Governo vai usar qualquer buraco que achar para gastar mais, diz José Márcio Camargo
Por Daniel Weterman / O ESTADÃO DE SP
BRASÍLIA – O arcabouço fiscal não vai se sustentar com o aumento de gastos projetado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, afirma o economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo.
O analista diz que despesas como as de saúde e educação, que possuem porcentuais mínimos exigidos pela Constituição, precisam ser revistas. “É um equívoco completo corrigir saúde e educação pela receita. É impossível gerar equilíbrio fiscal com esse arcabouço”, afirma Camargo em entrevista ao Estadão.
Além disso, ele avalia que a dinâmica atual das contas públicas, sobretudo após a revisão para baixo das metas fiscais de 2025 e 2026, deve limitar a queda dos juros no Brasil. “Dado o que está acontecendo, o tamanho da desvalorização cambial e o diferencial de juros entre o Brasil e os Estados Unidos, está ficando cada vez mais provável que a queda da Selic pare antes.”
Qual sua visão sobre o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025?
Mudar a meta fiscal agora, menos de um ano depois de anunciado o arcabouço, mostra que o governo não tem tanto compromisso com as metas que ele próprio determinou. A reação dos mercados foi muito ruim e isso pode afetar a trajetória da Selic (taxa básica de juros). Você não precisa atingir a meta; você precisa deixar claro que está perseguindo a meta. Se na hora que você tem a primeira dificuldade você muda a meta, os agentes olham e falam: o compromisso que esse governo tem não é muito forte.
Qual seria o efeito para os juros?
Nosso cenário atual é o fim do ciclo de queda da Selic em 9,5% (ao ano), mas eu acho que está começando a ficar menos provável. Dado o que está acontecendo, o tamanho da desvalorização cambial que já aconteceu e o diferencial de juros entre o Brasil e os Estados Unidos, está ficando cada vez mais provável que a queda da Selic pare antes (em uma taxa maior).
A agenda focada em aumento de arrecadação se exauriu?
É uma agenda errada; mas, independentemente disso, acho que ela está no limite. Pode ter uma coisa ou outra a mais, mas a sociedade começa a reagir a essa ansiedade de aumentar impostos. Não importa se o Fernando Haddad (ministro da Fazenda) diz que é sobre os mais ricos; a sociedade não percebe dessa forma. Aumento de imposto é aumento de imposto. Uma das razões para a queda de popularidade do governo é exatamente esse programa de aumentar impostos para financiar aumento de gastos.
A eleição municipal e a eleição de 2026 tendem a piorar esse quadro?
O diagnóstico do governo sobre a queda de popularidade é que ele está fazendo os programas, mas a comunicação está mal feita. Eu acho esse diagnóstico equivocado. Esse governo tem uma característica curiosa que é o fato de que ele está ficando precocemente velho. Todos os programas são de governos anteriores do PT, o único novo é o arcabouço fiscal, que é exatamente esse programa de aumentar impostos para aumentar gastos. Se eles persistirem nessa trajetória, vai continuar afetando negativamente. O risco é piorar cada vez mais o cenário e a solução ser mais aumento de gastos, piorando a situação ali na frente.
O governo espera que o PIB ajude a estabilização da dívida. Isso pode acontecer?
As estatísticas e as suposições feitas no projeto da LDO são muito otimistas. Há pressupostos extremamente otimistas sobre Selic, taxa de câmbio, crescimento do PIB nominal (sem contar a inflação) e taxa de inflação. São hipóteses que, muito provavelmente, não vão se concretizar – e a dívida/PIB só vai se estabilizar lá em 2033. É muito pouco provável que você consiga estabilizar a relação dívida/PIB com esse arcabouço fiscal.
Os furos no antigo teto de gastos ensinaram o caminho para furar o novo arcabouço?
O teto durou quatro anos (antes de sofrer alterações), foi muito mais permanente. Tinha problemas, era difícil, mas conseguiu fazer uma coisa que nenhum governo pós-democratização conseguiu. O presidente Bolsonaro foi o primeiro a conseguir conter o crescimento do gasto público abaixo do crescimento do PIB. Por isso que todo mundo era contra o teto: ele era efetivo. O teto forçou o governo a fazer reformas, não dar aumento real para o salário mínimo e mudar a regra de reajuste de saúde e educação. O arcabouço destruiu uma parte desses ganhos que tivemos com o teto.
