Abraço em Gilmar, aviso a Fachin e Moraes e reunião no gabinete: os bastidores da aposentadoria de Barroso do STF
Por Mariana Muniz — Brasília / O GLOBO
Os rumores de que uma aposentadoria antecipada do ministro Luís Roberto Barroso ocorreria em breve não foram suficientes para preparar os colegas que estavam no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) da surpresa que viria quando, às 17h35m, Barroso começou a ler uma carta usando o passado para dizer que "por 12 anos e pouco mais de três meses, ocupei o cargo de ministro deste Supremo".
Tranquilos após terem concluído o julgamento de uma ação da qual Barroso é o relator, os integrantes da mais alta Corte do país foram interpelados pelo discurso do colega que logo embargou a voz e tomou o primeiro gole d’água. Foi assim que os ministros passaram a acompanhar com o olhar atento — geralmente dirigido às telas dos celulares ou do computador — a fala do magistrado.
O plenário do Supremo não estava cheio, e as pessoas que estavam na plateia logo começaram a entender que estavam diante de um momento histórico. À medida que Barroso lia a carta de despedida, os assentos da sala foram sendo preenchidos por membros da equipe do ministro, alguns visivelmente emocionados, outros chorando.
O espanto dos demais integrantes do colegiado e dos funcionários do gabinete de Barroso se explica pelo fato de que apenas os ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes, presidente e vice do STF, foram avisados do que ocorreria, ainda na quarta-feira. Antes de participar da sessão plenária, pela manhã, Barroso fez exames médicos, almoçou e, então, partiu para essa que seria a última sessão plenária como ministro.
Fachin teve tempo de preparar um discurso em que agradeceu a amizade e o empenho do colega e amigo na atuação em defesa do STF e da Constituição. Os demais, porém, precisaram improvisar. Concretizado o anúncio de que o ex-presidente estava saindo da Corte, coube ao ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo e protagonista de grandes embates com Barroso, pedir a palavra para discursar. Gilmar estava emocionado e, num gesto fora dos protocolos, levantou de sua cadeira para dar um abraço do futuro ex-colega.
Luiz Fux, que não estava no plenário e participava da sessão de forma remota, por vídeo, surgiu no telão de olhos vermelhos e com voz embargada. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, também falou de improviso, assim como o advogado que acompanhava o caso que acabava de ser julgado — o único presente, e que acabou sendo o autor da fala em nome da advocacia.
Pego de surpresa, como ele mesmo disse mais de uma vez, arrancando sorrisos dos ministros, Ricardo Quintas Carneiro, advogado representante da Central Única dos Trabalhadores, foi quem fez o discurso de homenagem a Barroso, lembrando as palavras de Che Guevara "hay que endurecer, pero sin perder la ternura".
A sessão foi encerrada, e os ministros se dirigiram imediatamente para o assento de Barroso, fazendo uma fila para abraçá-lo. Além da surpresa, o clima no plenário era de emoção e de alegria entre os magistrados, em apoio ao colega que também demonstrou, apesar das lágrimas, alívio com o anúncio que tinha sido feito. Os servidores esperaram para ver o ministro passar, e caminharam com ele até o salão branco.
Após a sessão plenária, Barroso convocou os integrantes de seu gabinete para uma reunião. O ministro deve seguir por mais uma semana no Supremo, e até lá deve tentar proferir votos em processos que estão com ele com pedido de vista.
O ministro Luís Roberto Barroso anuncia a aposentadoria no STF — Foto: Brenno Carvalho
Barroso anuncia aposentadoria antecipada do STF e abre corrida por sucessão: 'Hora de seguir novos rumos'
Por Mariana Muniz — Brasília / FOLHA DE SP
O ministro Luís Roberto Barroso anunciou que deixará o Supremo Tribunal Federal (STF) antes do prazo legal, encerrando uma trajetória de mais de doze anos na Corte. A decisão, que vinha sendo amadurecida desde sua saída da presidência do tribunal, foi comunicada e já movimenta os bastidores do governo e do Judiciário. Barroso fez um discurso emocionado e foi aplaudido de pé pelos outros ministros ao final.
