Assessores de Dino acessam 130 vezes sistema da PGE em ‘possível atuação criminosa’
Por Roseann Kennedy e Eduardo Barretto / ESTADÃO DE SP
Dois assessores do gabinete do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), fizeram 130 acessos, considerados indevidos, ao sistema interno da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) do Maranhão, de onde estão licenciados. Os dados constam num documento, obtido pela Coluna do Estadão, enviado ao STF pelo procurador-geral do Maranhão, Valdênio Caminha.
No texto, Caminha também informa que Túlio Simões e Lucas Souza, auxiliares do ministro, usaram computadores do Supremo, no último dia 20 de fevereiro, para fazer as consultas aos dados internos da PGE-MA. Como mostrou a Coluna do Estadão, o procurador-geral do Maranhão apontou ao Supremo uma “possível atuação criminosa” desses assessores, para embasar uma ação judicial no STF que favoreceria um aliado de Dino.
Túlio e Lucas negam irregularidades, destacam que são concursados e que os acessos são legítimos e que os documentos são públicos. O STF e Flávio Dino não comentaram.
O procurador-geral acusa os assessores do ministro de repassarem documentos ao escritório de advocacia que representa o Solidariedade no estado. O diretório do partido é presidido pela irmã do deputado estadual Othelino Neto, marido da senadora Ana Paula Lobato, suplente de Dino que assumiu o mandato na Casa.
O Solidariedade move ação apontando casos de nepotismo no governo de Carlos Brandão, que é rompido politicamente com Flávio Dino. E, no dia seguinte aos acessos, segundo Valdênio, o partido também pediu ao STF afastamento do procurador-geral por ele supostamente descumprir ordem judiciais para afastar os servidores.
“Sou procurador concursado do Estado do Maranhão e estou cedido temporariamente ao STF. Mantenho senhas individuais no sistema SEI para fins administrativos e funcionais, jamais tendo acessado referido sistema para fins ilícitos. Todos os acessos realizados foram sempre em caráter individual, por vontade própria e em processos públicos. Permaneço à disposição da Procuradoria-Geral para prestar qualquer esclarecimento adicional porventura ainda necessário”.
Leia a íntegra da nota de Lucas Souza:
“Sou servidor de carreira, concursado, e sempre desenvolvi um trabalho técnico dentro da PGE/MA, hoje cedido temporariamente ao STF, e em todos os cargos que ocupei na minha trajetória profissional. Acessei legitimamente o SEI como servidor, utilizando minha senha individual, por ser o único meio pelo qual faço requerimentos como procurador do Estado do Maranhão. Todos os documentos e processos que a notícia de fato alega que eu tive contato são PÚBLICOS e acessíveis via consulta pública simples na internet por qualquer cidadão. Estou à disposição da Procuradoria-Geral do Estado para quaisquer esclarecimentos eventualmente necessários”.
MPF arquiva inquérito contra Bolsonaro por suspeita de importunação a baleia
O MPF (Ministério Público Federal) arquivou o inquérito que apurava se o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) importunou uma baleia jubarte no litoral paulista.
De acordo com a procuradora Maria Rezende Capucci, que assina o documento, a investigação deixou claro que Bolsonaro se aproximou do animal mais que o permitido, mas que não foi demonstrada intenção de incomodá-lo.
"Esta intenção no caso em análise, ainda que possa ter existido, não foi suficientemente demonstrada pelos elementos colhidos na investigação a justificar o início da persecução penal", afirmou.
Com isso, a procuradora determinou o arquivamento do caso, que foi frequentemente compartilhado por apoiadores do ex-presidente para ilustrar o que dizem ser perseguição política a ele.
"[As razões da linha de defesa] evidenciaram, a um só tempo, o absurdo daquela apuração e a mobilização da máquina estatal na direção de um episódio nitidamente sem qualquer repercussão jurídica, mas que, no entretanto, foi amplamente explorado pelo ambiente político", disse no X o advogado de Bolsonaro, Paulo Cunha Bueno.
