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Justiça erra ao barrar concessão da gestão de escolas em São Paulo

Por  Editorial / O GLOBO

 

 

Governos precisam ter autonomia para decidir sobre políticas públicas. Para isso foram eleitos, com base nos programas apresentados na campanha eleitoral e chancelados pelo voto. Portanto não faz sentido a decisão do juiz Luis Manuel Fonseca Pires, da 3ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo, que invalidou dois leilões realizados em 2024 pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) para conceder à iniciativa privada a construção e a manutenção de 33 escolas.

 

Não que tenha havido irregularidades. Os argumentos são outros. Para o magistrado, “as possibilidades de deliberar de modo colegiado e participativo por todos os atores envolvidos na educação não podem ser subtraídas da comunidade escolar, com a transferência a uma empresa privada”. Ele sustenta também que não é possível dissociar o espaço físico da atividade pedagógica e afirma ser dever do Estado promover “gestão democrática” envolvendo a comunidade escolar. No ano passado, o mesmo juiz suspendera os leilões ao analisar ação do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp). A suspensão foi derrubada pelo presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Fernando Antonio Torres Garcia.

 

No primeiro leilão, foram concedidas 17 escolas. No segundo, 16. O plano é expandir o programa, transferindo a gestão de outros 143 estabelecimentos à iniciativa privada. O governo tem dito que, embora o modelo cívico-militar dessas escolas seja diferente, elas seguirão o currículo da Secretaria de Educação. A parte pedagógica continuará sob controle do estado, bem como contratação e formação de professores. A iniciativa privada ficará encarregada apenas da construção dos prédios e de sua manutenção. Não há, portanto, motivo algum para tanto estardalhaço.

 

Pode-se argumentar que as escolas cívico-militares, incensadas durante o governo Jair Bolsonaro, não são um bom modelo para o país — e não são mesmo. Mas havia em 2024 pelo menos 569 estabelecimentos do tipo em 16 unidades da Federação. Não está em jogo, porém, o projeto pedagógico, e sim a concessão de atividades administrativas das escolas públicas à iniciativa privada e o direito do governador de tomar as decisões que julgar adequadas.

 

Não importa se a escola é mantida pelo governo ou pela iniciativa privada, mas sim se é bem gerida. A concessão a empresas não significa interferência no ensino. O próprio Ministério Público reconheceu que a concessão “visa à eficiência na gestão pública, sem que haja violação aos princípios constitucionais”. Haverá, diz o governo, economia de R$ 2,1 bilhões na construção de 33 escolas. Não se pode impedir um governo de buscar eficiência na gestão.

 

A Justiça não deveria se intrometer na gestão da educação. Quem deve decidir são o governador e seu secretário de Educação. A decisão cria também insegurança jurídica, uma vez que as empresas não sabem se poderão cumprir os contratos. Por isso a anulação dos certames precisa ser revista. Por mais que o plano pedagógico do programa de Tarcísio desperte controvérsia, ele deve seguir seu curso normal.

Rapidez de Alexandre de Moraes coloca investigados da trama golpista em estado de alerta

Por   / O GLOBO

 

 

A rapidez que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), tem imprimido à tramitação do caso da trama golpista colocou em estado de alerta os investigados que já foram denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por envolvimento nas articulações para impedir a posse do presidente Lula e do vice Geraldo Alckmin.

 

A impressão entre advogados ouvidos reservadamente pela equipe da coluna é de que a celeridade de Moraes indica não apenas que a denúncia será recebida sem maiores dificuldades pela Primeira Turma, como confirma as previsões de que o STF pretende dar rápido um desfecho ao caso, ainda neste ano – antes, portanto, do período eleitoral de 2026.

 

“Estão julgando isso a toque de caixa para finalizar esse processo ainda neste ano. A denúncia será recebida por unanimidade”, disse ao blog o advogado de um dos alvos da investigação.

 

Na última quinta-feira (13), a PGR enviou ao Supremo uma manifestação rebatendo os pontos apresentados pelas defesas do ex-presidente Jair Bolsonaro e outros investigados e defendendo o recebimento da denúncia. No mesmo dia, Moraes liberou o caso para julgamento e logo depois o presidente da Primeira Turma, ministro Cristiano Zanin, marcou o início do julgamento para 25 de março.

 

Não havia nada programado para a data, mas Zanin decidiu convocar três sessões extraordinárias – uma às 9h30, outra às 14h do dia 25 e mais uma para o dia 26, pela manhã – para concluir o julgamento ainda neste mês.

 

“A denúncia será recebida, creio. Moraes jogou diretamente na Turma para evitar recurso (para o plenário). Processo anda minuto a minuto, você já viu isso?”, questiona outro advogado que atua no caso defendendo um dos militares denunciados.

 

“O STF está somente na questão de contagem de prazos para terminar isto este ano”, concorda outro defensor.

O andamento acelerado do processo também foi alvo de críticas de Bolsonaro.

 

“Parece que o devido processo legal, por aqui, funciona na velocidade da luz. Mas só quando o alvo está em primeiro lugar em todas as pesquisas de intenção de voto para Presidente da República nas eleições de 2026”, escreveu em seu perfil no X o ex-presidente, que está inelegível até 2030 após ser alvo de duas condenações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O agendamento do julgamento para o fim deste mês também representa um revés antecipado para a defesa dos investigados por outro motivo: Moraes decidiu manter a análise da denúncia no âmbito da Primeira Turma, e não enviá-la para o plenário, formado por todos os 11 integrantes da Corte.

Bolsonaro e outros investigados contavam com o plenário para tentar adiar o desfecho do caso — a aposta era a de que os dois ministros indicados pelo ex-presidente, Kassio Nunes Marques e André Mendonça, poderiam apresentar pedidos de vista para retardar a conclusão do processo e empurrar o desfecho para 2026.

 

Etapas

Nessa etapa da investigação, de recebimento da denúncia, os magistrados avaliam se há indícios suficientes de que os investigados praticaram crimes e decidem abrir uma ação penal para, em uma fase posterior, aprofundar a apuração, com a coleta de mais provas e depoimentos de testemunhas de defesa e acusação.

