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Regra para presentes a autoridades não pode depender do bom senso

Por Editorial / O GLOBO

 

Se prevalecesse o bom senso, não seriam necessárias regras para regular o destino de presentes valiosos recebidos por autoridades. É evidente que a intenção não é presentear o indivíduo, mas sim o cargo que ele ocupa. Portanto joias e outros objetos de valor deveriam se destinar ao patrimônio público. Não foi essa, porém, a decisão tomada na semana passada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) num caso envolvendo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O tribunal determinou que Lula não será obrigado a devolver um relógio de ouro e prata avaliado em R$ 60 mil, recebido em 2005 nas comemorações em Paris do Ano do Brasil na França.

 

A decisão chamou a atenção por contrastar com o que o próprio TCU estabelecera no ano passado ao julgar o caso de joias e presentes recebidos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro dos governos da Arábia Saudita e de outros países. Por unanimidade, o plenário do tribunal determinou que ele devolvesse os presentes, alguns dos quais haviam sido postos à venda no exterior.

 

A decisão do TCU mobilizou o entorno de Bolsonaro a tentar recomprar relógios e outras joias vendidos nos Estados Unidos. O episódio levou a Polícia Federal (PF) a indiciá-lo por peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro, em inquérito que tramita no Supremo sob a presidência do ministro Alexandre de Moraes. Agora a defesa de Bolsonaro não perdeu a oportunidade de pedir tratamento idêntico ao dado pelo TCU ao relógio de Lula — e deverá usar a decisão para tentar deter as investigações.

 

No entender do TCU, porém, os casos são distintos. A decisão sobre Bolsonaro se baseou num acórdão emitido pelo tribunal em 2016 estabelecendo normas para o recebimento de presentes por autoridade. Elas lhes reservam o direito a manter apenas bens considerados “personalíssimos”. Em seu voto, o relator do processo, ministro Antonio Anastasia, argumentou que a regra não poderia retroagir a 2005, ano em que Lula ganhou o relógio. No final, prevaleceu a interpretação do ministro Jorge Oliveira, segundo a qual a legislação não estipula um critério para distinguir os bens de caráter “personalíssimo”, e não cabe ao TCU estipulá-lo, mas sim ao Congresso.

 

Num país em que é comum a confusão entre as esferas pública e privada, é preciso haver regras objetivas para que tais situações não estejam sujeitas a interpretações convenientes aos poderosos da ocasião. Se a regra do TCU não se mostra objetiva na prática, é preciso torná-la mais clara, e o Congresso faria bem aprovando legislação que dirimisse a questão. Não pode haver a percepção de tratamento diferente no que se refere a presentes recebidos pela Presidência. É arriscado apostar no bom senso das autoridades.

TSE julga governador bolsonarista ameaçado com 3 pareceres pró-cassação

Por Rafael Moraes Moura— Brasília / O GLOBO

 

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deve julgar nesta terça-feira (13) uma ação que pode resultar na cassação do governador de Roraima, Antonio Denarium (PP), aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, e na convocação de novas eleições no Estado.

 

Nos bastidores da Corte Eleitoral, o caso é considerado grave devido às provas de abuso de poder político e econômico apresentadas pelos adversários – tanto que os três processos que tramitam no TSE contra Denarium têm pareceres do Ministério Público Eleitoral (MPE) a favor da cassação do governador.

 

No caso que será levado a julgamento hoje à noite, a coligação da ex-prefeita de Boa Vista Teresa Surita (MDB) acusa Denarium de turbinar gastos com programas sociais em pleno ano eleitoral e utilizar a máquina do Estado para garantir a sua reeleição, por meio da distribuição de cestas básicas e reforma na casa de eleitores.

 

O governador é alvo de três ações (movidas pela coligação de Teresa e pelos diretórios estaduais do MDB e do Avante) que pedem a cassação do seu mandato. Em todas as três, ele já foi cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral de Roraima (TRE-RR), o que o levou a recorrer ao TSE para tentar se manter no cargo.

 

O MP Eleitoral propôs ao TSE a análise conjunta das três ações, mas a relatora do caso, ministra Isabel Gallotti, integrante da bancada conservadora da Corte, decidiu levar a julgamento apenas a ação movida pela coligação de Teresa Surita, ex-mulher do ex-senador Romero Jucá (MDB-RR), que é a mais ampla de todas e incorpora episódios investigados nos outros dois processos.

 

Por isso, o julgamento dessa ação é considerado o mais abrangente de todos, por reunir o maior número de provas – e podendo encerrar a discussão já agora.

 

As acusações contra o governador

 

Denarium é acusado pela adversária de repaginar o programa “Cesta da Família” em pleno ano eleitoral, com distribuição de cestas básicas ou de um cartão com crédito mensal de R$ 200 – criando, na prática, um novo programa social em pleno calendário eleitoral, o que é proibido pela Lei das Eleições.

 

O programa é resultado da fusão de outras duas iniciativas, o que fez o número de beneficiários saltar de 10 mil para 50 mil famílias em ano eleitoral — atingindo em torno de 150 mil pessoas num estado com população de 636 mil.

 

“Na sociedade, as ações assistencialistas geram um sentido profundo de gratidão entre parcela que delas usufrui e o gestor público, pois representam um alento para a privação de bens e serviços a que são submetidos diariamente”, aponta o vice-procurador-geral eleitoral, Alexandre Espinosa Bravo Barbosa, em parecer enviado ao TSE em maio deste ano.

“Porém, ainda que presente tal circunstância extraordinária, em hipótese alguma é permitido o uso de programa assistencial como subterfúgio para promoção política pessoal, desvirtuando a finalidade estritamente assistencial.”

