Projetos frágeis para segurança surgem a reboque de crises
Projetos federais de segurança pública costumam reagir a crises episódicas, são suscetíveis a descontinuidades conforme o governo de turno e, não raro, apresentam resultados apenas pontuais.
Falta ao país uma política nacional sólida que vise integrar princípios, objetivos e diretrizes, a ser encampada com o mínimo de uniformidade pelos estados para reprimir o indiscutível avanço do crime organizado.
A inabilidade em lidar com o tema —segunda principal preocupação dos brasileiros, só atrás da saúde, de acordo com pesquisa Datafolha de 2023— é reconhecida pela própria esquerda, que observa o domínio dessa agenda entre as forças conservadoras, nas quais grassam vieses populistas.
No cenário atual, em que coexistem 72 facções criminosas e algumas delas rompem fronteiras regionais e internacionais, causa espécie constatar que propostas em curso, apresentadas pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tendem a ser limitadas ou de alcance duvidoso.
Talvez até por isso pelo menos dez delas dormitam no Congresso ou no próprio Planalto. Atribui-se a morosidade na tramitação à gestão federal: apesar de lançá-las em eventos pomposos, não demonstra empenho em aprová-las para evitar supostos ruídos com a pauta econômica.
Não faltaram crises episódicas neste governo, como a invasão das sedes dos Poderes em 8 de janeiro de 2023, queimadas intencionais, escalada da violência no Rio de Janeiro e na Bahia e ataques solitários a escolas.
Quanto a este último caso, a Câmara aprovou tornar esses atentados crimes hediondos, o que está longe de ser medida eficaz.
Outros projetos soam vagos, como agilizar a investigação de delitos contra a vida de crianças e adolescentes, ou no mínimo duvidosos, como criar uma Guarda para proteger prédios federais.
Em tese, o que mais se aproxima de um esboço de política de Estado para o setor é a PEC da Segurança, há meses na gaveta do Executivo e já alvo de críticas de governadores oposicionistas, que temem perder suas autonomias.
A bem-vinda busca por uma concertação republicana entre União, estados e mesmo municípios não impõe, necessariamente, mudanças constitucionais.
O diálogo com os estados começou tardiamente e é contaminado por implicações ideológicas e eleitoreiras, mas há tempo para dar início a um plano de ação de longo prazo que priorize investimentos em prevenção e a articulação de políticas conjuntas.
O crime organizado já demonstra integração mais assertiva.
Gonet bate martelo e só apresentará denúncia contra Bolsonaro em 2025
Mônica Bergamo / FOLHA DE SP
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, bateu o martelo: ele só vai apresentar no próximo ano a denúncia contra Jair Bolsonaro (PL) por participar de uma tentativa de golpe de Estado no país.
NO DETALHE
Gonet pretende estudar de forma detalhada o inquérito da Polícia Federal para, depois disso, enquadrar o ex-presidente nos crimes que a PF conseguir comprovar. Os procuradores sabem que o caso tem ampla exposição, e que é necessário ser até excessivamente cuidadoso e preciso na denúncia.
AMPULHETA
Eles querem evitar também um grande intervalo entre a apresentação da denúncia e o julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) —que entra em recesso em dezembro.
EU ACUSO
A PF afirmou em seu relatório que Bolsonaro, e outras 36 pessoas, cometeram os crimes de abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa. Eles negam que tenham tentado dar um golpe no Brasil.
ESTRELAS
Do total de indiciados, 25 são militares. Entre eles há estrelas como Braga Netto e Augusto Heleno.
A judoca Bia Souza foi homenageada na 22ª edição do Troféu Raça Negra, na última quarta (20). A atriz Isabel Fillardis marcou presença no evento realizado no Espaço Unimed, zona oeste da capital paulista. A presidente do prêmio, Francisca Rodrigues, recebeu o reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, José Vicente, o carnavalesco e sambista Thobias da Vai-Vai e o atleta velocista Robson Caetano na premiação.