Bolsonaro publicou uma charge na rede social, ao repostar a declaração de seu advogado. Na imagem, há uma baleia em um tribunal, de terno.
Em nota, o MPF disse que a ausência de intencionalidade e o consequente arquivamento do procedimento não eximem o ex-presidente de sanções administrativas, já que os requisitos para configurar uma infração penal são distintos dos necessários para uma infração administrativa.
"É nesse contexto que o Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis], de maneira correta, já autuou administrativamente os envolvidos por desrespeitarem normas do órgão que estabelecem regras para a observação de baleias", afirmou.
Segundo o Ministério Público Federal, caso novos elementos de prova surjam, nada impede que a investigação criminal seja reaberta.
O ex-presidente prestou depoimento à PF sobre esse caso em fevereiro do ano passado. À época disse à Revista Oeste que avistou um grupo de embarcações, aproximou-se, viu a baleia a "15, 20 ou 30 metros" na sua frente, mas deixou seu jet ski em ponto morto e saiu do local. "Não tenho nenhum prazer em ver baleia por aí", afirmou, dizendo esperar arquivamento do inquérito.
A investigação apurou possíveis crimes ambientais previstos em lei, sobre "molestamento intencional" de baleias. A ação foi aberta após circularem nas redes vídeos do jet ski com motor ligado se aproximando da jubarte.
O Ministério Público Federal diz que a moto aquática teria ficado a 15 metros da baleia. Vídeos e fotos divulgados em redes sociais comprovariam a informação, segundo a procuradora Marília Soares Ferreira Iftim. O condutor pilotava o veículo a uma distância inadequada e ainda gravava com o celular, segundo o MPF.
Bolsonaro se tornou réu na semana passada no STF (Supremo Tribunal Federal) por integrar trama golpista. O ministro Alexandre de Moraes, dois dias depois, na sexta-feira (28), arquivou o inquérito que envolve o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e apura a falsificação de certificados de vacinas contra a Covid-19.
O relator do caso acolheu pedido feito pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, na quinta-feira (27) sob argumento da ausência de elementos suficientes para justificar a responsabilização do ex-presidente.
Ainda pesa contra o ex-presidente o caso das joias, que está sob análise da PGR. Bolsonaro foi indiciado pela PF sob suspeita dos crimes de associação criminosa (com previsão de pena de reclusão de 1 a 3 anos), lavagem de dinheiro (3 a 10 anos) e peculato/apropriação de bem público (2 a 12 anos).
Mauro Cid mudou cinco vezes sua delação e abre flanco para contestação de outros réus em julgamento no STF
Por Eduardo Gonçalves / O GLOBO
Personagem central na investigação da suposta trama golpista, o ex-ajudante de ordens Mauro Cid mudou cinco vezes sua delação e isso será um dos principais argumentos das defesas dos outros réus para tentar desqualificar as acusações no julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Ao longo de um ano e quatro meses em que prestou 12 depoimentos, o tenente-coronel elevou a gravidade dos fatos e mudou versões até incluir o ex-ministro Walter Braga Netto como peça-chave de uma reunião na qual teriam sido discutidas ações para promover o “caos social”.
As alterações e controvérsias, como a divulgação de um áudio em que Cid dizia estar sendo pressionado a falar à Polícia Federal “coisas que não aconteceram”, levantaram questionamentos das defesas dos outros acusados e pedidos de anulação da delação, o que já foi negado pelo STF.
O GLOBO analisou cerca de 250 páginas que tratam do teor dos depoimentos prestados por Cid entre agosto de 2023 e dezembro de 2024. O conteúdo revela que ele mudou de versão em pelo menos duas ocasiões e acrescentou informações novas em outras três. Procurada, a defesa do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro afirmou que o “calendário e forma de coleta” da delação foram definidos pela Polícia Federal e que a colaboração “não teve idas e voltas”. A nota acrescenta que o ministro Alexandre de Moraes, do STF, homologou a colaboração.
