Censura no Brasil de hoje é pior do que a censura da ditadura militar pois afeta todo mundo
Por J.R. Guzzo / O ESTADO DE SP
O mundo começa a saber, enfim, que existe censura no Brasil, que isso viola a Constituição brasileira e que o responsável direto por criar, impor e manter essa situação ilegal é o mais alto tribunal de justiça do país. A divulgação, por deputados da comissão judiciária da Câmara de Representantes dos Estados Unidos, de que o STF praticou pelo menos 88 atos de censura, envolvendo 400 usuários, não vai mudar a sua conduta. Se os ministros não respeitam as leis do seu próprio país, por que iriam se incomodar com as leis dos Estados Unidos? Mas, a partir de agora, não vão poder mais contar com o conforto de fazer o que fazem e se exibir como marechais-de-campo da democracia em Nova York, Lisboa ou Paris.
O Brasil inteiro já sabe, há anos, que há censura nas redes sociais, e que cidadãos são presos, multados, levados para depor na polícia, têm as suas contas bancárias bloqueadas e os seus celulares confiscados por dizerem o que pensam – enfim, o cardápio quase completo dos Estados policiais. Mas não podem fazer nada para se defender do STF. Estão sob a maldição oficial de serem “golpistas”, “fascistas”, malfeitores que querem destruir a “democracia” – e como tal, em nome dos mais elevados interesses da pátria, não têm direito à proteção da lei. Não são informados das infrações que teriam cometido. Seus advogados não têm acesso às acusações. Não podem recorrer de nenhuma decisão. É tudo ilegal. Mas o juizado supremo diz que é tudo legal.
A censura no Brasil de hoje é pior do que a censura da ditadura militar. A repressão só perseguia, então, quem escrevia ou falava contra o governo, mesmo porque não existia rede social. Hoje persegue todo mundo, porque todo mundo pode falar através da internet – o grande mal do Século XXI, segundo o ministro Alexandre de Moraes. O STF diz, naturalmente, que não há censura – tanto que o Estadão, por exemplo, está publicando este artigo. E daí? Há censura escancarada nas redes sociais. Do ponto de vista da liberdade de expressão dá exatamente na mesma. A liberdade de pensar é direito de todos os cidadãos, e não apenas dos jornalistas.
A reação ao gesto da Câmara americana, até agora, foi uma tristeza. De um lado, o STF diz que foram divulgados “meros ofícios”, e não as suas “decisões fundamentadas”. Que fundamentos? É tudo secreto. Além disso, a questão não é a natureza técnica dos papéis publicados – é a censura. De outro, há a obsessão de criminalizar Elon Musk, que detonou a história toda, o X, os deputados republicanos da Câmara, Donald Trump, a “conspiração da direita mundial”, os “golpistas”. Só não se discute o essencial: o STF está violando a lei.
Brasil hoje é governado com base na pirraça, na vingança e no rancor nos Três Poderes
Por Ricardo Corrêa / O ESTADO DE SP
Por onde se olha, no Executivo, no Legislativo ou no Judiciário, o que se vê é um país governado ou movimentado por pirraças, rancores e vinganças. É o que dá o tom dos temas que dominam os debates, declarações e decisões que, em uma democracia saudável e pacificada, tenderiam a ser baseados nos ideais de interesse público.
Exemplo claro dessa gestão baseada nos revides se dá nas atuações de Rodrigo Pacheco e, sobretudo, Arthur Lira, no comando das duas Casas no Congresso. Lira, por exemplo, irritado com a perda de espaço no governo, a briga pessoal com Alexandre Padilha, e com o fato de que teima em não aceitar o esvaziamento de sua força diante do inevitável fim do mandato no comando da Mesa, inventou de resgatar CPIs inócuas sobre assuntos debatidos cotidianamente, sem fatos determinados, que, como as demais recentemente realizadas no Congresso, não vão levar o país a nenhuma solução prática. Tudo, claro, para fustigar o governo e mostrar que ele ainda pode atrapalhar bastante qualquer pauta que Lula queira levar adiante. Em uma das CPIs, também move uma peça no sentido de se vingar do Supremo Tribunal Federal (STF) após decisões que levaram a buscas em gabinetes de parlamentares e à prisão do deputado Chiquinho Brazão, acusado de matar Marielle Franco.