 

O governador também é investigado pela Justiça Eleitoral por lançar em plano eleitoral o programa “Morar Melhor”, que previa a reforma na residência de moradores do Estado, mesmo sem ter uma lei específica de criação da iniciativa. O projeto de lei que institui formalmente o programa só foi encaminhado pela própria administração Denarium à Assembleia Legislativa de Roraima em janeiro de 2023, ou seja, após as eleições.

 

Segundo o MP Eleitoral, o programa acabou expandido, com “o objetivo de alcançar até 10.000 reformas no ano de 2022, havendo um claro e evidente desequilíbrio na competição eleitoral, caso pensemos em 10 mil famílias sendo atingidas em um estado com a extensão de Roraima com a reforma ou a esperança de uma reforma, caso houvesse reeleição”.

 

O MP Eleitoral ainda viu abuso de poder político e econômico de Denarium na decisão do governo de destinar R$ 70 milhões a 12 municípios do Estado, um valor que “extrapolou toda e qualquer outra medida já empregada durante os três primeiros anos de mandato”.

 

Para efeito de comparação, o MP Eleitoral aponta que, no ano anterior, o governo destinou R$ 168,1 mil aos municípios do Estado para o enfrentamento de situações de emergência e calamidade em virtude das fortes chuvas na região. Enquanto o governo estadual despejava recursos nos municípios, as redes sociais de prefeituras e prefeitos beneficiados com a verba milionária exaltavam a figura do governador.

 

PT erradicado’

Denarium se notabilizou na última campanha eleitoral pelo discurso bolsonarista e antipetista, como expôs em uma live gravada em outubro de 2022 ao lado de Pablo Marçal, dizendo que o PT “foi erradicado” no Estado de Roraima.

 

“Roraima é o único Estado do Brasil que não tem nenhum vereador do PT, nenhum prefeito do PT, nenhum deputado estadual do PT, nenhum deputado federal do PT, nenhum senador, nem governador do PT. Aqui é direita, é crescimento, é Bolsonaro de novo”, afirmou Denarium.

 

Após as condenações impostas pelo TRE de Roraima, o governador divulgou nota em que afirma que as ações realizadas pela sua administração “sempre tiveram objetivo de ajudar quem mais precisa”. “Sigo no exercício do cargo e confio que as instâncias superiores eleitorais irão estabelecer a verdade”, afirmou à época.

 

Agora quem corre o risco de ser erradicado é o próprio governador.

STF ainda debate Lei dos Caminhoneiros após quase dez anos; entenda o que está em jogo

Cristiane Gercina / FOLHA DE SP

 

Quase dez anos após a publicação da Lei dos Caminhoneiros, o STF (Supremo Tribunal Federal) ainda debate pontos da regra, que podem criar um passivo trabalhista bilionário para as empresas do setor, calculado em R$ 255,6 bilhões.

O julgamento da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 5.322 contestando parte da lei 13.103, de 2 de março de 2015, ocorreu em junho do ano passado, mas dois recursos pedindo esclarecimentos da decisão voltaram à corte neste mês.

Em 2 de agosto, o plenário virtual do Supremo começou a discutir os embargos de declaração apresentados por representantes das empresas de transporte e dos trabalhadores, mas o debate foi interrompido na quinta-feira (8), após pedido de vista do ministro Dias Toffoli.

O pedido de vista é uma solicitação de mais prazo para analisar o tema. Por regra, o ministro tem prazo de até 90 dias para devolver o processo e, então, novo julgamento será marcado.

Um dos principais pontos a serem esclarecidos pelo STF é a partir de que data devem ser aplicados os entendimentos dos ministros definidos no julgamento do ano passado: se a partir da data de entrada da lei em vigor ou se após o julgamento da corte.

A defesa feita tanto por trabalhadores quanto por empregadores é de que o marco seja a partir de junho de 2023, quando ocorreu ou julgamento, e os efeitos não sejam retroativos, ou seja, não valham desde que a legislação foi publicada.

O motivo é que a Lei dos Caminhoneiros aprovada por Câmara e Senado no governo Dilma Rousseff (PT) trouxe dispositivos considerados inconstitucionais pelos ministros do STF. Entre eles estão as regras do descanso semanal remunerado e do intervalo interjornada, entre um dia e outro de trabalho.

O Supremo julgou também o tempo de espera pela carga como sendo de trabalho e não de descanso, e entendeu que não é constitucional o motorista descansar com o caminhão em movimento, que se dá com revezamento entre dois motoristas —enquanto um dirige o outro dorme.

Segundo o advogado Orlando Maia Neto, sócio do Ayres Britto Advocacia e que atua no processo como amicus curiae (amigo da corte) representando as empresas do setor de transporte de combustível, a legislação permitia a flexibilização de alguns direitos previstos na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), entre eles a divisão do tempo de descanso interjornada, o descanso em movimento e não fazer a pausa semanal em viagens longas.

Pela lei de 2015, o motorista poderia descansar menos horas entre um dia de trabalho e outro e acumular as horas faltantes para tirá-las no futuro. O mesmo ocorria com o descanso semanal. Em viagens longas, o caminhoneiro também podia ficar sem folga e, depois, tirava esse período ao voltar para a cidade de origem, chamada de base.

"As empresas seguiam como estava na lei, porque, na realidade, a lei refletiu uma prática que já ocorria", diz ele, que é advogado do IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás). "As empresas e os trabalhadores em si acordavam de descansar só lá na frente, mas o Supremo falou que isso não dá."

Como a regra foi considerada inconstitucional, é preciso cumprir os prazos de descanso entre uma jornada e outra e nas viagens longas, além de contar na jornada o período em que o motorista espera o caminhão ser carregado. Com isso, o setor de transporte estima ser necessário aumentar em 20% a frota de caminhões.

