Limitar decisão monocrática ajuda equilíbrio institucional
As decisões monocráticas, pelas quais um dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal arbitra, a título precário, sobre litigâncias que não raro envolvem somas e questões gigantescas, são uma decantada anomalia brasileira. Acabar com elas, ou reduzi-las ao mínimo necessário, deveria ser objetivo de todos os que almejam uma institucionalidade mais equilibrada.
Por isso, a proposta de emenda à Carta que praticamente fulmina o poder do juiz da corte de suspender sozinho os efeitos de leis aprovadas no Congresso e sancionadas pelo presidente da República deveria ser encarada como um avanço —a despeito de a motivação por trás de muitos apoiadores do diploma ser a de desfechar uma vendeta contra o STF.
O projeto, aprovado por 64% dos senadores em novembro de 2023, recebeu nesta quarta (9) o aval da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Ele também estipula prazo de seis meses após a concessão de liminar para que o colegiado do tribunal decida o mérito das ações que pleiteiam a declaração de inconstitucionalidade de uma lei.
Há virtudes em ambos os movimentos. Ao circunscrever o período em que a validade de um diploma legal permanece em dúvida, a PEC favorece a segurança jurídica. Ao restringir a atuação solitária de ministros, ela valoriza a colegialidade, a pedra angular de um tribunal constitucional.
A proposta não retira nem sequer um milímetro do poder da corte. Na verdade o fortalece.
O mesmo não se pode dizer dos outros projetos que versam sobre o Supremo também aprovados pela CCJ da Câmara. Nesse caso, o ânimo de ir à forra contra o tribunal —que mantém suspensa a execução das bilionárias e opacas emendas parlamentares— reduz competências do Judiciário e carrega apenas elementos nocivos ao equilíbrio institucional.
A maior aberração seria conceder ao Congresso, como dispõe um desses projetos, o poder de suspender decisões do STF. O princípio civilizatório da separação dos Poderes, cláusula pétrea da Constituição de 1988, restaria irremediavelmente conspurcado pela medida, que transformaria o Legislativo federal num Leviatã.
Também não passam no teste de integridade as propostas que ampliam casos em que ministros do Supremo estariam sujeitos a impeachment. Trata-se de tentativa rasteira de intimidação por uma franja de lunáticos que abraçou o autoritarismo bolsonarista e deseja ver a corte de joelhos.
Não há dúvidas de que o Supremo deveria ser mais reverente ao produto de tramitações legislativas, que envolvem votações majoritárias de representantes eleitos pela população em duas Casas independentes. O método para atingir esse objetivo, porém, não pode ser a subtração de prerrogativas da Justiça nem a ameaça.
Enfrentar o problema com maturidade deveria passar pelo reconhecimento, pelo Congresso, de suas próprias exorbitâncias, como o gasto ciclópico com emendas e fundos partidários.
Uma aula de Gonet a Dias Toffoli
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, deu uma aula ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli. Em um recurso apresentado contra decisão de anular mais processos da extinta Operação Lava Jato, Gonet recapitulou tópicos de Direito que podem, digamos assim, ter sido esquecidos ou passado despercebidos pelo magistrado ao longo de sua formação, que, espera-se, lhe conferiu notável saber jurídico.
Toffoli vem errando há bastante tempo, mas o caso que motivou a explanação de Gonet envolve a recente canetada em favor de Raul Schmidt Felippe Júnior, apontado como operador de propinas a servidores da Petrobras. Em mais uma decisão monocrática, o ministro anulou ações e investigações sob um alegado “conluio” na força-tarefa de Curitiba.
A defesa de Felippe Júnior pediu a extensão de decisões do ministro que beneficiaram o presidente Lula da Silva e o empresário Marcelo Odebrecht. Desde setembro de 2023, quando se deu início ao chamado “efeito Toffoli” com anulação de ações e condenações em cascata, réus confessos enfileiram-se à espera da impunidade. Já foram beneficiados o empreiteiro da OAS Léo Pinheiro e o casal de marqueteiros João Santana e Mônica Moura. Para piorar, as decisões se baseiam em provas obtidas por meios ilegais.
Gonet explicou didaticamente ao ministro seus equívocos, ao que tudo indica, para persuadi-lo a exarar, enfim, uma decisão correta. Recomenda-se que Toffoli tome nota dos ensinamentos contidos em apenas onze páginas.
O primeiro deles é que não se tratam de forma igual situações diferentes. Gonet ensinou a Toffoli que “estender uma decisão significa repetir a decisão para outra pessoa” e, por óbvio, “não se repete decisão para casos que não sejam iguais”. O procurador-geral mostrou que o caso concreto de Felippe Júnior “não atende ao requisito da aderência estrita”, necessário para que as decisões de Lula e Marcelo Odebrecht lhe fossem estendidas. Isso já bastaria para a rejeição do pedido.
Sem uma relação direta entre os casos, o STF, ao estender decisões de nulidade, corre o risco de invadir outras instâncias, “desviando-se do caminho imposto pelo princípio do juiz natural, que assinala à Corte atuação em grau de recurso”. Desse modo, caberia a um juiz competente decidir caso a caso se as provas foram contaminadas ou não a ponto de declarar a nulidade de um processo, e esse juiz não é Toffoli.
Gonet rememorou, ainda, que o fundamento para que Lula fosse beneficiado pelo ministro diz respeito à atuação dos responsáveis pela condução da Lava Jato no Paraná. Ocorre que houve desdobramentos da operação em diversas instâncias e em diversos Estados, o que, decerto, não permite a extensão automática de nulidades, como vem fazendo Toffoli.
Diante disso, o procurador-geral afirmou que “o desfazimento de atos processuais de forma indiscriminada, sem individualização dos atos contaminados”, não coaduna com o Direito Processual. Isso tudo tem acarretado, nas palavras de Gonet, “entraves indevidos à persecução penal”, além de dificultar o trabalho do Ministério Público de investigar e responsabilizar culpados por malfeitos. Para Gonet, “a anulação de provas”, sobretudo em crimes contra órgãos públicos, “exige fundamentação robusta”.