A equipe econômica está propondo uma discussão sobre os pisos de saúde e educação. É factível?
Todo mundo no governo é contra. Eu não sei por que eles mudaram isso quando aprovaram a PEC da Transição. É um equívoco completo corrigir saúde e educação pela receita. Isso significa que esses gastos vão estar sempre crescendo em termos reais (acima da inflação) mais do que a receita. É impossível gerar equilíbrio fiscal com esse arcabouço.
A Câmara aprovou uma antecipação de gasto extra este ano. Tudo indica que o governo vai usar também em 2025, mas tem uma trava na LDO condicionando à receita. Isso ajuda?
O problema foi antecipar os R$ 15,7 bilhões. A antecipação já mostra que não existe nenhum compromisso em evitar aumento de gasto. O grande problema desse governo é este: é um governo que tem por objetivo aumentar gastos e aumentar impostos para financiar o aumento de gastos. Se esse é o objetivo, qualquer buraco que o governo conseguir encontrar na legislação vai ser usado, como essa antecipação. Mesmo que seja condicionando à receita, eles vão tentar. Se chegar lá e precisar, eles mudam.
Como o sr. avalia a revisão de gastos apresentada no projeto da LDO?
É muito tímida. Eu acho que não existe muito apoio no governo para fazer revisão de gasto. É difícil fazer. Tem que diminuir gasto com determinada coisa e aumentar com outra. Quando você faz isso, afeta as pessoas que ganhavam aquele dinheiro e vão parar de ganhar. Em geral, são lobbies fortes e pesados. Não é uma tarefa fácil e está engatinhando. Eu posso estar enganado, mas não me parece que vai ter um grande sucesso.
O que precisa ser feito?
Precisa ter um programa de redução de gastos. O arcabouço criou um mecanismo de aumento de carga tributária para pagar o aumento de gastos que já estavam aprovados na PEC da Transição. Não existe nenhuma tentativa de reduzir gastos públicos. Sem reduzir, não vai conseguir gerar estabilidade na relação dívida/PIB. Tem que começar a trabalhar no lado do gasto.
A equipe econômica precisa evidenciar de forma mais efetiva a necessidade de reduzir gasto?
Eu acho que eles acreditam nisso (no programa de aumentar gastos). O Lula já falou que não quer reduzir gastos. Quando foi apresentado o arcabouço fiscal, ele disse que não vai reduzir gastos porque não quer reduzir investimentos, ponto final. Ele não quer mexer no Minha Casa, Minha Vida, não quer mexer no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Planalto e Congresso devem prestar atenção a Haddad
O GLOBO
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seus ministros e os parlamentares deveriam ouvir com atenção o que tem a dizer o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para trazer um mínimo de racionalidade às medidas com impacto nas contas públicas. A mudança nas metas fiscais de 2025 e 2026, aparentemente uma concessão de Haddad, já deteriorou a credibilidade do governo. O pior que Planalto e Congresso poderiam fazer agora é acreditar que está aberta uma nova temporada de gastos sem limite.
Deputados e senadores são antenas da sociedade. É natural que verbalizem demandas dos grupos que representam. Também são legítimas as tentativas do Executivo de pôr em marcha seu programa de governo. O que não pode acontecer é um e outro adotarem medidas em favor de grupos de interesse sem lastro algum. A responsabilidade fiscal é obrigação não somente do Executivo, como Haddad costuma lembrar. A História ensina que “pautas- bombas” teimam em explodir no colo do povo. Aqueles que ainda insistem em causar dano às contas públicas precisam ser informados da realidade.
Desde o início do ano, apesar dos recordes de arrecadação e do quadro róseo pintado em gabinetes de Brasília, o dólar já subiu 8%. Embora o efeito ainda não seja sentido na inflação, o Banco Central emitiu sinais de que haverá redução no ritmo de queda dos juros. A guerra no Oriente Médio pressiona o petróleo e a inflação, levando o Fed, banco central americano, a movimento parecido. Os juros demorarão mais a cair nos Estados Unidos do que se acreditava antes. Tudo isso significa que o dinheiro ficou mais caro — e não haverá o alívio que tornaria o Brasil atraente para os investidores.
