Após decisão de Barroso, investigação do caso INSS é sorteada para André Mendonça
Por Mariana Muniz — Brasília / O GLOBO
O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, acolheu manifestação da Procuradoria Geral da República (PGR) e determinou a livre distribuição das investigações do caso INSS. Após sorteio, o processo foi redistribuído para o ministro André Mendonça.
A decisão de redistribuir a apuração ocorreu após o procurador-geral da República, Paulo Gonet, encaminhar manifestação para o STF defendendo que a investigação saísse das mãos de Dias Toffoli, que era o então relator do caso.
No parecer encaminhado ao STF na última segunda-feira, Gonet argumentou que não existe prevenção de Toffoli o caso. Após a manifestação do procurador-geral da República, Dias Toffoli mandou o caso para a presidência do STF.
Em junho, Toffoli determinou que a Polícia Federal enviasse ao seu gabinete todos os inquéritos e procedimentos ligados ao caso. A ordem não interrompeu formalmente as investigações, mas na prática paralisou o avanço das apurações, reunidas sob a Operação Sem Desconto. Investigadores avaliam que, sem a definição da competência, há risco de anulação de provas.
A operação revelou que associações de aposentados cadastravam beneficiários de forma fraudulenta, com assinaturas falsificadas, para descontar mensalidades diretamente nos pagamentos do INSS.
O presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, foi demitido após a deflagração da operação, que também afastou servidores e levou à prisão de seis suspeitos.
Em julho, Toffoli homologou um acordo para garantir a devolução dos valores desviados e decidiu que as despesas com o ressarcimento não deveriam ser contabilizadas dentro do limite do arcabouço fiscal.
STF tira de pauta ação previdenciária que teria impacto fiscal de R$ 419 bi
Por O GLOBO — Brasília / BRASILIA
O Supremo Tribunal Federal (STF) retirou da pauta de julgamentos do plenário virtual um processo que discute se o auxílio-alimentação pago em dinheiro e de modo habitual integraria a remuneração do trabalhador, tendo caráter salarial e, com isso, entrando na base de cálculo das contribuições previdenciárias. O caso estava previsto para ser julgado pelos ministros entre 22 e 29 de agosto, e não há nova data para apreciação do tema.
A ação em questão é a de maior valor entre as ações judiciais movidas contra autarquias e fundações: estimada na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) em R$ 419,4 bilhões. O segundo processo da lista, por exemplo, tem impacto de R$ 165 bilhões.
O risco fiscal se dá porque a remuneração do trabalhador integra o cálculo das aposentadorias do INSS.
Recurso
O caso é um recurso extraordinário contra o entendimento da Turma Nacional de Uniformização (TNU), órgão responsável por uniformizar a jurisprudência no âmbito dos Juizados Especiais Federais.
A TNU entendeu em acórdão que o auxílio-alimentação pago até 10 de novembro de 2017 tinha natureza salarial em determinados casos (pagamento em dinheiro e com habitualidade, ou ainda por meio de vale-alimentação, tíquete ou similar).
A partir dessa data, benefícios do tipo pagos em dinheiro também seriam considerados salário, de acordo com o acórdão da TNU.
Ativismo de Dino cria uma barafunda
O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, foi ativista e imprevidente em sua tentativa de proteger o colega Alexandre de Moraes de sanções aplicadas pelos Estados Unidos pela Lei Magnitsky.
Ativista porque, em primeiro lugar, tomou sua decisão num processo que nada tem a ver com a Magnitsky ou com Moraes —o caso de prefeituras mineiras e capixabas que cobram em cortes britânicas indenização pelo desastre de Mariana (MG).
Seu despacho antecipa a ação específica para tratar das sanções americanas, que está a cargo do ministro Cristiano Zanin —o qual, sabiamente, optara por um rito mais ortodoxo, ouvindo a Procuradoria-Geral da República e, até aqui, sem recorrer a decisões monocráticas.