— É hora de seguir novos rumos. Não tenho apego ao poder e gostaria de viver a vida que me resta sem as responsabilidades do cargo. Os sacrifícios e os ônus da nossa profissão acabam se transferindo aos familiares e às pessoas queridas — afirmou Barroso. — Foi uma decisão longamente amadurecida que nada tem a ver com fatos da conjuntura atual. Há dois anos, comuniquei o presidente da República (Lula) sobre essa possível intenção. Essa é a última sessão plenária de que participo.
A aposentadoria de Barroso estava prevista inicialmente para 2033 — quando completaria 75 anos. O ministro afirmou que fará um “retiro espiritual” ainda este mês para definir os detalhes da saída, mas já havia comunicado sua intenção de deixar o cargo ao presidente Edson Fachin e a ministros do STJ.
Indicado ao Supremo em 2013 pela então presidente Dilma Rousseff, Barroso chegou à Corte após uma carreira marcada pela defesa de causas constitucionais e de direitos fundamentais. Ao longo de seus 12 anos como ministro, relatou casos de grande repercussão, como a suspensão de despejos durante a pandemia, a autorização de transporte gratuito nas eleições de 2023, e a limitação do foro privilegiado para autoridades públicas.
Também esteve à frente de ações que discutiram o porte de maconha para uso pessoal e foi o responsável por acompanhar as execuções da ação penal que puniu os envolvidos no mensalão. Como presidente do STF, coordenou o tribunal durante o julgamento que levou à condenação de envolvidos na tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro.
O anúncio deve aumentar ainda mais as articulações para a escolha de seu sucessor. Um dos nomes mais fortes é o do advogado-geral da União, Jorge Messias, considerado de confiança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Messias tem perfil técnico e político alinhado ao governo e, se indicado, poderá permanecer na Corte por até três décadas.
Outros nomes também estão no radar do Planalto, como o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas, e o ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Vinícius Carvalho. A escolha, no entanto, dependerá da estratégia política de Lula, especialmente diante das eleições de 2026.
Natural de Vassouras, no Rio de Janeiro, Barroso completou 12 anos no STF em junho deste ano, após assumir a vaga do ministro Ayres Britto. Ao longo desse período, Barroso assumiu a relatoria de julgamentos de destaque como o piso nacional da enfermagem, Fundo do Clima, candidaturas avulsas, sem filiação partidária, proteção aos povos indígenas contra a invasão de suas terras e contra despejos e desocupações de pessoas durante a pandemia de Covid-19, além das execuções penais dos condenados no mensalão.
Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), onde é professor titular de Direito Constitucional, Barroso tem mestrado na Universidade de Yale (EUA), doutorado na Uerj e pós-doutorado na Universidade de Harvard (EUA).
— Ao longo desse período enfrentei e superei com discrição dificuldades e perdas pessoais. Nada disso me afastou da missão que havia assumido perante o país e minha consciência de dar o melhor de mim na prestação da Justiça. Sinto que agora é hora de seguir outros rumos. Nem sequer os tenho bem definidos. Mas não tenho qualquer apego ao poder e gostaria de viver um pouco mais dessa vida — afirmou, emocionado, o ministro no discurso de anúncio da aposentadoria nesta quinta.
Ministros elogiam Barroso
Após o discurso de despedida, Barroso recebeu elogios do presidente do STF, Edson Fachin, e de colegas como Gilmar Mendes e Luiz Fux. — Sua contribuição para a democracia brasileira transcende os votos e as decisões. Vossa Excelência ajudou a construir uma cultura constitucional mais sólida, mais consciente, mais comprometida com os direitos fundamentais — disse Fachin em discurso.
O ministro Gilmar Mendes, que viveu embates com o colega Barroso, afirmou que não "guarda mágoas" do ministro.
— Não guardo mágoas. Um grande abraço, seja feliz.
— Grande constitucionalista. Tem a marca do grande homem, caracterizado pela integridade profunda — completou Fux, que se emocionou ao falar ao "amigo Beto".
