Proibir entrevista é indevido e inoportuno
Por Editorial / O GLOBO
Réu por tentativa de golpe de Estado, Jair Bolsonaro é julgado em meio à indevida pressão de Donald Trump sobre o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de tarifas sobre as exportações brasileiras e ameaças aos ministros da Corte. Desde o início das investigações, são notórias as tentativas de obstrução de Justiça perpetradas pelo ex-presidente e seu filho Eduardo Bolsonaro nas plataformas digitais. Dado o histórico de desprezo pelas instituições democráticas, é alto o risco de fuga ou pedido de asilo. Ciente disso, o ministro do STF Alexandre de Moraes determinou na semana passada o uso de tornozeleira eletrônica e proibiu a aproximação do ex-presidente a postos diplomáticos. Também o impediu de usar redes sociais, “diretamente ou por intermédio de terceiros”.
É compreensível a preocupação do ministro. O bolsonarismo já demonstrou diversas vezes sua capacidade de divulgar notícias falsas, a fim de manipular a opinião pública. Porém, em despacho redigido na segunda-feira para esclarecer as decisões da semana passada, Moraes foi além. No texto, diz que “a medida cautelar de proibição de utilização de redes sociais, diretamente ou por intermédio de terceiros, imposta a Jair Messias Bolsonaro inclui, obviamente, as transmissões, retransmissões ou veiculação de áudios, vídeos ou transcrições de entrevistas em qualquer das plataformas das redes sociais de terceiro”.
Há sérios problemas aqui. O primeiro deles é que a imprensa deve ser livre e não pode trabalhar sob cerceamento. O segundo é que, antes de qualquer condenação, Bolsonaro deve ser livre para dar entrevistas. Medidas cautelares anunciadas para garantir o julgamento de ações penais não podem atropelar outros direitos fundamentais, como a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa.
Bolsonaro é um notório manipulador, da casta dos piores populistas sul-americanos. Isso não justifica que seja impedido de se manifestar sobre seu próprio julgamento. Em abril de 2019, Luiz Inácio Lula da Silva, então condenado, deu entrevista quando estava preso na sede da Polícia Federal em Curitiba com a permissão do STF. A decisão de Moraes sobre Bolsonaro é extravagante nesse aspecto.
Sabendo que correrá o risco de ser preso se uma entrevista sua circular nas redes sociais, dificilmente falará com jornalistas. Com essa interpretação, Moraes nega à sociedade informações a que ela tem direito para formar suas convicções. Uma entrevista coletiva com o ex-presidente convocada por parlamentares da oposição para a segunda-feira foi cancelada.
Aplicada sem restrição, a decisão de Moraes equivale a proibir Bolsonaro de falar com quem quer que seja. Ele não tem como garantir que um desconhecido não usará o celular para gravar a conversa e publicá-la numa rede social. O ex-presidente precisa ser julgado por seus atos, e é descabida qualquer tentativa de intimidar o STF. Mas esse julgamento e todos os acontecimentos que o cercam, por suas profundas consequências políticas, têm de ocorrer de forma pública e acessível a toda a sociedade. Essa transparência será benéfica para o próprio STF.
Justiça cassa vereadora de Canindé por compra de votos e abuso de poder político e econômico
A Justiça Eleitoral determinou, nesta terça-feira (22), a cassação do diploma da vereadora de Canindé, Professora Lorena (PRD), e declarou a inelegibilidade da parlamentar por oito anos pela prática de abuso de poder político e econômico e pela captação ilícita de votos na eleição do ano passado, em que foi candidata. A vereadora vai recorrer da decisão e segue no mandato.
De acordo com a sentença, proferida pela juíza Rhaila Carvalho Said, da 33ª Zona Eleitoral do Ceará, as provas apresentadas demonstram que houve a utilização de “recursos financeiros expressivos para implementar” o esquema de compra de votos.
Segundo indicou a magistrada, foi comprovada a distribuição de dinheiro, a promoção de práticas assistencialistas pela distribuição de medicamentos e kits de higiene, além de uma organização sistemática — inclusive com um caderno de controle de eleitores e da rede de operadores políticos. Uma delas seria ligada a uma facção criminosa.
O que disse a vereadora?
Ainda na manhã desta terça, a vereadora se manifestou em um vídeo publicado em seu perfil nas redes sociais. Na gravação, ela disse que recebeu “com bastante naturalidade” a notícia da sentença.