É importante que Toffoli atente a essa lição, haja vista que uma decisão judicial se fundamenta no Direito, e não na política. Isso quer dizer que não são argumentos robustos, por exemplo, a afirmação de que a prisão de Lula da Silva foi “um dos maiores erros judiciários da história”, “uma armação fruto de um projeto de poder” ou “o verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia e às instituições”.
No caso concreto de Felippe Júnior, Gonet pediu que Toffoli volte atrás e reconsidere sua decisão. Caso o ministro não queira se corrigir, o procurador-geral solicitou o envio do caso ao plenário do STF para que seus pares de toga debatam a questão de forma colegiada, como este jornal reiteradamente apela.
Oxalá essa aula de reforço de Gonet tenha sido bastante proveitosa. De posse de conhecimento, espera-se que Toffoli faça o dever de casa.
TSE nega pedido de Ciro para parcelar multa eleitoral em 60 vezes após perder ação para Eunício
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O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) recusou, por unanimidade, o pedido do ex-ministro Ciro Gomes (PDT) de parcelar em 60 vezes uma multa eleitoral oriunda da disputa de 2014. A decisão judicial foi oficializada nesta terça-feira (1º).
Na época, o ex-governador foi obrigado judicialmente a dar direito de resposta nas redes sociais ao então senador Eunício Oliveira (MDB) após críticas duras publicamente. A decisão, no entanto, não foi acatada por Ciro, que estava à frente da Secretaria de Saúde do Ceará na gestão do irmão Cid Gomes (PSB).
Como punição, a Justiça aplicou multa no valor de 10 mil UFIRs, equivalente a R$ 32 mil em 2014 – data do julgamento. Em 2024, o valor da unidade está em R$ 4,53 – totalizando a multa em R$ 45,3 mil, caso haja atualização.
Em dezembro de 2022, a defesa de Ciro procurou o Tribunal pedindo um parcelamento dos valores em 60 prestações. Durante julgamento do pedido, em março do ano passado, o juiz Raimundo Deusdeth Rodrigues Júnior, do TRE-CE, pontuou que a defesa alegou "direito subjetivo", além de citar outros débitos da mesma natureza que o ex-ministro tinha que arcar.
Então, a Justiça pediu demonstrações financeiras para justificar a solicitação. De acordo com o Tribunal, não houve explicações. Assim, a Corte definiu o parcelamento em 10 vezes. O magistrado citou o pagamento da multa como caráter "pedagógico".
Em abril de 2024, a ministra Cármen Lúcia já havia negado o pedido de parcelamento. A magistrada destacou que “as instâncias regionais eleitorais são soberanas na análise do acervo probatório” e que “a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral orienta-se no sentido de que o magistrado não está obrigado a conceder parcelamento em sessenta meses”, ao contrário da alegação do ex-ministro de que seria um “direito subjetivo”.
Nesta terça, em decisão colegiada, o recurso foi negado a partir da relatoria do ministro André Mendonça, que foi chancelado pelos ministros Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares, Nunes Marques e Cármen Lúcia, que preside a Corte.
Eunício revelou a reportagem que esse é apenas um dos processos que possui contra o ex-ministro. "Tenho mais de 40 [processos], ganho tem 8. Ele fica protelando, protelando. É a mesma coisa do apartamento que eu arrematei, já tem um ano e meio e ele recorrendo, recorrendo. É uma coisa que foi para leilão público, eu não sei porque aceita-se o recurso desse cidadão. Mas é engraçado que ele alegou que não tinha como pagar. Aliás, como é que ele vive nababescamente, de onde é que vem o dinheiro? Conta outra.. Isso é o começo de muitas. O que já está nessa terceira instância e perdendo", disse.
O Diário do Nordeste procurou Ciro Gomes, mas não houve resposta. A matéria será atualizada em caso de retorno do político.
STF precisa avaliar anistia a corruptos confessos
Não há explicação razoável para a atuação errática da Justiça brasileira, em geral, e a do Supremo Tribunal Federal, em particular, nas investigações e ações conectadas à operação Lava Jato ao longo dos últimos dez anos. Nesse período, passou-se do frenesi justiceiro à anistia irrestrita a corruptos confessos sem dar oportunidade para a aplicação zelosa da lei.
Na corte constitucional, o ministro Dias Toffoli tem liderado as iniciativas monocráticas de derrubar no atacado toda e qualquer ação remotamente relacionada com as investigações originadas na vara federal de Curitiba.
Em setembro, o magistrado, que foi advogado do Partido dos Trabalhadores, fulminou todos os atos, provas e processos relacionados ao empresário Raul Schmidt Felippe Júnior, acusado de participar de um esquema bilionário de desvio na Petrobras.
Também no mês que acaba de se encerrar, Toffoli estendeu a graça da impunidade a Leo Pinheiro, o principal delator do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Lava Jato. Virou pó, pela canetada do ministro do tribunal, uma pena de 30 anos de prisão por corrupção contra o ex-mandachuva da empreiteira OAS.
Leo Pinheiro foi o mais recente de uma fila de contemplados pelas decisões solitárias do magistrado do STF, que também inclui Marcelo Odebrecht e vai se estender, pelo visto, para dezenas de outras petições semelhantes que aguardam a apreciação no gabinete do ministro.
As razões alegadas por Toffoli para determinar a extinção em massa dessas ações seria a sua relação genérica com uma investigação viciada pelo conluio entre a parte julgadora —capitaneada pelo então juiz Sergio Moro— e os agentes do Ministério Público incumbidos da persecução penal.
Não há dúvidas de que houve comunicação indevida entre partes que deveriam preservar distância institucional uma da outra na Lava Jato. Mas o método correto de averiguar se uma anomalia específica contamina uma prova ou condenação também específicas é fazê-lo caso a caso e, de preferência, na sede do juízo competente para apurar o mérito da acusação, que não é o Supremo.