 

A expectativa de aliados de Bolsonaro é de que a turma aceite a denúncia por unanimidade, com os votos de Moraes, Cármen LúciaLuiz Fux e os dois indicados pelo presidente Lula neste terceiro mandato, Zanin e Flávio Dino.

Levantamento feito pelo GLOBO mostrou que, em 2024, a turma referendou de forma unânime todas as decisões de Moraes em processos que miram bolsonaristas e envolvidos em atos golpistas.

 

Considerando o prazo médio de quatro meses entre a abertura das ações penais e a condenação de outros acusados dos atos golpistas de 8 de Janeiro, a previsão é a de que Primeira Turma decida se condena Bolsonaro e outros denunciados entre setembro e outubro.

Plano de execução

Conforme informou o blog, a denúncia de 272 páginas do procurador-geral da República, Paulo Gonet, foi mais rigorosa e imputou mais crimes a Bolsonaro do que a Polícia Federal no relatório de 884 páginas que indiciou o ex-presidente no inquérito da trama golpista, em novembro do ano passado.

Gonet denunciou Bolsonaro por cinco crimes, que podem levar a uma pena de 43 anos de prisão: organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União; e deterioração de patrimônio tombado.

 

Esses dois últimos crimes – que somam, juntos, seis anos de prisão – não haviam sido imputados a Bolsonaro no relatório da PF. Diferentemente da PGR, a corporação não responsabilizou o ex-presidente pelos danos ao patrimônio público com a invasão e a depredação da sede dos três poderes, em 8 de Janeiro, em Brasília.

 

Na denúncia, a PGR diz que Bolsonaro “liderou” organização criminosa que tentou golpe de Estado, o que ele nega.

“A responsabilidade pelos atos lesivos à ordem democrática recai sobre organização criminosa liderada por Jair Messias Bolsonaro, baseada em projeto autoritário de poder. Enraizada na própria estrutura do Estado e com forte influência de setores militares, a organização se desenvolveu em ordem hierárquica e com divisão das tarefas preponderantes entre seus integrantes”, escreveu o procurador-geral da República, Paulo Gonet, na denúncia.

 

Em outro ponto da denúncia, Gonet afirma que Bolsonaro concordou com o plano de execução chamado “Punhal Verde Amarelo”, que previa o assassinato de Lula, Alckmin e do próprio Moraes. O planejamento das execuções começou em novembro de 2022, após a apertada derrota de Bolsonaro nas urnas.

“O plano foi arquitetado e levado ao conhecimento do presidente da República, que a ele anuiu, ao tempo em que era divulgado relatório em que o Ministério da Defesa se via na contingência de reconhecer a inexistência de detecção de fraude nas eleições”, observou o procurador-geral da República.

 

Essa conclusão – de que Bolsonaro concordou com a execução de Lula, Alckmin e Moraes – não consta no relatório de indiciamento da PF, que apontou provas de que o documento foi impresso pelo general Mário Fernandes no Palácio do Planalto e depois levado ao Palácio da Alvorada.

 

Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal

PGR vê prova ‘robusta’ e recorre da decisão de Toffoli que anulou processos de Palocci na Lava Jato

Por Rayssa Motta / O ESTADÃO DE SP

 

 

Procuradoria-Geral da República (PGR) entrou com recurso no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar reverter a decisão do ministro Dias Toffoli que derrubou todos os processos e investigações contra o ex-ministro Antônio Palocci (Governos Lula e Dilma) na Operação Lava Jato.

 

O procurador-geral Paulo Gonet pede que o ministro reconsidere a própria decisão ou envie o processo para julgamento no plenário do STF.

Gonet afirma que o Palocci busca escapar da “responsabilidade penal sem amparo em fundamento jurídico idôneo”.

“A vinculação de Antônio Palocci Filho à Operação Lava Jato aparenta ter ocorrido de forma legítima, sustentada em elementos concretos que emergiram no curso natural das apurações e com esteio em provas subsistentes até o atual momento”, afirma o PGR no recurso.

O procurador-geral também defende que as provas contra o ex-ministro foram obtidas “a partir de múltiplas fontes e em diferentes instâncias” e que seus argumentos não encontram “suporte probatório, configurando mero inconformismo com o regular prosseguimento da persecução penal”.

“O pleito formulado não se sustenta em vícios processuais concretos ou na ausência de justa causa, mas na pretensão de se desvincular de um acervo probatório autônomo, válido e robusto, cuja existência, em parte, foi por ele próprio reconhecida em sua colaboração premiada.”

Réu confesso, Antônio Palocci fechou acordo de colaboração premiada e delatou propinas de R$ 333,59 milhões supostamente arrecadadas e repassadas por empresas, bancos e indústrias a políticos e diferentes partidos nos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (2002-2014).

Toffoli estendeu a Palocci decisões que beneficiaram o presidente Lula, os empresários Marcelo Odebrecht Raul Schmidt Felippe Júnior e Léo Pinheiro e o ex-governador paranaense Beto Richa (PSDB).

O procurador-geral argumenta, no entanto, que as situações são diferentes e, por isso, a decisão que beneficiou o presidente não poderia ter sido estendida ao empresário. Gonet defende que a defesa apresente seus argumentos e recursos nos respectivos processos. Caso contrário, na avaliação do PGR, o ministro estaria se sobrepondo aos juízes de primeira instância.

Foi decretada a “nulidade absoluta de todos os atos praticados” contra o ex-ministro nas investigações e ações da Lava Jato, inclusive na fase pré-processual.

O ministro afirmou que o “método” usado pelo ex-juiz Sérgio Moro e pelos procuradores da força-tarefa de Curitiba prejudicaram Palocci. “Fica clara a mistura da função de acusação com a de julgar, corroendo-se as bases do processo penal democrático.”

A decisão de Toffoli não afeta o acordo de delação, que continua válido, segundo o próprio ministro. A multa imposta a Antônio Palocci na colaboração premiada foi de R$ 37,5 milhões.

