vômitos, anticoagulante e até antibióticos”.
A situação, ele frisa, “abala não só a saúde dos pacientes, de maneira que você via as pessoas piorarem na sua cara, mas a gente também se sente mal. Passamos a entender que ou a gente seria sincero com as famílias ou ia acabar surtando. E passamos a dizer a verdade”. O médico complementa: "a gente também tá adoecendo com essas condições de trabalho péssimas”.
Paralisação de atividades
Na última quinta-feira (21), médicos que atuam no IJF por meio da Cooperativa dos Médicos Traumatologistas e Ortopedistas do Estado do Ceará (Coomtoce) e anestesiologistas ligados à Cooperativa dos Médicos Anestesiologistas do Ceará (Coopanest) paralisaram os atendimentos devido a atrasos salariais.
De acordo com o Sindicato dos Médicos do Ceará, o montante não pago aos ortopedistas e traumatologistas chega a R$ 800 mil, referente a salários de janeiro, junho, julho e agosto. Já os anestesiologistas têm mais de R$ 1,7 milhão em aberto referentes a junho, julho, agosto e setembro.
O sindicato afirma que “oficiou a Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza (SMS) e o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), por meio da Promotoria de Justiça da Saúde Pública, requerendo a providência de medidas que garantam a regularização dos pagamentos, além do resguardo do direito ao acesso à saúde dos usuários do SUS”.
O que diz o IJF
O Diário do Nordeste contatou o IJF e a SMS, por meio das assessorias de comunicação, pedindo esclarecimentos sobre os pontos relatados pelos profissionais de saúde da unidade. Não houve resposta até a publicação desta reportagem.
Em paralelo, o prefeito José Sarto (PDT) anunciou, na última quinta-feira (21), a criação de uma força-tarefa imediata para garantir medicamentos e insumos que faltam na unidade.
Além disso, a gestão do hospital ficará a cargo, temporariamente, de um grupo formado por representantes da Secretaria da Saúde, da Secretaria de Finanças, da Secretaria de Governo e da Procuradoria Geral do Município.
Segundo o chefe do Executivo Municipal, será dado "suporte e agilidade" às compras e aos pagamentos do IJF. A operação foi definida após reunião com a cúpula da Prefeitura nesta tarde.
Entre o PT e Bolsonaro, no final das contas o isentão tinha razão
Por Fabiano Lana / O ESTADÃO DE SP
Frente ao evidente golpismo e delinquência de Jair Bolsonaro e as ideias quase suicidas do Partido dos Trabalhadores em conduzir a economia brasileira, a história vai mostrar que aquela pessoa, em minoria, que se horroriza com ambos os lados e há décadas escolhe pelo menos pior tem razão sobre os desatinos do Brasil: o isentão (ou isentona).
Do ponto de vista dos espectros mais radicais da chamada polarização, o isentão é um covarde, que não se compromete, que permite que o lado do inaceitável vença. Mas a verdade é que o isentão sabe que o Brasil tem sido dominado há tempos por duas forças políticas antagônicas que se deixadas sem controle são capazes de causar um dano mortal ao país.
O caso do bolsonarismo é bastante indubitável. Um bando de gente de maus modos e sem qualquer apreço pela democracia. Que de sua cúpula ao militante da porta de quartel sonham com uma intervenção militar. Que tentaram minar uma qualidade dos brasileiros: a abertura às vacinas e aos progressos da ciência. Que falam em liberdade, mas o que quer mesmo é um país com valores teocráticos (a ex-primeira Dama Michelle já admitiu isso). Que gostam de falar que são conservadores, mas, longe disse, são apenas reacionários, paranoicos, conspiratórios e intransigentes.
No caso do Partido dos Trabalhadores a aliança atual com as instituições é apenas circunstancial. Quando houve o escândalo e aqueles bilhões desviados revelados pela Lava Jato, não tiveram pruridos de ir ao ataque contra o Judiciário, a imprensa, as elites (e tudo mais que o bolsonarismo hoje também odeia).
Mas a questão petista é mais complexa. Como o atual ministro da Fazenda Fernando Haddad tem aprendido a duras penas, há dentro do Partido dos Trabalhadores uma resistência enorme ao conceito de economia ajustada. Com a estridente liderança da atual presidente do PT, Gleisi Hoffmann, não se preocupam tanto com déficits públicos ou aumento da dívida. Nunca se recuperaram da queda do Muro de Berlim em 1989, e vivem em um passado distante e inviável.
O grande problema e que já vivemos essa “economia ideal” sonhada pelos petistas. Foi durante o governo de Dilma Rousseff, que Lula sabiamente soube enviar para milhares de quilômetros de distância em um bom cargo de banqueira internacional (todo dia ele deve agradecer ao aspone que teve a ideia). Mas a gestão Dilma, com seus devaneios de um Estado a controlar toda a economia, teve a corrupção dos grandes contratos públicos, aumento cavalar da dívida, e leniência com os controles inflacionários.