Esse foi o cerne do recurso da Procuradoria-Geral da República contra a decisão de Toffoli a favor de Raul Schmidt. O argumento vale como princípio geral. Mandar derrubar tudo observando o tema a 30 mil pés de altitude, quando há confissões de crimes e devoluções de bilhões em recursos desviados, é um escárnio.
Espera-se em especial do presidente da corte, Luís Roberto Barroso, que o plenário do Supremo se reúna sem mais tardar para decidir se abona o festival da impunidade patrocinado por um membro solitário do colegiado.
Na hipótese benigna, a maioria, embora seja contra as atitudes de Toffoli, peca por omissão. Na pior, deixa o colega atuar solto porque, no fundo, concorda com ele. Nos dois casos, o que subsiste por ora é o incentivo à subtração do patrimônio público.
Decisão de Toffoli incentiva leniência com corrupção
Por Editorial / O GLOBO
Faz um ano que o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), vem anulando decisões da Operação Lava-Jato e de outras operações de vulto contra a corrupção em decisões individuais, com a anuência da maioria da Segunda Turma da Corte. A última, anunciada na semana passada, beneficiou Leo Pinheiro, ex-presidente da construtora OAS. Réu confesso, Pinheiro relatou propinas na Petrobras e as reformas no apartamento do Guarujá e no sítio de Atibaia que levaram aos processos, depois anulados, contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Toffoli acatou a versão da defesa, segundo a qual Pinheiro, condenado a mais de 30 anos de prisão, foi vítima de “ilegalidades processuais”. Sozinho, cancelou todas as ações contra ele. Tem sido esse o procedimento-padrão no desmonte da maior operação contra corrupção da História do Brasil. Nada de debate no plenário, nenhuma possibilidade de a população ouvir opiniões divergentes. É difícil pensar que isso contribua de algum modo para a confiança dos brasileiros no Judiciário.
Em setembro do ano passado, Toffoli invalidou as provas do acordo de leniência firmado pela Odebrecht (hoje Novonor). Tornou nulos todos os dados obtidos pelos sistemas de informação do “departamento de propinas” da empreiteira. Cinco meses depois, suspendeu o pagamento das multas. Em maio, anulou as decisões da Lava-Jato contra o também réu confesso Marcelo Odebrecht, ex-presidente da empreiteira. Ele baseou seu despacho nas mensagens trocadas pelo então juiz Sergio Moro e integrantes do Ministério Público. Obtidas de forma ilegal, elas mostraram cooperação entre os responsáveis pela acusação e o juiz. A partir da decisão que beneficiou a Odebrecht, sabia-se que haveria uma avalanche de pedidos de condenados.
De acordo com a advogada de defesa de Pinheiro, Maria Francisca dos Santos Accioly, “todas as barbáries e ilegalidades processuais sofridas por Marcelo Odebrecht vitimizaram igualmente Leo Pinheiro”. Ao concordar com essa tese, Toffoli voltou a mencionar as conversas obtidas ilegalmente. “Diante do conteúdo dos frequentes diálogos entre magistrado e procurador especificamente sobre o requerente, fica clara a mistura da função de acusação com a de julgar, corroendo-se as bases do processo penal democrático”, disse o ministro. Na semana passada, a defesa do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró protocolou pedido a Toffoli para também ser beneficiado. A lista é grande.
Como era de esperar, as decisões tomadas no STF têm repercutido nas instâncias inferiores. Em agosto, o juiz Guilherme Roman Borges, da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, arquivou uma ação penal por organização criminosa, lavagem de dinheiro e evasão de divisas envolvendo executivos da Braskem. No início de setembro, mandou a União devolver R$ 25 milhões pagos em multa por Jorge Luiz Brusa, que fechara acordo com o Ministério Público. A lista de recuos da Justiça também é grande — e só faz crescer.
Não resta dúvida de que a Lava-Jato cometeu excessos. Mas as decisões de Toffoli livrando de punição réus confessos transmite a mensagem contrária à necessária num país com o histórico de impunidade do Brasil. Pela importância, elas mereceriam um debate mais aprofundado no plenário da Corte, capaz de avaliar se, por mais que haja justificativas processuais, a anulação de todos os casos e provas é a melhor forma de combater a corrupção.
Usurpação individual ou delegação?
Por Carlos Pereira / O ESTADÃO DE SP
Fica cada vez mais claro que o Judiciário tem exercido um papel proeminente na política brasileira. A maioria das interpretações desse fato, entretanto, se baseia quase que exclusivamente na perspectiva da personalidade individual de um juiz ou de um ministro do STF. Como se o protagonismo do judiciário fosse consequência direta de características pessoais ou de um estilo próprio de atuação de alguns de seus membros e não de elementos institucionais.
Na direção contrária a essas interpretações de enfoque individual, especificamente em relação ao desempenho arrojado do ministro Alexandre de Moraes, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, argumentou que Moraes “tem tido condição de fazer esse papel porque essa é uma visão majoritária no Supremo. Portanto, não é uma coisa personalista, nem monocrática. Reflete um sentimento coletivo de proteção da democracia. É claro que cada um, quando conduz um inquérito, conduz com as características da sua personalidade, mas há uma institucionalidade por trás”.
Essa interpretação institucional de Barroso é ancorada na teoria da delegação (Epstein e O’Halloran, 1999), na qual existiriam ganhos coletivos com a delegação de poderes para que agentes individuais atuem de forma consistente com os interesses de uma determinada maioria. Moraes seria então um “agente” dos interesses da maioria da Corte, assim como foi o ex-ministro Joaquim Barbosa, no julgamento do mensalão, ou como foi o ex-juiz Sérgio Moro, durante boa parte da Lava Jato.
Muito do que parece arroubo individual pode ser, na realidade, apenas delegação. Ou seja, o ministro estaria agindo como seus pares desejam. Isso não quer dizer que as preferências, estilos e idiossincrasias individuais não importem. Mas, que seria mais “eficiente” para o plenário que o ministro de forma estratégica atue individualmente e arque com os custos que recairiam em toda a corte se a decisão fosse coletiva.