“Respeito as decisões judiciais, assim como outros representantes políticos já passaram por situações semelhantes, também tendo o direito legal de recorrer”, frisou, pontuando que “ainda há duas instâncias” em que o processo pode tramitar. A política ainda falou continua no exercício do mandato “até que haja uma decisão definitiva”.
MP solicitou a cassação
Ao que indicou o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) na inicial, em setembro de 2024, foi denunciada à Polícia Civil a existência de “transações financeiras ilegais” em favor da vereadora, com a distribuição de R$ 30 mil para compra de votos. O órgão estadual pediu a cassação e a inelegibilidade.
Investigações posteriores apontaram “intensa movimentação de pessoas no local da candidata” e uma distribuição de materiais ou dinheiro. Além disso, o MPCE verificou uma publicação de um evento nas redes sociais da qual a política seria “patrocinadora” e estaria oferecendo prêmios de até R$ 1 mil.
Foi realizada uma ação para o cumprimento de mandado de busca e apreensão, que resultou na apreensão de mais de R$ 56 mil em espécie, dez mil “santinhos”, medicamentos e kits de higiene, caderno de anotações, cópias de documentos pessoais de eleitores e comprovantes de abastecimento e combustível.
Defesa pediu nulidade
A defesa da parlamentar solicitou a nulidade da busca e apreensão por “divergência do endereço que consta no mandato e o endereço em que a diligência efetivamente se realizou”.
Os advogados rebateram as acusações do MPCE, argumentando, entre outros pontos, que o dinheiro pertencia ao esposo da então candidata e que as anotações pertenciam à empregada doméstica, já que foram encontradas no quarto dela.
Na audiência, o MP citou ainda a alegada relação de Francisca Naiane Cavalcante Oliveira, uma operadora política envolvida numa ação de busca e apreensão realizada em um distrito de Canindé, com a facção Guardiões do Estado (GDE). Com ela foram apreendidos materiais indicando ilícito eleitoral e material de campanha da vereadora.
A sentença da Justiça Eleitoral
A preliminar de nulidade da busca e apreensão, entretanto, foi rejeitada. Da mesma maneira, considerou que o caderno de anotações era parte da estratégia de campanha da Professora Lorena, que o dinheiro tinha forte indício de recursos destinados à compra de votos e que havia uma finalidade ilícita nos volumes de kits e remédios apreendidos.
Foi constatada também a relação de Francisca Naiane com a campanha da investigada, em que ela seria a responsável pela administração de um ponto de apoio eleitoral vinculado à investigada, gerenciando a locação de motocicletas para sua campanha.
Indagada pela reportagem do PontoPoder, a vereadora de Canindé negou que Francisca Naiane seja sua aliada. “Afirmo veementemente essa não é a realidade”, sustentou. “Já me manifestei sobre a sentença da magistrada da Zona Eleitoral e, apesar de discordar, respeito as decisões judiciais”, falou.
“Meus advogados já vão tomar as medidas cabíveis e entrar com os recursos pertinentes, vamos batalhar no Tribunal Regional Eleitoral (TRE-CE)”, completou, reforçando que irá continuar suas atribuições como parlamentar e que está confiante de que a sentença será revertida em segunda instância.
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Moraes bloqueia contas e Pix de Eduardo Bolsonaro para tentar dificultar ações nos EUA
Por Aguirre Talento / O ESTADÃO DE SP
BRASÍLIA - O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, determinou o bloqueio de contas bancárias e chave Pix do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), com o objetivo de tentar dificultar suas ações nos Estados Unidos. Também foram alvo de bloqueios bens móveis, imóveis e o recebimento de seu salário como parlamentar.
“Alexandre de Moraes acabou de bloquear minhas contas bancárias, mas obviamente em nome da democracia”, ironizou Eduardo Bolsonaro, em entrevista a um podcast.
A medida é mais uma estratégia da investigação contra as ações do ex-presidente Jair Bolsonaro e de seu filho para obter sanções do governo de Donald Trump contra o Brasil.
Após ter obtido a aplicação de medidas restritivas a Jair Bolsonaro, como o uso de tornozeleira eletrônica, a PF considerou que seria mais eficaz aplicar medidas patrimoniais contra Eduardo, já que ele está nos Estados Unidos.
Os investigadores analisaram a possibilidade de pedir a deflagração de medidas ostensivas contra o filho do ex-presidente, como decretar prisão, mas avaliaram que seriam de baixa efetividade.