Dino foi imprevidente porque, mesmo que a intenção tenha sido a de dar aos bancos e outras empresas um argumento jurídico para não sancionar Moraes, criou uma barafunda com repercussões não apenas no mundo da Justiça mas também nos mercados e no relacionamento diplomático entre Brasil e EUA.
Não é impossível que o despacho do magistrado agrave o embate entre o Supremo e o governo de Donald Trump, o que poderia gerar novas e mais pesadas sanções para brasileiros.
Daí não se segue, é claro, que o Brasil deva ceder às chantagens de Trump. Mas não havia a menor necessidade de, numa canetada monocrática e no lugar errado, abrir uma caixa de Pandora.
A decisão de Dino é essencialmente um gesto político. Em termos técnicos, ela apenas reafirmou uma obviedade jurídica, a de que leis estrangeiras não têm eficácia automática no Brasil.
Mas, ao notificar Banco Central, Febraban e outras entidades que nada tinham a ver com o caso de Mariana, ela levou bancos a um dilema: ou desafiam o STF ou correm sérios riscos econômicos por não acatar a Magnitsky.
Não é uma questão de jurisdição. Os EUA não pretendem que sua legislação vigore no Brasil. O que a norma prevê são penalidades para instituições que atuem nos EUA sem cumprir a lei.
Secundariamente, podem-se punir empresas americanas que se relacionem com quem não aplica as sanções. É o que basta para causar tumulto para negócios que não têm como se desligar de um sistema global que necessariamente passa pelos EUA.
Convenha-se que isso não é muito diferente do que fez Moraes quando exigiu que big techs americanas, para atuar no Brasil, acatassem determinações da Justiça brasileira cuja consecução implicava ações em território americano, onde estão os servidores dessas empresas.
As sanções contra Moraes são erradas não por questões jurisdicionais, mas por violar o próprio espírito da Lei Magnitsky, concebida para punir ditadores e grandes criminosos. Moraes e seus colegas, apesar de muitas decisões contestáveis, cumprem sua função ao julgar Jair Bolsonaro (PL) por tentativa de golpe de Estado.
Bancos brasileiros derretem na Bolsa e perdem R$ 41,9 bi em valor de mercado com tensão sobre Lei Magnitsky
Por Vinícius Novais e Beatriz Rocha / O ESTADÃO DE S
As ações de bancos fecharam em forte queda nesta terça-feira (19), com o mercado digerindo os efeitos da decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flavio Dino, que, na prática, visa barrar sanções da Lei Magnitsky. Com o desempenho negativo, Itaú (ITUB4), Santander (SANB11), Bradesco (BBDC3;BBDC4), Banco do Brasil (BBAS3) e BTG Pactual (BPAC11) perderam, juntos, R$ 41,98 bilhões em valor de mercado, segundo dados de Einar Rivero, CEO e sócio-fundador da Elos Ayta Consultoria.
O Índice Financeiro (IFNC) da B3 registrou a maior queda entre os indicadores setoriais, cedendo 3,82%, o recuo mais intenso desde janeiro de 2023. Bradesco fechou em baixa de 3,29% (BBDC3) e 3,43% (BBDC4), já o Banco do Brasil recuou 6,03% e o Itaú, 3,04%. As units (ativo que concentra duas ou mais ações de uma empresa negociadas em conjunto) de Santander cederam 4,88% e as do BTG Pactual, 3,48%.
O Bradesco viu seu valor de mercado cair R$ 5,4 bilhões. O BB sofreu uma redução de R$ 7,25 bilhões, enquanto Itaú, BTG e Santander tiveram perdas de R$ 14,71 bilhões, R$ 11,42 bilhões e R$ 3,2 bilhões, respectivamente.
O Ibovespa recuou 2,10%, aos 134.432 pontos. No mercado doméstico de câmbio, o dólar subiu 1,22% cotado a R$ 5,50.