Bolsonaro indica Tarcísio, senadores e chefes militares que o denunciaram por golpe como testemunhas

Por Rayssa Motta / O ESTADÃO DE SP

 

 

Denunciado no inquérito do golpe, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) enviou nesta quinta-feira, 6, sua defesa prévia ao Supremo Tribunal Federal (STF). Ele pediu que a decisão sobre o recebimento da denúncia seja tomada no plenário da Corte e não na Primeira Turma.

 

“Parece ser inadmissível que um julgamento que envolve o ex-presidente da República não ocorra no Tribunal Pleno. E não se diz isso apenas em função da envergadura do caso, do envolvimento de um ex-presidente e de diversos ex-ministros de Estado. A necessidade deriva da Constituição Federal e do regimento interno dessa Suprema Corte”, diz um trecho do documento.

 

O ex-presidente arrolou 13 testemunhas para serem ouvidas no processo caso a denúncia seja recebida (veja a relação completa abaixo). A lista inclui o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, os senadores Ciro Nogueira e Hamilton Mourão e os ex-comandantes do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, e da Marinha, brigadeiro Carlos de Almeida Batista Júnior, que o implicaram na trama golpista.

 

Ao enquadrar o ex-presidente como líder de uma organização criminosa armada que tentou dar um golpe de Estado após as eleições de 2022, o procurador-geral da República Paulo Gonet conectou diferentes episódios que, na avaliação do chefe dele, culminaram no plano golpista. Os fatos são encadeados a partir de 2021, marco do discurso de ruptura institucional adotado por Bolsonaro, até a invasão da Praça dos Três Poderes, o clímax do movimento golpista, segundo a linha do tempo traçada por Gonet.

 

A defesa afirma que a PGR “esmerou-se em contar uma boa ‘estória’, que alimenta boas manchetes e anima o imaginário popular, mas que não sustenta uma ação penal”.

 

“Com todo o respeito, a complexidade da ruptura institucional não demanda um iter criminis distendido. De acordo com o Código Penal, ela demanda emprego de violência ou grave ameaça, aptas a impedir ou restringir o exercício dos poderes constitucionais”, rebatem os criminalistas Paulo Amador da Cunha Bueno e Celso Vilardi, que representam o ex-presidente.

 

Os advogados afirmam que não há mensagens ou outras provas que liguem Bolsonaro diretamente aos atos golpistas do 8 de Janeiro. “Ainda que se deseje criticar os discursos, pronunciamentos, entrevistas e lives de Jair Bolsonaro, ou censurar o conteúdo de reuniões havidas com comandantes militares e assessores, tais eventos não se confundem nem minimamente com atos de execução.”

 

Acesso a provas

A defesa também insiste que não teve acesso a todas as provas da investigação, como a íntegra das conversas extraídas dos celulares apreendidos pela Polícia Federal.

 

“O processo está sendo iniciado de forma desigual, porque a defesa deveria ter acesso ao todo e não à parte eleita pela acusação”, alegam os advogados.

Alexandre de Moraes levantou o sigilo dos autos depois de receber a denúncia. São 18 volumes de documentos que somam mais de 3 mil páginas. A delação do tenente-coronel Mauro Cid também foi tornada pública. O STF deu publicidade aos anexos do termo de colaboração premiada, tanto em vídeo como por escrito.

Moraes ainda compartilhou com todos os 34 denunciados provas de investigações sigilosas que têm relação com a denúncia. São investigações que envolvem o aparelhamento da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), o uso da Polícia Rodoviária Federal para influenciar as eleições de 2022 e os atos do 8 de Janeiro.

 

O ministro alegou que “o amplo e integral acesso aos elementos de prova já documentados nos autos está plenamente garantido à defesa dos denunciados”. Também apontou que os advogados “sempre tiveram total acesso aos autos, inclusive retirando cópias e com ciência dos despachos proferidos”. Os advogados de Bolsonaro afirmam que a defesa foi “soterrada em milhares de folhas que não trazem a prova e que, muitas vezes, não tem relação com as imputações”.

 

Redistribuição do caso e críticas a Moraes

Os advogados pediram a redistribuição do inquérito para o gabinete de outro ministro, antes do julgamento sobre o recebimento da denúncia. O ministro Alexandre de Moraes é o relator. A defesa busca escapar do ministro. Os advogados defendem que devem ser aplicadas ao caso as regras do juiz de garantias, que preveem a divisão dos processos criminais entre dois magistrados, um responsável por conduzir a fase pré-processual e outro por analisar as provas reunidas e julgar a ação.

 

A defesa afirma que a redistribuição é necessária “em razão do papel atuante, semelhante ao dos juízes instrutores, exercido” por Moraes. “A determinação de diligências probatórias e cautelares sem qualquer provocação da autoridade policial ou da Procuradoria-Geral da República afasta o magistrado de sua posição constitucionalmente demarcada dentro do sistema acusatório, comprometendo a imparcialidade exigida pelo modelo constitucional vigente”, alega a defesa.

 

Os advogados também afirmam que o ministro permitiu uma “inacreditável pescaria probatória” - a busca abusiva por provas sem uma linha investigativa definida. A vida de diversas pessoas físicas e jurídicas foi “vasculhada” sobre os mais diversos fatos, criticam. “A pescaria probatória, assim, prosseguiu, por meses e meses, tendo a Polícia Federal alterado o objeto da investigação e os alvos de suas medidas cautelares diversas vezes.”

 

Delação de Mauro Cid

A defesa de Bolsonaro também tenta anular o acordo de colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid. O militar prestou assistência direta ao ex-presidente entre 2018 e 2022. Era uma espécie de secretário particular de Bolsonaro, seu braço-direito. O cargo lhe assegurava acesso a agendas oficiais e reuniões reservadas. Por isso, quando decidiu assinar o acordo de colaboração premiada, em setembro de 2023, os investigadores acreditavam que ele teria farto material para entregar.

 

De fato, a delação foi o ponto de virada de inquéritos sensíveis contra Bolsonaro, sobretudo do chamado “inquérito do golpe”, que levou à denúncia do ex-presidente. Sozinha, a palavra do delator não pode basear condenações. A lei não permite. No entanto, as declarações servem como meio de prova, ou seja, como pistas para que as autoridades sigam a trilha de um crime. E foi isso que a Polícia Federal buscou fazer nas investigações sobre o plano golpista arquitetado após as eleições de 2022.