Em casos recentes nos quais o STF determinou a prisão de brasileiros residentes nos EUA e acusados de atos antidemocráticos, não houve sucesso em obter a extradição deles.
O entendimento dos investigadores foi que medidas patrimoniais seriam mais eficientes para tentar dificultar as ações de Eduardo no exterior. A PF mira, por exemplo, os R$ 2 milhões que Jair Bolsonaro transferiu a Eduardo para financiar sua permanência nos EUA nesse período.
Bolsonaro foi alvo de busca e apreensão na última sexta-feira, 18, sob suspeita de ter estimulado, em conjunto com seu filho, ações do presidente Donald Trump contra o governo brasileiro. Para a Polícia Federal, essas ações tiveram seu ápice quando Trump anunciou uma taxação de 50% sobre os produtos brasileiros.
Após a operação da PF, o governo dos EUA anunciou como nova retaliação a suspensão do visto do ministro Alexandre de Moraes e de outros integrantes do STF.
Fux diverge sobre medidas cautelares a Bolsonaro e afirma que não há ‘provas concretas’ de fuga
Por Nino Guimarães e Fausto Macedo / O ESTADÃO DE SP
O ministro Luiz Fux divergiu da maioria da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal sobre a decisão de impor restrições ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) - inclusive a obrigação de usar tornozeleira eletrônica. Em cinco páginas, o ministro avalia que ‘a decisão pode se revestir de julgamento antecipado’ e alega restrição à ‘liberdade de expressão’.
Em outros capítulos das ações penais do 8 de Janeiro, Fux divergiu de Alexandre de Moraes, mas pontualmente, sempre seguindo o relator. Desta vez, ele fustigou a linha adotada por Moraes e declarou seu desacordo total às imposições a Bolsonaro. Fux destacou que a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República ‘não apresentaram provas novas e concretas’ de tentativa de fuga do ex-presidente.
Segundo o ministro, ‘a amplitude das medidas impostas restringe desproporcionalmente direitos fundamentais, como a liberdade de ir e vir e a liberdade de expressão e comunicação, sem que tenha havido a demonstração contemporânea, concreta e individualizada dos requisitos que legalmente autorizariam a imposição dessas cautelares’.
Fux destaca que, apesar das alegações da Polícia Federal sobre tentativas de obstrução do julgamento de Bolsonaro a partir de sanções do governo Trump, ‘questões econômicas devem ser resolvidas nos âmbitos políticos e diplomáticos próprios, como vem procedendo Sua Excelência o Presidente da República, coadjuvado pelo Congresso Nacional’.
Em seu voto, Fux pontua ainda que o STF ‘tem demonstrado de forma inequívoca a sua independência e a sua impermeabilidade às pressões dos setores que manifestam desagrado com as suas decisões’.
“Premissa de que poderia haver qualquer influência no julgamento da Ação Penal esbarra no fundamento básico de que o Poder Judiciário detém independência judicial. Juízes julgam conforme a sua livre convicção, em análise dos elementos fáticos e jurídicos constantes de cada caso.”
O ministro também afirmou que ‘parte das medidas cautelares impostas, consistente no impedimento prévio e abstrato de utilização dos meios de comunicação indicados na decisão (todas as redes sociais), confronta-se com a cláusula pétrea da liberdade de expressão’.
Na sexta-feira, 18, Moraes encaminhou a decisão que impôs medidas restritivas ao ex-presidente para o referendo da Primeira Turma. Em menos de 24 horas, os ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin e Cármen Lúcia apresentaram voto e formaram maioria para manter a decisão de Moraes.
Os ministros acompanharam o relator no entendimento de que Bolsonaro e seu filho, o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), agiram de forma coordenada para obstruir o julgamento da ação penal da trama golpista na qual o ex-presidente é réu.
Na decisão em que impôs restrições a Bolsonaro, Moraes destacou que pai e filho lideram uma campanha para ‘embaraçar a ação penal que tramita nesta Suprema Corte, bem como solicitar junto a chefe de Estado de nação estrangeira (EUA) medidas visando interferir ilicitamente no regular curso do processo judicial, de modo a resultar em pressão social em face das autoridades brasileiras, com flagrante atentado à soberania nacional’.
Fux decidiu esperar até os últimos minutos para se manifestar sobre o caso. O regimento interno da Corte prevê que, caso um ministro não apresente o voto no plenário virtual em tempo hábil, ele seja computado como ausente.