G20 traz mistura de celebração e resignação
Por Editorial / O GLOBO
Quando foi criado, em 2008, o G20 — grupo que reúne as 19 maiores economias do planeta, mais União Europeia e União Africana — se revelou um fórum crucial para debelar a crise financeira sem precedentes que abalava o mundo. Reunindo 85% do PIB global e 75% do comércio mundial, o grupo tinha legitimidade para pôr em marcha decisões que teriam custo alto demais para cada país individualmente, mas eram necessárias coletivamente. Passada a crise aguda, porém, a diversidade de regimes políticos e interesses econômicos passou a impor dificuldades crescentes às decisões de impacto do grupo.
Nem na pandemia o G20 teve papel de destaque. De lá para cá, cada reunião tem produzido um misto de celebração quando se alcança algum consenso e resignação com seu caráter necessariamente limitado e insatisfatório.
Não foi diferente no encontro realizado nesta semana no Rio de Janeiro. No entender do Itamaraty, o documento final foi um sucesso. Incorporou a ideia brasileira da aliança contra a fome e a pobreza, mencionou a necessidade de reforma na governança global, defendeu a taxação sobre grandes fortunas, reconheceu a gravidade da mudança do clima e a necessidade de elevar a participação das mulheres na economia e na vida pública. Certamente a deslumbrante paisagem carioca contribuiu para impressionar os chefes de Estado e suas delegações, e a cooperação da população local com os transtornos inerentes ao encontro resultaram num evento sem sobressaltos. Mas os efeitos práticos serão pequenos.
Enquanto se discutia a presença deste ou daquele líder na fotografia oficial, os analistas geopolíticos e a imprensa internacional estavam de olho em fatos mais relevantes. Primeiro, na maior ausência. Donald Trump, presidente eleito dos Estados Unidos, ainda não tomou posse. Portanto qualquer acordo firmado por Joe Biden nos dias finais de seu mandato está em xeque diante do que acontecerá com a maior potência global a partir de janeiro.
Segundo, na presença incômoda. O chanceler russo Sergey Lavrov garantiu que a declaração final não mencionasse a Rússia ao falar na invasão da Ucrânia. No mesmo dia, seu chefe Vladimir Putin baixou normas mais permissivas para o uso de armas nucleares, os ucranianos obtiveram autorização para usar mísseis americanos de longo alcance contra os russos — e usaram. Quem esperava do G20 um clima de apaziguamento, capaz de conduzir a negociações rumo ao fim da guerra, mais uma vez ficou frustrado.
Outra frustração foi a dificuldade brasileira para se projetar como líder na pauta ambiental. Ela ocupou papel modesto na declaração final, aquém do esperado para uma reunião realizada num país com as pretensões do Brasil. Os diplomatas preferiram apostar no consenso mais fácil em torno da fome e da pobreza, tema nada controverso, a enfrentar com determinação a agenda espinhosa da transição energética, que já mobilizara outras reuniões do G20. O trabalho brasileiro ficou para a Conferência do Clima da ONU, a COP30, prevista para Belém no ano que vem.
Nada disso deve desmerecer o encontro. É essencial a existência de um espaço onde os principais líderes globais possam manter diálogo civilizado para resolver seus problemas, livres de amarras burocráticas. Que os consensos sejam hoje mais difíceis e menos eficazes é sinal de como o mundo se tornou mais desafiador.
Fraude de beneficiário que diz morar sozinho desvirtua Bolsa Família
Por Editorial / O GLOBO
Em entrevista ao GLOBO, o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, revelou que seu ministério já cancelou 3,7 milhões de benefícios do Bolsa Família em razão de suspeitas de desvios e excluiu 1 milhão de famílias por aumento na renda. O combate às fraudes é uma boa notícia, mas há evidências de que ainda há muito a corrigir no maior programa social do país, que quadruplicou de tamanho desde a pandemia.
O governo passado mudou as regras do Bolsa Família, rebatizado Auxílio Brasil, estipulando um benefício fixo que não considerava o tamanho da família. Isso criou um estímulo para que, ao se inscrever no programa, o candidato declarasse morar sozinho, sem parentes — dessa forma, uma mesma família poderia somar mais benefícios e ganhar mais, desvirtuando o objetivo do programa.