‘Mentiroso’
Como mostrou um levantamento feito com auxílio de inteligência artificial, os advogados dos outros sete integrantes do “núcleo central” tiveram como uma das estratégias a tentativa de desqualificar a delação — Cid chegou a ser chamado de “mentiroso”. O ministro Luiz Fux votou para tornar réus todos os denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR), mas criticou “omissões” nos depoimentos do tenente-coronel e disse que ele foi “a cada hora acrescentando uma novidade”. A ponderação foi vista pelas defesas de forma positiva.
A delação de Cid foi corroborada por outros elementos ao longo da apuração. O tenente-coronel relatou a elaboração de uma minuta golpista e de reuniões para discuti-la, com a participação de Bolsonaro. A informação foi confirmada pelos ex-comandantes do Exército Marco Antônio Freire Gomes e da Aeronáutica Baptista Júnior. Mensagens encontradas no inquérito e registros de entrada no Palácio da Alvorada também reforçaram as declarações.
Cid iniciou a rotina de depoimentos em agosto de 2023, três meses após ser preso no curso da investigação sobre a suposta fraude nos cartões de vacinação de Bolsonaro e da filha — na sexta-feira Moraes arquivou o caso. Naquela ocasião, o militar prestou seis esclarecimentos sobre assuntos como a trama golpista, milícias digitais, vacinas e o suposto desvio de joias da Presidência. No mês seguinte, foi solto por determinação de Moraes e continuou colaborando.
Em março de 2024, deu dois novos depoimentos à PF, com mais detalhes sobre a suposta tentativa de golpe. Omissões e uma série de acontecimentos ao longo do ano passado, no entanto, provocaram reviravoltas. Naquele mesmo mês, ele foi preso novamente, logo após um interrogatório no STF, sob acusação de descumprir medidas judiciais e de obstruir a Justiça. O depoimento foi convocado para que ele explicasse áudios revelados pela revista Veja em que afirmava ter sido pressionado pela PF e fazia críticas aos métodos de Moraes. Depois, disse que havia feito as declarações como um “desabafo” e que se tornou delator de forma “espontânea e voluntária”.
Cid foi solto, mas a análise do conteúdo que havia sido deletado de celulares e computadores do tenente-coronel revelou elementos que haviam ficado fora das declarações, o que fez a PF e a PGR pedirem novas informações, deixando a delação em xeque. Foi aí que o ex-ajudante de ordens deu um passo além. Em 19 de novembro do ano passado, em audiência com Moraes, acrescentou informações relevantes. O novo tom foi antecedido por um aviso: o ministro disse que aquela seria a “última chance” de dizer a “verdade sobre tudo”, além de lembrá-lo que eventual rescisão do acordo poderia levar à “continuidade das investigações” sobre o pai, a mulher e uma das filhas.
Diante das novas circunstâncias, Cid pôs Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, como peça central na formulação do suposto plano golpista. Segundo o delator, o general foi o anfitrião de uma reunião em novembro de 2022, logo após a derrota de Bolsonaro, em que foram discutidas “ações” que provocassem “caos social” para a decretação de um estado de defesa ou de sítio.
“Na reunião se discutiu novamente a necessidade de ações que mobilizassem as massas populares e gerassem caos social, permitindo, assim, que o presidente (Bolsonaro) assinasse o estado de defesa, estado de sítio ou algo semelhante”, relatou Cid, pontuando que foi retirado da reunião pelo general pela sua “proximidade” com Bolsonaro.
A mesma história já tinha sido narrada de outra forma. Em março de 2023, Cid havia dito que a reunião teria sido um encontro comum com o pretexto de levar dois amigos militares a “tirarem uma foto” com Bolsonaro e “darem um abraço” no ex-chefe da Casa Civil. “Que não foi possível encontrar no Alvorada e, diante disso, acertou com o Braga Netto o encontro na casa do general”, disse ele.
Sobre os assuntos ali tratados, Cid listou a “conjuntura nacional do país, a importância das manifestações, o pedido de intervenção militar, se as manifestações podiam ou não estar estar lá”, em referência aos acampamentos em frente a instalações do Exército. Não houve naquele momento menção a discussões para insuflar a ofensiva golpista.