A expectativa sobre o voto do ministro aumentou após o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, anunciar, na sexta-feira, a suspensão do visto americano de Moraes e de mais sete magistrados da Corte com forma de retaliação. Segundo apurou o Estadão, Fux, André Mendonça e Kassio Nunes Marques foram os únicos integrantes do tribunal poupados da medida.
Julgamento
Pouco mais de uma hora depois de entrar em votação virtual, a maioria da Primeira Turma já havia batido o martelo, acolhendo plenamente os argumentos de Moraes. Em 13 páginas, Dino concordou com o relator sobre a ‘possibilidade concreta de fuga’ de Bolsonaro para os EUA, como havia alertado a PGR em parecer.
Logo depois, Zanin, presidente do colegiado, também seguiu Moraes e fechou maioria sobre a questão. Cármen Lúcia também se manifestou em voto que seguiu o entendimento da maioria. Em seis páginas, a ministra considerou ‘adequada a adoção das providências definidas’ por Moraes. Desde o início da ação do golpe, com 31 réus - entre eles Bolsonaro, ex-ministros de seu governo e generais -, a Primeira Turma tem endossado as decisões de Moraes, de forma unânime, inclusive a imposição de medidas cautelares até o recebimento das denúncias da Procuradoria-Geral da República.
Fux é o único que tem se colocado como contraponto a Moraes.
Divergências
As divergências entre os ministros tiveram início no julgamento sobre a aceitação da denúncia contra os acusados de liderar o plano de golpe para manter Bolsonaro no poder após a derrota na eleição de 2022. A denúncia foi acatada por unanimidade, mas Fux fez ressalvas pontuais e sinalizou que pode acolher, ainda que parcialmente, teses dos réus no julgamento do mérito do processo.
Ele indicou, por exemplo, que é contra punir a tentativa de golpe como um crime consumado e defendeu que é preciso diferenciar atos preparatórios da execução. Ainda, em contraponto aos colegas, demonstrou ressalvas à delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
Fux também considerou que os processos deveriam ser remetidos para julgamento na primeira instância ou no plenário do STF. Depois disso, ele defendeu uma pena de um ano e seis meses para a cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, bolsonarista que pichou com batom a frase ‘Perdeu, mané’ na estátua da Justiça, em frente ao prédio da Corte, durante os atos do 8 de Janeiro.
Fux considerou exagerada a dosimetria proposta por Moraes, que votou para condenar Débora a 14 anos de prisão em regime inicial fechado. Prevaleceu o voto de Moraes. A divergência de Fux levou o relator a apresentar um complemento ao voto no plenário virtual da Primeira Turma para rebater o colega. Moraes disse que a situação da cabeleireira ‘não apresenta diferenças significativas’ em relação aos 470 réus já condenados pelo STF por envolvimento nos atos golpistas.
Veto de Moraes a divulgação de entrevistas de Bolsonaro em redes sociais confunde e gera críticas
Renata Galf / FOLHA DE SP
A decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), desta segunda-feira (21), proibindo a divulgação de entrevistas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nas redes sociais tem uma redação que, conforme especialistas consultados pela Folha, confunde sobre sua amplitude.
Isso porque ela abre margem para discussão sobre quais atores estariam sujeitos à restrição de postar entrevistas do ex-presidente. Segundo especialistas, do modo como está redigida a decisão existiria a possibilidade de fazer uma leitura mais ampla, que incluiria desde aliados próximos a Bolsonaro até veículos de imprensa e cidadãos.
Leituras mais restritivas envolveriam, por outro lado, um entendimento de que a ordem foi expedida para evitar que Bolsonaro pudesse burlar a decisão de proibição de usar as redes –o que dá abertura para interpretação de em quais casos isso ocorreria ou não.
Um terceiro ponto de dúvida é a quem tal ordem se destina e quem poderia ser punido como consequência.
Na sexta-feira (18), ao determinar que Bolsonaro passasse a usar tornozeleira eletrônica, Moraes também ordenou que o ex-presidente estava proibido de usar "redes sociais, diretamente ou por intermédio de terceiros". O ministro não determinou o bloqueio ou suspensão dos perfis, mas impediu que o ex-presidente as utilizasse.
Já nesta segunda-feira (21), Moraes deu uma nova ordem em que afirma que essa medida "inclui, obviamente, as transmissões, retransmissões ou veiculação de áudios, vídeos ou transcrições de entrevistas em qualquer das plataformas das redes sociais de terceiros".
Diz ainda na sequência que Bolsonaro não pode "se valer desses meios para burlar a medida, sob pena de imediata revogação e decretação da prisão".