 

O acordo de colaboração de Mauro Cid esteve sob ameaça real de rescisão. A Polícia Federal estava insatisfeita por acreditar que ele estava omitindo informações. Pressionado, o tenente-coronel prestou um novo depoimento diretamente ao ministro Alexandre de Moraes, em novembro do ano passado. Na ocasião, foi avisado que sairia preso se caísse em novas contradições.

 

Os advogados afirmam que a colaboração premiada está “viciada pela absoluta falta de voluntariedade e de uma colaboração marcada pelas mentiras, omissões e contradições”. “Parece óbvio que a possibilidade de prisão e de rescisão de seu acordo maculam a voluntariedade, sendo a anulação da colaboração medida que se impõe.”

 

Veja a lista de testemunhas arroladas por Bolsonaro:

  1. Amaury Feres Saad
  2. Coronel Wagner Oliveira da Silva
  3. Renato de Lima França
  4. General Eduardo Pazuello
  5. Senador Rogério Marinho
  6. General Hamilton Mourão
  7. Senador Ciro Nogueira
  8. Governador Tarcísio Gomes de Freitas
  9. Senador Gilson Machado
  10. General Marco Antônio Freire Gomes
  11. Brigadeiro Carlos de Almeida Batista Júnior
  12. General Júlio César de Arruda
  13. Jonathas Assunção Salvador Nery de Castro
  14. GOVERNADOR DE SP TARCISIO FREITAS

Zanin encara em caso de Bolsonaro no STF métodos que criticou na Lava Jato

José Marques / FOLHA DE SP

 

Atual presidente da Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal), que vai analisar a denúncia e julgar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o ministro Cristiano Zanin foi um crítico recorrente da pressa e das circunstâncias em que foram conduzidas as ações que condenaram o presidente Lula (PT) na Operação Lava Jato.

No Supremo, a previsão também é de julgar Bolsonaro de forma acelerada, com conclusão ainda neste ano, sob a justificativa de evitar uma possível contaminação do caso no ano das eleições presidenciais de 2026.

Advogados de defesa já manifestaram a intenção de questionar prazos e os métodos adotados na tramitação do caso.

Zanin foi advogado de Lula durante a Lava JatoO processo do tríplex de Guarujá (SP), no qual o petista foi condenado, foi o mais rápido da operação a ser concluído na primeira instância e chegar ao TRF-4 (Tribunal Regional Federalda 4ª Região), como mostrou a Folha à época.

 

No tribunal regional, o caso também tramitou de forma muito mais rápida do que outros processos. O TRF-4 julgou Lula de maneira célere e sem divergências, o que assegurou que o petista estivesse inelegível e preso antes das eleições de 2018.

Para facilitar a tramitação acelerada no Supremo, a ação de Bolsonaro deve ficar sob a responsabilidade da Primeira Turma, composta por Zanin e pelos ministros Alexandre de Moraes (relator do processo), Flávio DinoLuiz Fux e Cármen Lúcia.

 

Assim, ficam de fora os ministros indicados por Bolsonaro à corte, Kassio Nunes Marques e André Mendonça. Ambos têm divergido da maioria dos ministros em ações sobre o 8 de janeiro, votando por posições mais brandas sobre condenações e penas.

Zanin ficou conhecido nacionalmente pela defesa enfática que fez de Lula tanto no processo do tríplex quanto no do sítio de Atibaia (SP). Ele fazia insistentes queixas a respeito do que chamou de atropelos e de violação de isonomia no tratamento dado às defesas em relação àquele dado à acusação.

Procurado pela reportagem por meio da assessoria do Supremo, o ministro não se manifestou.

Os processos de Lula chegaram ao TRF-4 após sentenças dos juízes Sergio Moro e Gabriela Hardt na primeira instância, em Curitiba.

Quando o julgamento do recurso de Lula no caso do tríplex foi marcado pelo TRF-4, Zanin divulgou uma nota na qual fazia uma série de críticas e dizia esperar, em forma de provocação, "que a explicação para essa tramitação recorde seja a facilidade de constatar a nulidade do processo e a inocência de Lula".

Em 2019, após o julgamento do processo sobre o sítio de Atibaia na corte regional, Zanin afirmou em entrevista coletiva que "houve um atropelamento" e que a "fila da ordem processual acabou desprezada".

"É um recurso que foi analisado, mais uma vez, em tempo recorde. Nós obtivemos na presidência do tribunal mostrando que no momento em que esta apelação julgada hoje ingressou neste tribunal, havia 1.941 recursos idênticos aguardando julgamento", afirmou o advogado.

"A pergunta que tem que ser feita é: esses outros 1.941 recursos que estavam na frente da fila já foram julgados?", questionou, citando "celeridade ímpar do julgamento".

Mesmo antes de os processos de Lula chegarem ao tribunal, Zanin já contestava os métodos da força-tarefa do Ministério Público Federal e de magistrados.

Ele dizia que os julgamentos tramitavam em um foro indevido, a 13ª Vara Federal de Curitiba, à época comandada por Moro, que depois se tornou ministro de Bolsonaro e atualmente é senador pelo União Brasil-PR.

Em uma das tentativas de anular processos contra Lula, Zanin justificou que "se mostra percebido e conhecido pela sociedade em geral" que Lula e Moro eram vistos "como dois inimigos, dois irreconciliáveis polos que se repelem".

"Isso está comprovado, apenas a título de exemplo, pela cobertura feita por grandes e noticiosas revistas do país."

Ele também adotou estratégias processuais que ajudavam a tornar o processo mais lento, como por exemplo ao apresentar uma relação de 86 testemunhas em uma das ações.

À época, Moro reclamou em um despacho que o número parecia "bastante exagerado" e determinou que Lula participasse presencialmente dessas audiências com as testemunhas –decisão da qual, depois, recuou.

Zanin disse, na ocasião, que a determinação mostrava que Moro era parcial, que aquela era "uma retaliação ao fato de Lula querer se defender no processo" e que "a legislação autoriza o réu a escolher oito testemunhas por [cada] fato e foi isso que a defesa fez".