Sucessão
Ministros do STF já avaliavam que uma decisão de Barroso sobre uma eventual aposentadoria antecipada ocorreria até o final do ano e descartam, ao menos por ora, "surpresas" entre os nomes de possíveis sucessores.
Para um integrante da Corte ouvido pelo GLOBO, não havia dúvidas de que Barroso iria antecipar a sua aposentadoria, mas, sim, sobre qual seria o momento em que esse fato seria anunciado. "Ele sempre quis isso", observa esse magistrado.
Justiça do Ceará condena Enel a pagar R$ 1 milhão por má prestação de serviço em Tamboril
Órgãos públicos reforçaram denúncia
A Secretaria da Saúde de Tamboril foi um dos órgãos públicos que relataram à promotoria danos a equipamentos. Uma das avarias foi registrada em um aparelho de radiologia de um hospital, que teve de ficar inoperante por mais de um mês devido às oscilações e interrupções de energia, causando uma série de prejuízos à população.
O Juízo da Comarca também informou impactos significativos nas atividades jurisdicionais, incluindo cancelamento de sessões de tribunal do júri.
Além disso, devido a uma interrupção no fornecimento de energia durante as eleições municipais do ano passado, houve comprometimento da normalidade dos trabalhos, o que gerou "forte clima de ansiedade e preocupação coletiva em toda a cidade", conforme o MP.
Sobre a condenação
Além da multa, a Justiça condenou a Enel a executar obras e medidas de modernização, ampliação e manutenção do sistema de fornecimento de energia elétrica do município, com compra de equipamentos e disponibilização de pessoal.
A distribuidora também deverá informar previamente os consumidores sobre interrupções programadas e indicar motivos e horários, exceto em casos emergenciais.
Na decisão, o juiz reforçou ainda que a falha da concessionária "ultrapassou os limites da esfera individual" dos consumidores e atingiu o interesse público, o funcionamento de instituições democráticas e a própria confiança social, "circunstâncias que legitimam a procedência integral da ação e a condenação da ré em danos morais coletivos de monta expressiva, cujo valor será destinado ao Fundo Estadual de Defesa dos Direitos Difusos".
Na nota à reportagem, a empresa afirmou que, entre janeiro e setembro deste ano, aplicou cerca de R$ 3,6 milhões em obras em Tamboril, que contemplaram 46 novas conexões, a instalação de três novos religadores e uma reforma em linhas de baixa tensão. "É importante também destacar que a Enel Distribuição Ceará, comprometida com a melhoria contínua dos seus serviços, vem ampliando seus investimentos em toda a área de concessão", completou o comunicado.
Barroso admite que penas do 8 de Janeiro ‘ficaram elevadas’ e defende revisões
Por Bruna Rocha / O ESTADÃO DE SP
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, admitiu nesta terça-feira, 7, que algumas das sentenças aplicadas aos condenados por depredarem as sedes dos Três Poderes no 8 de janeiro de 2023 “ficaram elevadas”. A declaração foi feita durante o 1º Seminário Judiciário e Sociedade, promovido pelo Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp).
Durante sua fala, Barroso também destacou a importância de responsabilizar judicialmente quem cometeu atos antidemocráticos. “Eu concordo que algumas penas, sobretudo as dos executores que não eram mentores, ficaram elevadas. Eu mesmo apliquei penas menores”, afirmou o ministro.
Barroso pontuou que, desde o início, tem adotado uma postura mais moderada nas sentenças. “Desde o começo apliquei penas menores. Manifestei-me antes do julgamento do ex-presidente [Jair Bolsonaro], considerando bastante razoável a redução das penas para não acumular os crimes de golpe de Estado e abolição violenta do Estado de Direito. Isso permitiria que essas pessoas saíssem em dois anos, dois anos e pouco. Acho que estava de bom tamanho”, completou.
A declaração pode ser bem recebida pela direita brasileira, que atualmente tenta aprovar o PL da Anistia, voltado aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro e na tentativa de golpe de Estado. No entanto, segundo o relator da proposta, o deputado federal Paulinho da Força (Solidariedade), o objetivo agora é tratar da dosimetria das penas, em vez de conceder uma anistia total e irrestrita.