Horas depois, reafirmou a decisão, mandando o ex-presidente prestar esclarecimentos por ter exibido a tornozeleira a fotógrafos e proferido "discurso para ser exibido nas plataformas digitais" durante a tarde no Congresso.
A proibição foi determinada como uma medida cautelar alternativa à prisão no âmbito de uma investigação que tem como alvo a atuação de Eduardo Bolsonaro (PL-SP) junto ao governo de Donald Trump em defesa de sanções a autoridades brasileiras.
Em linhas gerais, medidas cautelares podem ser determinadas antes de eventual condenação, quando há risco de prejuízo em caso de demora, com objetivo de evitar o risco de novas infrações, mas sem aplicar uma ordem mais grave, como seria a prisão preventiva.
Na decisão de sexta, Moraes entendeu que uma série de declarações de Eduardo e também do ex-presidente configuram crimes como de coação no curso do processo.
O professor de direito público do Insper Ivar Hartmann classifica o cenário trazido pela ordem como esdrúxulo e avalia que a decisão é ambígua. Na avaliação dele, a leitura correta seria a de que não é qualquer divulgação de entrevistas e vídeos de Bolsonaro que estaria barrada.
"Ele [Moraes] não está dizendo que não pode nunca transcrição de entrevista, não pode nunca vídeo. Ele está dizendo que não pode o investigado se usar desses meios para burlar [a decisão]. Isso significa que tem dois tipos de entrevista: tem a entrevista que burla a proibição e tem a entrevista que não burla", interpreta Hartmann.
Uma das diferenciações feita por Hartmann seria a publicação de uma entrevista com perguntas de jornalistas de uma mera disseminação de afirmações do ex-presidente.
Para o professor de direito, cabe falar em censura a partir da decisão de Moraes. Ele vê como principal efeito negativo a autocensura que a ordem pode causar a jornalistas e ao próprio Bolsonaro. "O maior problema é a autocensura que a decisão –por sua ambiguidade– causa." Ele considera que não apenas Bolsonaro, mas terceiros poderiam vir a ser punidos.
Em nota, a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) afirmou ser "sempre favorável a entrevistas de interesse público", mas que, posto isso, "não são muito claros os termos da decisão judicial sobre divulgação de entrevistas ou declarações do ex-presidente Bolsonaro".
Também segundo a advogada e professora de direito penal da FGV Raquel Scalcon, a decisão não é clara sobre sua amplitude.
Ela entende que a interpretação mais plausível seria a mais restritiva possível quanto ao seu alcance. Com isso, publicações feitas por terceiros e pela imprensa de entrevistas de Bolsonaro não estariam abrangidas, mas apenas posts do próprio ex-presidente ou perfis que ele estaria "instrumentalizando".
Para Raquel, a ordem não poderia atingir um rol indeterminado de pessoas, mas apenas quem faz parte do processo em questão. Ela aponta ainda que a responsabilização só poderia recair sob Bolsonaro –com eventual determinação de prisão preventiva em caso de descumprimento.
Com isso, ela também interpreta que não caberia responsabilizar Bolsonaro por post sobre os quais ele não tem ingerência. "Me parece que tem que ter uma determinação dele [Bolsonaro], para um terceiro fazer [a postagem]. Porque senão eu acho que fica inviável de imputar a ele", diz ela.
Para além da ambiguidade da decisão, Scalcon tem uma visão contrária à possibilidade de imposição de medidas cautelares que não estejam literalmente previstas na lei, como é o caso.
Na avaliação de Ana Laura Pereira Barbosa, professora de direito da ESPM, o entendimento sobre se a divulgação de uma entrevista de Bolsonaro nas redes sociais é ou não vedada vai depender do caso concreto.
"Tudo depende se isso for interpretado como burla à proibição do uso de redes sociais", diz ela. "Mas, na minha visão, isso não poderia ser usado para impedir toda e qualquer replicação de entrevista por meio da imprensa."
Ela diz que mesmo se tratando de uma entrevista à imprensa, haveria situações distintas com gradações diferentes que poderiam servir como critério para entender se houve ou não burla, como o quanto ela seria usada como um canal direto para ele se comunicar ou com perguntas feitas por jornalistas.
"Por mais que isso não tenha ficado explícito na decisão, minha visão é que a proibição do uso das redes sociais tem o intuito de evitar atos que favoreçam a obstrução de Justiça, influência ou tentativa de influência no destino das decisões do tribunal", avalia ela.