Fato novo
Ainda em março de 2023, Cid chegou a citar uma suposta tentativa de financiamento para o plano golpista. Ele disse que pediu a Braga Netto “para ver” se o PL poderia “apoiar de alguma forma as manifestações”. Já na audiência de novembro de 2024, o delator entregou uma novidade. Segundo ele, o general lhe disse que iria “dar um jeito” e lhe entregou uma sacola com dinheiro algumas semanas depois.
“O general Braga Netto me entrega dinheiro. Era tipo uma coisinha de presente de vinho, com dinheiro. Eu não contei, não sei quanto, tava grampeado. Eu peguei o dinheiro e passei para o De Oliveira (um outro militar que foi denunciado)”, relatou Cid.
Braga Netto foi preso preventivamente em dezembro do ano passado por, segundo a decisão judicial, obstruir a Justiça ao tentar descobrir o conteúdo da delação de Cid, que na época ainda estava sob sigilo. Ele também se tornou réu e nega as acusações. O advogado José Luis Oliveira, o Juca, afirma que ele é inocente e tem “reputação ilibada”.
Outros dois fatos novos apresentados por Cid ao longo do tempo dizem respeito à tentativa de aliados de Bolsonaro de tomarem pé do conteúdo da sua delação. Em 5 de dezembro de 2024, afirmou que o seu pai recebeu ligações de Braga Netto e outras pessoas próximas ao ex-presidente para saberem o que ele tinha entregue aos investigados.
“Basicamente, isso aconteceu logo depois da minha soltura, quando eu fiz a colaboração naquele período, onde não só ele (Braga Netto) como outros intermediários tentaram saber o que eu tinha falado. Isso fazia um contato com o meu pai, tentavam ver o que eu tinha, se realmente eu tinha colaborado”, disse Cid.
À PF, Cid disse que não deu essas informações antes porque se tratava de um “general quatro estrelas e que dosa muitas palavras para evitar estar acusando ou falando de uma autoridade”.
Tamanho de penas do 8/1 divide ministros, e mudança de Fux embaralha plenário
O indicativo dado pelo ministro Luiz Fux de que deve mudar sua visão sobre as penas do 8 de janeiro embaralha o cenário dos julgamentos no plenário do STF (Supremo Tribunal Federal).
Dos 11 ministros que compõem o pleno do tribunal, cinco já consolidaram posição contrária às penas máximas sugeridas pelo ministro Alexandre de Moraes —relator de mais de 1.600 ações penais ligadas ao ataque às sedes dos Poderes.
Caso Fux reveja seu posicionamento e vote pela condenação com penas mais brandas, o Supremo pode formar maioria para decretar sentenças intermediárias em julgamentos futuros.
A Folha ouviu cinco ministros do STF nos últimos dois dias sobre o impacto que uma eventual mudança de Fux pode causar no andamento dos processos do 8 de janeiro. Sob reserva, a maioria diz acreditar que o efeito será pequeno ou nulo na Primeira Turma, mas incerto no plenário.
Um ministro disse que o histórico de Fux não é de benevolência em assuntos penais. Ele é considerado um dos integrantes do setor punitivista do Supremo. A aposta é que o ministro não faça uma manobra brusca na revisão do caso da cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos —a mulher que escreveu com batom a frase "perdeu, mané" na estátua da Justiça durante o 8 de janeiro.
Outro integrante do STF avalia que um novo voto de Fux pode reabrir o debate sobre o princípio da consunção —regra que estabelece que uma pessoa não pode ser condenada por um crime-meio se o objetivo final era um crime-fim.
As defesas dos condenados argumentam que esse princípio deveria impedir a condenação pela tentativa de abolição do Estado democrático de Direito se o objetivo final da turba era o golpe de Estado.
Esse debate é considerado superado no Supremo já que as condenações seguiram os moldes sugeridos por Alexandre de Moraes. Há uma avaliação de que o tema seja rediscutido caso Fux apresente o novo voto.