Como antecipou a Coluna do Estadão, a atitude de Dino alarmou os grandes bancos, que veem riscos de impasses futuros. Ele determinou que decisões judiciais estrangeiras só podem ser executadas no Brasil mediante homologação ou por meio de mecanismos de cooperação internacional.
O despacho do ministro do STF integra um processo relacionado aos rompimentos das barragens em Mariana (MG) e em Brumadinho (MG), mas abre brechas para que seu colega na Corte, o ministro Alexandre de Moraes, recorra ao próprio STF contra os efeitos da Lei Magnitsky
O Departamento de Estado dos EUA, fez uma crítica indireta à decisão de Dino. “Nenhum tribunal estrangeiro pode invalidar as sanções dos EUA – ou poupar alguém das consequências graves de violá-las”, disse o Departamento de Estado dos EUA, em nota, no X.
“Pode começar a preocupar o potencial impasse ligado à aplicação da Lei Magnitsky pelo setor financeiro, após decisão de ontem do ministro Flávio Dino visando barrar as sanções adotadas pelo governo norte-americano. Ocorre que instituições que atuam em território dos EUA podem sofrer retaliações em caso de não cumprimento das sanções”, afirma Silvio Campos Neto, economista-sênior e sócio da Tendências.
Com a decisão de Dino, representantes de grandes instituições financeiras do País relataram à Coluna do Estadão um impasse entre a determinação do governo dos Estados Unidos e a da Suprema Corte brasileira. O entendimento é de que, embora a legislação brasileira já exija que decisões estrangeiras sejam acolhidas por um trâmite específico, a decisão de Dino torna incertos os próximos passos da aplicação da Lei Magnitsky contra Moraes.
Ao Broadcast, o gerente de câmbio da corretora Treviso, Reginaldo Galhardo, avalia que a tensão comercial e política entre EUA e Brasil tem efeito indireto no mercado cambial. “Investidores, diante do cenário incerto, vendem ações na Bolsa e compram dólares para proteção (hedge), movimentando contratos futuros e impulsionando a cotação da moeda americana”, afirma.
Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, avalia, em nota, que o conflito entre o Judiciário brasileiro e os EUA é negativo para o mercado. “Economicamente, esse jogo de retórica é extremamente prejudicial, à medida que traz implicitamente uma elevação do risco-país, mitigando investimentos instantaneamente e com efeito prolongado”, destaca.
Na avaliação de Alison Correia, analista de investimentos e co-fundador da Dom Investimentos, a complexidade da situação, a partir dos desdobramentos mais recentes do episódio, levam o mercado a adotar uma postura cautelosa, até que se compreenda melhor o alcance das últimas medidas.
“Hoje o mercado promoveu uma correção nos preços das ações, levando em conta que ainda há gordura para queimar. O investidor optou por buscar proteção para tentar entender realmente até que ponto a disputa entre os dois países pode impactar o mercado. Como tudo é muito novo, é muito difícil estimar os desdobramentos. Na dúvida, o investidor comprou dólar e vendeu Bolsa”, afirma.
Perdas bilionárias dos bancos são o custo do medo de liminar de Dino contra Magnitsky
Por Malu Gaspar / O GLOBO
Os R$ 41,3 bilhões perdidos pelos bancos na bolsa de valores ontem, efeito da decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), que “bloqueia o bloqueio” automático de ativos de brasileiros por ordem de governo ou entidade estrangeira, são a primeira estimativa do custo de um impasse em torno do encerramento das contas do ministro Alexandre de Moraes e de outros integrantes do Supremo.
A maior preocupação não é com a decisão em si — já que, em tese, Dino choveu no molhado ao dizer que decisões estrangeiras não têm valor no Brasil se não forem corroboradas pela nossa Justiça. A questão, como resumiu um banqueiro, é que as sanções da Lei Magnitsky não são um problema jurisdicional e sim contratual.