Em 2023, Zanin foi o primeiro nome indicado para o Supremo por Lula em seu terceiro mandato. Aprovado pelo Senado, ele tomou posse na vaga que era de Ricardo Lewandowski, atual ministro da Justiça.

Como integrante da Primeira Turma, Zanin terá que passar por situações similares àquelas que questionou na Lava Jato, desta vez como magistrado. O ministro presidirá a turma até o início do segundo semestre, quando será substituído por Flávio Dino.

Na turma, Zanin votará a respeito sobre o recebimento da denúncia e, ainda, em um eventual julgamento que possa condenar Bolsonaro. Ele também participa de votações de recursos contra decisões monocráticas do relator, Alexandre de Moraes.

Desde o início das investigações a respeito da trama golpista, advogados de defesa questionam a relatoria de Moraes e também apontam que o ministro não é isento porque um dos principais planos de golpe envolvia seu sequestro e morte.

Advogados ainda questionam o fato de Moraes ter indicado que o processo será julgado na Primeira Turma —e não no plenário, como poderia ocorrer devido à importância do caso, com o envolvimento de um ex-presidente da República.

Na última semana, a defesa de Bolsonaro já fez um pedido na tentativa de retardar a velocidade do processo. Os advogados pediram 83 dias para apresentar a defesa prévia do ex-presidente em resposta à denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República).

Esse foi o tempo que o procurador-geral da República, Paulo Gonet, levou para enviar ao STF a acusação contra Bolsonaro e outras 33 pessoas após o relatório final da Polícia Federal.

Outras questões similares podem ser levantadas no período processual, inclusive com a possibilidade de muitas testemunhas serem relacionadas pelos advogados do ex-presidente.

 

Dino pressionou Congresso por acordo ao citar mais de 80 inquéritos no STF sobre emendas

Marianna HolandaRaphael Di CuntoCézar Feitoza / folha de sp

 

O ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), disse a deputados federais, em conversas reservadas, que há hoje mais de 80 inquéritos abertos na Corte para apurar denúncias e possíveis irregularidades envolvendo emendas parlamentares ao Orçamento.

A fala serviu para defender a necessidade de divulgação dos nomes dos responsáveis pela indicação dos recursos, em meio a protestos dos congressistas sobre as decisões dele de bloquear essas verbas.

Apesar da homologação de um acordo nesta quarta-feira (26), que parlamentares viram como um fim ao embate com o STF em torno do assunto, a existência desses inquéritos pode reascender a crise no futuro, com o andamento de investigações e operações.

O número exato de inquéritos é desconhecido porque os processos são sigilosos e estão sob a relatoria de diferentes ministros no Supremo. Dino esclareceu ainda a esse grupo de deputados que há parlamentares que respondem a mais de um inquérito, sem citar nomes, e que portanto não seriam 80 congressistas sob investigação.

Na decisão de quarta-feira, Dino deixou claro que o entendimento entre os três Poderes para liberar a execução das emendas não significará que as investigações sobre desvios e mau uso do dinheiro público serão encerradas.

"[O desbloqueio das emendas] Não prejudica os inquéritos e ações judiciais em que se analisam eventuais casos específicos de práticas ímprobas, a fim de que as sanções correspondentes sejam aplicadas, como é de interesse da Nação, sempre observado o devido processo legal, caso a caso", escreveu na sentença.

Da mesma forma, ele determinou que o TCU (Tribunal de Contas da União) e a CGU (Controladoria-Geral da União) sigam com as auditorias e elaboração de relatório técnicos que vão esmiuçar a forma como o dinheiro está sendo utilizado.

Foram essas auditorias, por exemplo, que apontaram incapacidade técnica de ONGs para executarem os recursos recebidos e expuseram atrasos e problemas em obras de pequenos municípios que foram irrigados com dinheiro do Orçamento federal.

O número aproximado de inquéritos foi informado pelo ministro em almoço com congressistas na semana passada, numa espécie de "DR" sobre emendas. Desde o ano passado, os dois Poderes estavam tensionados diante de uma sequência de decisões de Dino que buscava implementar regras para aumentar transparência e rastreabilidade dos repasses e que paralisaram a execução de emendas.

Ainda que o objetivo de quebrar o gelo entre deputados e ministros da corte tenha sido alcançado, as queixas do Congresso ainda serão frequentes e a linha entre a tensão e a harmonia continuará tênue, na avaliação de integrantes do STF.

Segundo esses ministros, há ainda uma certa resistência de parlamentares às medidas para aumentar a transparência dos repasses, e o fato de haver mais de 80 inquéritos com deputados e senadores na mira deixa muitos deles tensos.

A existência de dezenas de inquéritos também foi confirmada pelo ministro Gilmar Mendes, durante um café com jornalistas, no Supremo Tribunal Federal, na noite desta quinta-feira (27). O ministro afirmou que existe um "contexto político muito singular" envolvendo as emendas e que por isso é preciso "ordenar" a questão.

"Óbvio que isso tem consequências. Não se pode falar que todo mundo opera de maneira indevida, que podem estar usando com interesse eleitoral e só. Mas nós estamos com esses inquéritos aí, não sei se são 60 ou 80", afirmou.

A abertura de uma investigação ano passado sobre um ofício assinado por quase todos os líderes para encaminhar ao governo a destinação das emendas foi inclusive questionada durante o almoço —e Dino respondeu que não está necessariamente investigando os líderes dos partidos só porque assinaram um documento, mas apurando irregularidades envolvendo emendas orçamentárias.

O almoço ocorreu na casa do ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e contou com a presença de líderes como Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), Doutor Luizinho (PP-RJ), Mario Heringer (PDT-MG), Paulinho da Força (SP), presidente do Solidariedade, e Lindbergh Farias (PT-RJ), entre outros.

Gilmar também foi um dos participantes da reunião. Alexandre de Moraes e Dias Toffoli foram convidados, mas não puderam comparecer.

De acordo com quem estava presente, Gilmar teria mais ouvido do que falado. E, segundo relatos, destacou que as apurações envolvendo as emendas não são uma nova Operação Lava Jato.