As famílias de um só integrante — ou “famílias unipessoais” — inscritas no Bolsa Família saltaram de 2,2 milhões no fim de 2021 para 5,8 milhões um ano depois. No início do atual governo, as regras foram alteradas para coibir os abusos, mesmo assim há indícios abundantes de que as fraudes persistem.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE de 2022, a média de famílias unipessoais no Brasil é 16%. O Censo realizado no mesmo ano constatou que 18,9% dos lares brasileiros têm apenas um morador. Pois o próprio Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) afirma que, no mês passado, das 20,7 milhões de famílias que receberam o Bolsa Família, 4,057 milhões eram unipessoais, ou 19,6%.
Não é o único sinal de alerta. Dos 5.570 municípios brasileiros, em 60,3% a proporção de assistidos pelo Bolsa Família que dizem morar sem parentes é superior à constatada pelo Censo. Entre as 27 capitais, em 14 há mais famílias unipessoais recebendo o benefício do que as registradas no recenseamento. Há cidades em que 40% dos beneficiários do programa declaram morar sozinhos.
O pente-fino em andamento reduziu a proporção de famílias unipessoais de 23,4%, em setembro de 2023, para 19,4%, um ano depois. Em alguns casos, segundo Eliane Aquino, secretária nacional de Renda de Cidadania do Ministério, é necessário fazer visitas aos domicílios para conferir, daí a demora para corrigir todo o cadastro.
O MDS prevê que contribuirá com uma economia de R$ 2 bilhões para o ajuste fiscal, coibindo fraudes no Bolsa Família e no Benefício de Prestação Continuada (BPC). É preciso apressar os dois pentes-finos. Quanto mais perto das eleições, maiores serão as dificuldades. Ao coibir as fraudes, o governo libera mais recursos para atender as famílias de fato necessitadas.
PGR avalia denúncia contra Bolsonaro unindo tentativa de golpe, joias e fraude em vacinas
Por Mariana Muniz e Patrik Camporez— Brasília / O GLOBO
A revelação do plano golpista que previa os assassinatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice Geraldo Alckmin e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes foi avaliada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como mais um elemento que reforça a possibilidade de uma única acusação criminal, em várias frentes, contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e aliados. A Polícia Federal suspeita da existência de uma organização criminosa no entorno do ex-mandatário que atuou para tentar um golpe de Estado, atacar instituições, vender joias ilegalmente, fraudar cartões de vacinação e espionar adversários.
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, deve receber nos próximos dias a conclusão da PF sobre a trama golpista. Auxiliares dele analisam que é necessário examinar a suposta participação do ex-presidente nas tentativas golpistas em conjunto com os outros inquéritos para fechar as conexões.
Bolsonaro não se manifestou após os novos desdobramentos, mas em outras ocasiões negou que tenha participado de uma tentativa de ruptura institucional. Em entrevista ao GLOBO há duas semanas, ele disse que houve debates sobre a decretação de estado de sitio, mas afirmou que “não é crime discutir a Constituição”.
Mesmo ‘modus operandi’
Na decisão em que decretou a prisão de quatro militares e um policial federal pelo envolvimento no plano, Moraes apontou cinco eixos de investigação envolvendo Bolsonaro e seu entorno. Segundo ele, uma das linhas trata de “ataques virtuais a opositores”, em investigação dentro do inquérito das milícias digitais.
Há ainda apurações sobre ataques às instituições e às urnas; tentativa de golpe de Estado; uso do Estado para “obtenção de vantagens”, como inserção de dados falsos em cartões de vacina e desvios de joias; e ataques aos imunizantes e às medidas sanitárias na pandemia. De acordo com a PF, o grupo que tramou pelo golpe usou o mesmo “modus operandi da milícia digital” que promoveu ataques contra instituições e disseminou informações falsas sobre o processo eleitoral.
Há, ainda, uma investigação em curso que apura se uma estrutura paralela na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) foi usada durante o governo Bolsonaro para espionar ilegalmente adversários e disseminar ataques contra eles. A PF suspeita que o policial preso nesta semana, Wladimir Matos Soares, que forneceu informações sobre a segurança de Lula no fim de 2022 aos militares que arquitetaram o plano, tinha relação com um integrante do grupo que agia à margem na Abin.
Soares foi interrogado pela PF na terça. Segundo o Jornal Nacional, ele afirmou em depoimento que soube do plano de golpe e foi cooptado a participar do grupo por um agente, que é investigado pelo suposto esquema paralelo na Abin. Essa equipe faria a segurança de Bolsonaro caso um golpe fosse consumado. O policial preso fez parte da equipe de segurança de Lula na transição.