Maia Neto afirma que, no setor de transporte de combustíveis, há ainda um agravante, que é o fato de caminhão precisar ser adaptado e o motorista é especializado e precisa passar por cursos, com isso, aumentar a frota não seria tão simples.

A CNT (Confederação Nacional dos Transportes), que representa empregadores, pediu ao menos mais dois anos para se adequar, e voltou a requerer a possibilidade de descanso em movimento. As duas solicitações, no entanto, já foram negadas pelo ministro relator, Alexandre de Moraes.

Em seu relatório, o ministro acatou a solicitação da CNT e da CNTT (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres), de modular os efeitos da decisão a partir do julgamento —as regras devem valer a partir de agosto de 2023, data de publicação da ata— e também atendeu a um outro pedido dos trabalhadores, de que as convenções coletivas tenham validade sobre leis, desde que não derrubem direitos constitucionais.

O voto do relator foi seguido pelos ministros Cristiano ZaninFlávio Dino e Cármen Lúcia. Depois, houve pedido de vista de Dias Toffoli. Ao retomar o julgamento, Toffoli será o primeiro a apresentar seu voto.

O que diz a Lei dos Caminhoneiros

Aprovada após pressão da categoria em uma greve no governo da presidente Dilma Rousseff (PT), já na esteira do pedido de impeachment —caminhoneiros era a favor da queda da presidente—, a lei 13.103 regulamentou a profissão de motorista profissional e determinou algumas regras sobre a jornada de trabalho dos caminhoneiros, que diferiam do que diz a CLT.

A lei determinava uma hora de almoço por dia, 11 horas de descanso entre um dia de trabalho e outro, e descanso semanal de 35 horas em viagens longas. A prorrogação da jornada de trabalho poderia ser de até duas horas por dia, pagas com o acréscimo de 50% ou conforme acordo coletivo.

O acordo coletivo poderia permitir a redução das 11 horas de descanso para até nove, desde que houvesse compensação no dia seguinte.

O que decidiu o Supremo sobre a Lei dos Caminhoneiros

É inconstitucional a parte da legislação que permitia o fracionamento do descanso noturno, entre uma jornada de trabalho e outra, assim como o fracionamento e o acúmulo do descanso semanal. "O descanso tem relação direta com a saúde do trabalhador, constituindo parte de direito social indisponível", disse o relator, ministro Alexandre de Moraes, no seu voto.

Outro ponto considerado inconstitucional foi contar como descanso o período em que o motorista ficava aguardando o caminhão ser carregado. Ele deve entrar na jornada de trabalho e, se for o caso, ser considerado hora extra.

A possibilidade de descanso com o veículo em movimento, por meio de revezamento de motoristas, foi negada. Agora, a CNT contesta. Moraes negou novamente, mas ainda há outros ministros para apresentarem seus votos.

Ao todo, no julgamento de junho de 2023, 11 pontos foram considerados inconstitucionais.

Ministério Público e ativistas criticam contratos de eólicas e solares no Nordeste

Alex SabinoZanone Fraissat / folha de sp

 

 

José Lopes Galvão pede para ser chamado de Zé de Elias no jeito nordestino de designar que se chama José e é filho de Elias. A terra em que vive, ao lado do Assentamento Acauã, em Santana do Matos, Rio Grande do Norte, era de seus avós.

O tempo todo, 24 horas por dia, vê e escuta um aerogerador ao lado de sua casa. Ele assinou contrato e arrendou a propriedade para o Complexo Eólico Acauã.

"Assinei na besteira. Estou arrependido. Nem sei direito quanto vou receber. Eles não me falaram, não", afirma, sentindo-se pior ainda com a lembrança da promessa de que embolsaria "muito dinheiro" com aquele acordo.

O rendimento até agora tem sido de R$ 300 por mês. Considera um valor "ridículo". Mais ainda quando cita o barulho que o aerogerador faz à noite. Seu filho coloca pedaços de papel higiênico no ouvido como tentativa desesperada de conseguir dormir.

Zé de Elias é exemplo de problema que ronda o modelo de parques eólicos e solares no Nordeste brasileiro: os contratos para arrendamento de terras de pequenos agricultores. Uma queixa que movimenta associações de moradores, ONGs, sindicatos, pesquisadores e o Ministério Público Federal.

"É uma Serra Pelada dos ventos", opina Fernando Joaquim Ferreira Maia, professor de Direito da UFPB (Universidade Federal da Paraíba) e integrante do projeto Dom Quixote, que analisa questões da transição energética. A referência é ao garimpo a céu aberto no Pará que abriu uma corrida sem lei por metais preciosos.

"Os contratos são a mola de tudo isso. A empresa negocia diretamente com os agricultores numa desproporção, uma assimetria muito grande. O arrependimento vem depois", completa.

Esta é a palavra mais usada por especialistas e advogados ouvidos pela Folha no Nordeste, quando o assunto era os acordos que possibilitam as instalações de parques eólicos e solares: assimetria. Os documentos assinados por agricultores favoreceriam apenas uma parte.

"É quase um colonialismo", critica José Godoy Bezerra, procurador do Ministério Público Federal da Paraíba. "De um lado, há empresas com conhecimento técnico e capacidade econômica. De outro, agricultores analfabetos, com zero conhecimento sobre energia. A boa-fé contratual não existe. É um processo o tempo todo atravessado, de má-fé. Isso não é energia limpa."

O Nordeste vive expansão de parques eólicos e produz 93,6% de toda a energia proveniente de ventos usada no país.

Na instalação de um parque, primeiro há a necessidade de medir os ventos ou a capacidade fotovoltaica (dos raios do sol) do local. Isso pode levar mais de um ano. Quando a viabilidade é constatada, as empresas precisam de terras para colocar o projeto de pé.