Mesmo quando a atuação individual de um ministro “cruza o sinal” para além do que o plenário acha razoável, valeria a pena para o plenário correr esse risco e arcar com esses “custos de agência”. Ou seja, nem sempre é vantajoso reverter a decisão individual de um agente, mesmo quando ela parece exagerada.
Apenas quando os “custos de reversão” são baixos é que o plenário teria incentivos a reagir rapidamente a uma decisão individual e corrigir o rumo ou mesmo destituir o agente individual da função de representar os interesses coletivos. Ou seja, existe uma área de tolerância do plenário que o indivíduo atua estrategicamente até o limite dos custos de reversão.
Entrevista: ‘Crime quer formular leis, e Justiça tem que dar respostas imediatas’, diz presidente do TSE
Por Mariana Muniz, Daniel Gullino e Thiago Bronzatto / O GLOBO
A uma semana do primeiro turno, a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Cármen Lúcia, diz que a tentativa do crime organizado de influenciar e se infiltrar nas eleições municipais é “bastante grave” e “não pode ser subestimada”. Segundo ela, a Justiça tem coordenado um cruzamento de dados para monitorar o tema. Em entrevista ao GLOBO, a ministra defende que o Estado “deve agir de forma a reduzir a violência” na política e que candidatos envolvidos em pugilatos durante debates devem ser punidos. “Como pode alguém que se apresenta de forma agressiva ser um pacificador quando assumir o cargo?”, questiona ela. “A democracia exige vigilância permanente”, reforça.
Investigações apontam que organizações criminosas tentam influenciar as eleições para favorecer sua atuação nas cidades. O que o TSE tem feito para evitar isso?
Constituí um núcleo de especialistas do Ministério Público e da Polícia Federal para verificar, a partir dos pedidos de registro de candidatura, se havia pessoas envolvidas em processos relacionados a organizações criminosas. Isso nunca foi feito antes, mas, diante das notícias de possíveis infiltrações de organizações criminosas nos órgãos estatais, a Justiça Eleitoral tomou o cuidado de realizar essa verificação com a ajuda de especialistas. Por um lado, existe o direito de votar e ser votado, e os casos de inelegibilidade são definidos pela lei. No entanto, a Justiça Eleitoral não pode ignorar essas questões.
Quão grave é o cenário?
Bastante grave, especialmente considerando a ousadia do crime de querer ser o formulador de leis. Há um risco real de que esse comportamento se estenda às instâncias estaduais e até nacionais. É grave esse atrevimento criminoso. Hoje (sexta-feira), por exemplo, às 6h30, recebi uma ligação do presidente de um tribunal regional eleitoral, manifestando preocupação com a segurança de um juiz que está sendo ameaçado. Estamos tomando as medidas necessárias. Tivemos um assassinato em João Dias, no Rio Grande do Norte, do prefeito que buscava a reeleição. Há indícios de envolvimento de facções criminosas. Tudo isso mostra que a questão não pode ser subestimada. Devemos adotar medidas imediatas, tanto para evitar que os criminosos alcancem seus objetivos quanto para impedir que algo que já tenha começado em outros momentos se perpetue.
O TSE monitora a presença das organizações criminosas em estados como Rio, São Paulo, Amazonas e Ceará. Haverá alguma ação específica nesses locais no dia das eleições?
Foi necessário criar uma estratégia robusta para garantir a segurança das eleições, que envolve todas as polícias estaduais e federais. Também haverá apoio das Forças Armadas para os locais que solicitaram. Além disso, pela primeira vez, determinei que houvesse um juiz em todos os municípios brasileiros no dia da eleição. Essa estratégia foi implementada para que os eleitores se sintam seguros e protegidos, tanto física quanto legalmente, em todo o território nacional.
Entre janeiro e julho deste ano, 35 lideranças políticas morreram, de acordo com o Observatório da Violência Política e Eleitoral no Brasil. Como evitar que essa espiral de violência afete a nossa democracia?
É preciso saber a causa: é só eleitoral ou houve um aumento da violência na sociedade? Os números são alarmantes. Precisamos de uma resposta diferente, pois as abordagens atuais têm se mostrado ineficientes. Essa situação requer uma reformulação institucional, procedimentos mais eficazes e mudanças na legislação. O Estado deve agir de forma a reduzir a violência, e isso deve ser comprovado estatisticamente. O que a sociedade realmente deseja é viver em um ambiente seguro e pacífico.
Em São Paulo, um candidato desferiu uma cadeirada em seu oponente e um cinegrafista deu um soco no rosto de um marqueteiro. Em Teresina, um prefeito deu uma cabeçada em seu rival. A sensação de impunidade favorece esse ambiente de violência?
Pode ser um dos elementos. As pessoas têm o impulso atualmente de reagir com violência diante de um “não”. Quando eu era criança, minha mãe dizia: “Menino birrento põe de castigo”, e isso resolvia a situação. Agressão não pode ser tolerada. Se o Estado existe para garantir a pacificação social, como pode alguém que se apresenta de forma agressiva ser um pacificador quando assumir o cargo? A pessoa que trabalha o dia inteiro quer chegar em casa, assistir a um debate esperando ver propostas para sua cidade e aí assiste a um pugilato? Não é aceitável. A legislação pune toda forma de agressão. É preciso que essa legislação seja cumprida com rigor.
As redes sociais estimulam esse ringue eleitoral por meio do que a senhora chamou de “algoritmo do ódio”?
Tem um algoritmo perigoso. É evidente que alguém está ganhando muito com isso. Mas acho que esse impacto do algoritmo na eleição é muito menos do que se esperava. Os eleitores estão mais preocupados com questões práticas do dia a dia, como a educação dos filhos, a condição das ruas e o transporte público.
Um mês depois de eu chegar à presidência do TSE, o discurso mudou de “como é que a senhora vai fazer para lidar com as plataformas?” para “como vai fazer para enfrentar a insegurança?”.