A lógica por trás dessa análise ampla por parte da PGR é fazer com que uma eventual acusação ligue todos esses elementos, fortalecendo a argumentação de que o ex-presidente agiu de forma direta na ocorrência de um plano golpista após as eleições de 2022, quando perdeu para Lula. A expectativa é que a investigação da PF termine nos próximos dias, com a possibilidade do indiciamento de Bolsonaro e seu entorno.
“Os elementos trazidos aos autos comprovam a existência de gravíssimos crimes e indícios suficientes da autoria, além de demonstrarem a extrema periculosidade dos agentes, integrantes de uma organização criminosa, com objetivo de executar atos de violência, com monitoramento de alvos e planejamento de sequestro e, possivelmente, homicídios do então presidente do TSE, do presidente eleito e do vice-presidente eleito”, disse Moraes na decisão.
No curso das investigações, a PF já apontou conexões entre as diferentes investigações que tratam das ações de Bolsonaro e aliados — é justamente por haver relação entre os inquéritos que todos tramitam sob a relatoria de Moraes.
Conforme os investigadores, a PF apura a “articulação de pessoas” do círculo próximo a Bolsonaro, “com tarefas distribuídas”. Além dos alvos que aparecem em mais de um inquérito — casos de Bolsonaro e do ex-ajudante de ordens Mauro Cid , por exemplo —, a PF identificou relação entre os acontecimentos. O ex-presidente, segundo esta linha de apuração, só teria ido aos Estados Unidos no fim de 2022 porque não conseguiu respaldo da cúpula das Forças Armadas para o golpe. Na viagem, a comitiva dele levou parte das joias desviadas do acervo presidencial, segundo a PF.
O dinheiro da venda dos itens, segundo a investigação, foi usado para custear a estadia na Flórida. Além disso, para a PF, Bolsonaro, Cid e seus familiares teriam fraudado os seus cartões de vacinação para evitar problemas na hora de entrar em países que cobravam a imunização contra a Covid-19, como os EUA.
Mauro Cid é elo
Cid é visto pela PF como peça-chave nessa teia de investigações. Enquanto debatia a possibilidade de golpe, como mostram mensagens apreendidas pela PF, ele também buscava saídas para o antigo chefe caso a empreitada não fosse adiante. No caso das vacinas, o mais avançado judicialmente, Cid revelou que recebeu ordens de Bolsonaro para que inserisse os dados dele e de sua filha no sistema de controle de vacinação do SUS. A PF identificou que os cartões com os dados falsos de imunização foram emitidos no Palácio do Planalto.
O caso das joias, em que Bolsonaro foi indiciado, foi considerado o estopim para a decisão de Cid de fechar um acordo de colaboração premiada, que está em reavaliação (leia mais na página 6). Esse inquérito também conta com vasto acervo probatório que mostra seu elo com o ex-presidente no cometimento de supostos crimes. A PF identificou que o ex-ajudante de ordens viajou e vendeu itens recebidos pelo ex-mandatário. Dados do celular de Cid confirmam o trajeto e coincidem com a venda dos objetos nos Estados Unidos.
Papel semelhante foi verificado pela PF nas investigações da tentativa de golpe. Cid contou que Bolsonaro recebeu uma minuta de um decreto golpista com diversas páginas elencando supostas interferências do Poder Judiciário no Executivo e propondo medidas antidemocráticas. O militar também contou que Bolsonaro se reuniu com a cúpula das Forças Armadas e ministros militares e discutiu detalhes dessas minutas. De acordo com as apurações, os então comandantes do Exército, Freire Gomes, e da Aeronáutica, Baptista Júnior, não embarcaram na ofensiva golpista.
As ligações entre os casos que tiveram origem em episódios distintos já levaram Moraes a determinar o compartilhamento de provas entre diferentes inquéritos. Em julho, quando novas descobertas sobre a “Abin paralela” vieram à tona, ele ordenou que as informações também passassem a integrar as apurações sobre as milícias digitais e a tentativa de golpe. De acordo com o ministro, havia “conexão probatória” entre os casos — opinião semelhante à da PGR, para quem a estrutura ilegal na agência é “apenas uma célula de uma organização criminosa mais ampla”.