Com a aprovação do novo arcabouço fiscal, o governo Lula havia transmitido um recado de compromisso com o controle da dívida pública. Apesar dos mecanismos de contenção embutidos no arcabouço, ele deixou aberta uma brecha para mais gastos: mudar as metas. A alteração anunciada neste mês alonga o prazo para equilíbrio do endividamento. O acúmulo de despesas já leva o mercado a prever déficit de 0,8% do PIB neste ano — a meta é zero. A especulação de que o governo alterará também a meta de 2024 transmite ainda mais insegurança.
O certo teria sido um cronograma de ajuste mais curto, respeitando as regras do arcabouço que o próprio governo elaborou. Tudo aquilo de que o país não precisa são mais mudanças ou descumprimento das metas. Para evitar isso, é crucial o Congresso parar de fingir que conta com orçamento infinito. Se apostarem no aumento das despesas para prejudicar o Executivo, os congressistas acertarão os cidadãos.
Duas ideias em tramitação exigem atenção. A primeira é a absurda proposta de restaurar reajustes salariais automáticos para juízes e procuradores, a custo estimado em até R$ 42 bilhões anuais. A outra é derrubar o veto de Lula a R$ 5,6 bilhões em emendas parlamentares (as emendas subiram de R$ 7 bilhões em 2016 para mais de R$ 50 bilhões neste ano; os parlamentares não precisam de mais). Haddad tentará convencer os congressistas a abandonar essas e outras medidas que contribuem para degradar ainda mais o quadro fiscal. Diante do ambiente desafiador, o Congresso e o próprio Planalto precisam se conscientizar da importância de conter gastos e recobrar a confiança na responsabilidade do governo com as contas públicas.
Pesquisa Ipec: 42% dos brasileiros acreditam que atuação do governo nas áreas de segurança e saúde é ruim ou péssima
Por Nicolas Iory— Rio de Janeiro / O GLOBO
A baixa popularidade atual no governo de Luiz Inácio Lula da Silva é puxada, principalmente, pelas áreas da segurança pública e da saúde, que têm avaliação ruim ou péssima para 42% de entrevistados por nova pesquisa Ipec, além da inflação e o combate ao desemprego. Os dados mostram que, dentre oito áreas da gestão petista, apenas a educação obtém mais avaliações positivas do que negativas.
Os novos resultados aferidos pelo Ipec se somam a uma maré ruim para o governo Lula em termos de aprovação popular. A pesquisa de março feita pelo instituto que sucedeu o Ibope mostrou que, pela primeira vez desde a posse do petista, a parcela dos brasileiros que aprovam a atual gestão (33%) equivale estatisticamente à dos que o reprovam (32%).
A segurança pública sofreu uma crise de imagem decorrente da fuga de dois presos (só recapturados após 51 dias) da Penitenciária Federal de Mossoró. A avaliação de 42% entre ruim ou péssima se repete para a atuação do governo na saúde, área comandada pela ministra Nísia Trindade — que enfrenta uma epidemia de dengue e é hoje o principal alvo do Centrão na Esplanada.
O melhor resultado foi a educação, que tem resultados considerados “bons” ou “ótimos” por 38% da população, contra 31% que os avaliam como “ruins” ou “péssimos”. São 28% os que classificam os esforços do Executivo federal nesse aspecto como “regulares”.
A área comandada pelo ministro Camilo Santana tem a seu favor o programa Pé-de-Meia, que dá incentivo financeiro a alunos matriculados no ensino médio e já se posta como uma das principais marcas do terceiro mandato de Lula na Presidência. O programa beneficia a população de baixa renda, justamente o grupo que melhor avalia a gestão da educação: entre quem vive com até um salário mínimo por mês, 50% aprovam os rumos do país na área, enquanto 25% reprovam.
Já a abordagem do governo frente ao aumento dos preços é “ruim” ou “péssima” para 46% dos entrevistados, o dobro do percentual dos que a consideram “boa” ou “ótima” (23%). Outros 28% disseram avaliar o desempenho do Executivo federal como “regular”.
Inflação é vilão n° 1
A despeito de a inflação oficial acumulada nos últimos 12 meses (de 3,93% até março) estar abaixo do teto da meta, a percepção de que serviços e produtos estão mais caros permeia todos os estratos da população. Dentre os mais ricos, que ganham acima de cinco salários mínimos por mês, 59% acham que o governo vai mal no controle da inflação. A taxa é menor entre os mais pobres (37%), mas mesmo nesse grupo a insatisfação também supera o percentual dos que veem um “bom” ou “ótimo” desempenho do governo.