O clima geral do encontro foi de descontração e distensionamento. Mas também ocorreram momentos de tensão, como quando falou o deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA), um dos citados na Operação Overclean da Polícia Federal, que mira supostos desvios de recursos de emendas parlamentares.

Um dos participantes usou a expressão em latim jus sperniandi para resumir o encontro, que fala do direito de reclamar ou se queixar.

Em outro momento mais tenso, Dino —que já foi deputado, senador, governador e ministro de Estado— destacou que entende o lado deles e que já foi da política, mas que hoje é juiz. E acrescentou que, enquanto receber denúncias, abrirá inquéritos e não vai prevaricar.

O almoço foi um de vários encontros desde janeiro entre a cúpula do Congresso e Dino para tratar de emendas e chegar a um consenso. Apesar de não ter participado da reunião na Casa de Maia, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), fez parte desse acordo

As conversas culminaram no plano de trabalho entregue pelo Congresso ao STF na terça-feira, em que é firmado o compromisso de divulgar individualmente o nome dos autores de cada emenda. Dino homologou a proposta no dia seguinte e liberou parte do pagamento e execução dos recursos que estavam travados, além de cancelar a audiência de conciliação que ocorreria nesta quinta-feira.

Motta e Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), presidente do Senado, comemoraram a decisão e destacaram que ela é fruto de diálogo. O presidente da Câmara falou ainda do respeito às prerrogativas parlamentares. Líderes partidários também elogiaram o resultado e viram a conclusão da crise como "excelente".

O magistrado, porém, manteve ressalvas impostas anteriormente, como suspensões referente às ONGs entidades do terceiro setor e a exigência de plano de trabalho para que as as transferências diretas para Estados e municípios, popularmente chamadas de emendas Pix, sejam pagas.

Zanin já se declarou impedido de julgar Bolsonaro por conta de ação no TSE

Por — Brasília / O GLOBO

 

Ao pedir o afastamento do ministro Cristiano Zanin Martins do julgamento da denúncia da trama golpista, a defesa de Jair Bolsonaro recorreu a um precedente do próprio ministro, que já se declarou impedido no Supremo Tribunal Federal (STF) de analisar um outro processo envolvendo o ex-presidente – no caso, um recurso contra o julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que o tornou inelegível.

 

À época, Bolsonaro contestava o resultado do julgamento do TSE, que, por 5 a 2, o condenou por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação ao promover uma reunião no Palácio da Alvorada para atacar as urnas brasileiras. O julgamento que levou à inelegibilidade do ex-presidente por oito anos ocorreu em junho de 2023.

 

Em dezembro daquele ano, Bolsonaro acionou o Supremo para derrubar o resultado do julgamento. O recurso foi sorteado pelo sistema eletrônico da Corte para ser relatado por Zanin, mas o ministro se declarou impedido em maio de 2024. O STF fez um novo sorteio e o recurso foi então enviado para o ministro Luiz Fux.

 

À época, Zanin se declarou impedido justamente por ter sido ele o autor da “ação de investigação judicial eleitoral como advogado perante o TSE, cujo pedido e a causa de pedir são similares à ação que deu origem a este recurso extraordinário com agravo”.

“O impedimento, nesta hipótese, refere-se apenas e tão somente ao presente recurso” , ressaltou, sem entrar em mais detalhes.

 

coincidência entre os objetos das duas ações é justamente a razão pela qual os advogados de Bolsonaro pedem o impedimento de Zanin. Além dele, o ministro Flávio Dino também é alvo do pedido de impedimento, que tem por objetivo mudar a composição da Primeira Turma e o corpo de juízes que vão julgar Bolsonaro, conforme informou o blog.

“Os fatos foram lá imputados a Jair Messias Bolsonaro como violadores da legislação eleitoral e, por essa razão, o próprio ministro declarou-se impedido para atuar no feito quando de sua chegada ao STF. Esses mesmos fatos são agora imputados a Jair Messias Bolsonaro como violadores da legislação penal e, por essa razão, deve-se também declarar o impedimento para atuação no feito”, diz a defesa do ex-presidente.

 

O relator desses pedidos é o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, responsável por cuidar de processos que envolvam o afastamento de colegas de julgamentos. Não há previsão de quando Barroso vai decidir – ou se vai pedir antes um parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR).

O ministro ainda não despachou em outros dois pedidos de impedimento apresentados pela defesa de Bolsonaro contra o relator do inquérito da trama golpista, Alexandre de Moraes, em dezembro do ano passado.

Contrato milionário

Ex-advogado pessoal de Lula, Zanin atuou na campanha do petista à presidência da República em 2022. Depois de ser indicado ao Supremo por Lula para a vaga aberta com a aposentadoria de Ricardo Lewandowski, Zanin se desligou das ações contra Bolsonaro no TSE em junho de 2023.

 

O escritório de Zanin recebeu R$ 1,2 milhão pelos serviços prestados à campanha lulista em 2022, pagos com recursos do Fundo Eleitoral, de acordo com a prestação de contas da campanha ao TSE.

Durante a campanha eleitoral de 2022, Zanin, sua mulher, Valeska Teixeira Zanin Martins, o ex-ministro Eugênio Aragão e outros sete advogados assinaram um total de oito ações apresentadas perante o TSE pela coligação “Brasil da Esperança”, liderada pelo PT de Lula, contra Bolsonaro por abuso de poder político e econômico, além de uso indevido dos meios de comunicação na última disputa presidencial.

 

Todas tinham o mesmo objetivo: levar à inelegibilidade de Bolsonaro por oito anos, algo que o TSE acabou impondo ao ex-presidente em outras ações, movidas pelo PDT e pela senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS).

PGR fatia denúncia de trama golpista com conteúdos idênticos e gera controvérsia

Renata Galf / folha de sp

 

Apesar de ter fatiado a denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras 33 pessoas pela trama golpista em cinco peças separadas, a PGR (Procuradoria Geral da República) manteve conteúdo idêntico em todas elas, com exceção do parte inicial e final onde são listados os acusados em cada uma.