Além da diferença de o caso de Bolsonaro estar restrito às redes sociais e não à vedação de realização de entrevistas em si, Ana Laura faz uma segunda distinção entre o caso atual e a decisão do STF em 2018 de proibir o ex-presidente Lula de dar uma entrevista da prisão. Enquanto no caso de Lula ele já estava condenado, agora se trata de uma medida cautelar alternativa à prisão, para evitar novas infrações.
Justiça manda remover post chamando Michelle de ex-garota de programa
Raquel Lopes / FOLHA DE SP
O TJDFT (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios) determinou a remoção de publicações do Instagram contra a ex-primeira dama Michelle Bolsonaro, chamando-a de ex-garota de programa e associando sua família a pessoas que teriam antecedentes criminais.
A decisão foi proferida pelo desembargador Álvaro Ciarlini, da 2ª Turma Cível, em ação movida contra Teonia Mikaelly Pereira de Sousa e Francisco de Paiva Vasconcelos. Neste domingo (20), as postagens já haviam sido retiradas do ar.
Inicialmente, o pedido foi negado pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Circunscrição Judiciária de Brasília. Ao reavaliar o caso, o desembargador Ciarlini ponderou o conflito entre dois direitos à liberdade de expressão e a proteção à honra e à imagem, ambos garantidos pela Constituição.
O TJDFT entendeu que as publicações tinham o claro propósito de atacar e violar a esfera jurídica de Michelle, apresentando ainda um conteúdo marcado por misoginia e sexismo.
A decisão publicada no dia 11 de julho foi tomada após o advogado Marcelo Bessa, que faz a defesa de Michelle, solicitar urgência para a remoção imediata de duas postagens publicadas no Instagram, sob a alegação de que continham conteúdo difamatório.
Na petição, a defesa sustentou que as publicações extrapolavam os limites da liberdade de expressão, configurando abuso de direito por meio de afirmações falsas e ofensivas à honra da ex-primeira-dama.
A petição ressaltou que os vídeos alcançaram mais de 1,9 milhão de visualizações em menos de um mês, o que, segundo a defesa, contribuiu para perpetuar e intensificar os danos à sua honra e imagem.
Em caso de descumprimento da decisão, foi fixada multa diária de R$ 5 mil, limitada ao teto de R$ 300 mil, sem prejuízo da aplicação de outras sanções penais cabíveis por ato de desobediência.
Os três recados de Alexandre de Moraes ao mandar PF à casa de Bolsonaro
Por Bernardo Mello Franco / o globo
Ao ordenar a nova operação da Polícia Federal na casa de Jair Bolsonaro, o ministro Alexandre de Moraes deu três recados claros ao ex-presidente, réu por tentativa de golpe.
O primeiro e mais importante é que o Supremo Tribunal Federal não vai recuar diante da ofensiva de Donald Trump ao Brasil. Apesar das ameaças de tarifaço e sanções pessoais a ministros, o processo continua em seu curso normal.
"Um país soberano como o Brasil sempre saberá defender a sua Democracia e Soberania, e o Poder Judiciário não permitirá qualquer tentativa de submeter o funcionamento do Supremo Tribunal Federal ao crivo de outro Estado", escreveu o ministro.
O segundo recado é que as autoridades estão monitorando as ações do ex-presidente para obstruir o processo, seja com ajuda americana ou via redes sociais.
"As graves condutas ilícitas demonstram que Jair Messias Bolsonaro está atuando em conjunto com seu filho Eduardo Nantes Bolsonaro nos atentados à Soberania Nacional, com o objetivo claro de interferir no curso de processos judiciais, desestabilizar a economia do Brasil e pressionar o Poder Judiciário", anotou Moraes.
O terceiro recado é que a fuga para o exterior, já ensaiada por Bolsonaro ao se abrigar na embaixada da Hungria em Brasília, deixou de ser uma opção. Na decisão, Moraes afirma que as investigações indicaram a "concreta possibilidade de fuga do réu".
De tornozeleira eletrônica e impedido de se aproximar de embaixadas, Bolsonaro não poderá negociar asilo diplomático em países governados pela extrema direita. Terá que esperar em Brasília o veredicto do STF.