Se aprovado, o projeto pode beneficiar diretamente o ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado a 27 anos e 3 meses de prisão em regime fechado, após julgamento na Primeira Turma do STF. Ele foi considerado culpado por tentar abolir o Estado Democrático de Direito e liderar uma organização criminosa.
Ainda durante o evento, Barroso cometeu um ato falho ao comentar sobre seu tempo como magistrado: “Fui não, ainda sou”. A fala alimentou rumores que o ministro vai deixar a corte. Em setembro, o ministro deixou a presidência do STF e passou o cargo para Edson Fachin. No entanto, Barroso pode permanecer no Supremo até 2033, quando atinge a idade de aposentadoria compulsória.
STF tem protagonismo excessivo, e nenhum Poder pode ser hegemônico, diz Barroso
Arthur Guimarães de Oliveira / folha de sp
O protagonismo do STF (Supremo Tribunal Federal) é excessivo, e isto é algo que a própria corte reconhece, afirmou o ministro Luís Roberto Barroso nesta terça-feira (7) em palestra no Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo).
"Reconheço, o próprio Supremo reconhece, que é excessivo, mas, de novo, [ele] decorre de um modelo constitucional e de uma provocação que vem da política", disse Barroso. "Nenhum Poder pode ser hegemônico numa República e, portanto, tudo tem a medida certa."
O ministro ressalvou, por outro lado, que este mesmo arranjo foi o qual permitiu ao país desfrutar do período de estabilidade democrática. "Eu não trataria com desimportância esse papel que o tribunal pôde exercer nesses 37 anos de democracia".
Barroso também abordou as transmissões pela TV Justiça, que, segundo ele, dão uma exposição e visibilidade públicas aos ministros sem precedentes no mundo. Disse, por exemplo, que ninguém reconheceu o presidente do Tribunal Constitucional alemão quando andou com ele pelas ruas do país.
No Brasil, afirmou, "quando o ministro vota, ele vota para os seus colegas, tentando demonstrar os argumentos do seu voto, mas ele também vota para o público que o está assistindo para que possa compreender o que está se passando".
Além do papel do STF, o seminário protagonizado pelo ministro focou a judicialização no Brasil e o balanço da gestão do ministro à frente da corte e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) de 2023 a 2025. Ele foi sucedido por Edson Fachin há uma semana.
A gestão de Barroso no Supremo foi marcada por julgamentos sobre maconha, sistema prisional e Marco Civil da Internet, mas atingiu o auge com a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais sete por tentativa de golpe de Estado.
"Agora que o julgamento acabou e as provas são públicas, não há nenhuma dúvida de que havia um plano: Punhal Verde Amarelo, que planejava o assassinado do presidente eleito, do vice-presidente e de um ministro do Supremo, documentado, impresso e circulado."
Sobre o 8 de Janeiro, afirmou que, "no Brasil, as pessoas passam da indignação à pena com uma certa rapidez, mas a verdade é que a gente não pode naturalizar que quem perde as eleições pode invadir os prédios públicos".
O ministro reforçou, porém, que algumas penas, sobretudo de executores, não de mentores da trama golpista, ficaram elevadas e afirmou ser razoável não somar as penas dos crimes de golpe de Estado e de abolição violeta do Estado democrático de Direito —algo discutido no Congresso.
No fim da palestra, chegou a dizer que "foi juiz por 12 anos", emendando na sequência "fui, não, sou". A declaração foi dada em um momento de especulações sobre a possibilidade de Barroso adiantar a aposentadoria do Supremo.
À Mônica Bergamo, o ministro narrou que tinha o compromisso de deixar o tribunal após o fim de mandato como presidente: "Sair do Supremo é uma possibilidade, mas não é uma certeza. Eu verdadeiramente ainda não tomei essa decisão", completou.