O estilo vingativo de Lira, embora emblemático, se assemelha ao sentimento de grande parte dos parlamentares atualmente, na mesma cruzada contra o STF. Tanto na Câmara quanto no Senado, onde o presidente Rodrigo Pacheco, desde que foi avisado de que não seria indicado pelo governo a uma vaga na Corte e que seu futuro estava em uma disputa eleitoral de 2026, passou a também confrontar o STF com decisões que agradam ao público e à bancada bolsonarista. Foi o que se deu na votação da PEC das Drogas, criada e votada às pressas apenas para peitar o debate em andamento na Corte.
O próprio STF também parece agir com rancor e vingança em primeiro plano, que empurra penas excessivamente altas aos executores utilizados para os ataques de 8 de janeiro, que muda suas decisões para puxar de volta inquéritos contra políticos para tê-los nas mãos ou enfia tudo o que envolve ilícitos e supostos ilícitos praticados por Bolsonaro e sua trupe em um inquérito só, comandado justamente pelo principal alvo do bolsonarismo: o ministro Alexandre de Moraes. Também no STF e em outros espaços do Judiciário controlados por aliados de Moraes e Gilmar, há um claro sentimento de vingança e rancor com a Lava Jato que, entre erros (foram muitos) e acertos (igualmente), ousou desafiar o topo da classe política e flertou com investigações contra integrantes do próprio Judiciário.
Também Lula chegou inegavelmente ao poder movido por um sentimento de vingança contra Sergio Moro e a Lava Jato, que impuseram a ele mais de 580 dias preso na Superintendência da Polícia Federal no Paraná. A ponto de ter dito publicamente que, enquanto preso, afirmava que só estaria tudo bem ao “f… o Moro”.
Mas fosse apenas o embate contra um hoje senador com pouca expressão e articulação no Congresso, seria menos pior. O aspecto de vingança, pirraça e rancor no governo a afetar a imagem e a vida do brasileiro se dá no cenário externo. Movido pela ideia de que os norte-americanos tiveram papel preponderante na Lava Jato (seu entorno acha que tudo não passou de uma conspiração de americanos com a turma de Curitiba para quebrar players brasileiros no exterior), Lula resolveu romper a histórica relação de aliança entre o Brasil e os Estados Unidos para se alinhar a um outro bloco de países que inclui China, Rússia, Irã e mais uma penca de Nações que se unem na denominação de “Sul Global”. Na mesma linha da pirraça e rancor estão os embates com Israel, um aliado dos americanos e que foi usado como bandeira pelo bolsonarismo evangélico. Fosse pragmático e não agisse com o fígado, Lula não teria tirado o país da posição que sempre esteve nos conflitos no Oriente Médio: a de defensor da solução pacífica dos conflitos, com repúdio frontal ao terrorismo. O mesmo vale para o conflito entre os invasores russos e os ucranianos.
Onde mais uma gestão baseada no rancor, com uma guerra geral entre os representantes dos Três Poderes, vai nos levar? Dificilmente será na superação do cenário fiscal difícil que se avizinha, do alastramento do crime organizado se transformando em máfia, ou da epidemia de dengue. Problemas suficientes para render prioridade e atenção de nossos governantes se não estivessem hoje movidos por vingança.
No TSE, Ministério Público dá parecer pela cassação de deputados do PL e condenação de Acilon
Escrito por Inácio Aguiar / DIARIONORDESTE
Além disso, o vice-procurador-geral Eleitoral, Alexandre Espinosa Bravo Barbosa, acatou, parcialmente, pedido de reforma da sentença para tornar inelegível o então presidente do PL no Estado, Acilon Gonçalves, prefeito de Eusébio, por conta da fraude à cota de gênero.
Em maio do ano passado, os quatro deputados estaduais eleitos pelo Partido, Carmelo Neto, Marta Gonçalves, Dra. Silvana e Pastor Alcides Fernandes, foram cassados pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-CE) por suposta fraude à cota de gênero. Segundo o Ministério Público Eleitoral no Ceará, o partido se utilizou de candidaturas fictícias de mulheres para cumprir a cota de gênero.