Traduzindo: a lei é americana e será implementada por entidades com operações nos Estados Unidos. Mas os grandes bancos brasileiros têm contratos com contrapartes estrangeiras que podem ser encerrados ou render pesadas multas caso não cumpram determinações como as da Magnitsky. Eles podem decidir não cumpri-las, mas se o fizerem vão perder negócios e muitos bilhões mais.
Entre esses negócios estão, por exemplo, linhas de crédito à exportação de dezenas de bilhões de dólares que os bancos brasileiros fornecem a empresas e produtores agrícolas, formadas com financiamentos vindos de diversos bancos do mundo. Outro foco de prejuízos está nos contratos de prestação de serviços, como o fornecimento de armazenamento de dados em nuvem, para os quais nem há substitutos nacionais.
Daí vem a pergunta que os chefões da Faria Lima passaram o dia tentando responder: o que acontecerá caso o Supremo dê uma liminar proibindo um banco como o Itaú ou o Banco do Brasil de encerrar a conta de uma pessoa sancionada pela Magnitsky?
Essa possibilidade já consta da decisão de Dino, nos trechos em que ele trata as ordens estrangeiras sobre ativos brasileiros como “ofensa à soberania nacional, à ordem pública e aos bons costumes”, e diz que só se pode avaliar exceções em caso de “deliberação expressa do STF, em sede de Reclamação Constitucional, ofertada por algum prejudicado, ou outra ação judicial cabível”.
Em tese, esse tipo de liminar poderia dar ao banco envolvido um conforto para manter a conta do alvo da sanção e botar a culpa no STF. Isso, porém, não diminui o risco de perdas. Como diz outro banqueiro: “se estivessem todos de boa fé, esse tipo de coisa seria negociável. Mas a gente sabe que essa sanção não é racional, é arbitrária. Não temos como argumentar, e o que o Supremo está fazendo só piora a situação”.
Dilema
Por causa disso, enquanto os preços das ações despencavam nas telas dos operadores, os executivos de grandes instituições passavam o dia em reuniões e ligações com interlocutores em escritórios de advocacia e bancos internacionais para tentar vislumbrar uma saída para escapar desse dilema.
A saída mais óbvia foi resumida em uma análise do BTG Pactual que circulou ao longo do dia entre os operadores de mercado: fechar preventivamente as contas de possíveis alvos da Lei Magnitsky, antes mesmo de ser comunicado a respeito da sanção.
Diz o texto do BTG: “Encerrar ou segregar conta por política interna é lícito; fazê-lo porque mandaram de fora não é. De outro lado, é preciso mitigar o risco de sanções secundárias nos EUA, o que justifica encerrar ou segregar contas quando, pelas políticas internas, houver risco concreto de enquadramento como ‘facilitador’. Nesse contexto, o encerramento preventivo, antes de notificações formais, reduz, de forma significativa e simultânea, o risco de questionamento no Brasil e de sanções nos EUA.”
Reduz, mas não elimina o risco de novas complicações por conta das sanções já feitas ao ministro Alexandre de Moraes. A esta altura, o aviso da sanção contra ele já chegou aos bancos brasileiros, que não escapariam de uma liminar de Dino. Seu custo já foi estimado ontem pela Faria Lima. Os prejuízos que podem vir por aí, no entanto, são tão difíceis de calcular quanto a reação de Donald Trump. Só o que dá para dizer é que não serão pequenos.
Damares aciona OAB contra ex-presidente da entidade por comemorar prisão domiciliar de Bolsonaro
Painel
Editado por Fábio Zanini, espaço traz notícias e bastidores da política. Com Danielle Brant e Carlos Petrocilo / FOLHA DE SP
A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) apresentou um pedido de representação ao conselho de ética e disciplina da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) contra Felipe Santa Cruz, ex-presidente da entidade, após ele ter comemorado a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro (PL).
No documento, ela pede a instauração de processo ético-disciplinar contra Santa Cruz, secretário de Governo do prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD).