Márcia Cavallari, CEO do Ipec, avalia que mesmo que os indicadores expressem que há melhora em relação ao fim do governo anterior de Jair Bolsonaro, os resultados até aqui não foram suficientes para atender às expectativas criadas nas eleições.
Visando interromper a série de quedas na popularidade, o presidente realizou no mês passado sua primeira reunião ministerial no ano para cobrar mais entregas e uma melhora na comunicação do governo. O Planalto lançou este mês uma campanha publicitária com o slogan “É bom pra todo mundo”, conforme havia antecipado o colunista Lauro Jardim. As peças dessa ofensiva de marketing furaram a fila da campanha com o mote “Fé no Brasil”, que estava sendo engendrada com foco no público evangélico.
— Comunicar não é a solução. A população tem que sentir no bolso que a situação está melhor. E, para mudar essa percepção, o efeito tem que ser longo e duradouro. Não é imediato — avalia Cavallari.
O otimismo dos brasileiros em relação à economia do país, mostra o Ipec, já foi maior. Hoje, 40% das pessoas acham que a situação econômica estará melhor daqui a seis meses, enquanto 31% são pessimistas quanto a isso. Quando o mesmo questionamento foi feito em setembro do ano passado, 51% diziam acreditar na melhora, contra 27% que projetavam piora.
— As expectativas em relação à situação econômica do país são positivas, mas bem menores do que já foram. É necessário que essa expectativa se consolide para que possa haver uma reversão da tendência observada até aqui. A população precisa de resultados concretos perceptíveis no seu dia a dia — diz a CEO do Ipec.
Os preços dos alimentos são, ao lado das contas de consumo, os que mais assustam a população. Para 79% dos entrevistados, o custo da comida aumentou nos últimos meses, enquanto 76% dizem que o valor da fatura da água, da luz ou do gás subiu. Também há percepção majoritária de que houve alta nos preços de combustíveis e aluguéis recentemente.
Essa percepção negativa em relação à trajetória dos preços surte efeitos práticos na hora de fazer a economia girar. Segundo o Ipec, 89% dos brasileiros dizem que agora pesquisam mais os preços antes de fazer compras, e 61% afirmam que adiaram planos mais caros nos últimos meses. Dois terços (69%) também declaram ter trocado produtos que costumavam comprar por outros mais baratos.
Eleitor nem-nem é crítico
A pesquisa mostra que a maioria dos eleitores que declaram ter votado nulo ou em branco no segundo turno da última eleição presidencial considera que a situação econômica do país está igual ou pior que há seis meses.
Nesse grupo, 41% avaliam que a economia andou de lado nos últimos seis meses, enquanto 37% acham que houve piora. Considerando a margem de erro, os dois grupos são estatisticamente equivalentes. Outros 19% acreditam que a economia melhorou no período.
Já lulistas e bolsonaristas divergem também nesse ponto. Para 66% dos que apoiaram Bolsonaro, a economia está pior, e 9% apontam melhora. Entre lulistas, as taxas praticamente se invertem: 10% admitem deterioração do quadro econômico, enquanto 60% dizem que a economia está melhor.
O Ipec entrevistou 2.000 eleitores de 129 municípios entre 4 e 8 de abril. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou menos, para um nível de confiança de 95%.
Educação é a única área da gestão Lula com saldo positivo na avaliação, e combate à inflação é a pior, aponta Ipec
Por Nicolas Iory— Rio de Janeiro / O GLOBO
Em um momento no qual o governo de Luiz Inácio Lula da Silva enfrenta baixa popularidade, dados de nova pesquisa do Ipec mostram que, dentre oito áreas da gestão petista, apenas a educação obtém mais avaliações positivas do que negativas. Já em relação aos demais segmentos, os que mais se revelam como pontos de atenção para o Palácio do Planalto são o controle da inflação, a segurança pública, a saúde e o combate ao desemprego.
A atuação do governo na área da educação tem resultados considerados “bons” ou “ótimos” por 38% da população, contra 31% que os avaliam como “ruins” ou “péssimos”. São 28% os que classificam os esforços do Executivo federal nesse aspecto como “regulares”.