A decisão de então, entretanto, havia livrado Acilon Gonçalves da condenação.
O caso subiu em recurso ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e está em tramitação. O parecer do Ministério Público é parte importante do processo, mas não é determinante. O caso irá para votação dos ministros do TSE em breve.
No Ceará, em véspera de eleição municipal, uma possível confirmação da cassação poderá ter reflexos na disputa eleitoral.
Oposição na Venezuela decide manter candidato provisório para eleição
Guilherme Botacini / FOLHA DE SP
A coalizão de oposição na Venezuela decidiu manter o ex-embaixador Edmundo González Urrutia como seu candidato unitário para as eleições previstas para o dia 28 de julho.
Ele havia sido inscrito de forma provisória nas últimas horas antes do fim do prazo para garantir a presença da oposição na cédula, em meio à inabilitação de María Corina Machado, principal nome do grupo político que se opõe ao ditador Nicolás Maduro, e à impossibilidade de inscrição no sistema eleitoral de Corina Yoris, então escolhida para substituir María Corina.
"A Plataforma Unitária Democrática, por unanimidade, aprova a candidatura de Edmundo González Urrutia como o candidato de unidade apoiado por todos os atores da PUD", disse Omar Barboza ex-presidente da Assembleia Nacional.
"Depois de um debate respeitoso, em que participaram líderes como María Corina Machado, Manuel Rosales e todos nós, chegamos a uma conclusão que é uma decisão histórica para a democracia venezuelana. Escolhemos o próximo presidente da república, que será eleito em 28 de julho", afirmou Barboza em pronunciamento.
González Urrutia foi embaixador da Venezuela na Argélia e também assumiu o cargo máximo de uma representação diplomática de Caracas na Argentina, no início do período de Hugo Chávez no poder, no começo dos anos 2000.
María Corina, que venceu as primárias da oposição com folga no ano passado, ainda não havia falado publicamente sobre a manutenção de González Urrutia na cédula como nome unitário até a publicação deste texto. Um pronunciamento era esperado em seguida ao anúncio.
O Vente, partido de María Corina, publicou no X mensagem em que confirmava a escolha da coalizão. "Celebramos essa decisão e agradecemos a todos os venezuelanos pela confiança", diz a curta mensagem, que também fala sobre o pronunciamento esperado de María Corina.
"Total apoio a nosso amigo Edmundo González Urrutia. Tem um desafio gigantesco pela frente. No dia 28 de julho, milhões de venezuelanos votarão pela mudança na liderança da nossa Venezuela e abrirão portas para o futuro da democracia", publicou o opositor Henrique Capriles em seu perfil no X.
Inabilitada por 15 anos a ocupar cargos públicos, María Corina havia indicado a acadêmica Corina Yoris para substituí-la como candidata de unidade da oposição a Maduro.
Em março, Yoris, 80, sem experiência na política institucional, viu sua primeira tentativa frustrada ao não conseguir inscrever seu nome na plataforma eleitoral. "Fizemos todas as tentativas de inserir os dados e o sistema está completamente fechado para poder entrar digitalmente", disse ela na ocasião.
Yoris também deu seu apoio a González Urrutia. "Temos um candidato e com o apoio unânime da PUD e do MCM, e claro, com meu apoio também. União antes tudo", publicou em seu perfil no X.
Durante o processo de inscrição, foram registrados 13 candidatos, incluindo Maduro, que aspira a um terceiro mandato de seis anos. Embora nove dos candidatos se definam como antichavistas, a maior parte é rotulada pela oposição tradicional como "colaboradores" do regime.
Diante do bloqueio a Yoris, a PUD registrou González Urrutia como o nome do grupo, mas inscrito pela Mesa da Unidade Democrática (MUD), absorvida pela PUD. Segundo a aliança, no entanto, o nome de Urrutia foi inscrito de forma provisória e buscava apenas garantir representação da força no pleito até que conseguisse "inscrever sua candidata por direito".
Desde agosto de 2021, regime e oposição na Venezuela mantêm um processo de negociação com mediação da Noruega para a realização de eleições. Nos diálogos, as partes estabeleceram, por exemplo, que as eleições devem ser realizadas com lisura e com a presença de observadores internacionais.