Até a metade de 2023, o Brasil tinha 890 parques eólicos instalados em 12 estados. Desse total, 85% estão no Nordeste. O mercado já recebeu R$ 300 bilhões em investimentos. A avaliação das companhias é que até 2030 serão colocados mais R$ 175 bilhões em novos projetos. Os investimentos em usinas solares, desde 2012, foram de R$ 2,8 bilhões.

Os governadores da região estão interessadíssimos no assunto porque, além da arrecadação estadual, há o histórico de crescimento local. Levantamento da Abeeólica (Associação Brasileira de Energia Eólica) aponta que o PIB (Produto Interno Bruto) das cidades que receberam parques cresceu 21% a partir da instalação e o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) aumentou 20%.

Ainda segundo a entidade de classe, cada real colocado em energia eólica resulta em mais R$ 2,9 na economia local.

Pode ser uma realidade no mercado macro, mas não é reconhecida por moradores de pequenas comunidades ou agricultores afetados pelos empreendimentos.

"Quando eles [da empresa] chegam, a lavagem cerebral é grande. O tempo passa e os problemas começam. Os problemas existem e quando a choradeira fica grande, a empresa faz uma reunião e promete que vai resolver para todo mundo ficar quieto. Não querem divulgação. A maioria das reclamações é quando acontece atraso de pagamento", afirma Geraldo (nome fictício), morador de Junco do Seridó, na Paraíba, e arrendatário de terra para o Parque Eólico Serra do Seridó.

É algo repetido para a reportagem. Cada vez que acontece uma queixa pública, um funcionário do parque vai à comunidade garantir que haverá soluções e pedir que aquilo não se repita. Nem sempre as promessas foram cumpridas.

"No dia seguinte alguém vem até a minha casa, pergunta por que falei mal da empresa e que não posso fazer isso", disse uma moradora do seridó paraibano que pede para não ter o nome divulgado.

Os contratos de arrendamento de terras são longos. Variam entre 30 e 50 anos. Valem para os herdeiros, caso o proprietário morra no decorrer do acordo. Há questionamentos quanto à perda do uso da terra pelo agricultor porque a companhia vai determinar que áreas utilizará da propriedade e que trechos serão liberados para cultivo.

Existem também as queixas quanto à tal assimetria, a renovação automática, a possibilidade de desistência apenas pela empresa e, principalmente, o valor pago.

"Esse é um ponto muito sensível. Há casos de R$ 300 anuais. São R$ 25 mensais na primeira fase de instalação. Isso pode levar dois ou três anos. Há a restrição ao uso da terra. Só pode plantar e construir o que a empresa permite. Você é o dono da terra, mas perde autonomia. No Ceará, foi colocada [aos agricultores] a proibição de cavar o solo", relata o advogado Rárisson Sampaio, especialista em energia e professor da UFPB.

A mudança de patamar de remuneração acontece apenas quando a energia começa a ser negociada no mercado. Zé de Elias alega que o aerogerador em sua propriedade está em funcionamento há mais de um ano, mas ele continua a receber R$ 300 mensais.

"O retorno para o agricultor é de 1,5% do que é vendido, mas isso é um valor global do parque. Será dividido de acordo com os aerogeradores que estão em cada propriedade. E é o que a empresa diz que vendeu. Não há aferição", ressalta o procurador Godoy.

O Ministério Público fez solicitação ao Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e ao governo paraibano, no ano passado, para fiscalizar os contratos.

"Nossa visão é mais no macro. As ações que apareceram até agora contra as empresas são iniciativas individuais, não algo coletivo. Até porque os contratos são entre privados", completa Godoy, expondo o maior problema para quem reclama da forma como foram feitos os contratos: são acordos entre empresas privadas e indivíduos.

A assessoria do Incra informa ter publicado Instrução Normativa 112, em dezembro de 2021, para regulamentar a anuência do uso de terras de assentamentos para investimentos de energia. Esta apresenta todos os documentos, outorgas e licenciamentos necessários para autorização do projeto. Mas nem todas as terras usadas para parques eólicos ou solares são espaços usados para assentamentos da reforma agrária.

Existe também a possibilidade de o agricultor arrendar a sua terra mas, por decisão da empresa, esta não receber nenhum aerogerador. Neste caso, durante todo o contrato, ele receberá o valor equivalente ao pago durante a construção.

"O avanço de energias renováveis de fonte eólica e solar no Nordeste brasileiro, com seus múltiplos e invisibilizados impactos sobre as comunidades, é mais uma faceta do que chamamos de racismo. Reproduz a exclusão de populações diretamente afetadas pelos empreendimentos. Verifica-se uma sobreposição de interesses econômicos privados em detrimento do bem-estar de comunidades no âmbito da exploração de energias renováveis no Brasil", diz relatório do Inesc, ONG que trata de políticas públicas e direitos humanos, publicado no ano passado.

Os relatos ouvidos pela Folha, em diferentes regiões da Paraíba e do Rio Grande do Norte, têm alguns pontos em comum. O principal é a abordagem. No início, era um representante da companhia, engravatado, que fazia promessas de prosperidade e de uma renda que garantiria o futuro da família. O pedido era quase sempre para manter o contrato em sigilo após assinado. O documento não poderia ser levado para vizinhos, sindicatos ou associações de moradores.

Quando a estratégia ficou muito conhecida, os elos passaram a ser líderes comunitários encarregados de falar bem dos parques. Nos últimos tempos, a pressão passou a ser de governos municipais, interessados também na arrecadação do ISS (Imposto sobre Serviços).