As plataformas que assinaram comigo os memorandos estão cumprindo-os rigorosamente. Há poucos dias, uma delas retirou do ar em 15 minutos algo que poderia realmente ter algum impacto em um determinado município. Quinze minutos. A inteligência artificial, que foi tema de uma resolução, também teve menos impacto do que se imaginava inicialmente. Toda vez que há Direito, se dá segurança para todo mundo. Quem acha que pode fazer pirotecnias, apolíticas ou contra a política, sabe que será aplicado o Direito.
Como o TSE tem olhado para a presença de influenciadores nas campanhas, com impulsionamento de cortes de vídeos nas redes?
O corte descontextualiza e pode desinformar. Comprovada a desinformação, está na regra geral (que prevê punição). A novidade é o procedimento. Provavelmente, vamos ter que dar o tratamento específico para as próximas eleições. Foi o primeiro momento em que nós vimos isso acontecer. Sempre vai ter alguém com criatividade, e vem o Direito tentar contornar isso.
O TSE definiu critérios para que seja identificada e coibida a fraude à cota de gênero. Mesmo assim, há indícios de que esses casos continuam acontecendo, afetando a participação das mulheres na política. Como combater isso?
É péssimo e ilegal. O Tribunal Superior Eleitoral instituiu a cota de 30% das candidaturas femininas e depois estabeleceu também 30% de financiamento e de tempo de propaganda no rádio e na TV. Muitas mulheres não reclamam. Não chega ao Judiciário. Porque tem medo da retaliação do partido. Precisamos ter canais específicos de denúncia para apuração. O brasileiro reclama, mas não reivindica. E nós, brasileiras, precisamos aprender a reivindicar.
A senhora é a única mulher entre os 11 ministros do Supremo. Como se sente?
Não penso nisso. Sou um dos 11 e atuo desse jeito. Isso é uma coisa que é mais vista de fora do que de dentro na verdade. Mas preferia que tivesse paridade e espero que tenha. Quero muito que tenhamos paridade.
A senhora ficou decepcionada com o presidente Lula por não ter escolhido mulheres nas duas indicações que ele fez ao STF?
Eu preferia que houvesse mulheres, embora os dois colegas (Cristiano Zanin e Flávio Dino) sejam ótimos. Gostaria que todo mundo pensasse que ter mais mulheres é bom. Até porque é um avanço quando nós temos a presença de mais mulheres. Nos tribunais, 30% são mulheres. Se fizer um recorte da mulher negra, baixa para menos de 8%. A ideia de Justiça que tem que sair pelo olhar plural, de mulheres e de homens.
O ex-presidente Jair Bolsonaro questionou as urnas eletrônicas em 2022, e o TSE deu uma resposta. Isso ficou para trás?
Era tudo mentira. E o brasileiro é muito mais sabido do que alguns, que se acham sabidos, acham. Voltou-se a ter o mesmo nível de confiança que se tinha antes. Simples assim. Foi mantida a confiabilidade da Justiça Eleitoral e do eleitorado, que tinha sido posta em questão dirigida por interesses específicos. A democracia exige vigilância permanente. Para mim, a democracia é igual a uma roseira: tem que plantar e cultivar todos os dias. Agora, a erva daninha não escolhe terreno. Então, a democracia é um cultivo permanente. Eu não tenho um minuto de desligamento disso.
Toffoli agora anula condenações de Léo Pinheiro, que delatou Lula na Lava Jato
Por Rayssa Motta / O ESTADÃO DE SP
O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), anulou nesta sexta-feira, 27, todos os processos e condenações do empresário Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, na Operação Lava Jato.
Foi decretada a “nulidade absoluta de todos os atos praticados” contra o empresário, inclusive na fase pré-processual.
Réu confesso, Léo Pinheiro fechou acordo de colaboração com a força-tarefa de Curitiba e admitiu propinas a agentes públicos e políticos. A delação serviu de base para a investigação do caso do triplex do Guarujá, que levou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à prisão. A defesa agora alega que o empresário foi forçado a assinar o acordo.
A decisão de Toffoli não afeta o acordo de delação, que continua válido, segundo o próprio ministro. A multa imposta ao empresário na colaboração premiada foi de R$ 45 milhões. A defesa pediu a extensão de decisões que beneficiaram o presidente Lula, os empresários Marcelo Odebrecht e Raul Schmidt Felippe Júnior e o ex-governador paranaense Beto Richa (PSDB).
Toffoli concluiu que o empresário foi vítima de “conluio” entre o ex-juiz Sérgio Moro e procuradores da força-tarefa de Curitiba e que seus direitos foram violados nas investigações e ações penais. O argumento é o mesmo usado nas decisões anteriores que beneficiaram réus da Lava Jato.
A decisão toma como base diálogos hackeados de membros da Lava Jato, obtidos na Operação Spoofing, que prendeu o grupo responsável pelo ataque cibernético.
“A prisão do requerente e a necessidade de desistência do direito de defesa como condição para obter a liberdade estão fartamente demonstradas nos diálogos obtidos por meio da Operação Spoofing, que se comunicam com os atos processuais colacionados aos autos em relação ao requerente”, escreveu Toffoli.
A decisão se insere em um contexto maior de revisão da Operação Lava Jato no STF. Foi Dias Toffoli quem anulou as provas do acordo de leniência da Odebrecht (atual Novonor), em setembro de 2023, o que vem gerando um efeito cascata que atingiu condenações e até mesmo um acordo de delação.
Com base na decisão do ministro, processos têm sido arquivados nas instâncias inferiores. Isso porque inúmeras ações derivadas da Lava Jato usaram provas compartilhadas pela construtora. Uma ação envolvendo executivos da Braskem por supostas fraudes de R$ 1,1 bilhão foi trancada no mês passado. Os acordos de colaboração premiada e de não persecução penal de Jorge Luiz Brusa também foram anulados, o que vai gerar a devolução de R$ 25 milhões. Além disso, há dezenas de pedidos de anulação de processos na fila para serem analisados.