Por que André Mendonça vai frustrar bolsonaristas na trama golpista
Por Rafael Moraes Moura — Brasília / O GLOBO
O ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), vai frustrar a esperança de aliados de Jair Bolsonaro e rejeitar uma ação apresentada pela defesa de um dos réus para barrar a tramitação do caso da trama golpista. O ministro já sinalizou a interlocutores que, independentemente da sua opinião sobre o andamento das investigações que podem levar à prisão do ex-presidente, é incabível o mandado de segurança apresentado pelo advogado Jeffrey Chiquini, advogado do ex-assessor especial de assuntos internacionais Filipe Martins.
Isso porque a jurisprudência do STF é consolidada no sentido de que não cabe esse tipo de ação contra decisão individual de um colega de tribunal – no caso, o relator Alexandre de Moraes.
Martins é réu no âmbito das investigações sob a acusação de integrar o chamado “núcleo 2” da trama golpista. O grupo de seis pessoas seria responsável pelo gerenciamento de ações para manter Bolsonaro no poder e impedir a posse de Lula – e inclui, por exemplo, o ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal Silvinei Vasques, e a ex-diretora de inteligência do Ministério da Justiça Marília Ferreira de Alencar.
Na ação, protocolada no STF na última sexta-feira (11), a defesa de Filipe Martins contesta o andamento “a toque de caixa” do processo, critica uma decisão de Moraes que negou diversos pedidos do réu (como indeferimento de depoimento de testemunhas) e ainda o “pouco tempo hábil” para analisar as provas coletadas pela Polícia Federal, o que configuraria “grave violação ao devido processo legal e à ampla defesa”.
Quando o sistema eletrônico do Supremo sorteou Mendonça como relator do mandado de segurança, Chiquini comemorou o resultado em suas redes sociais. “O ministro André Mendonça tem a chance de mudar o curso do futuro do Brasil. Provavelmente, será a única oportunidade que ele terá de honrar o compromisso que assumiu com a nação: defender a Constituição e a correta aplicação da lei”, escreveu Chiquini em seu perfil no X.
Perfil
Indicado ao cargo por Bolsonaro, Mendonça é visto como um ministro conservador, mais crítico às investigações do 8 de Janeiro e afastado da órbita de Moraes.
Em um julgamento no plenário virtual em março deste ano, foi dele o único voto pelo impedimento de Moraes na condução do inquérito, concordando com uma das principais teses da defesa de Bolsonaro – a de que o ministro não poderia ser o relator do processo, já que as investigações descobriram um plano que previa o seu assassinato, o que comprometeria sua imparcialidade na análise do caso.
A maioria esmagadora do STF, no entanto, votou contra o pedido e manteve Moraes na relatoria. O placar foi de 9 a 1 e Mendonça ficou isolado.
‘Improvável’
A ofensiva de Chiquini para suspender a ação é vista com ceticismo até mesmo por outros réus da investigação, que concordam com a leitura de que a jurisprudência do STF é consolidada no sentido de que não cabe um mandado de segurança contra decisão de Moraes. “Eu acho improvável que ele tenha êxito”, comenta o advogado de um dos réus. “Zero chance”, concorda outro.
Dias depois de protocolar a ação, Chiquini protagonizou outro episódio em que contrariou Moraes. Na última segunda-feira (14), durante a audiência do delator Mauro Cid, Moraes disse que o advogado deveria ficar “quieto” enquanto ele falasse e não deveria "tumultuar".
Moraes chegou a afirmar que Chiquini “deveria ter prestado concurso para o Ministério Público", após o advogado questionar o fato de Filipe Martins não ter sido incluído no primeiro núcleo da denúncia – o chamado “núcleo crucial”, no qual constam Bolsonaro, Mauro Cid e outros seis réus.
"Não é o senhor que vai ditar se a PGR deve denunciar seu cliente no núcleo um, dois ou três", disse Moraes.
Bolsonaro indicou André Mendonça para o STF em 2021 — Foto: Alan Santos / Agência O Globo
8 de Janeiro: Alberto Toron vê acerto da PGR e risco na presença de Moraes: ‘Vítima não deve julgar’
Por Alice Ferraz / O ESTDÃO DE SP
As alegações finais da Procuradoria-Geral da República sobre os ataques às sedes dos Três Poderes ganharam elogios entre especialistas. Chamou a atenção do advogado criminalista Alberto Toron – famoso pela sua atuação no mensalão – como a PGR “examina as provas com profundidade” e consegue demonstrar “não só a tentativa de golpe, como também o papel de cada acusado”. O documento pede a condenação de Jair Bolsonaro por cinco crimes, mas não solicitou a prisão imediata do ex-presidente.