Uma agricultora que se recusou a assinar disse que um dos argumentos para tentar convencê-la foi a obrigatoriedade de concordar porque seria pelo bem da humanidade.

"As empresas usam também os contratos como banco de terras. Arrendam bem mais do que vão usar agora porque no futuro já têm o espaço garantido e evitam a concorrência", analisa o advogado Claudionor Vital, 55, sócio da Centrac, Centro de Ação Cultural da Paraíba, que atua no semiárido do estado.

Ele também critica que as companhias avaliam quanto querem pagar pelas terras sem levar em conta o valor agregado mais importante: o vento ou o sol.

Questionado pela reportagem, o Governo da Paraíba, por meio da Sudema (Superintendência de Administração do Meio Ambiente), disse que os contratos entre empresas de parques eólicos e solares e pequenos agricultores são firmados entre particulares e o Estado não tem poder para interferir.

O Governo do Rio Grande do Norte declara atuar em "várias frentes com articulação multidisciplinar para mitigar os eventuais impactos dessas atividades" para que a transição energética ocorra da maneira mais justa possível.

A Abeeólica informa liderar um grupo de trabalho há dois anos para discutir e compartilhar boas práticas "e facilitar ações para solucionar as questões apontadas por comunidades vizinhas aos parques." A entidade considera que as queixas são "minoria em relação ao número de parques no país" e que as empresas cumprem a legislação vigente, "inclusive como forma de segurança jurídica e financeira quanto aos altos investimentos feitos nos empreendimentos."

A Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica) declara que a implantação de grandes usinas solares no Brasil atende a rigorosos requisitos legais e que são realizadas interações com as comunidades dos territórios e com os gestores públicos. Segundo a associação, os associados são incentivados a atuar nos mais elevados padrões internacionais que considerem que as "tratativas locais sejam justas e transparentes."

Responsável pelo complexo eólico Acauã, no Rio Grande do Norte, a Aliança Energia afirma que os contratos de arrendamento foram negociados com os proprietários das terras, que nenhum possui cláusula restringindo direito de associação ou representação jurídica. "A base de remuneração, após a entrada em operação do parque, é o percentual da receita e a área do imóvel", diz a empresa.

Operadora do Parque Eólico Serra do Seridó, a EDP diz que seus projetos "atendem todas as exigências dos órgãos reguladores e ambientais, garantindo a conformidade com as normas vigentes." Segundo a companhia, durante a fase pré-operacional, a área continua disponível para uso dos proprietários, enquanto são conduzidos estudos técnicos necessários. "Ao longo da operação do parque eólico, mantemos uma convivência harmoniosa com as atividades agropecuárias (…) respeitando os requisitos de segurança inerentes à natureza do empreendimento de geração de energia elétrica", completa.

Consulado pela reportagem, o Ministério das Minas e Energia não respondeu até a publicação desse texto.

"Sabe qual foi o benefício que ficou para a gente? Nenhum. O legado foi dos impactos. Ficou a zoada", constata, melancólico José Antoniel de Lima, 37, presidente da Associação Assentamento Acauã, no Rio Grande do Norte.

"Zoada" é o barulho que os aerogeradores fazem dia e noite.

AGRICULTOR E A EOLICA

Câmara e Senado dizem ao STF que não podem identificar autores de emendas de comissão

O GLOBO

 

A Câmara e Senado afirmaram, durante reunião no Supremo Tribunal Federal (STF), que não conseguem identificar os autores das emendas de comissão, instrumento que passou a ser mais utilizado com o fim das emendas de relator, que compunham o chamado orçamento secreto.

A reunião foi realizada para detalhar o cumprimento da decisão do ministro Flávio Dino, que determinou que as emendas de comissão e os restos a pagar das emendas de relator só podem ser pagos pelo Poder Executivo quando houver "total transparência e rastreabilidade" dos recursos.

 

Os representantes da Câmara afirmaram não que existe a figura do "patrocinador" das emendas de comissão (RP8), e por isso não é possível identificá-los. "Em relação à RP8, as informações estão disponíveis e atendem o procedimento do regimento, mas a figura do patrocinador não existe no Congresso, de modo que o Congresso não tem como colaborar", diz a ata do encontro.

 

Em seguida, os representantes do Senado afirmaram que endossavam a manifestação da Câmara. Eles também alegaram que as emendas de comissão não estão no escopo original da ação na qual Dino tomou a decisão.

 

O valor das emendas de comissão, que não chegavam a R$ 1 bilhão até 2022, saltaram para R$ 7 bilhões em 2023 e R$ 15 bilhões neste ano. Como o GLOBO mostrou, esses recursos continuam sendo repassados de forma desigual pelo país.

 

Na semana passada, durante audiência de conciliação, o ministro do STF afirmou que é preciso esclarecer se as características do orçamento secreto estão sendo aplicadas em outros mecanismos, como as emendas de relator.

 

— A razão de decidir no Supremo é que qualquer modalidade de orçamento secreto fica banida — afirmou Dino. — Não basta mudar o número para mudar a essência. Se não é possível uma execução privada de recursos públicos com opacidade sob a modalidade de RP-9 do mesmo modo isto está vedado sobre qualquer outra classificação.

Ex-assessor de Bolsonaro está preso com base em alegação falsa

Glenn Greenwald

Jornalista, advogado constitucionalista e fundador do The Intercept / FOLHA DE SP

 

Filipe Martins, ex-assessor de assuntos internacionais de Jair Bolsonaro (PL), está preso desde 8 de fevereiro. Sua prisão preventiva foi decretada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes. Martins permanece preso há quase seis meses, apesar de nunca ter sido condenado por qualquer crime —nem sequer acusado.