A parlamentar cita o fato de o ex-presidente da OAB ter feito uma postagem em rede social chamando Bolsonaro de "merda que matou tantos na pandemia" e "que os mortos o assombrem". "Traição aos cânones democráticos. No meu mundo ideal seria pena de morte. Bala na nuca!", postou.
Para a senadora, "tais declarações configuram incitação à violência política, apologia e desrespeito à dignidade da advocacia, especialmente considerando que o advogado é ex-presidente da OAB Federal".
Felipe Santa Cruz e Bolsonaro protagonizaram atritos ao longo da gestão do ex-presidente. Bolsonaro reclamou da atuação da OAB na investigação do caso de Adélio Bispo, autor do atentado à faca do qual foi alvo. Ao falar sobre o caso, ele disse que poderia explicar a Santa Cruz como o pai dele desapareceu durante a ditadura militar (1964-1985).
Santa Cruz é filho de Fernando Augusto Santa Cruz de Oliveira, desaparecido em fevereiro de 1974, após ter sido preso junto de um amigo chamado Eduardo Collier por agentes do DOI-Codi, órgão de repressão da ditadura militar, no Rio de Janeiro.
Decisão de Dino sobre aplicação de leis estrangeiras divide STF, que aguarda parecer da PGR em ação sobre sanções a Moraes
Por Mariana Muniz — Brasília / O GLOBO
A decisão do ministro Flávio Dino que limita a aplicação automática de normas estrangeiras no Brasil provocou debate interno e dividiu integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF). Uma ala da Corte avalia que um entendimento sobre a aplicação da Lei Magnitsky só será definido em outra ação, que está sob a relatoria do ministro Cristiano Zanin.
Embora a defesa da soberania nacional e do Judiciário brasileiro feita por Dino seja consenso entre os ministros, alguns magistrados divergem da maneira como essa manifestação foi feita.
Integrantes da Corte ouvidos pelo GLOBO ponderam que a legislação usada para aplicar sanções ao ministro Alexandre de Moraes já é objeto de uma ação específica, que aguarda manifestação da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Segundo esses magistrados, embora a decisão de Dino esclareça pontos importantes sobre a aplicação de decisões estrangeiras, ela não encerra o tema.
A expectativa no STF é que a PGR se manifeste em breve no âmbito da ação que está sob a relatoria de Zanin. Ministros acreditam que ele deverá manter o ritmo normal de instrução do processo, apesar da decisão de Dino. Reservadamente, ministros avaliam que a ação que está com Zanin tramita normalmente, o que um grupo da Corte entendeu como um sinal de que não haveria necessidade de um despacho de Dino em outro procedimento.
Zanin é o relator de uma ação em que o PT pede ao STF para proibir os bancos de aplicarem a Lei Magnitsky no Brasil. Apresentado pelo deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ), o processo busca impedir que sanções atinjam Moraes.
A decisão de Dino, divulgada nesta segunda-feira, esclarece que leis e medidas judiciais de outros países só podem ser aplicadas em território nacional após serem validadas pela Justiça brasileira. Nesta terça-feira, o ministro fez um esclarecimento e afirmou que ordens de tribunais internacionais dos quais o país é signatário, como o Tribunal Penal Internacional (TPI), seguem com eficácia imediata no Brasil.
A discussão sobre as sanções a Moraes ganhou força após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinar uma ordem executiva em 30 de julho, incluindo o ministro na lista da Lei Magnitsky. As sanções americanas podem resultar em restrições a operações de câmbio, investimentos em dólar e uso de cartões internacionais.
Decisão de Dino representa mais recado político após sanções dos EUA do que impacto jurídico para Moraes
A decisão desta segunda-feira (18) do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Flávio Dino sobre a aplicação de legislação estrangeira no Brasil se destaca mais como recado político do que pelo impacto jurídico que pode trazer sobre o colega de corte Alexandre de Moraes, segundo especialistas ouvidos pela Folha.