A reforma administrativa é uma questão de cidadania. Como já dissemos neste espaço, as arbitrariedades e disfuncionalidades da administração pública a tornam uma máquina de gerar desigualdades, pobreza, injustiça social e conflito civil. Desigualdade, po
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
Sob a esplêndida paisagem do Rio de Janeiro, onde 55 chefes de Estado se reuniram para a cúpula do G-20, pairavam grossas nuvens: duas guerras, a nova “guerra fria” entre China e EUA, a eleição de um presidente americano hostil ao multilateralismo. Nessas condições, qualquer cúpula, fosse onde fosse, presidida por quem fosse, dificilmente seria um sucesso. Que o Brasil tenha evitado que fosse um fracasso, pode ser contado como uma conquista.
Comece-se pelo fato nada óbvio de que os países concertaram uma declaração final bastante abrangente. Mas esse documento inflado de intenções genéricas e promessas piedosas tem um quê de exasperação, que expõe a crise de instituições multilaterais como o G-20.
A aliança foi gestada como um grupo de cooperação econômica após a crise financeira asiática de 1999 e veio à luz em 2008 para evitar – como evitou – que o sistema financeiro global fosse precipitado numa queda livre. O comunicado de 2009 continha 3 mil palavras focadas na estabilização do sistema financeiro e no resgate da economia mundial; o atual, mais de 10 mil sobre um pouco de tudo: de guerras e ações climáticas a reformas da governança global e inteligência artificial.
Desde 2008, acumularam-se desafios globais – como a saúde do planeta ou a pandemia –, que, por definição, exigem cooperação internacional. Mas o paradoxo é que na mesma proporção em que o G-20 crescia em tamanho e visibilidade, perdia em foco e efetividade. As crescentes divisões entre países contribuem para essa inoperância. Mas essas divisões, longe de deslegitimar o G-20, o justificam. A questão não é se o mundo precisa ou não de um G-20, mas como utilizá-lo de maneira eficaz.
Na cúpula anterior houve frustração em relação à dificuldade de ir além de declarações anódinas sobre desafios graves, como as guerras, mas talvez essas dificuldades sejam um alerta de que o grupo deveria voltar às origens, deixar divergências geopolíticas para instâncias como a ONU e se concentrar nas questões econômicas, com planos de ação concretos, objetivos mensuráveis e responsabilização pelos resultados.
O Brasil deu sua contribuição. A Aliança Global Contra a Fome, idealizada pelo governo Lula e integrada por dezenas de países e organizações internacionais, propõe uma cesta de políticas assistenciais. O BID se comprometeu com US$ 25 bilhões para apoiá-las. São recursos limitados, que não chegam a ser exatamente novos: o BID já os empregaria para iniciativas como essas. De todo modo, há a oportunidade de estruturá-los sobre um arcabouço comum.
Ainda será preciso deliberar a parte difícil: quem financiará o resto, quais serão as quantias e quais as condições de governança dos beneficiados. Tudo está em estágio embrionário, e não será surpresa se essa iniciativa morrer de inanição, como tantas outras. Mas ao menos os países do G-20 têm uma plataforma concreta para enfrentar um problema consensual.
O próprio Lula, no entanto, dá um exemplo de dissonância entre as expectativas e a realidade no G-20. Em seu discurso, disse que a “globalização neoliberal fracassou”, como se os anos de integração comercial pós-guerra fria não tivessem promovido a mais espetacular redução da pobreza da história. O desenvolvimento sustentável depende de regras internacionais estáveis e boa governança doméstica para garantir competitividade e produtividade no mercado e alocação eficaz de recursos públicos.
Países que atingiram padrões razoáveis nesses quesitos, como as democracias que integram a OCDE, têm os melhores índices de produção e distribuição de riqueza. Mas Lula fez questão de não convidar a OCDE para a cúpula nem se empenhou em qualquer discussão sobre questões estruturais.
Medidas assistencialistas podem ter seu papel para mitigar crises emergenciais – como o aumento da fome após a pandemia –, mas são só paliativos, não uma solução para erradicar a pobreza. A solução está na produtividade econômica e instituições políticas inclusivas. Mas, sobre isso, o presidente brasileiro faz muito pouco no Brasil e tem muito pouco a dizer ao mundo.