Nos últimos meses, no entanto, a ditadura tem aprofundado a perseguição à oposição eleitoralmente robusta. Além da confirmação da inabilitação de María Corina pela Suprema Corte alinhada ao regime, a Promotoria também aliada de Maduro mandou prender adversários, muitos deles aliados próximos de María Corina.
O cerco aos adversários tem sido criticado até por aliados de Maduro, caso do colombiano Gustavo Petro, que se reuniu com opositores, e do presidente braileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O governo Lula vinha blindando Maduro de críticas, mas mudou de tom em meio aos bloqueios à oposição. No fim de março, o Itamaraty afirmou em nota que acompanhava "com expectativa e preocupação o desenrolar do processo eleitoral" em Caracas.
O regime chamou o comunicado de "cinzenta e intervencionista" e que o texto parecia ter sido "ditado pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos".
Washington, inclusive, grande alvo retórico do chavismo, decidiu em meio à perseguição à oposição venezuelana não renovar a suspensão das sanções ao setor de petróleo e gás do país sul-americano nesta quinta (18), dia em que terminou o prazo da medida, e voltou a aplicar as restrições à indústria de Caracas.
Ações anticorrupção na Lava Jato não podem ser criminalizadas, diz presidente da Transparência Internacional
Flávio Ferreira / FOLHA DE SP
Em visita ao Brasil, o presidente do conselho da Transparência Internacional (TI), François Valérian, defendeu a entidade de combate à corrupção das acusações feitas em processo no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) que investiga o acordo feito pela Petrobras na operação Lava Jato, no qual a TI atuou como conselheira.
Em entrevista à Folha, Valérian disse que as alegações no CNJ configuram mais uma situação de assédio judicial contra a entidade e não se pode permitir a "perseguição e criminalização do trabalho daqueles que lutam contra a corrupção de indivíduos poderosos".
O chefe global da TI também falou sobre como a corrupção pode prejudicar a transição energética e alertou para o risco de a China estar exportando corrupção.
Em relatório para o CNJ, a Polícia Federal afirmou que a relação de proximidade da TI com os procuradores da Lava Jato no tema do acordo com a Petrobras a "beneficiou indiretamente e a beneficiaria diretamente", por meio de uma assessoria que seria dada para a constituição de uma fundação privada, inclusive com indicação de nomes para um comitê. Segundo o relatório, em última instância, os escolhidos teriam o poder de indicar quais projetos e entidades deveriam ser beneficiadas com os repasses. Qual a posição do sr. sobre essa acusação?
Primeiro, fomos alvo das notícias falsas de que a TI estava recebendo dinheiro das multas da Lava Jato e havia estabelecido sua presença no Brasil com esse propósito. Quando ficou claro que não havíamos recebido um centavo e as pessoas perceberam que estamos presentes em mais de cem países, as notícias falsas mudaram.
A última é que a TI não recebeu nem gerenciou fundos, mas tinha a intenção de fazê-lo. A desinformação é perenemente adaptativa, enquanto o assédio se torna cada vez mais sério. Isso só pode cessar quando os direitos de expressão e associação no Brasil, previstos pela sua Constituição democrática, forem plenamente garantidos.
No mesmo relatório, a Polícia Federal levanta uma hipótese criminal de que o então procurador da República Deltan Dallagnol revelou à Transparência Internacional Brasil "informações contidas em documento preparatório que deviam permanecer em segredo relativas a minuta do acordo de assunção de compromissos entre a força-tarefa da Lava Jato e a Petrobras". Como o sr. vê essa hipótese criminal?
A principal razão da minha visita [ao Brasil] foi expressar o apoio e a confiança do movimento global da TI no trabalho ético e corajoso realizado pelo nosso capítulo brasileiro, que tem sido alvo de campanhas difamatórias e assédio judicial há cinco anos. Além disso, vim em um esforço para envolver diferentes atores para que o Brasil possa recuperar sua liderança global na luta contra a corrupção, assim como tem feito na agenda climática e na luta contra a pobreza.