Moraes foi alvo de sanções impostas pelo governo Donald Trump, dos Estados Unidos, no fim de julho.
Para professores de direito, a manifestação de Dino não traz novidade jurídica, salvo no âmbito do impedimento de estados e municípios brasileiros procurarem tribunais estrangeiros.
A manifestação do magistrado ocorreu em um processo sobre o rompimento da barragem de Mariana (MG), ocorrido em 2015. A ação do Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração) visa impedir que municípios brasileiros prossigam com um processo na Justiça do Reino Unido.
O caso britânico foi aberto em 2024. O instituto quer do Supremo a declaração de que é inconstitucional que municípios recorram à Justiça estrangeira "em detrimento da jurisdição brasileira, sobre fatos ocorridos no Brasil e regidos pela legislação brasileira".
Além de proibir estados e municípios de procurarem tribunais estrangeiros, Dino tratou da necessidade de homologação de decisões judiciais estrangeiras. Ele também apontou que leis de outros países só têm efeito no Brasil se estiverem dentro das hipóteses autorizadas pelo ordenamento jurídico e se não ofenderem "a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes", como preconiza a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
Segundo especialistas ouvidos pela Folha, essas previsões já ocorrem no Brasil. O que o ministro fez foi aproveitar uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) para tratar de maneira ampla do tema e dar recado político em contexto marcado por sanções a ministros da corte.
No fim de julho, o governo dos EUA aplicou sanções financeiras a Alexandre de Moraes, relator na ação penal que investiga a trama golpista de 2022. Segundo a PGR (Procuradoria-Geral da República), a tentativa de golpe foi liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Se condenado, o político pode pegar mais de 40 anos de prisão, além de aumentar a inelegibilidade, que atualmente vai até 2030.
Com a proximidade do julgamento do ex-presidente, marcado para o dia 2 de setembro, um de seus filhos, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), aumentou nos EUA ofensiva contra autoridades brasileiras, sobretudo a Moraes.
As sanções financeiras aplicadas ao ministro, entretanto, já se dão com limitações dentro do Brasil, se restringindo até o momento a transferências para o exterior. O quadro mostra a já corrente limitação da lei estrangeira no país, reforçada pela manifestação de Dino na ADPF.
Segundo Raphael Rocha, professor de direito da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora) e doutor em direito internacional pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), a decisão de Dino está em consonância com o direito internacional e com princípios de soberania e igualdade entre países.
"O que ele [Dino] fez foi, dado o momento novo de pressões internacionais que o Brasil está vivendo, reinterpretar esses dispositivos esclarecendo melhor quais são as pressões que o ordenamento jurídico brasileiro pode ter diante dessas tentativas de invasão e sobreposição da soberania brasileira", afirma Rocha.
"O ministro tenta deixar claro quais são os mecanismos de proteção que o ordenamento jurídico brasileiro tem diante dessa tentativa de uma extraterritorialidade indevida da legislação estrangeira e das decisões estrangeiras sobre o país".
Segundo o especialista, a decisão do magistrado —que deve ser levada ao plenário do Supremo— também vai na direção do observado em muitos países europeus, que, no geral, só não homologam decisões de outros países se eles fizerem parte da União Europeia.
O especialista fala na evidente influência dos fatos recentes envolvendo Moraes na decisão. Diz, entretanto, que ela não muda de maneira direta o caso do magistrado, mas deixa claro o posicionamento da corte perante a sanção dos EUA.
Também nesta segunda, o governo Trump reagiu à manifestação de Dino afirmando que nenhum tribunal estrangeiro pode anular "sanções impostas pelos EUA ou proteger alguém das severas consequências de descumpri-las". O comunicado dizia ainda que Moraes "é tóxico para todas as empresas legítimas e indivíduos que buscam acesso aos Estados Unidos e seus mercados".