Pouco depois da ordem de Moraes, a PGR (Procuradoria-Geral da República), que inicialmente havia defendido a prisão, se manifestou favoravelmente à libertação de Martins. Em um parecer do início de março, o órgão admitiu que a alegação central na ordem de Moraes havia sido amplamente refutada. A PGR recomendou novamente nesta semana que Martins seja libertado porque "não há indicativos" de que ele tenha tentado fugir do país, justificativa original para a sua prisão.

O princípio de que um cidadão só pode ser preso depois que se prove, em um julgamento justo, que cometeu algum crime é fundamental para qualquer sociedade livre. Essa é a premissa que fundamentou as reportagens da Vaza Jato no The Intercept e a mesma que levou o STF a anular as condenações de Lula por Sergio Moro.

A prisão sem julgamento justo é um dos atos mais graves que um Estado pode cometer. Existem circunstâncias muito restritas e raras em que isso pode ocorrer. A prisão preventiva é uma "medida de caráter excepcional" e se justifica apenas para "prevenir situações que podem colocar em risco um resultado judicial justo" —por exemplo, quando um acusado pode obstruir uma investigação ou apresenta grande risco de fugir do país.

Uma das críticas mais comuns à Lava Jato foi justamente que Moro expandiu radicalmente o uso das prisões preventivas, impondo, antes de qualquer julgamento, muitos meses de cárcere a diversos acusados. O ex-juiz buscava coagir os presos a fazer delações ou outros objetivos políticos ilegítimos.

Essa queixa foi feita por Gilmar Mendesbem como por muitos especialistas jurídicos. Ironicamente, Moraes, tanto no caso de Martins quanto mais amplamente, "tem recorrido a um instrumento jurídico que se popularizou durante o auge da operação [da Lava Jato] e foi alvo de contestações pelos integrantes da Suprema Corte: as extensas prisões preventivas".

No caso de Martins, Moraes justificou a prisão com base na alegação de que o ex-assessor havia deixado o Brasil "a bordo do avião presidencial no dia 30.12.2022 rumo a Orlando/EUA". Em outubro de 2023, um colunista do Metrópoles afirmou equivocadamente que Martins deixou Brasília, "foi a Orlando em 2022 e evaporou". Essa alegação do colunista foi citada pela Polícia Federal e usada por Moraes para concluir que Martins apresentava risco de fuga.

No entanto, ficou claro desde o início que essa afirmação era completamente falsa. Por essa razão, o Metrópoles finalmente inseriu em junho uma grande e longa correção em seu artigo original, admitindo que sua alegação central era improcedente. A correção publicada no site reconhece que "Martins forneceu informação ao STF que mostrava que ele estava no Brasil naquela data". Ele nunca esteve no avião e não entrou nos EUA em dezembro.

Isso não foi um mal-entendido complexo. Está inequivocamente claro que Martins não evaporou nem deixou o Brasil no avião presidencial com Bolsonaro, como Moraes alegou.

Ele esteve no Brasil o tempo todo: a Latam confirmou que o ex-assessor viajou a Curitiba em voo da empresa em 31 de dezembro de 2022. Recibos do iFood e da Uber atestam a presença de Martins no Brasil durante o período. Como foi reportado pela Folha, "dados de geolocalização do telefone celular de Filipe Martins [...] mostram que o aparelho estava no Brasil no período entre 30 de dezembro de 2022 e 9 de janeiro de 2023".

Em janeiro de 2023, o governo atual respondeu a um pedido de acesso à informação que solicitava "a lista completa de quem viajou no referido voo da FAB [que levou Bolsonaro a Orlando em 30 de dezembro de 2022]". A resposta oficial inclui dez nomes, além de Jair Bolsonaro e sua esposa, Michelle. Filipe Martins não está listado.

Foi esse conjunto de evidências que levou a PGR a recomendar duas vezes a libertação imediata de Martins. Moraes, aparentemente ansioso para manter Martins preso sob condições duras, ignorou todas essas evidências e, em maio, rejeitou um pedido de soltura do ex-assessor.

Com o surgimento de ainda mais evidências, a PGR novamente se manifestou pela libertação de Martins nesta semana. Fez isso, nas palavras do procurador-geral, para "reforçar o pedido de soltura de Martins porque não há indicativos de que o réu tenha tentado fugir do Brasil no final de 2022".

Assim como ocorre com todos os cidadãos, Filipe Martins deve ser punido se for provado, em um julgamento justo, que ele cometeu algum crime. Mas ele nunca foi acusado de ter cometido crimes, muito menos condenado por eles. Está claro, há muito tempo, que a base para a ordem de prisão de Martins por Alexandre de Moraes antes do julgamento é falsa.

Martins está há quase seis meses na prisão com base em uma alegação falsa. Já passou da hora de ele ser libertado.

Dino alimenta esperanças de Lula no orçamento e encomenda nova crise com Congresso; leia análise

Por Daniel Weterman / O ESTADÃO DE SP

 

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, fez um movimento na tentativa de devolver parte do orçamento capturado pelo Congresso para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e encomendou uma nova crise do Judiciário e do governo com os parlamentares, ao assinar dois despachos sobre o orçamento secreto e as emendas Pix.

 

Em um processo, mandou abrir os porões do orçamento secreto. Em outro, determinou uma varredura nas emendas Pix. O que mais pode “pegar”, porém, é o que ministro decidiu daqui para frente. O governo não poderá mais pagar sobras do orçamento secreto sem transparência, como vem fazendo. Além disso, o Pix só vai cair se as prefeituras e os governos Estaduais disserem onde vão gastar o dinheiro – coisa que hoje não acontece.

 

Dino avançou ainda mais e determinou uma nova dinâmica para todos os tipos de emendas, e não só para os recursos tratados nos processos, proibindo parlamentares de mandarem dinheiro para fora de seus Estados e trazendo as emendas de comissão (que herdaram parte do espólio do orçamento secreto) para a baila.