A ‘gamificação’ dos penduricalhos
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
Algumas vozes da cúpula do Judiciário parecem ter tomado a necessária coragem de expressar o seu incômodo com o sucesso da pauta corporativista da magistratura. Ainda que isoladas, essas críticas atacam o insaciável apetite das associações de juízes por mais e mais penduricalhos. Autoridades, enfim, começam a catalisar o sentimento de perplexidade da sociedade.
Um exemplo é o ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho. No dia 22 de setembro, no Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), na sua última sessão como corregedor-geral, ele comparou o avanço dos penduricalhos às fases de um videogame. Ou seja, a cada ato que um magistrado pratica, como uma audiência, uma sentença ou uma carta precatória, ele recebe um bônus. É o que chamou de “gamificação”.
Vieira de Mello manifestou o seu inconformismo antes de tomar posse como presidente do CSJT e do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Ao negar a criação de um penduricalho, ele recomendou a atuação dos conselhos, entre eles o que agora comanda, guiada por “valores da República”, lamentando que, naquela sessão, 40% da pauta era sobre “questões remuneratórias”.
Vale lembrar que o último presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Luís Roberto Barroso, editou uma resolução que abriu a porteira dos penduricalhos. Ele chegou a dizer que os juízes merecem ganhar mais, haja vista que muitos deixam a carreira para ingressar na advocacia, embora não se tenha notícia da perda do interesse pela magistratura.
Em seu desabafo, Vieira de Mello até provocou ao questionar “quem está ganhando mal”. Disse desconhecer.
Um juiz em início de carreira ganha acima de R$ 30 mil e, não raro, com os penduricalhos, logo receberá acima do teto do funcionalismo, que é o subsídio mensal de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), de R$ 46,4 mil. E, diferentemente do tempo de Vieira de Mello, quando um juiz fazia “audiências no período da manhã e da tarde, cinco dias da semana”, agora há quem trabalhe só na “escala TQQ”: terça, quarta e quinta.
Trata-se da jornada de muitos magistrados que ainda querem home office para sempre, segundo o corregedor nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell, em entrevista ao Estadão. Como disse Campbell, tem “juízes ganhando uma fábula, se comparados com um trabalhador comum, e ainda por cima não querem residir na comarca”. Enquanto isso, o trabalhador comum pede o fim da jornada 6x1 e perde duas horas por dia no transporte público.
Não é de agora que este jornal rechaça o que hoje os ministros criticam. Como disse Vieira de Mello, com razão, essa profusão de penduricalhos precisa parar, a remuneração dos juízes deve ser definida em lei – ou seja, pelo Congresso, e não por conselhos – e a magistratura precisa ter consciência de suas responsabilidades e ser mais transparente.
No Brasil, um juiz não ganha mal, não trabalha muito nem tem uma vida sofrida – ao contrário. Por isso, essa corrida de videogame em que só os magistrados ganham e toda a sociedade perde precisa chegar ao fim.
Distorção com aval do STF
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
O Supremo Tribunal Federal (STF) referendou uma decisão liminar do ministro Luiz Fux e acolheu o pedido do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), para manter a atual composição das bancadas estaduais na Câmara para as eleições de 2026. Assim, a representação política da sociedade brasileira seguirá distorcida até 2031, em total descompasso com os dados do Censo de 2022. Estados como São Paulo, o mais prejudicado por esse retrocesso institucional, continuarão penalizados por uma sub-representação que desafia a própria lógica da democracia representativa.
O art. 45, § 1.º, da Constituição diz em português cristalino que a representação dos Estados na Câmara deve ser proporcional à população. A Lei Complementar (LCP) 78/1993, que regulamentou esse dispositivo, fixou apenas os limites mínimo (8) e máximo (70) de assentos por unidade da Federação. Portanto, a redistribuição periódica das cadeiras, à luz da demografia, é um mandamento constitucional, não uma liberalidade política.