Como a TI Brasil afirmou muitas vezes, os erros e excessos que inegavelmente ocorreram na Lava Jato devem ser corrigidos, quaisquer responsabilidades devidamente atribuídas e, acima de tudo, melhorias legais e institucionais promovidas para preservar e fortalecer a luta contra a corrupção, evitando que seja cooptada por interesses políticos. O que não pode ser permitido é a perseguição e criminalização do trabalho daqueles que lutam contra a corrupção de indivíduos poderosos.
Como o sr. avalia o voto do corregedor do CNJ, Luis Felipe Salomão, no qual ele afirmou que os acordos da Lava Jato instituíram uma espécie de sistema "cash back" com autoridades estrangeiras?
Nunca ouvi falar de um sistema de reembolso em cooperação criminal internacional. O que sei é que, há décadas, o mundo vem discutindo o retorno dos recursos da corrupção aos seus países de origem. Hoje, convenções já determinam isso, assim como leis nacionais, como na França.
Portanto, parece peculiar para mim que um caso de cooperação penal internacional, que resultou na efetiva sanção do maior esquema de suborno transnacional da história e no retorno de recursos significativos ao país onde as vítimas estavam, possa se tornar, ou ser interpretado, como um sistema de "cash back" da corrupção, liderado por agentes da lei.
A Transparência Internacional assinou um memorando e foi a conselheira da força-tarefa da Lava Jato no acordo com a Petrobras. Isso não indica uma posição a favor de um dos lados nos processos, no caso a favor do Ministério Público Federal, da acusação?
Não estamos tomando partido. O que a TI tem defendido é a boa governança e transparência dos acordos, esse foi e tem sido o único propósito.
O vazamento de mensagens de procuradores da Lava Jato mostrou proximidade deles com representantes da TI no Brasil. Em uma das conversas, os procuradores pediram ajuda à TI para receber autoridades venezuelanas Essa proximidade não foi inadequada?
Nosso papel é constantemente apoiar os sistemas judiciários a fazerem o trabalho contra a corrupção. Então, eu não vejo como inadequado grupos anticorrupção trabalharem com promotores ou juízes anticorrupção. Cada um com seu papel, mas sim, deve haver uma cooperação.
A TI realizou um encontro no Brasil para discutir os temas de corrupção e meio ambiente. Em quais situações eles se entrelaçam?
Primeiro, o planeta foi levado à beira de uma catástrofe climática por causa da extração de carvão, petróleo e gás ao longo dos últimos dois séculos, e a corrupção dominou essas indústrias na maior parte dos últimos dois séculos. Então, a crise climática é amplamente causada pela corrupção.
Agora, precisamos garantir a transição energética. Mas para fazer isso, precisamos ter políticas que levem a esse objetivo, e não queremos que as políticas sejam capturadas pelos interesses privados que abusam do lobby oculto para capturar políticas.
Temos essa grande transição energética que está criando uma nova economia inteira. E essa economia é baseada em produzir eletricidade com mais vento e sol e produzir mais eletricidade como um todo. Mas para fazer tudo isso, precisamos de minerais e estamos de volta aos problemas que têm sido associados à mineração ao longo dos últimos dois séculos. Estamos vendo uma corrida mineradora com riscos de corrupção, riscos de colusão entre poderes públicos e interesses privados, riscos de comunidades locais que estão sendo desrespeitadas.
Portanto, a corrupção está realmente no coração da nossa luta contra a crise climática.
No índice de percepção de corrupção da TI, a China está em 76º lugar. Este índice pode estar distorcido pelo fato de não haver liberdade de expressão no país?
O que sabemos sobre a China é uma visão muito parcial. Vemos que o governo chinês está conduzindo campanhas contra a corrupção internamente, você tem líderes políticos que estão sendo presos. Mas o que a China está fazendo contra a corrupção que está sendo praticada por suas empresas no exterior? O que o governo chinês está fazendo contra a corrupção que o próprio governo está praticando no exterior? Não é suficiente se você age contra a corrupção internamente e não contra a corrupção que está sendo praticada por seus próprios agentes no exterior. Você está simplesmente exportando corrupção.
A Transparência Internacional tem alertado sobre o problema da impunidade. O sr. avalia que esse problema na América Latina está mais relacionado aos agentes de investigação, como a polícia ou o Ministério Público, ou acha que está mais ligado ao Judiciário?