 

Na prática, as decisões alimentam uma esperança do governo Lula de recuperar parte do orçamento que o Poder Executivo perdeu nos últimos anos, ainda que a prática da gestão petista tenha sido a de dar continuidade ao esquema que começou no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Em contrapartida, o Congresso deve reagir e não ficará satisfeito com mais esse movimento do STF.

O ministro avisou que faria isso – e por que faria. “Temos um encontro marcado com o tema relativo à parlamentarização da elaboração orçamentária no Brasil e das despesas públicas no Brasil”, disse o ministro durante uma sessão da Corte em abril, logo após tomar posse na cadeira e criticar a falta de poder do Executivo na hora de definir para onde vai o dinheiro da União.

 

O orçamento secreto e a emenda Pix, dois esquemas revelados por reportagens do Estadão, somaram R$ 67 bilhões até o momento e evidenciam o que se transformou o trato com o dinheiro público: apagão de planejamento, falta de transparência, desigualdades regionais e ainda corrupção. O Congresso não quer abrir mão do bônus de alocar os recursos, mas não assume o ônus de planejar e fiscalizar. O governo, por sua vez, dá aval a todo o processo enquanto fala em revisão de gastos.

 

É importante destacar que Dino não interrompeu nenhum processo de execução orçamentária, como empenhos e pagamentos, como fez a ministra Rosa Weber com o orçamento secreto em 2021. O magistrado, porém, delimitou como tudo deve funcionar daqui para frente. Outro fato relevante das decisões é recolocar o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU) na fiscalização das emendas, controle que tinha sido tirado e delegado aos órgãos locais, menos estruturados e mais suscetíveis a interferências políticas.

 

Em tempos de metas e arcabouços em xeque, os próximos passos serão decisivos para as contas públicas e para as relações entre os Poderes.

STF tira ação contra ‘Emendas Pix’ de Gilmar e redistribui para Dino, relator do orçamento secreto

Por Lavínia Kaucz (Broadcast) / O ESTADÃO DE SP

 

BRASÍLIA – O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu redistribuir a ação ajuizada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) contra as chamadas “Emendas Pix” para o ministro Flávio Dino, que relata ação sobre o orçamento secreto. Barroso considerou o “risco concreto de decisões conflitantes” sobre o tema.

 

A decisão foi tomada após o ministro Gilmar Mendes, que havia sido sorteado relator, pedir para Barroso rever a distribuição do processo. Gilmar questionou sua relatoria por entender que tanto a ação contra as “Emendas Pix” quando a ação que trata do orçamento secreto estão “fundadas em ausência de publicidade, transparência, fiscalização e responsabilização”.

 

“Foi instaurada audiência de conciliação na ADPF 854/DF, na qual um dos objetivos centrais é afastar ‘as práticas viabilizadoras do orçamento secreto’. A requerente, por sua vez, sustenta que as ‘Emendas Pix’ consubstanciam uma espécie de ‘orçamento secreto’ e que têm sido utilizadas para burlar o comando emanado deste Tribunal”, afirmou Gilmar ao submeter o questionamento a Barroso nesta terça-feira, 30.

 

Na petição enviada ao Supremo na semana passada, a Abraji pediu que o processo seja distribuído a Dino por “prevenção”, pelo fato de ele ser relator de ação que trata de tema semelhante. Em 2022, o Supremo declarou inconstitucional o chamado orçamento secreto, como ficaram conhecidas as emendas de relator identificadas pela sigla RP-9. A ação foi herdada por Dino do acervo da ministra Rosa Weber, que se aposentou.

 

As “Emendas Pix” são emendas parlamentares individuais que permitem a transferência direta de recursos públicos sem transparência. Na petição, a Abraji alega que os repasses não podem ser realizados sem vinculação a projeto ou atividade específica. “O Estado de Direito não pode admitir repasses sem finalidade definida e sem critério definido, por representar arbitrariedade inconstitucional”, argumenta. A associação fez um pedido de liminar para suspender as emendas até o julgamento definitivo da ação.

 

Nesta quinta-feira, 1º, Dino vai conduzir uma audiência de conciliação para discutir o possível descumprimento da decisão do Supremo. No despacho que determinou a audiência, Dino enfatizou que “todas as práticas viabilizadoras do orçamento secreto devem ser definitivamente afastadas”. Ele ponderou, contudo, que as “Emendas Pix” devem ser discutidas em ação específica sobre o tema.

 

STF cobra governo Lula e Congresso para enterrar de vez orçamento secreto; entenda

Por Gabriel de Sousa / O ESTADÃO DE SP

 

 

BRASÍLIA – O Supremo Tribunal Federal (STF) fará nesta quinta-feira, 1º, uma audiência de conciliação com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o Congresso Nacional para tentar sepultar definitivamente esquemas de uso irregular do Orçamento por parlamentares.

 

A sessão, marcada para as 10h, será tratará sobre “cumprimento integral” da decisão da Corte que pôs fim ao orçamento secreto em 2022. Segundo o ministro Flávio Dino, do STF, relator da ação sobre o caso, os Poderes estão utilizando outros mecanismos para distribuir recursos sem transparência.

 

Em dezembro de 2022, o STF decidiu por seis votos a cinco que o orçamento secreto é inconstitucionalA prática, revelada em maio de 2021 pelo Estadão, consistia na distribuição de emendas parlamentares sem transparência para redutos eleitorais de deputados e senadores aliados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Durante o governo Bolsonaro, a prática se tornou o símbolo da barganha entre o governo e o Legislativo.