O resultado, como sabemos, foi a explosão da inflação, do desemprego, das taxas de pobreza (após os avanços permitidos pela boom das commodities/políticas de transferência direta de renda), escândalos morais, rebelião no Congresso, impeachment, um mandato tampão de Temer (que até tentou controlar as contas, mas que naufragou frente ao ritmo frenético de destruição institucional) e, finalmente, a eleição de Bolsonaro a surfar numa onda gigantesca de antipetismo/antipolítico. Bolsonaro teve o voto do tal isentão em 2018? Infelizmente talvez sim, de alguns deles, mesmo que fosse com o nariz tapado, até porque do outro lado só se via o caos.
Mas o tal isentão também ficou apavorado com Bolsonaro. Possivelmente votou em Simone Tebet em 2022. E, no segundo turno, deu uma chance a Lula (o ex-presidiário), porém tomado por melancolia e mesmo desespero, querendo se livrar do capitão maluco, inconsequente, perigoso e obtuso. Antes de decidir em quem votar o isentão teve que se tornar uma espécie de sommelier de criminosos/insensatos. Os que não votaram nulo tiveram que decidir, em suas cabeças, por opção de quadrilha menos letal ao país. Esse tem sido o sentimento desse ser politicamente solitário – fora a leve irritação com uma primeira-dama deslumbrada e boquirrota.
O isentão também sabe que se o presidente Lula não cuidar direitinho da economia, que se resolver ouvir o canto da sereia do petismo raiz, seu mandato será uma espécie de Dilma 3, com consequências já sabidas – um voo de galinha do crescimento seguido por anos e anos de depressão. Mesmo com uma retórica esquerdista como nunca, Lula parece, até agora, resistir ao populismo rastaquera. Aguardemos Godot, quer dizer, o doloroso mas necessário ajuste fiscal anunciado pela equipe econômica.
Como observador, cético, cansado, desanimado, o isentão (ou isentona) só espera, na verdade, esse ciclo vicioso terminar e opções de governo viáveis e mais sensatas aparecem no horizonte. Em geral é um derrotado eleitoral no que quer para o Brasil, mas a razão está com ele.
Fabiano Lana é formado em Comunicação Social pela UFMG e em Filosofia pela UnB, onde também tem mestrado na área. Foi repórter do Jornal do Brasil, entre outros veículos. Atua como consultor de comunicação. É autor do livro “Riobaldo agarra sua morte”, em que discute interseções entre jornalismo, política e ética.
Um remendo nas contas públicas
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
O esperado novo bloqueio de despesas públicas, de R$ 5 bilhões, para evitar o descumprimento do limite de despesas, é apenas mais um remendo no esfarrapado arcabouço fiscal. A pouco mais de um mês de concluir a metade do mandato, o governo Lula da Silva ainda tem de recorrer a medidas paliativas para cumprir o limite inferior da meta, que prevê um rombo de até R$ 28 bilhões neste ano.
Para fechar 2024 no centro da meta fiscal, com déficit zero, como prevê o arcabouço, o governo necessitaria de um incremento adicional de R$ 42,3 bilhões na arrecadação do último bimestre, segundo cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão de monitoramento vinculado ao Senado.
Para a IFI, este não parece ser um cenário factível, pois demandaria surpresas ou uma ajuda extra – e isso apesar dos 11 recordes mensais sucessivos na arrecadação, que levaram a receita pública federal a acumular R$ 2,18 trilhões até outubro.
O motivo é simples como os conceitos da aritmética básica: as receitas têm sido em muito superadas pelas despesas. E o mais recente Relatório de Acompanhamento Fiscal da IFI deixa muito claro o porquê. Medidas pactuadas antes mesmo da posse de Lula da Silva e ações adotadas no primeiro ano de sua gestão tornaram ainda mais complexo o frágil equilíbrio das contas públicas.
O relatório confirma o que este jornal tem apontado com insistência sobre as consequências de medidas mal planejadas e movidas por aspirações eleitoreiras e populistas, como as que marcam a economia sob o bastão de Lula da Silva. As quatro políticas públicas mais custosas ao erário tiveram precisamente esse perfil.
São elas a manutenção do benefício de R$ 600 para o Bolsa Família, uma deferência feita no período mais crítico da covid-19 e que deveria ter sido revista após a pandemia; o reajuste do salário mínimo, atrelado também ao crescimento econômico, além do cálculo pela inflação; a indexação dos pisos para Saúde e Educação às receitas, e não mais limitadas à inflação, como estabelecia o teto de gastos; e a criação de mais dois fundos públicos para promover o desenvolvimento regional e compensar benefícios fiscais como contrapartida à aprovação da reforma tributária.
Juntas, essas quatro políticas públicas vão gerar um custo entre R$ 2,3 trilhões e R$ 3 trilhões em uma década. São medidas com peso permanente, não apenas pontual. Assim sendo, para garantir um rearranjo estrutural nas contas públicas, o tão esperado pacote de despesas deveria revê-las, assim como apresentar medidas para conter o avanço exponencial dos gastos com previdência e assistência social.
Mas, ao que tudo indica, Lula da Silva parece propenso, quando muito, a alterar as regras na política de valorização do salário mínimo. Talvez tenha sido convencido de que elevar de forma tão intensa o piso pode escancarar a insustentabilidade do arcabouço fiscal antes mesmo do fim de seu mandato – algo que, aliás, já começa a acontecer.