A Folha analisou o julgamento dos 45 condenados, até março deste ano, a 17 anos pela participação nos ataques do 8/1.
Alexandre de Moraes foi sempre seguido integralmente pelos ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Luiz Fux, Flávio Dino e Cármen Lúcia —seis dos 11 integrantes do plenário.
Os ministros Cristiano Zanin e Edson Fachin seguiram Moraes, com ressalvas, na maioria dos processos. Eles sugerem uma pena intermediária de 15 anos.
Luís Roberto Barroso, André Mendonça e Kassio Nunes Marques apresentaram votos diferentes em quase todos os processos.
Barroso aponta divergência parcial com Moraes. Ele sugere afastar a condenação pela tentativa de abolição do Estado democrático de Direito, porque entende que o caso configura o crime de golpe de Estado. Com isso, a pena cairia de 17 anos para 11 anos e seis meses.
André Mendonça apresenta três votos diferentes, a depender das provas. A pena padrão é de sete anos pelos crimes de abolição do Estado e associação criminosa àqueles que comprovadamente depredaram os prédios.
Em outros casos, Mendonça pede quatro anos e dois meses ou cinco anos de prisão, conforme análise dos autos.
Nunes Marques é o único que nega, nos votos, que os acusados pelo 8 de janeiro cometeram crimes contra o Estado. Ele sugere penas de quatro meses de detenção ou de dois anos e seis meses, por incitação ao crime ou deterioração do patrimônio público, de acordo com as provas apresentadas pela PGR.
Das 45 condenações a 17 anos de prisão, somente cinco foram definidas na Primeira Turma do STF. Nesses casos, a unanimidade é pela condenação pelos cinco crimes —Zanin é o único a apresentar ressalvas e sugerir pena levemente menor.
Os cinco ministros ouvidos pela Folha afirmam que, por mais que o cenário seja de incerteza quanto ao plenário, a Primeira Turma tem consenso e uma eventual mudança de Luiz Fux traria pouco impacto aos julgamentos do colegiado.
No fim de 2023, a corte passou para as Turmas o julgamento das ações penais, para evitar que o acúmulo de processos do 8 de janeiro interditasse o plenário do tribunal. As denúncias recebidas pelo STF antes desta data correm no plenário. Já as acusações feitas pela PGR depois de dezembro de 2023 são analisadas pela Primeira Turma.
Mesmo as condenações nas Turmas do Supremo podem ser levadas ao plenário. Para isso, algumas defesas estão entrando com revisões criminais de sentenças transitadas em julgado (quando o processo é encerrado).
Três condenados a penas de mais de 14 anos entraram com ações no Supremo para a revisão das condenações. O ministro Edson Fachin é responsável por dois desses processos, e Flávio Dino foi sorteado relator de um deles.
O ministro Luiz Fux anunciou na quarta-feira (26) que pretende revisar o processo contra Débora dos Santos para apresentar uma nova dosimetria da pena para a cabeleireira. "Debaixo da toga bate o coração de um homem, então é preciso que nós também tenhamos essa capacidade de refletir", disse.
"O ministro Alexandre, em seu trabalho, explicitou a conduta de cada uma das pessoas. E eu confesso que em determinadas ocasiões eu me deparo com uma pena exacerbada. E foi por essa razão, dando satisfação à vossa excelência, que eu pedi vista desse caso. Eu quero analisar o contexto em que essa senhora se encontrava", completou.
Fux disse querer exercer a "humildade judicial" e que o juízes "têm sempre que refletir dos erros e dos acertos porque os erros autenticam a nossa humanidade".
Moraes autoriza prisão domiciliar para mulher que pichou estátua no 8/1
Ana Pompeu / FOLHA DE SP
O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), concedeu prisão domiciliar, com uso de tornozeleira eletrônica, à cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, que pichou a estátua "A Justiça" nos ataques de 8 de janeiro, após pedido do procurador-geral da República, Paulo Gonet, ainda nesta sexta-feira (28).