Relembre a delação de Léo Pinheiro
A Lava Jato apurou que a OAS fez parte do cartel de empreiteiras que se apossou de contratos bilionários na Petrobrás, entre 2004 e 2014. A empresa teria pago R$ 87 milhões em propinas em troca de contratos e aditivos da Refinaria Getúlio Vargas e da Refinaria do Nordeste Abreu e Lima. Parte dos recursos teria sido repassada à Diretoria de Abastecimento da Petrobrás, comandada por Paulo Roberto Costa.
Léo Pinheiro assinou o acordo de colaboração com o Ministério Público Federal em 2019. Ele narrou que as reformas no triplex de Guarujá e no sítio de Atibaia teriam sido propinas para Lula. O dinheiro teria saído de uma “conta” de R$ 16 milhões reservada ao PT. O presidente e o partido sempre negaram as acusações.
O nome de Toffoli foi citado nas negociações da delação. A versão final do acordo, no entanto, não tem referências ao ministro.
STF vai decidir futuro do ‘maior contrabandista de pessoas do mundo’ preso em SP; entenda
Por José Maria Tomazela / O ESTADÃO DE SP
Preso em Itaí, no interior de São Paulo, um bengalês apontado pela Polícia Federal como o “maior contrabandista de pessoas do mundo” está no meio de uma disputa judicial que envolve dois países. Saifullah Al Mamun foi detido em 2019 em operação internacional contra uma rede de coiotes que levava grupos de migrantes até a fronteira americana. Os Estados Unidos pedem sua extradição para que ele possa ser julgado lá. A decisão caberá ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Em outubro do ano passado, o ministro Luiz Fux concedeu a Al Mamun progressão ao regime semiaberto, com direito a saídas temporárias. A defesa, contrária à extradição, nega o crime de tráfico de pessoas, diz que os processos no Brasil e no exterior são relacionados apenas ao favorecimento da imigração ilegal e pede sua ida para o regime aberto, por ele ter deficiência física.
O bengalês foi preso há cinco anos no Brás, região central de São Paulo, durante as operações Estação Brás e Bengal Tiger, que ocorreram em 20 países e investigavam o envio de estrangeiros aos Estados Unidos. No Brasil, ele foi condenado em dois processos a 22 anos e 2 meses de prisão, por promoção de migração ilegal e lavagem de dinheiro.
A Justiça americana quer sua extradição para que ele responda a ao menos oito processos de remessa ilegal ou contrabando de imigrantes e conspiração, crimes graves naquele país. As ações tramitam no Texas, que aplica punições severas, como prisão perpétua e pena de morte.
Segundo a PF, de 2016 a 2019 a rede criminosa de coiotes movimentou mais de R$ 10 milhões para transferir ilegalmente para os Estados Unidos cerca de 200 pessoas. A investigação apontou uma rota clandestina de migração com origem em países como Bangladesh, Índia, Nepal, Afeganistão e Paquistão. O grupo usava serviço de advogados brasileiros para pedir refúgio no Brasil e fornecia documentos de viagem falsos, incluindo passaportes, e vistos.
Conforme o Estadão mostrou, a escalada de pedidos de refúgio dessas nações asiáticas no Aeroporto Internacional de Guarulhos, na Grande São Paulo, fez o Ministério da Justiça e da Segurança Pública apertar em agosto as regras para a concessão desse status.
A investigação que mirou Al Mamun mostrou que os migrantes eram levados ao Brás, região central de São Paulo, e tinham de pagar R$ 72 mil à quadrilha – R$ 25 mil na chegada e R$ 47 mil para a viagem até os Estados Unidos. No Brás, ficavam sob cárcere privado, sofrendo maus-tratos e agressões.
Depois, seguiam para Rio Branco, de onde iam de táxi ao Peru e encaravam uma jornada de risco, humilhações e privações, passando por Equador, Colômbia, Panamá, Costa Rica, Honduras, Nicarágua, Guatemala e México, até a fronteira com os Estados Unidos. Na travessia da Selva de Darién, entre a Colômbia e o Panamá, eram obrigados a caminhar até dez dias a pé. A floresta é uma rota estratégica pela baixa fiscalização da polícia e por ser controlada por cartéis do narcotráfico. Muitos migrantes se ferem e até morrem no trajeto.
Oito bengaleses foram sequestrados por cartéis na fronteira de México e Estados Unidos. O grupo foi resgatado no cativeiro após a polícia ouvir gritos, mas acabou enviado para deportação. Relatos deles e de outros migrantes que chegaram ao território americano foram usados como base para os processos na Justiça do país. Os depoimentos sustentam também acusações contra Al Mamun no Brasil.
A PF obteve inclusive imagens de vídeos dos grupos em meio à floresta da Colômbia e já no México em celulares e no computador do bengalês, indicando que ele acompanhava a jornada das vítimas.
Pedido de extradição para os EUA
O STF já decidiu que o pedido de extradição pelo governo dos Estados Unidos atende aos requisitos da Lei 13.445/2017, do Tratado de Extradição e da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. Mas, no mesmo acórdão, de 2021, os ministros condicionaram a entrega do estrangeiro à conclusão do processo penal na Justiça brasileira ou o cumprimento da pena.
A Justiça dos Estados Unidos pediu a antecipação da extradição, alegando que, como o réu está preso, pode ir para uma prisão americana e lá cumprir a pena imposta aqui, enquanto responde aos processos naquele país. Em outubro do ano passado, Fux suspendeu a prisão preventiva vinculada ao processo de extradição, considerando que os crimes atribuídos a Al Mamun teriam sido praticados sem violência ou grave ameaça.
Com a decisão monocrática, o detento progrediu para o semiaberto. Fux levou em conta que o bengalês é casado com uma brasileira, tem uma filha de 6 anos e anda de muletas, além de necessitar de remédios, acompanhamento urológico e fisioterapia. Al Mamun adquiriu a deficiência física após ser atingido em 2011 por um tiro na coluna durante um roubo em São Paulo.