Bloqueios, como se sabe, não são cortes, mas apenas uma espécie de congelamento para limitar o aumento do gasto a 2,5% ao ano, já descontada a inflação. E é muito preocupante que tenha de se recorrer a eles em um momento de arrecadação vigorosa, pois isso revela o tamanho da dificuldade do governo para manter as contas minimamente equilibradas.
No acumulado até outubro, o País registrou o melhor resultado de toda a série histórica, iniciada em 1995. As receitas tiveram alta de 9,69% em relação a igual período de 2023, já descontada a inflação. Junte-se a isso a contribuição bilionária da Petrobras, que acaba de anunciar a distribuição de dividendos extraordinários de R$ 20 bilhões, o que renderá ao Tesouro um repasse total de R$ 23,46 bilhões no ano.
Contar somente com receitas para cumprir a meta fiscal não é, nem nunca foi, uma decisão prudente, sobretudo quando não se mexe na dinâmica das despesas. O fato de que nem mesmo os recordes históricos de arrecadação facilitaram o trabalho da equipe econômica na busca da meta fiscal deixa muito claro onde o problema de fato está. E o relatório da IFI aponta quem é o maior responsável por isso.
Antecipação de julgamento
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
Há poucos dias, como se sabe, um sujeito radicalizado pelo discurso bolsonarista contra as instituições democráticas arremessou um explosivo em direção ao Supremo Tribunal Federal (STF) pouco antes de detonar outro artefato que trazia junto ao próprio corpo, morrendo no local. Logo após esse trágico episódio, veio a público a informação de que a Polícia Federal (PF) teria descortinado uma conspiração entre militares de alta patente e autoridades civis para, supostamente, assassinar o presidente Lula da Silva, o vice Geraldo Alckmin e o ministro do STF Alexandre de Moraes, a fim de manter Jair Bolsonaro no poder após sua derrota eleitoral em 2022.
Não seria razoável esperar que o Supremo Tribunal Federal permanecesse em silêncio diante desses e de outros gravíssimos atentados e ameaças que tanto a instituição como os seus ministros têm sofrido – e não de agora. Mais do que os vitupérios que são dirigidos à Corte nas redes sociais, mas não só, desde que Bolsonaro a alçou à condição de “inimiga do povo”, as ameaças à integridade da sede da mais alta instância do Judiciário brasileiro e, principalmente, à vida de seus ministros e familiares ganharam uma proporção inaudita na história recente do País. É dever de qualquer democrata que se preze repudiar essa violência extrema nos mais veementes termos.
O Supremo Tribunal Federal, contudo, deveria manifestar sua condenação às agressões de que tem sido vítima constante de forma mais serena e republicana. A Corte deveria responder como a instituição fundamental que é para o País. Alguns ministros, entretanto, escolheram a via da espetacularização, do individualismo e, é forçoso dizer, da ilação, o que nem remotamente se coaduna com o comportamento que se espera de magistrados. Até agora, o que tem sido visto é uma clara demonstração de sucumbência de alguns ministros ao calor dos holofotes.
O correto para uma Corte Suprema ciosa de seu papel institucional, para um tribunal que deseja ser visto e reconhecido pela sociedade por sua imparcialidade e sobriedade até nas horas mais dramáticas, seria se manifestar apenas por meio de uma nota oficial, quando avaliar ser o caso. Se assim o fizesse, o Supremo Tribunal Federal poderia, a um só tempo, condenar cada um desses ataques infames, exortar as autoridades incumbidas das investigações a realizar seu trabalho com profissionalismo e espírito público e, por fim, reforçar a defesa da democracia como o único regime capaz de trazer paz e progresso para todos os cidadãos. Tudo mais haverá de ser dito pelos ministros se e quando esses casos chegarem à fase de julgamento pelo colegiado.
Mas há ministros que parecem incapazes de esperar e se permitem emitir opiniões sobre os casos como se já estivessem votando para condenar ou absolver os indiciados que nem réus ainda são. No episódio mais recente, o decano da Corte, ministro Gilmar Mendes, concedeu longa entrevista à GloboNews na qual não só esteve à vontade para comentar as investigações em andamento contra Bolsonaro e outros implicados pela Polícia Federal, como ainda rebateu os argumentos dos bolsonaristas que provavelmente serão os mesmos argumentos dos advogados dos acusados se o caso chegar ao Supremo Tribunal Federal. Mas o sr. Mendes não é o único, infelizmente.
Recorde-se que os ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes não esperaram sequer o cheiro de pólvora se dissipar na Praça dos Três Poderes para estabelecerem o liame entre as explosões detonadas pelo bolsonarista Francisco Wanderley Luiz e os atos golpistas do 8 de Janeiro de 2023.
Cada ministro que lide com sua consciência, mas uma coisa é certa: o Supremo perde muito como instituição com essa incontinência verbal de alguns de seus membros, em especial no que concerne à legitimidade de suas decisões. E com isso, claro, perde o País.