Débora, 39, estava detida em regime fechado havia dois anos. Bolsonaristas usam o caso dela em pedidos de anistia aos acusados do 8 de janeiro e falam em desproporcionalidade da Justiça.
No início da semana, o ministro Luiz Fux paralisou o julgamento dela, que ocorre no plenário virtual. Moraes havia votado por uma pena de 14 anos, sendo 12 anos e 6 meses em regime fechado.
Débora se tornou ré em agosto do ano passado, acusada pela Procuradoria-Geral da República da prática dos crimes de associação criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e dano qualificado por violência e grave ameaça contra o patrimônio da União.
Agora, Gonet argumentou que o pedido de vista —mais tempo para análise do processo— tornaria a concessão da domiciliar razoável.
Na decisão, Moraes afirma que o adiamento do término do julgamento tornou necessária a análise da situação de privação de liberdade de Débora.
Segundo o ministro, caso o julgamento tivesse sido encerrado com a aplicação das sanções propostas no voto dele, relator do caso, a cabeleireira seria condenada a pena de 14 anos de prisão.
"Há, portanto, necessidade de compatibilização entre o 'direito à liberdade' e a 'Aplicação da Lei Penal', com a adequação das necessárias, razoáveis e adequadas restrições à liberdade de ir e vir e os requisitos legais e processuais", disse.
Assim, ele substituiu a prisão preventiva pela domiciliar, com o uso de tornozeleira eletrônica, proibição de uso de redes sociais, de comunicar-se com os demais envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, de dar entrevistas a qualquer veículo de comunicação ou de receber visitas, com exceção dos advogados dela com procuração nos autos.
O caso de Débora tem tido muita repercussão, principalmente após a iniciativa de Fux. Em meio à análise da denúncia da PGR sobre a trama golpista, o ministro comentou o caso, falou em preocupação com a questão da dosimetria das penas impostas pela corte aos réus do 8 de janeiro de 2023, ou seja, quanto tempo cada acusado pode enfrentar caso seja condenado.
Nesta sexta, em evento na Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, afirmou que, em casos como o de Débora, os brasileiros vão da "indignação à pena".
"O Brasil tem a característica que, na hora em que os episódios acontecem, as pessoas têm uma indignação profunda. E depois, na medida em que o tempo passa, elas vão ficando com pena. Nós fomos da indignação à pena", afirmou Barroso.
É descabida decisão do CNJ que regulou os ‘penduricalhos’
Por Editorial / O GLOBO
O ministro Mauro Campbell Marques, corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), limitou as verbas indenizatórias acrescidas ao salário de juízes — os “penduricalhos” — a R$ 46.336,19 mensais, o equivalente ao salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Com isso, os magistrados poderão receber todo mês o equivalente a dois tetos constitucionais, ou R$ 92.672,38. Trata-se de um despropósito, pois a Constituição limita a remuneração mensal no setor público a um — e não dois — salário de ministro do STF. A decisão de Marques só pode ser explicada pelo nível de abuso nos supersalários pagos a juízes, procuradores e integrantes da elite do funcionalismo.
Eventuais pagamentos adicionais podem se justificar no caso de reembolso de despesas, diárias de viagem ou mesmo auxílios-moradia temporários, quando há mudança de cidade por motivo profissional. Mas devem ser excepcionais. Não é o que acontece. Os “penduricalhos” têm sido usados para assegurar gratificações descabidas e aumentos salariais disfarçados muito acima do que permite a Constituição.
O maior contracheque pago a juízes em dezembro somou R$ 788.358,05 brutos (ou R$ 678.386,57 líquidos). Um juiz aposentado com salário-base de R$ 37.731,80 recebeu no mesmo mês R$ 672.663,87 (R$ 31,2 mil só de gratificação natalina). Podem ser casos extremos, mas estão longe de ser isolados. De acordo com o próprio CNJ, foram pagos 63.816 salários mensais brutos superiores a R$ 100 mil em 2024. Mais de 90% dos juízes e procuradores ganham acima do teto, segundo levantamento do economista Bruno Carazza. Na média dos tribunais, o pagamento extrateto por magistrado foi de R$ 270 mil no ano passado. Isso para uma categoria que está na fatia de 1% de maior renda e representa apenas 0,06% do funcionalismo.