Para Flávio Luiz Yarshell, professor da Faculdade de Direito da USP, a medida de Dino apenas reafirma o que já está previsto na legislação brasileira e não tem alcance sobre decisões estrangeiras com efeitos fora do Brasil.
"Me parece razoavelmente claro que não se espera que uma decisão do governo americano produza efeitos em um país sem que este país aquiesça", afirma Yarshell.
A professora Maria Cecília Asperti, da FGV Direito SP, diz que a decisão de Dino não tem efeito prático imediato no caso de Moraes, já que, até onde se sabe, a sanção não está sendo aplicada no Brasil. Para ela, porém, a fundamentação pode sinalizar entendimentos futuros no STF.
No despacho, Dino sinaliza que bloqueios de ativos ou transferências internacionais por ordem de Estado estrangeiro dependem de autorização do Supremo na ação em curso.
Assim, segundo Asperti, ainda que seja incerto o alcance jurídico, "em tese, esse julgamento também poderá ser invocado (...) provavelmente em uma judicialização no STF, mas já com um precedente erga omnes [que vale para todos]".
STF desarmou bomba fiscal na Previdência
Por Editorial / O GLOBO
Para honrar as aposentadorias do setor privado, o Tesouro desembolsa cerca de R$ 300 bilhões por ano. Esse é o tamanho aproximado do rombo da Previdência. Com o aumento da longevidade, ele só tende a aumentar se não houver novas reformas. Como se o desafio nada trivial de mexer nas aposentadorias futuras não bastasse, volta e meia o passado também traz dores de cabeça. É o que mostra uma ação em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre as reformas previdenciárias dos anos 1990. Uma eventual decisão favorável aos aposentados custaria R$ 130 bilhões a mais no Orçamento, pelos cálculos da Advocacia-Geral da União (AGU). Felizmente o Supremo já formou maioria para desarmar a bomba fiscal. O julgamento termina na próxima segunda-feira.
Depois do Plano Real, em 1998, o Congresso aprovou uma Emenda Constitucional para mudar o cálculo da aposentadoria dos trabalhadores do setor privado. Estabeleceu novos requisitos e criou um regime de transição para quem estava próximo de se aposentar. No ano seguinte, foi aprovada a Lei do Fator Previdenciário, alterando o cálculo das aposentadorias. Como não havia consenso político para aumentar a idade mínima, a saída foi adotar um mecanismo para desincentivar aposentadorias precoces. Até então elas eram a maioria, devido à regra do “tempo de serviço”. Quem tinha 35 anos de contribuição podia se aposentar com qualquer idade. Em 1997, 82% das aposentadorias urbanas ocorriam até os 54 anos. A partir da aprovação do fator previdenciário, quem se aposentava cedo sofria redução nos vencimentos. Quanto mais tempo ficava no mercado de trabalho, menor o redutor.
A ação examinada pelo STF contesta a aplicação da Lei do Fator Previdenciário para os beneficiários sujeitos às regras de transição criadas em 1998. Eles pleiteiam que a legislação não seja aplicada a eles e pedem ressarcimento de valores a que julgam ter direito. Em seu voto, o relator, ministro Gilmar Mendes, teve o bom senso de não encampar essa tese e votou pela constitucionalidade do redutor. “É constitucional a aplicação do fator previdenciário, instituído pela Lei 9.876/1999, aos benefícios concedidos a segurados filiados ao Regime Geral de Previdência Social antes de 16.12.1998, abrangidos pela regra de transição do art. 9º da EC 20/98”, escreveu Gilmar.