O mais estarrecedor é que o próprio STF decidira, em 2023, que o Congresso tinha até 30 de junho passado para atualizar a composição da Câmara. A Corte deixou explícito que a ordem era para redistribuir as cadeiras, não aumentar seu número. Entretanto, numa das páginas mais lamentáveis da atual legislatura, o Congresso preferiu inchar a Câmara, aumentando de 513 para 531 o número de deputados. A manobra, além de ser inapelavelmente inconstitucional, revelava o temor dos parlamentares de perder privilégios, haja vista que alguns Estados – Alagoas, Bahia, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul – deveriam reduzir suas bancadas.
O presidente Lula da Silva, corretamente, vetou esse desatino. Mas, talvez sem votos para derrubar o veto e sob pressão dos Estados que seriam obrigados a encolher suas representações, o sr. Alcolumbre resolveu choramingar sob as barras das togas. E, no que pareceu um gesto de cortesia para amenizar atritos recentes, o Supremo, pasme o leitor, curvou-se ao pedido, contrariando sua própria decisão e, pior, a letra da Constituição.
É difícil exagerar a gravidade dessa decisão. Ao sacramentar a manutenção da distorção representativa, o STF negligenciou seu papel primordial de guardião da Lei Maior. Em nome de uma suposta harmonia entre os Poderes, a Corte escolheu proteger um arranjo político em vez de assegurar o interesse público e o princípio democrático da proporcionalidade do voto. É o que se pode depreender desse julgamento unânime, o primeiro do colegiado sob a presidência do ministro Edson Fachin, que, ao que tudo indica, preferiu começar seu mandato em clima de acomodação com o Legislativo a reafirmar a independência do Judiciário.
Nada justifica a complacência do STF com o conchavo entre Alcolumbre e o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), cujo Estado, a Paraíba, perderia cadeiras com a aplicação correta da representação demográfica. A manobra, vendida como mecanismo de “apaziguamento” entre as Casas Legislativas após o enterro da infame PEC da Bandidagem no Senado, não passa de escancarado casuísmo. Para satisfazer conveniências políticas de Alcolumbre e Motta e seus grupos, perpetua-se uma desigualdade inaceitável: certos votos continuarão a valer mais do que outros no País.
A democracia representativa se abastarda quando votos deixam de valer a mesma coisa em termos proporcionais. É incrível que o STF tenha optado por perpetuar uma injustiça que privilegia umas poucas bancadas em detrimento da maioria. Em vez de corrigir desigualdades e modernizar a representação política, a Corte escolheu o caminho do compadrio institucional.
O Supremo errou agora e criou um precedente perigoso para o futuro. A mensagem transmitida por sua tibieza à sociedade é inequívoca: a jurisprudência da própria Corte pode ser moldada às conveniências políticas de ocasião. Ora, o respeito à proporcionalidade da representação não é mera questão de conveniência política, mas um postulado democrático fundamental. Ao negar-lhe vigência, o STF cometeu um grave erro.
Populismo penal não é antídoto contra metanol
EDITORIAL FOLHA DE SP II
Mais uma vez o Congresso Nacional insiste em combater problemas complexos com mero populismo penal. Desta vez, o pensamento mágico dos parlamentares foi incitado pela crise de intoxicação por metanol.
O Ministério da Saúde informou, na quinta (2), que recebeu 59 notificações de possível contaminação pela substância após consumo de bebida alcoólica em São Paulo, Pernambuco e no Distrito Federal, incluindo óbitos. Desse total, 11 casos foram confirmados (sendo 1 de morte) e 48 estão em análises (7 de morte).
No mesmo dia, a Câmara aprovou requerimento de urgência para um projeto de lei de 2007 que torna a adulteração de bebidas e alimentos crime hediondo (inafiançável e sem direito a indulto ou anistia). Expandir o rol de atos ilegais com essa qualificação, contudo, em nada ajuda a enfrentar o fenômeno funesto.
O endurecimento penal do crime de "adulteração de bebidas e alimentos pela adição de ingredientes quaisquer ao produto que possam causar risco à vida ou grave ameaça à saúde dos cidadãos" não dialoga com as medidas às quais autoridades deveriam se ater para conter essa atividade.
Sem contar que, até agora, ainda não se sabe se as bebidas foram adulteradas ou se o metanol nos produtos vem de erros na fabricação, provavelmente ilegal.
