G20 traz mistura de celebração e resignação
Por Editorial / O GLOBO
Quando foi criado, em 2008, o G20 — grupo que reúne as 19 maiores economias do planeta, mais União Europeia e União Africana — se revelou um fórum crucial para debelar a crise financeira sem precedentes que abalava o mundo. Reunindo 85% do PIB global e 75% do comércio mundial, o grupo tinha legitimidade para pôr em marcha decisões que teriam custo alto demais para cada país individualmente, mas eram necessárias coletivamente. Passada a crise aguda, porém, a diversidade de regimes políticos e interesses econômicos passou a impor dificuldades crescentes às decisões de impacto do grupo.
Nem na pandemia o G20 teve papel de destaque. De lá para cá, cada reunião tem produzido um misto de celebração quando se alcança algum consenso e resignação com seu caráter necessariamente limitado e insatisfatório.
Não foi diferente no encontro realizado nesta semana no Rio de Janeiro. No entender do Itamaraty, o documento final foi um sucesso. Incorporou a ideia brasileira da aliança contra a fome e a pobreza, mencionou a necessidade de reforma na governança global, defendeu a taxação sobre grandes fortunas, reconheceu a gravidade da mudança do clima e a necessidade de elevar a participação das mulheres na economia e na vida pública. Certamente a deslumbrante paisagem carioca contribuiu para impressionar os chefes de Estado e suas delegações, e a cooperação da população local com os transtornos inerentes ao encontro resultaram num evento sem sobressaltos. Mas os efeitos práticos serão pequenos.
Enquanto se discutia a presença deste ou daquele líder na fotografia oficial, os analistas geopolíticos e a imprensa internacional estavam de olho em fatos mais relevantes. Primeiro, na maior ausência. Donald Trump, presidente eleito dos Estados Unidos, ainda não tomou posse. Portanto qualquer acordo firmado por Joe Biden nos dias finais de seu mandato está em xeque diante do que acontecerá com a maior potência global a partir de janeiro.
Segundo, na presença incômoda. O chanceler russo Sergey Lavrov garantiu que a declaração final não mencionasse a Rússia ao falar na invasão da Ucrânia. No mesmo dia, seu chefe Vladimir Putin baixou normas mais permissivas para o uso de armas nucleares, os ucranianos obtiveram autorização para usar mísseis americanos de longo alcance contra os russos — e usaram. Quem esperava do G20 um clima de apaziguamento, capaz de conduzir a negociações rumo ao fim da guerra, mais uma vez ficou frustrado.
Outra frustração foi a dificuldade brasileira para se projetar como líder na pauta ambiental. Ela ocupou papel modesto na declaração final, aquém do esperado para uma reunião realizada num país com as pretensões do Brasil. Os diplomatas preferiram apostar no consenso mais fácil em torno da fome e da pobreza, tema nada controverso, a enfrentar com determinação a agenda espinhosa da transição energética, que já mobilizara outras reuniões do G20. O trabalho brasileiro ficou para a Conferência do Clima da ONU, a COP30, prevista para Belém no ano que vem.
Nada disso deve desmerecer o encontro. É essencial a existência de um espaço onde os principais líderes globais possam manter diálogo civilizado para resolver seus problemas, livres de amarras burocráticas. Que os consensos sejam hoje mais difíceis e menos eficazes é sinal de como o mundo se tornou mais desafiador.