A defesa diz que o detento pode ser ouvido pela Justiça dos Estados Unidos por carta precatória, como já aconteceu em ao menos um processo. No último dia 11, o processo em que se pede para antecipar a extradição foi encaminhado ao ministro relator, Nunes Marques, e aguarda decisão.
Nova condenação
Em sentença no último 29 de julho, o bengalês teve nova condenação pela Justiça Federal de São Paulo, a 7 anos e meio de prisão por lavagem de dinheiro e fraudes para transações cambiais. Conforme a denúncia, só o bengalês, que declarava renda de R$ 8 mil por mês, teria movimentado R$ 5,1 milhões em cinco anos. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), a investigação mostrou que o réu e seus cúmplices lavaram dinheiro, diluindo o montante em pequenas quantias depositadas em várias contas bancárias. A pedido do MPF, o bengalês já havia sido condenado por organização criminosa e promoção de migração ilegal à pena de reclusão de 14 anos e 8 meses. Nos dois processos houve recurso da defesa.
Defesa pede regime aberto
A advogada Cleidiany Kelly Cavalcante, que compartilha a defesa do bengalês com o advogado Fernando Neto, disse que já recorreu da condenação por lavagem de dinheiro, que é decorrente do processo principal pelo qual ele foi condenado no Brasil por promoção de imigração ilegal. “Importante salientar que ele não foi condenado aqui por tráfico de pessoas, que é um crime diferente. Já fizemos recurso de apelação das duas condenações, por isso não houve trânsito em julgado dessas condenações no Brasil”, afirmou.
Sobre a extradição, ela disse que houve decisão no sentido de que o bengalês fosse extraditado para os Estados Unidos após o cumprimento da pena no Brasil, ou com liberação antecipada. “Isso não houve até o momento, mas o juízo das execuções se manifestou no sentido de concordar com essa liberação antecipada, o que a defesa repudia, pois as vias recursais não foram esgotadas.”
Segundo ela, Al Mamun preenche desde o início do ano os requisitos para progredir para o regime aberto (cumprir o resto da pena fora da prisão), mas o juízo de execuções exigiu exame psicológico. Por ter deficiência física, diz a advogada, o cliente demanda cuidados especiais que o presídio não oferece. “Até agora, ele conseguiu apenas uma saída temporária, ainda assim com tornozeleira eletrônica. Nessa saída, ligou para a família e soube que seu pai morreu em Bangladesh”, disse.
Ela destacou que o bengalês não foi condenado por crime hediondo, mas por crime comum. “Ele é primário, com bons antecedentes e não tem outras condutas criminosas além dos processos pelos quais respondeu. Tem bom comportamento carcerário.”
Justiça obriga Aneel a transferir Amazonas Energia para irmãos Batista; órgão planejava intervenção
Por Daniel Weterman / O ESTADÃO DE SP
BRASÍLIA – A Justiça Federal do Amazonas obrigou a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a “aprovar imediatamente” a proposta da Âmbar Energia, empresa do grupo J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, de assumir o controle da Amazonas Energia, distribuidora do Estado.
A decisão foi publicada nesta segunda-feira, 23, no momento em que a agência reguladora se preparava para a possibilidade de decretar uma intervenção na companhia amazonense.
A Aneel informou que aguarda a notificação para dar cumprimento à decisão judicial. A agência ainda poderá recorrer. A Âmbar defendeu o plano apresentado, mas não comentou o conteúdo da determinação judicial. A Amazonas Energia e o Ministério de Minas e Energia não se pronunciaram.
A decisão liminar, assinada pela juíza Jaiza Maria Pinto Fraxe, foi dada em atendimento a um pedido da Amazonas Energia. Além de determinar que a agência aceite o plano na forma apresentada pela empresa, dando um prazo de 48 horas para o cumprimento, a juíza mandou o órgão regulador efetivar a conversão dos contratos da distribuidora já em vigor em Contratos de Energia de Reserva (CER), que repassam o custo para a conta de luz dos consumidores brasileiros. Os dois processos estão em análise da Aneel após abertura de consulta pública.
A empresa fez uma oferta pela Amazonas Energia após ser beneficiada pelo governo Lula com uma medida provisória (MP) que socorre o caixa da distribuidora e repassa o custo para a conta de luz dos consumidores brasileiros por até 15 anos. A medida não deve ser votada pelo Congresso e perde a validade no dia 10 de outubro, não gerando os benefícios autorizados pelo Executivo e aumentando as chances de uma intervenção. A proposta dos irmãos Batista tem um custo estimado R$ 15,8 bilhões para os consumidores, sendo que o ideal seriam R$ 8 bilhões, de acordo com a área técnica da Aneel.
De acordo com a juíza, a falta de uma decisão sobre o controle da Amazonas Energia. prejudica os interesses dos consumidores de energia elétrica no Amazonas, que enfrentam constantes quedas de energia e perda de aparelhos eletrônicos.
“O que efetivamente existe nos autos é a existência de um diploma legal com data de expiração próxima, qual seja 12 de outubro de 2024 (o prazo publicado pelo Congresso Nacional é 10 de outubro), sobre o qual a agência reguladora se encontra em mora de cumprimento. O risco de dano irreversível é inegável, tanto que já foi proferida decisão judicial acerca do assunto e até a presente data se encontra sem efetivo cumprimento”, diz a liminar, citando decisão anterior, proferida em agosto, que obrigou a Aneel a regulamentar a MP.
Aneel apontou problemas em proposta dos irmãos Batista e planejava intervenção na Amazonas Energia
Antes da decisão judicial, a possibilidade de intervenção era tratada como real pela cúpula da Aneel e representaria um revés para os irmãos Batista, que têm interesse em assumir o empreendimento, e para o governo Lula, que aposta na transferência de controle da companhia. O processo deve ser tratado pela diretoria da agência reguladora na semana que vem.