O problema da impunidade está relacionado à falta de separação de Poderes e à falta de força do sistema Judiciário. Em muitos países há essa dificuldade em garantir uma aplicação eficiente da justiça. O que observamos em um certo número de países são retrocessos. Observamos no Brasil que evidências foram anuladas no caso Odebrecht e Lava Jato recentemente, que multas estão sendo suspensas. Isso é preocupante porque o Brasil deveria desempenhar um papel importante na luta mundial contra a economia global da corrupção, dado o tamanho econômico do Brasil, dada a importância geopolítica do Brasil. Então, o Brasil deveria desempenhar esse papel, e bem, não é exatamente o caso agora.
Os casos de irregularidades no sistema financeiro reveladas pela investigação jornalística conhecida como Panamá Papers de 2016 começaram a ser julgados neste mês. Depois dessas revelações ocorreram melhorias no sistema financeiro internacional?
Houve uma melhoria clara no sistema financeiro, mas não é suficiente. E não é apenas o sistema financeiro que está em jogo aqui. Também é a infraestrutura legal, porque os Panama Papers vieram de escritórios de advocacia. E em todos os países, os advogados também têm que lutar contra a lavagem de dinheiro e contra a economia global da corrupção. Portanto, ainda há muito espaço para melhorias no setor legal, e também no setor financeiro, e talvez ainda mais entre os gestores de fundos, as pequenas boutiques de investimento, que estão um pouco abaixo do radar.
O jornalista viajou a convite da Transparência Internacional
RAIO-X | FRANÇOIS VALÉRIAN, 59
Na Transparência Internacional há 16 anos, o francês tomou posse como presidente do conselho da entidade em 2023. Sua atuação na TI começou no secretariado em Berlim, na Alemanha, onde liderou programas de integridade corporativa e iniciou trabalho da entidade junto ao G20 para regulação financeira e anticorrupção. Desde 2019 é do conselho internacional da TI.
É engenheiro com PhD em história (graduações na Ecole Polytechnique e na Ecole des Mines de Paris).
Antes da Transparência Internacional, trabalhou no serviço público francês e na iniciativa privada (atuou no banco BNP Paribas e na empresa Accenture). Foi professor de regulação e controles financeiros na École des Mines de Paris.
Medidas ditatoriais não cabem numa democracia
Precisamos voltar ao trilho de normalidade da democracia. Estamos tentando fazer, numa democracia, um controle que só as ditaduras fazem. Tem que haver uma diferença do que é um ataque à instituição, ataque criminal, calunia, difamação e o que é um comentário de quem é contra o governo, ou discorda de alguma ação da Corte.
Por Merval Pereira / O GLOBO
Há uma clara tendência do STF e TSE, que se misturam por causa do ministro Alexandre de Moraes, de tentar controlar as mensagens, notícias e comentários das redes sociais de maneira definitiva. E nessa cruzada, o ministro tem cometido alguns excessos, sem analisar muito o que pode e o que não pode ser visto como interferência indevida em diversos processos.
Ao assumir a presidência do TSE, como ministro do STF relator dos processos sobre fake News, Alexandre de Moraes deu cumprimento a ordens de um órgão subordinado a ele. Há um conflito de interesses e o prejudicado pode argumentar que o ministro está agindo de maneira errada.
Os ministros estão convencidos de que estão salvando a democracia. Salvaram, realmente, mas é preciso parar um dia. Ou se está na China, num regime ditatorial, onde o governo controla as comunicações, ou nas redes sociais vai passar alguma mensagem que não agrade ao ministro.
Tem que haver uma diferença do que é um ataque à instituição, ataque criminal, calunia, difamação e o que é um comentário de quem é contra o governo, ou discorda de alguma ação da Corte. Precisamos voltar ao trilho de normalidade da democracia. Estamos tentando fazer, numa democracia, um controle que só as ditaduras fazem.
Ministros não podem continuar comentando publicamente assuntos que vão julgar. Não é possível que se sintam liberados para tudo. Claro que nunca tivemos uma tentativa de golpe de Estado tão clara, mas existe um limite. A situação já está controlada; não se pode ter medidas ditatoriais numa democracia, por mais razão que se tenha.