Ainda assim, Toron demonstrou preocupação com a relatoria de Alexandre de Moraes. Para ele, o ministro declarar-se parcial evitaria questionamentos – como os que desgastaram a Lava Jato. “Moraes foi alvo de uma campanha contra ele, era alvo para ser morto. Em tese, a vítima não deveria julgar, sob risco de faltar imparcialidade. E sem imparcialidade, não há devido processo legal.” O STF, no entanto, já se manifestou: não vê impedimento na atuação do ministro.
Farisaísmo no Supremo
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli fez o impensável até para quem eventualmente já havia se acostumado com seu fervor farisaico para arrancar a Operação Lava Jato dos anais da história nacional. Na terça-feira passada, o sr. Toffoli anulou todos os atos processuais praticados por integrantes da força-tarefa da Lava Jato e pelo então juiz Sergio Moro contra o notório doleiro Alberto Youssef. Já seria gravíssimo caso estivéssemos tratando apenas de um ministro do STF que orgulhosamente debocha do Brasil decente. Mas é pior: sozinho, o que é outro problema, o sr. Toffoli emporcalhou a história republicana do Supremo e, como se isso não bastasse, degradou ainda mais a confiança dos brasileiros no sistema de Justiça deste país.
A fundamentação de Toffoli para livrar a cara de Youssef, um criminoso confesso condenado a mais de 120 anos de prisão, foi a mesma empregada em outros processos envolvendo a nata da corrupção apanhada pela Lava Jato que, desgraçadamente, foram parar no seu gabinete: o tal “conluio” entre a força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) em Curitiba (PR) e Moro. Para chegar a essa conclusão, Toffoli baseou-se nas investigações da Operação Spoofing, que apurou a captura ilegal de conversas entre procuradores da República por um aplicativo de mensagens.
“Sob objetivos aparentemente corretos e necessários, mas sem respeito à verdade factual, magistrado e procuradores de Curitiba desrespeitaram o devido processo legal, agiram com parcialidade e fora de sua esfera de competência” contra o doleiro, escreveu Toffoli em sua decisão. O ministro apegou-se a uma suspeita, fruto de um ato criminoso (o hackeamento de mensagens dos integrantes da Lava Jato), para jogar no lixo um robusto conjunto probatório fornecido às autoridades, pasme o leitor, pelo próprio condenado. Ao firmar seu acordo de colaboração premiada – acordo este, convém lembrar, homologado pelo próprio STF –, Youssef forneceu evidências materiais de que lavava dinheiro de empreiteiras contratadas pela Petrobras que era usado para pagar propina a próceres do PT, PP e MDB.
Se estamos no campo do rigor processual, para começar, Dias Toffoli deveria se declarar impedido de julgar quaisquer dos processos de revisão da Lava Jato. Afinal, ele foi identificado por outro criminoso confesso, Marcelo Odebrecht, como sendo “o amigo do amigo de meu pai”, uma referência, respectivamente, a Toffoli, a Lula da Silva e a Emílio Odebrecht. Ademais, não há pureza processual quando se ignora a origem ilegal do material usado por Toffoli para destruir a Operação Lava Jato e livrar todos os seus condenados, inclusive os que confessaram os crimes e devolveram o dinheiro roubado.
Sabe-se que o MPF e a Justiça Federal cometeram erros na condução da maior operação de combate à corrupção de que o País já teve notícia. Este jornal não cansou de apontá-los nesta mesma página. O que Dias Toffoli tem feito, porém, não é corrigir erros mantendo íntegras a defesa do melhor interesse público, a responsabilização daqueles que confessaram uma pletora de crimes em troca de benefícios penais e a credibilidade do STF. O sr. Toffoli está empenhado em escarnecer do próprio ideal de justiça e do dever do Estado em provê-la aos cidadãos.
Com uma caneta solitária e uma retórica para lá de falaciosa, o ministro Dias Toffoli transformou o STF, sob o beneplácito de seus pares, numa vergonhosa ermida para os que se beneficiam desse revisionismo no qual criminosos confessos se veem reabilitados à custa da desmoralização do sistema de Justiça.
Ao se valer de provas que em qualquer circunstância deveriam ser consideradas nulas para reverter condenações que decorreram de extensas investigações policiais, foram homologadas por diversas instâncias e ratificadas pelo mesmo Supremo do qual ele faz parte, o sr. Toffoli incorre numa contradição inaceitável e corrosiva para o Poder Judiciário. O prejuízo para o País é imenso.