Diretores e técnicos do órgão identificaram riscos no plano apresentado pela Âmbar Energia. Pelo menos três autoridades foram cotadas e sondadas como possíveis interventores pela diretoria da Aneel nos bastidores, segundo apurou a reportagem: os superintendente da Aneel Ivo Sechi Nazareno e Júlio César Rezende Ferraz e o assessor da diretoria-geral da Aneel Leandro Caixeta Moreira. Procurados, os três não se manifestaram.
A intervenção poderia ser decretada caso o plano da Âmbar fosse rejeitado ou caso a empresa não concordasse com as exigências da Aneel. Nesse cenário, o interventor é responsável por gerir toda a companhia, nomear pessoas e apresentar um plano de trabalho exigido pela agência reguladora. Além disso, o governo fica autorizado a decretar caducidade da atual concessão, derrubando o atual contrato de administração da distribuidora, que está nas mãos da Oliveira Energia desde 2018.
O Ministério de Minas e Energia calcula um custo de R$ 4 bilhões para sanear o caixa da companhia caso o governo tenha que assumir o controle da distribuidora, fora uma indenização de R$ 2,7 bilhões para a concessionária atual, uma dívida de R$ 10 bilhões e todos os gastos futuros que a União teria que arcar. A Amazonas é uma empresa deficitária e enfrenta uma série de problemas regulatórios, dívidas e perdas financeiras.
Em agosto, conforme o Estadão antecipou, a área técnica da Aneel concluiu que a Âmbar não demonstrou capacidade técnica em distribuição de energia, que é o negócio da distribuidora, e apontou que a proposta dos irmãos Batista gera um custo de R$ 15,8 bilhões para a conta de luz, sendo que o ideal seriam R$ 8 bilhões, com impacto menor para o consumidor e maiores exigências para a companhia.
A agência abriu uma consulta pública para dar uma decisão final. No âmbito do processo e em conversa com representantes da Aneel, a empresa dos irmãos Batista insistiu no plano apresentado inicialmente. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, por sua vez, pressionou a agência reguladora a aceitar a transferência do controle (leia mais abaixo).
Técnicos e diretores da Aneel ainda permanecem com uma avaliação negativa sobre a proposta: gera custos altos para o consumidor, não resolve o problema da distribuição de energia no Amazonas e carece de compromissos maiores. O processo deve voltar à pauta do órgão na semana que vem.
No âmbito dos custos, as divergências giram em torno das metas e dos prazos para resolver os problemas da Amazonas Energia bancados pelos consumidores, entre eles as perdas não técnicas, ou seja, o furto de energia, conhecido como “gato”. O índice de perdas é calculado em 119,8%, gerando mais custos do que faturamento. O nível considerado adequado pela Aneel é de 68%. Pelo plano da Âmbar, o índice aceitável só seria atingido em 2038, de acordo com nota técnica da Aneel, que sugeriu uma mudança para 2033.
Há também um impasse sobre as dívidas da Amazonas Energia, calculadas em R$ 10 bilhões. Ao apresentar o plano, a Âmbar propôs fazer um aporte de capital na companhia para solucionar o endividamento até o fim do ano. A empresa comprou usinas termelétricas da Eletrobras que têm dívidas a receber da Amazonas Energia. Se assumir a companhia, ela seria, ao mesmo tempo, a devedora e a credora.
A área técnica da Aneel sugeriu fixar um prazo até o dia 31 de dezembro de 2024 para a resolução. Na fase de consulta pública, porém, a Âmbar discordou do prazo e propôs resolver o endividamento em até 15 anos, ancorada nas flexibilizações que serão bancadas pelo bolso do consumidor, para possibilitar uma remuneração da operação. Técnicos da Aneel identificaram ilegalidade na proposta de endividamento por não atender aos requisitos da medida provisória.
Ministro Alexandre Silveira pressionou Aneel a transferir controle de distribuidora
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, pressionou a agência a aceitar a transferência de controle da distribuidora do Amazonas. Na última quarta-feira, 18, Silveira se reuniu com o diretor-geral da Aneel, Sandoval de Araujo Feitosa Neto, e com a diretora da agência Agnes Maria de Aragão da Costa na sede do MME e cobrou uma solução.
O chefe da pasta tem defendido publicamente a transferência da Amazonas Energia e sugeriu até mesmo uma “intervenção” na Aneel. Em entrevista a jornalistas no dia 28 de agosto, Silveira classificou a transferência de controle da distribuidora como a “melhor solução” e disse que, caso não houver, o ministério vai estudar os cenários de intervenção e caducidade.
“Se por acaso tiver um colapso energético no Amazonas, eu quero saber onde as senhoras e os senhores vão bater: se é na Aneel, se é na empresa que quebrou por falta de cumprir obrigações regulatórias ou se é na porta do governo”, disse. Procurado nesta segunda, 23, para comentar o teor desta reportagem, o ministério não se pronunciou.
No dia 6 de setembro, o presidente da Âmbar, Marcelo Zanatta, e o presidente da Amazonas Energia, Márcio Zimmermann se reuniram com o diretor da Aneel e relator do processo, Ricardo Lavorato Tili, na sede da agência. A empresa dos irmãos Batista reforçou a defesa do plano apresentado por ela sem alteração nos prazos e condições para solucionar a situação financeira da companhia.
A Âmbar sustenta que a proposta apresentada por ela é a única maneira de tornar o negócio lucrativo e ainda resolver os problemas dos consumidores. Procurada pela reportagem, a empresa do grupo J&F defendeu o plano, mas não comentou diretamente a possibilidade de intervenção.
“A Âmbar Energia apresentou um plano de transferência de controle da Amazonas Energia que demonstra sua capacidade técnica e econômica para adequar o serviço de distribuição e que contém as condições necessárias para reverter a histórica inviabilidade econômica da distribuidora”, disse a companhia.
A empresa argumentou que, se não houver a transferência de controle, a União assumiria as operações e todos os contribuintes pagariam pelos custos. “O plano proposto busca evitar a repetição de condições que não foram capazes de solucionar o problema, garantir a segurança energética para os consumidores do Estado do Amazonas e benefícios para os consumidores de todo o País”, disse a empresa.