 

Como mostrou o Estadão, o governo Lula segue distribuindo recursos para aliados no Congresso, sem transparência. O movimento ocorre às vésperas das eleições municipais de outubro. Uma nova roupagem para o mecanismo, que em essência permanece a mesma coisa.

 

Ao marcar a audiência de conciliação, Dino afirmou que o Congresso e o Planalto não comprovaram, “cabalmente”, o cumprimento da decisão da Corte. Segundo o ministro, a distribuição de recursos parlamentares sem transparência continuou ocorrendo durante o governo Lula, mas com “embalagens” diferentes da utilizada ao longo do governo Bolsonaro.

 

“Fica evidenciado que não importa a embalagem ou o rótulo (RP 2, RP 8, “emendas pizza” etc.). A mera mudança de nomenclatura não constitucionaliza uma prática classificada como inconstitucional pelo STF, qual seja, a do ‘orçamento secreto”, afirmou Dino na decisão de 17 de junho.

 

“Não há dúvida de que os Poderes Legislativo e Executivo são revestidos de larga discricionariedade quanto ao destino dos recursos orçamentários, o que não exclui o dever de observância aos princípios e procedimentos constantes da Constituição Federal – entre os quais os postulados da publicidade e da eficiência. Sem eles, abrem-se caminhos trevosos conducentes a múltiplas formas de responsabilização, que se busca prevenir com a decisão ora proferida”, escreveu.

 

Nesta quarta-feira, 31, Dino também se tornou relator da ação ajuizada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) contra as chamadas “Emendas Pix”, também reveladas pelo Estadão. O caso foi redistribuído pelo ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, a pedido do ministro Gilmar Mendes. Barroso considerou o “risco concreto de decisões conflitantes” sobre o tema.

 

Audiência de conciliação busca acordo entre Poderes

 

Além de Dino, vão participar da audiência o procurador-geral da República, Paulo Gonet, o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU)Bruno Dantas, o advogado-geral da União (AGU), Jorge Messias, e os chefes das advocacias da Câmara e do Senado. Estará presente também o advogado do PSOL, sigla que ingressou com a ação que tornou inconstitucional o orçamento secreto em 2022.

 

A audiência de conciliação ocorre quando um tribunal convoca as partes de um processo judicial para, juntos, tentarem encontrar uma solução ou acordo que possa colocar fim a alguma divergência. O mecanismo pode ser proposto pelo juiz quando ele entende que a discussão é uma alternativa viável ao julgamento.

 

No caso do orçamento secreto, Dino quer que o governo e o Congresso entrem em um acordo sobre o cumprimento integral da decisão que colocou fim a distribuição de recursos sem transparência.

Funcionários que empurram cadeiras de ministros do STF e distribuem cafezinho ganham R$ 6,4 mil

Por Gabriel de Sousa / O ESTADÃO DE SP

 

 

Perfilados atrás de onde se sentam os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), 11 assistentes aguardam a entrada dos magistrados durante cada sessão presencial. Além de prestar apoio administrativo, esses funcionários puxam as cadeiras dos juízes e os acomodam enquanto eles se ajustam nas poltronas de cor bege desenhadas pelo arquiteto e designer Jerzy Zalszupin. O salário mensal de cada uma desses auxiliares é de R$ 6,4 mil.

 

Além de puxar as cadeiras dos ministros do Supremo, os 11 assistentes de plenário são responsáveis pelo atendimento às ordens feitas pelos magistrados durante as sessões colegiadas. São eles que servem café, ajustam as togas vestidas pelos magistrados e carregam documentos jurídicos durante os julgamentos da Corte.

 

Em dias em que não há sessões no plenário do STF, esses servidores também são encarregados de organizar os livros dos ministros em estantes, arquivar memoriais e providenciar cópias de pareceres e petições.

 

Assim como os ministros, eles também possuem uma vestimenta regimental. Os 11 assistentes usam terno, gravata e uma capa de cetim preto. Diferente da toga dos magistrados, as peças cobrem até metade das costas. Por isso, eles são conhecidos informalmente dentro da mais alta Corte do País como “capinhas”.

 

Segundo o STF, cada ministro tem direito a um “capinha”, que realiza diariamente serviços de secretariado. Eles são servidores terceirizados e recebem, mensalmente, R$ 6,4 mil.

 

Mesmo sendo agentes que passam despercebidos durante as sessões do colegiado, a rotina dos “capinhas” viralizou nas redes sociais no último dia 19 de junho. A cena em questão foi a dos assistentes dos ministros puxando as poltronas para que eles pudessem se sentar antes do julgamento sobre a reforma da Previdência de 2019. Apenas Alexandre de Moraes se acomoda na poltrona sem o auxílio dos terceirizados. 

 

De acordo com Mariana Atoji, gerente de projetos da Transparência Brasil, a atuação dos assistentes de plenário é fundamental para o bom andamento das sessões presenciais, porém, a atribuição de puxar cadeiras antes do início dos julgamentos é desnecessária.

“Faz sentido só em casos muito específicos, como o do ex-ministro Joaquim Barbosa, que tinha um problema de coluna e precisava trocar de cadeira com certa frequência nas sessões. Ou, se muito, em ocasiões solenes como posses e início de ano judiciário. De resto, os ministros são perfeitamente capazes de se alocarem sozinhos”, afirmou Atoji.

 

Para o economista Gil Castello Branco, fundador da Associação Contas Abertas, a necessidade de auxiliares ajustarem os magistrados nas cadeiras aparenta uma necessidade de demonstrar a existência de um “poder supremo”. “Os ministros são cidadãos comuns, com braços e pernas. É o cúmulo da prepotência e da vaidade. Louvo os ministros que não se utilizam desse hábito esdrúxulo e medieval”, disse.

 

 

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