Os “penduricalhos” pagos a juízes somaram R$ 12,9 bilhões em 2024, ou um décimo do custo do Judiciário. Despesas com tribunais, Ministério Público e Defensoria Pública saltaram até 36% entre 2022 e 2023 em 18 estados, segundo o centro de pesquisa Justa. Não é à toa que, custando 1,3% do PIB (sem contar o Ministério Público), o Judiciário brasileiro seja tão caro.
A decisão de Marques respondeu a pedido do Tribunal de Justiça de Sergipe para pagar Adicional por Tempo de Serviço (ATS) retroativo aos magistrados do estado. Esse tem sido um dos caminhos para juízes receberem supersalários. O ATS — também conhecido como “quinquênio” — equivale a 5% de aumento a cada cinco anos, sem levar em conta mérito ou produtividade. Chegou a ser extinto, mas voltou a ser pago em 2022 na Justiça Federal, com um drible na lei. Depois, seguiram-se Justiça do Trabalho e tribunais estaduais. O efeito cascata estende a benesse, depois surgem pedidos de pagamentos retroativos.
A Constituição exclui verbas indenizatórias do teto salarial, mas não as define. A lei para discipliná-las até hoje não foi aprovada. O PL dos Supersalários que tramita no Congresso é repleto de exceções que eternizariam as distorções. No lugar dele, Executivo e Legislativo devem apresentar uma proposta sensata, limitando “penduricalhos” a casos excepcionais. Não faz sentido que Campbell Marques tenha decidido isso sozinho. O único alento da decisão é sugerir que o próprio Judiciário já tenha acordado para o problema.
Vídeo exibido por Moraes gera indignação em advogados e será questionado
Por Bela Megale / O GLOBO
Advogados dos acusados da tentativa de golpe de Estado mostraram indignação com a exibição de um vídeo com imagens dos ataques golpistas do 8 de Janeiro. Antes de iniciar a leitura de seu voto na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Alexandre de Moraes disse que havia combinado com o presidente do colegiado, Cristiano Zanin, a exibição da gravação que trouxe imagens, especialmente, de confrontos dos golpistas com policiais que tentavam proteger os prédios dos Três Poderes.
Quatro advogados dos oito denunciados relataram à coluna que foram surpreendidos porque o vídeo não consta nos autos. Eles afirmaram que irão questionar o tribunal sobre a exibição do material.
Na visão dos defensores, a gravação teve o objetivo de justificar as penas aplicadas em casos que não estão sob análise neste julgamento, que tem como foco a denúncia contra Jair Bolsonaro mais sete aliados.
A coluna apurou com integrantes do STF que o objetivo do ministro Alexandre de Moraes foi rebater argumentos apresentados pelas defesas, na terça-feira, de que não houve violência por parte de manifestantes dos ataques do 8 de Janeiro.
As imagens do vídeo já eram públicas e foram usadas nos recebimentos de denúncia dos envolvidos nos ataques golpistas.
Fux não único ministro do STF a discordar de Moraes sobre penas do 8 de janeiro
Por Bela Megale / O GLOBO
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux comunicou que vai rever a pena de 14 anos proposta à cabeleireira Débora Rodrigues, que participou dos atos golpistas do 8 de janeiro. Fux não é o único integrante da corte incomodado com as penas aplicadas a alguns envolvidos nos ataques.
Outros ministros que não foram nomeados ao Supremo por Jair Bolsonaro chegaram a confidenciar a lideranças do centrão que gostariam de discutir um caminho para aplicar penas mais brandas para aqueles que não depredaram e não vandalizaram os prédios dos Três Poderes.
Ao falar sobre o tema, porém, os magistrados têm ponderado que o ministro Alexandre de Moraes, relator dos casos do 8 de janeiro, não dá espaço para qualquer conversa sobre a dosimetria das penas.