A área comandada pelo ministro Camilo Santana tem a seu favor o programa Pé-de-Meia, que dá incentivo financeiro a alunos matriculados no ensino médio e já se posta como uma das principais marcas do terceiro mandato de Lula na Presidência. O programa beneficia a população de baixa renda, justamente o grupo que melhor avalia a gestão da educação: entre quem vive com até um salário mínimo por mês, 50% aprovam os rumos do país na área, enquanto 25% reprovam.
Inflação é vilão n° 1
Já a abordagem do governo frente ao aumento dos preços é “ruim” ou “péssima” para 46% dos entrevistados, o dobro do percentual dos que a consideram “boa” ou “ótima” (23%). Outros 28% disseram avaliar o desempenho do Executivo federal como “regular”.
A despeito de a inflação oficial acumulada nos últimos 12 meses (de 3,93% até março) estar abaixo do teto da meta, a percepção de que serviços e produtos estão mais caros permeia todos os estratos da população. Dentre os mais ricos, que ganham acima de cinco salários mínimos por mês, 59% acham que o governo vai mal no controle da inflação. A taxa é menor entre os mais pobres (37%), mas mesmo nesse grupo a insatisfação também supera o percentual dos que veem um “bom” ou “ótimo” desempenho do governo.
Márcia Cavallari, CEO do Ipec, avalia que mesmo que os indicadores expressem que há melhora em relação ao fim do governo anterior de Jair Bolsonaro, os resultados até aqui não foram suficientes para atender às expectativas criadas nas eleições.
Frente à crise de imagem decorrente da fuga de dois presos (só recapturados após 51 dias) da Penitenciária Federal de Mossoró, a segurança pública é mal avaliada por 42% dos brasileiros. É o mesmo percentual dos que consideram “ruim” ou “péssima” a atuação do governo na saúde, área comandada pela ministra Nísia Trindade — que enfrenta uma epidemia de dengue e é hoje o principal alvo do Centrão na Esplanada.
Os novos resultados aferidos pelo Ipec se somam a uma maré ruim para o governo Lula em termos de aprovação popular. A pesquisa de março feita pelo instituto que sucedeu o Ibope mostrou que, pela primeira vez desde a posse do petista, a parcela dos brasileiros que aprovam a atual gestão (33%) equivale estatisticamente à dos que o reprovam (32%).
Visando interromper a série de quedas na popularidade, o presidente realizou no mês passado sua primeira reunião ministerial no ano para cobrar mais entregas e uma melhora na comunicação do governo. O Planalto lançou este mês uma campanha publicitária com o slogan “É bom pra todo mundo”, conforme havia antecipado o colunista Lauro Jardim. As peças dessa ofensiva de marketing furaram a fila da campanha com o mote “Fé no Brasil”, que estava sendo engendrada com foco no público evangélico.
— Comunicar não é a solução. A população tem que sentir no bolso que a situação está melhor. E, para mudar essa percepção, o efeito tem que ser longo e duradouro. Não é imediato — avalia Cavallari.
O otimismo dos brasileiros em relação à economia do país, mostra o Ipec, já foi maior. Hoje, 40% das pessoas acham que a situação econômica estará melhor daqui a seis meses, enquanto 31% são pessimistas quanto a isso. Quando o mesmo questionamento foi feito em setembro do ano passado, 51% diziam acreditar na melhora, contra 27% que projetavam piora.
— As expectativas em relação à situação econômica do país são positivas, mas bem menores do que já foram. É necessário que essa expectativa se consolide para que possa haver uma reversão da tendência observada até aqui. A população precisa de resultados concretos perceptíveis no seu dia a dia — diz a CEO do Ipec.
Os preços dos alimentos são, ao lado das contas de consumo, os que mais assustam a população. Para 79% dos entrevistados, o custo da comida aumentou nos últimos meses, enquanto 76% dizem que o valor da fatura da água, da luz ou do gás subiu. Também há percepção majoritária de que houve alta nos preços de combustíveis e aluguéis recentemente.
Essa percepção negativa em relação à trajetória dos preços surte efeitos práticos na hora de fazer a economia girar. Segundo o Ipec, 89% dos brasileiros dizem que agora pesquisam mais os preços antes de fazer compras, e 61% afirmam que adiaram planos mais caros nos últimos meses. Dois terços (69%) também declaram ter trocado produtos que costumavam comprar por outros mais baratos.