O entendimento de Gilmar está certo. “Os aposentados a quem se aplicou o conjunto de regras de transição não foram prejudicados, não receberam benefícios calculados indevidamente”, escreveu o economista Felipe Salto no jornal O Estado de S. Paulo. Além disso, as sucessivas reformas previdenciárias foram tentativas de dar sobrevida ao INSS. Sem as mudanças de regras das últimas três décadas, o país na certa já teria quebrado. Em vez de desencavar esqueletos do passado, o Brasil precisa encarar o desafio de aprovar novas reformas, já que as contas da Previdência se mostram a cada dia mais insustentáveis. A pressão pode ser medida pelo tamanho das despesas com o INSS como proporção do Produto Interno Bruto (PIB). O gasto equivalia a 2,5% do PIB em 1988, pelo cálculo do economista Fabio Giambiagi. Hoje está perto de 8%. E, a despeito da última reforma em 2019, ameaça voltar a crescer.
Nunes Marques desempata e anula condenações de Antonio Palocci, homem de confiança de Lula
Por Levy Teles / O ESTADÃO DE SP
BRASÍLIA – O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Kassio Nunes Marques acompanhou o relator Dias Toffoli e formou maioria para anular todas as provas e processos contra o ex-ministro Antonio Palocci na Operação Lava Jato. O placar ficou em 3 a 2, favoráveis para Palocci. Além de Toffoli e Nunes Marques, também Gilmar já havia votado pelo arquivamento do caso. André Mendonça e Edson foram por caminho oposto.
O processo é julgado pela Segunda Turma, composta pelos cinco ministros mencionados. Em abril, Nunes Marques pediu vista (mais tempo para análise). O voto do ministro foi em sessão virtual. Réu confesso, Antônio Palocci fechou acordo de colaboração premiada e delatou propinas de R$ 333,59 milhões supostamente arrecadadas e repassadas por empresas, bancos e indústrias a políticos e diferentes partidos nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (2002-2014). Palocci foi preso em 2016.
A decisão não afeta o acordo de colaboração premiada, que continua válido. O ex-ministro pagou uma multa de R$ 37,5 milhões em troca dos benefícios da delação. Como relator, Toffoli abriu os votos pela anulação do caso. Ele justificou que, assim como Lula, o ex-ministro também teria sido vítima do “conluio” entre o ex-juiz Sergio Moro e os procuradores da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.
Lula foi o primeiro réu na Lava Jato a ter processos e condenações anulados pelo STF. O precedente tem beneficiado outros empresários e políticos. Para justificar a “nulidade absoluta de todos os atos praticados” contra Palocci nas investigações e ações da Lava Jato, inclusive na fase pré-processual, Toffoli argumentou que “os fundamentos que conduziram ao reconhecimento do conluio (...) transcendem para as demais persecuções penais que sofreu perante o mesmo órgão jurisdicional e no mesmo contexto da Operação Lava a Jato”.
Fachin, um dos divergentes, defendeu que o STF não poderia ter estendido a Palocci a decisão que beneficiou Lula porque são contextos diferentes. “Não se pode, a pretexto de pedidos de extensão, examinar pedidos amplos e genéricos sobre as mais variadas investigações decorrentes da operação Lava Jato, ainda que sob o manto de concessão de habeas corpus de ofício, sob pena de violação ao juiz natural e as regras de competência”, afirmou.
Fachin também argumentou que os diálogos obtidos na Operação Spoofing “são graves, merecem ser apurados e o Judiciário deve dar uma resposta sobre eles”, mas não deveriam ser usados como prova porque não passaram por perícia oficial. O ministro André Mendonça foi na mesma linha e argumentou que o pedido de Palocci deveria ser analisado “nas instâncias e vias apropriadas”.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) move um recurso para restabelecer as ações penais contra Palocci. Ao entrar com recurso, o procurador-geral Paulo Gonet defendeu que as provas contra o ex-ministro foram obtidas “a partir de múltiplas fontes e em diferentes instâncias” e que seus argumentos não encontram “suporte probatório, configurando mero inconformismo com o regular prosseguimento da persecução penal”.
“A vinculação de Antonio Palocci Filho à Operação Lava Jato aparenta ter ocorrido de forma legítima, sustentada em elementos concretos que emergiram no curso natural das apurações e com esteio em provas subsistentes até o atual momento”, afirmou.