Com isso, o indicativo é que, aceitas as denúncias, as ações penais devem tramitar de modo separado no STF (Supremo Tribunal Federal).

Segundo especialistas em direito penal consultados pela Folha, caso a tramitação de fato se dê de modo separado, é possível que haja prejuízo para a atuação das defesas dos acusados, dado que as condutas e provas discutidas em uma ação podem ter impactos nas outras.

Também apontam que o ideal seria que os denunciados tivessem um julgamento conjunto, de modo a evitar que haja contradição entre as decisões finais em uma ou outra ação e que um mesmo fato seja eventualmente interpretado e valorado de modos distintos.

Questionada pela Folha quanto ao motivo da opção pelo fatiamento e se o órgão entende que o julgamento deveria ser conjunto ou separado, a Procuradoria afirmou apenas, por meio de sua assessoria, que "a apresentação das denúncias reflete a estratégia processual adotada pelo PGR como titular da ação penal".

Também perguntada sobre outros casos em que tenha fatiado denúncias com conteúdos idênticos, o órgão disse que não possui esse tipo de levantamento.

Bolsonaro foi acusado formalmente na semana passada pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, sob acusação de liderar uma tentativa de golpe de Estado. Na mesma denúncia, estão outras sete pessoas, que, segundo a PGR, formavam "o núcleo crucial da organização criminosa".

Os demais foram acusados na mesma data, como integrantes da mesma organização criminosa, mas com funções distintas, como o núcleo de "operações estratégicas de desinformação". Apontado como integrante desse último núcleo, o ex-apresentador da Jovem Pan Paulo Figueiredo, que mora nos Estados Unidos, foi denunciado sozinho.

Conforme mostrou a Folha, ministros do Supremo têm a previsão de julgar o ex-presidente ainda em 2025 e, portanto, antes do ano eleitoral.

Raquel Scalcon, que é professora de direito penal da FGV e advogada, afirma que o fatiamento geralmente acontece quando é preciso adicionar um novo acusado mais tarde ou quando surgem novas informações, mas que é incomum a divisão para denúncias feitas num mesmo momento.

 

Ela considera que a tramitação separada pode ter impacto na ampla defesa e no contraditório do processo e que pode haver uma dificuldade de delimitar o que cada acusado fez.

"Como é que o que foi dito em um processo vai reverberar no outro? Como é que as defesas vão se defender disso?", questiona ela. "Como é que vai haver esse diálogo entre os processos? Ou não vai haver? Isso é um problema."

Davi Tangerino, professor de direito penal da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e advogado criminalista, avalia, por sua vez, que é uma garantia constitucional que uma situação jurídica não se estenda indefinidamente e que uma ação com 34 réus demoraria muito tempo. Nesse contexto, ele não vê problema no fatiamento para um andamento mais célere.

Mesmo com tramitação separada, ele avalia que o ideal seria a realização de um julgamento conjunto. "Se você julga todo mundo junto, você diminui o risco de ter decisões contraditórias", diz.

Ele também defende que o mais eficiente seria permitir, desde o princípio, que as partes de um processo possam, por exemplo, participar da inquirição de uma testemunha de uma outra ação.

O advogado Vinícius Assumpção, que é doutor em direito pela UnB (Universidade de Brasília) e diretor do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), vê como principal risco da tramitação separada que haja contradição entre as provas e oitivas de testemunhas em cada processo.

Quanto à hipótese de haver uma espécie de participação cruzada das defesas nas diferentes ações ou de um julgamento conjunto, ele não vê como uma possibilidade real, argumentando que isso seria muito difícil de alinhar e que a opção pelo fatiamento aponta para outra direção.

"Inevitavelmente, em um e outro processo, haverá maiores questionamentos da defesa", diz. "É muito difícil que isso tudo se alinhe."

Para Gustavo Badaró, professor de direito processual penal da USP (Universidade de São Paulo) e advogado criminalista, o fatiamento gera um grande prejuízo para as defesas dos acusados, que teriam uma visão parcial dos fatos, frente à acusação, que preservaria uma visão global.

Ele compara a situação à Operação Lava Jato e diz que nela já havia denúncias separadas por partidos, empreiteiras, com partes idênticas entre si.

Na avaliação dele, há também um prejuízo do ponto de vista da imparcialidade de quem vai julgar, dando como exemplo hipotético o julgamento de um réu do quinto processo, depois os outros quatro já terem sido julgados.

"Ele [juiz] já formou uma opinião prévia sobre a existência ou não daqueles fatos, mas por conta de outras provas e outras argumentações em relação às quais o réu não teve oportunidade de se manifestar", diz.

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STF cria polícia municipal

Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP

 

Por maioria, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que as guardas municipais podem realizar policiamento ostensivo, incluindo abordagens, revistas pessoais e apreensões, desde que “respeitadas as atribuições dos demais órgãos de segurança pública previstas no artigo 144 da Constituição federal e excluída qualquer atividade de polícia judiciária”. Na prática, o STF equiparou a atuação dos agentes municipais à dos policiais militares, uma decisão que seguramente esteve mais orientada pelo populismo do que pelo respeito à Lei Maior.

 

A tese de repercussão geral foi fixada no julgamento de um recurso interposto pela Câmara Municipal de São Paulo contra a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) que julgou inconstitucional uma lei aprovada em 2004 para ampliar as atribuições da Guarda Civil Metropolitana (GCM). À época, o TJ-SP considerou que o Poder Legislativo municipal invadiu a competência do Estado para legislar sobre segurança pública. Ato contínuo à decisão do Supremo, o prefeito da capital paulista, Ricardo Nunes (MDB), anunciou que a GCM passará a ser chamada de Polícia Metropolitana.

 

Em defesa do que chamou de “federalismo de cooperação”, o ministro relator do caso no STF, Luiz Fux, sustentou que o País “vive uma crise muito grande de segurança pública”, razão pela qual a Corte deve contribuir, e não “criar barreiras”, para a integração das forças de segurança das três esferas da administração. Relevando a platitude, se inexiste integração das forças de segurança, não é por falta de previsão legal nem muito menos por desamparo do texto constitucional. Somada à agenda corporativista que permeia a atuação estanque de policiais civis e militares, entre outras razões, a tibieza de governos estaduais não raro contribui para que essas corporações não conversem nem entre si, que dirá com guardas municipais. Ou seja, o STF nada mais fez do que adicionar uma terceira parte nesse concerto dissonante.