Assim, deputados aceleram um projeto inócuo, movidos por comoção popular no calor do momento, em vez de seguirem evidências. Há ações mais eficazes no âmbito do Executivo nas três esferas de governo, como conscientização e redução de danos para proteger a população e fiscalização de bares, restaurantes e distribuidores de bebidas suspeitos por parte de autoridades sanitárias e de defesa do consumidor.
Ainda mais importante é o fortalecimento da inteligência policial com rastreamento do mercado ilegal, inclusive de sua movimentação financeira —um possível envolvimento do crime organizado, que não pode ser descartado a priori, deveria ser investigado com seriedade.
Relatório publicado neste ano pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública estima que falsificação, contrabando e produção artesanal ilegal de bebidas alcoólicas geraram uma receita de R$ 56,9 bilhões ao crime organizado no país em 2022 —aumento de 224% em relação a 2017.
De imediato, é preciso atender a urgência da situação, o que inclui negociar a compra do principal antídoto para o metanol (fomepizol), que ainda não tem registro na Anvisa, além de incrementar sistemas de notificação e de rastreamento de casos.
Justiça da Itália rejeitou ordem de Moraes para prender ex-assessor e aplicou restrições; entenda
Por Aguirre Talento e Levy Teles / O ESTADÃO DE SP
BRASÍLIA – O Tribunal de Apelação de Catanzaro, na Itália, rejeitou uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes para decretar a prisão de seu ex-assessor Eduardo Tagliaferro, sob acusação de ter vazado conversas de assessores envolvendo investigações contra bolsonaristas. Ele foi detido pela polícia italiana nesta quarta-feira, 1º, para aplicação das medidas cautelares.
Tagliaferro está na Itália ao menos desde o mês de julho. Quando deixou o Brasil, ele não tinha sido alvo de nenhuma ordem de prisão ou restrição que impedisse sua locmoção. Ele saiu do país após se tornar alvo de investigação da Polícia Federal. O ex-assessor foi denunciado pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, por causa dos vazamentos. Com base na denúncia, Moraes solicitou à Itália a sua extradição para responder ao processo no Brasil.
O Estadão teve acesso ao despacho da Justiça italiana. O tribunal corresponde à segunda instância na região da cidade de Torano Castello, onde ele passou a morar. Faz parte da província de Cosenza, na região da Calábria.
No documento, o tribunal apontou que as acusações contra Tagliaferro já tinham se tornado públicas e ele não tentou fugir de sua residência atual para se esconder. Com isso, os magistrados consideraram que não era necessário decretar a prisão e determinaram algumas medidas cautelares para que ele não fuja do país.
Dentre elas, Tagliaferro teve que entregar seu passaporte e informar um horário no qual sempre estará em sua residência, para que os policiais possam realizar uma averiguação do seu domicílio. O ex-assessor também ficou proibido de deixar a cidade sem autorização judicial.
“A exigência de permanecer dentro dos limites do país, juntamente com a proibição de sair do país, parece ser uma medida necessária e suficiente para evitar o risco de novas remoções, bem como proporcional à extensão dos fatos”, diz a ordem da Justiça italiana.
Em nota, a defesa de Tagliaferro classificou de “arbitrária” a ordem judicial do Brasil. “Agora, finalmente, esperamos que o processo secreto possa ser disponibilizado para as medidas cabíveis em defesa dos direitos e garantias do sr. Tagliaferro”, afirmou o advogado Eduardo Kuntz.
Prosseguiu o advogado: “Adianto que, mesmo sem ter acesso ao pedido, me sinto confortável para lhe classificar como arbitrário e impertinente. Eduardo não fugiu, não está procurado, nçao deve nada para ninguém e está devidamente regularizado em outro país, tanto que abordado na sua residência”.