Eleitor nem-nem é crítico
A pesquisa mostra que a maioria dos eleitores que declaram ter votado nulo ou em branco no segundo turno da última eleição presidencial considera que a situação econômica do país está igual ou pior que há seis meses.
Nesse grupo, 41% avaliam que a economia andou de lado nos últimos seis meses, enquanto 37% acham que houve piora. Considerando a margem de erro, os dois grupos são estatisticamente equivalentes. Outros 19% acreditam que a economia melhorou no período.
Já lulistas e bolsonaristas divergem também nesse ponto. Para 66% dos que apoiaram Bolsonaro, a economia está pior, e 9% apontam melhora. Entre lulistas, as taxas praticamente se invertem: 10% admitem deterioração do quadro econômico, enquanto 60% dizem que a economia está melhor.
O Ipec entrevistou 2.000 eleitores de 129 municípios entre 4 e 8 de abril. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou menos, para um nível de confiança de 95%.
A bagunça dos planos de saúde
Elio Gaspari / FOLHA DE SP
A repórter Cláudia Collucci contou o caso de Martha Treco, uma senhora de 102 anos que paga R$ 9.300 por mês à Unimed e recebeu um aviso de que seu plano de saúde foi cancelado. Grotesco, o episódio foi contornado, mas serve para mostrar a bagunça que vigora nesse mercado, prejudicando dezenas de milhares de pessoas. Vale recapitulá-lo:
A senhora é freguesa da Unimed desde 2009 e, no dia 28 de março, recebeu uma carta informando que "apesar de todos os nossos esforços para a manutenção da sua permanência", o plano "será cancelado a partir de 1° de maio de 2024."
Seu filho procurou a empresa e foi informado de que a Unimed estava no direito de cancelar o contrato. Como a Unimed disse numa nota, a empresa cumpre rigorosamente as leis e as normas da Agência Nacional de Saúde Suplementar. Essa é a verdade, amparada pela ANS. Se uma senhora de 102 anos paga um plano coletivo ou de adesão desde 2009, ela pode ser cancelada, ponto. Não há nada a negociar, nem se oferecem alternativas. Como se chegou às leis e normas que geram situações como essa é outra história.
Quando a família da senhora procurou a imprensa, o jogo virou. As leis e normas da ANS foram às favas e a Unimed telefonou avisando que o plano de saúde da senhora será mantido. Se a repórter não tivesse contado o caso, ele iria para baixo do tapete. Lá estão boa parte das 3.848 reclamações contra planos de saúde apresentadas no ano passado à ANS. Num só escritório de advocacia de São Paulo, nos três primeiros meses do ano, os litígios com planos passaram de 42 em 2023, para 119. Pudera, outra operadora, a Hapvida já foi apanhada desrespeitando até mesmo liminares da Justiça.
O mercado de operadoras de saúde privadas está povoado por coitadinhos profissionais. Somando má administração com excesso de confiança, a gigante americana UnitedHealth foi-se embora do Brasil, reclamando. Do mercado, vem a queixa de que de 2021 a setembro do ano passado, o setor teve um prejuízo operacional de R$ 18 bilhões e isso resultará num enxugamento dos serviços. Tudo bem, mas em 2020, as operadoras lucraram R$ 18,7 bilhões. Além disso, a Agência Nacional de Saúde informa que em 2023, 74% das empresas (705 operadoras) tiveram um lucro líquido de R$ 2,9 bilhões.
Quem ficou no prejuízo deveria pesquisar a gestão da empresa em vez de reclamar, para tungar a clientela. Além disso, todo o setor padece da ausência adequada de controles de custos, confiando em fontes de advocacia auricular na ANS, no Congresso e nos escurinhos de Brasília.
Quando a Unimed informa que cancelou o plano da senhora de 102 anos respeitando as leis, é porque essas leis (e as normas) são escritas para ferrar a freguesia.
VAMOS ENTENDER:Brasil hoje é governado com base na pirraça, na vingança e no rancor nos Três Poderes
Por Ricardo Corrêa / O ESTADÃO DE SP
Por onde se olha, no Executivo, no Legislativo ou no Judiciário, o que se vê é um país governado ou movimentado por pirraças, rancores e vinganças. É o que dá o tom dos temas que dominam os debates, declarações e decisões que, em uma democracia saudável e pacificada, tenderiam a ser baseados nos ideais de interesse público.