 

Não resta dúvida de que poucos são os brasileiros que saem às ruas hoje e não sentem medo de ser vítimas da violência urbana. É notório que o País carece de boas políticas de segurança pública, aptas a resguardar a integridade física e patrimonial dos cidadãos. Portanto, não se nega que é necessário mais patrulhamento, sobretudo nas grandes cidades, e não menos. Há poucos dias, este mesmo jornal pediu exatamente isso ao poder público paulista quando se posicionou sobre o terrível assassinato do ciclista Vitor Medrado, vítima de latrocínio no entorno do Parque do Povo, na zona oeste da capital paulista.

 

É preciso salientar, ainda, que a Polícia Militar (PM) tem sido empregada em operações de combate ao crime que muitas vezes disputam recursos humanos com o patrulhamento de rua. Todavia, como muito bem salientou o ministro Cristiano Zanin em seu voto contrário ao do relator, acompanhado pelo ministro Edson Fachin na divergência, não se pode “eximir a PM, que tem o papel de policiamento ostensivo, de fazer essa diligência”.

 

Com uma clareza constrangedora, tratando-se de um ministro novato, Zanin precisou relembrar a seus pares veteranos de STF que, “se há um problema de falta de efetivo (das PMs), temos de resolver dentro do que a Constituição prevê, e não dando aos guardas (municipais) uma atribuição que a Constituição não dá”. É tão simples quanto isso: conforme o artigo 144, parágrafo 5.º, “às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública”, enquanto o parágrafo 8.º estabelece que “os municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei”. Portanto, não parece haver dúvida sobre as atribuições. Mas Zanin foi derrotado pela demagogia.

 

Decidida a questão pela mais alta instância do Poder Judiciário, agora só resta torcer para que os municípios que tenham guardas metropolitanas estejam preparados para capacitar bem seus agentes para o exercício do patrulhamento ostensivo. Como bem sabem os habitantes de muitas cidades brasileiras, esse serviço público elementar já é falho mesmo quando exercido por uma força policial concebida para esse fim no Estado Democrático de Direito, como é a Polícia Militar.

Advogado de Bolsonaro vai pedir impedimento de Flávio Dino e Cristiano Zanin em julgamento

Mônica Bergamo / Mônica Bergamo é jornalista e colunista / FOLHA DE SP

 

O advogado Celso Villardi, que representa o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no processo em que ele é acusado de tentar dar um golpe de Estado no Brasil, vai pedir o impedimento dos ministros Flávio Dino e Cristiano Zanin.

Ele se reuniu nesta segunda (25) com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, e comunicou que vai apresentar uma petição para que os dois não participem do julgamento do ex-presidente.

Segundo interlocutor de Barroso, a defesa deve apresentar a petição ainda nesta tarde.

Dino e Zanin foram indicados pelo presidente Lula (PT) no ano passado para integrar o STF.

Mas a razão principal apontada pela defesa é a de que ambos moveram ações na Justiça contra Bolsonaro _Dino como parte, e Zanin como advogado.

Os defensores de Bolsonaro acreditam que, por isso, ambos teriam que se declarar impedidos de julgar o ex-presidente.

Dino apresentou queixa-crime contra Bolsonaro em 2021, quando ainda era governador do Maranhão. Na época, o então presidente tinha dado uma entrevista à rádio Jovem Pan afirmando que Dino não queria ceder a Polícia Militar para "fazer uma segurança mais aberta minha" em uma visita que faria ao Estado.

"O Gabinete de Segurança Institucional resolveu, né, decidiu, ele decide, abortar essa minha ida para Balsas [no Maranhão]", disse então Bolsonaro. Dino afirmou que "além de indecorosas e manifestamente inverídicas, as manifestações propagadas em programa de rádio com amplitude nacional pelo querelado caracterizam crime de calúnia".

Cristiano Zanin assinou pelo menos quatro representações contra Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2022, quando ele disputava a Presidência da República contra Lula: uma por fake news e três pedindo direito de resposta.

Na época, ele representava a Coligação Brasil da Esperança, que reunia os partidos que apoiavam a candidatura do petista.

Bolsonaro foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) na semana passada por cinco crimes: tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição do estado democrático de Direito, liderar organização criminosa, dano qualificado por violência ou grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.

A soma das penas mínimas de cada um dos crimes chega a 12 anos, superando o parâmetro legal para encaminhamento à prisão em regime fechado.

O Supremo já indicou que prevê julgar o caso de Bolsonaro neste ano para evitar o ano eleitoral.

As chance de as acusações contra o ex-presidente serem levadas ao plenário do STF dependem principalmente do relator do caso, Alexandre de Moraes, ou de uma votação de 3 dos 5 ministros da Primeira Turma da corte. Ambas são consideradas baixas internamente.

Moraes levará o processo para ser julgado pelo colegiado composto por ele e pelos ministros Cármen Lúcia, Cristiano Zanin, Flávio Dino e Luiz Fux.

Isso fará com que os ministros indicados por Bolsonaro não participem da análise. Kassio Nunes Marques e André Mendonça são integrantes da Segunda Turma do tribunal.

A decisão de transferir o julgamento de ações penais do plenário para as turmas foi tomada em uma sessão administrativa da corte realizada no fim de 2023, sob a justificativa de racionalizar a distribuição do acervo criminal e reduzir a carga de processos para todos os 11 integrantes do Supremo.

No entanto há situações em que o relator pode entender que o julgamento deve ocorrer no plenário, quando houver, segundo o regimento interno, "relevante arguição de inconstitucionalidade ainda não decidida".

Por exemplo, se houver matérias em que as turmas divirjam entre si ou em relação ao plenário ou em razão da relevância da questão jurídica.

com KARINA MATIAS, LAURA INTRIERI MANOELLA SMITH

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