O exótico sr. Fachin
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
O ministro Edson Fachin assumiu a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) sob o signo da austeridade institucional. Marcada por um entediante recato, como convinha, a própria cerimônia de posse refletiu a postura do chefe do Judiciário pelos próximos dois anos: um magistrado avesso a holofotes, entrevistas e convescotes com lobistas; um juiz que tem a decência de não emitir juízos fora dos limites de seu ofício. Em tempos de ministros pop stars, é compreensível que esse perfil destoe da imagem que parte expressiva da sociedade formou dos membros da Corte. Mas convém ressaltar: em termos republicanos, nada há de notável na discrição de Fachin. Comportar-se como ele é obrigação de qualquer juiz, da primeira à última instância.
Nos últimos anos, alguns ministros do STF tomaram gosto pelo protagonismo, inebriados pela fama. Decisões monocráticas de repercussão nacional, discursos públicos sobre temas alheios à função judicante e participação em eventos promovidos por empresários e clubes recreativos da magistratura – a pretexto de “discutir o Brasil” em Londres, Paris, Lisboa ou Nova York – tornaram-se banais, ao custo da degradação paulatina da reputação do STF. Como se isso não bastasse, parte dos ministros passou a se apresentar como espécie de guias morais da Nação, a “vanguarda iluminista” encarregada de “empurrar a História” e “recivilizar o Brasil”, como chegou a dizer o ministro Luís Roberto Barroso.
O próprio Barroso, aliás, ao transmitir o cargo a Fachin, deu mais uma mostra de como é difícil devolver o gênio da vaidade à lâmpada da autocontenção. O agora ex-presidente do STF quebrou o protocolo e, como se estivesse no palco entre um samba e outro, discursou em uma cerimônia que tinha outro protagonista. Pode parecer pouco, mas são gestos desse tipo que, por acúmulo, reforçam a percepção pública de que a Corte deixou de ser um tribunal colegiado que privilegia a discrição e a racionalidade para se tornar uma fogueira de vaidades que, não raro, queima reputações e chamusca a legitimidade de todo o Judiciário. O exemplo vem de cima, diz o vulgo. E o STF tem dado a entender que juízes podem ser estrelas inconsequentes.
Fachin pretende inverter esse rumo. Em seu discurso de posse, afirmou ser necessário “voltar-se ao básico”, destacando os compromissos de seu mandato: “Racionalidade, diálogo e discernimento”. Mais do que isso, o ministro lembrou qual deve ser a fronteira intransponível entre Poderes. “O nosso compromisso é com a Constituição”, disse Fachin. “Ao Direito o que é do Direito, à política o que é da política.” São palavras que soam como música aos ouvidos cansados da confusão proposital entre papéis e responsabilidades dos ministros do STF. O busílis é que, sozinhas, elas nada garantem.
A autoridade do Supremo não pode depender do perfil deste ou daquele presidente, como se o rumo da Corte como instituição estivesse condicionado aos atributos particulares de seus integrantes. A contenção não pode ser um traço de caráter individual, mas uma prática coletiva, enraizada no plenário. O exemplo de Fachin é obviamente positivo, como este jornal já destacou algumas vezes nesta mesma página, mas insuficiente: se seus pares continuarem a confundir Justiça com ação política e jurisdição com militância, a Corte continuará inexoravelmente a perder a confiança de milhões de seus jurisdicionados.
Essa queda da confiança da sociedade não se explica apenas pela campanha de difamação sistemática promovida pelo bolsonarismo contra o STF. De fato, Jair Bolsonaro e seus camisas pardas, todos desmoralizados com o ex-presidente condenado por golpe de Estado, viram no Supremo o principal anteparo a seu projeto autocrático. E é natural que autocratas, mesmo os fracassados, enxerguem um Judiciário forte e independente como um inimigo figadal.
Mas seria ingênuo creditar somente à ação nefasta dos golpistas o desgaste do Supremo perante a população. Pesquisa do PoderData divulgada há alguns meses mostrou que apenas 12% dos brasileiros avaliavam positivamente o desempenho da Corte. É evidente que todos os ministros têm responsabilidade por essa tragédia. Enquanto a consciência não for coletiva, continuará a haver um abismo entre dois Supremos: o de Fachin e o das ruas.