Exemplo claro dessa gestão baseada nos revides se dá nas atuações de Rodrigo Pacheco e, sobretudo, Arthur Lira, no comando das duas Casas no Congresso. Lira, por exemplo, irritado com a perda de espaço no governo, a briga pessoal com Alexandre Padilha, e com o fato de que teima em não aceitar o esvaziamento de sua força diante do inevitável fim do mandato no comando da Mesa, inventou de resgatar CPIs inócuas sobre assuntos debatidos cotidianamente, sem fatos determinados, que, como as demais recentemente realizadas no Congresso, não vão levar o país a nenhuma solução prática. Tudo, claro, para fustigar o governo e mostrar que ele ainda pode atrapalhar bastante qualquer pauta que Lula queira levar adiante. Em uma das CPIs, também move uma peça no sentido de se vingar do Supremo Tribunal Federal (STF) após decisões que levaram a buscas em gabinetes de parlamentares e à prisão do deputado Chiquinho Brazão, acusado de matar Marielle Franco.
O estilo vingativo de Lira, embora emblemático, se assemelha ao sentimento de grande parte dos parlamentares atualmente, na mesma cruzada contra o STF. Tanto na Câmara quanto no Senado, onde o presidente Rodrigo Pacheco, desde que foi avisado de que não seria indicado pelo governo a uma vaga na Corte e que seu futuro estava em uma disputa eleitoral de 2026, passou a também confrontar o STF com decisões que agradam ao público e à bancada bolsonarista. Foi o que se deu na votação da PEC das Drogas, criada e votada às pressas apenas para peitar o debate em andamento na Corte.
O próprio STF também parece agir com rancor e vingança em primeiro plano, que empurra penas excessivamente altas aos executores utilizados para os ataques de 8 de janeiro, que muda suas decisões para puxar de volta inquéritos contra políticos para tê-los nas mãos ou enfia tudo o que envolve ilícitos e supostos ilícitos praticados por Bolsonaro e sua trupe em um inquérito só, comandado justamente pelo principal alvo do bolsonarismo: o ministro Alexandre de Moraes. Também no STF e em outros espaços do Judiciário controlados por aliados de Moraes e Gilmar, há um claro sentimento de vingança e rancor com a Lava Jato que, entre erros (foram muitos) e acertos (igualmente), ousou desafiar o topo da classe política e flertou com investigações contra integrantes do próprio Judiciário.
Também Lula chegou inegavelmente ao poder movido por um sentimento de vingança contra Sergio Moro e a Lava Jato, que impuseram a ele mais de 580 dias preso na Superintendência da Polícia Federal no Paraná. A ponto de ter dito publicamente que, enquanto preso, afirmava que só estaria tudo bem ao “f… o Moro”.
Mas fosse apenas o embate contra um hoje senador com pouca expressão e articulação no Congresso, seria menos pior. O aspecto de vingança, pirraça e rancor no governo a afetar a imagem e a vida do brasileiro se dá no cenário externo. Movido pela ideia de que os norte-americanos tiveram papel preponderante na Lava Jato (seu entorno acha que tudo não passou de uma conspiração de americanos com a turma de Curitiba para quebrar players brasileiros no exterior), Lula resolveu romper a histórica relação de aliança entre o Brasil e os Estados Unidos para se alinhar a um outro bloco de países que inclui China, Rússia, Irã e mais uma penca de Nações que se unem na denominação de “Sul Global”. Na mesma linha da pirraça e rancor estão os embates com Israel, um aliado dos americanos e que foi usado como bandeira pelo bolsonarismo evangélico. Fosse pragmático e não agisse com o fígado, Lula não teria tirado o país da posição que sempre esteve nos conflitos no Oriente Médio: a de defensor da solução pacífica dos conflitos, com repúdio frontal ao terrorismo. O mesmo vale para o conflito entre os invasores russos e os ucranianos.
Onde mais uma gestão baseada no rancor, com uma guerra geral entre os representantes dos Três Poderes, vai nos levar? Dificilmente será na superação do cenário fiscal difícil que se avizinha, do alastramento do crime organizado se transformando em máfia, ou da epidemia de dengue. Problemas suficientes para render prioridade e atenção de nossos governantes se não estivessem hoje movidos por vingança.