Mesmo com visão divergente daquela do relator, magistrados fazem a análise de que a tendência da corte é não se dividir sobre esse tema, para não confrontar Moraes publicamente. A ideia é evitar flancos de ataque ao STF, que já está pressionado pelos políticos bolsonaristas e parte da opinião pública.
Durante o julgamento da tentativa de golpe de Estado envolvendo Jair Bolsonaro e sete aliados, Luiz Fux afirmou que vai rever a pena proposta a Débora Rodrigues dos Santos. Ela ganhou notoriedade por ter pichado “perdeu, mané” na estátua da Justiça em frente à sede do STF.
A pena foi proposta pelo relator Alexandre de Moraes, que foi seguido pelo ministro Flávio Dino. O julgamento foi suspenso depois que Fux pediu vista para analisar o caso.
Tamanho de penas e crime duplicado devem marcar divergências no STF em julgamento de Bolsonaro
Arthur Guimarães de Oliveira / FOLHA DE SP
O cálculo das penas e o enquadramento legal do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros acusados de participação em trama golpista devem motivar divergências no julgamento da ação penal contra eles no STF (Supremo Tribunal Federal).
A Primeira Turma concluiu na tarde da última quarta-feira (26) a análise da denúncia oferecida pela PGR (Procuradoria-Geral da República) contra o denominado núcleo central do grupo suspeito de planejar um golpe de Estado em 2022.
Advogados ouvidos pela Folha dizem que, agora, superadas as questões preliminares de ordem processual, outros debates devem surgir, como sobre a tipificação penal e a dosimetria da pena, já levantados pelo ministro Luiz Fux.
Apesar da decisão unânime pelo recebimento da denúncia, Fux manifestou preocupações a respeito da sobreposição de crimes contra as instituições democráticas —no caso, o de abolição violenta do Estado democrático de Direito e o de golpe de Estado.
O primeiro tem pena prevista de 4 a 8 anos de prisão, e o segundo, de 4 a 12. O ministro deu a entender que poderia se opor à aplicação cumulativa das duas penas.
"É possível que, no curso da instrução, se chegue à conclusão de que há, na verdade, um conflito aparente e que se possa encaixar em um determinado tipo que seja mais abrangente que o outro", disse ele no julgamento desta quarta.
No direito, a absorção de um tipo penal sobre outro acontece quando há mais de uma conduta criminosa, sendo que, para o cometimento de uma, outra seria necessária. Um exemplo clássico é o de homicídio, que incorpora o de lesão corporal.
O criminalista Sergio Rosenthal afirma que, neste estágio do julgamento, apenas se analisou o recebimento da denúncia, sem se discutir o mérito da acusação. Embora debatida neste contexto, a questão pode aparecer mais adiante.
"Até porque o acusado se defende da descrição dos fatos, e não da tipificação que é feita na denúncia", afirma.
A discussão sobre a absorção de um crime pelo outro não é nova. O ministro André Mendonça a trouxe em setembro de 2023, quando o STF começou a julgar os réus pelos atos de 8 de janeiro. Luís Roberto Barroso fez o mesmo.
Na ocasião, Mendonça votou para não condenar o réu pelo crime de golpe de Estado por considerar que o delito de abolição violenta do Estado democrático de Direito o absorveria. Barroso defendeu a condenação apenas por golpe de Estado. Foram votos vencidos.
"Essa discussão jurídica de sobreposição, ou não, dos tipos penais pode aparecer [no julgamento da ação penal]", diz Flávia Rahal, professora da FGV Direito SP. "Certamente haverá provocação nesse sentido."
De acordo com a criminalista, mesmo que o Supremo já tenha tratado do tema em julgamento anterior, cada ação penal pressupõe que as defesas possam novamente trazer à tona questões jurídicas que elas entendam relevantes.
"Acho pouco provável que haja uma mudança, na medida em que é recente a definição feita nas ações penais do 8 de janeiro e em casos que são conexos a esse que está sendo julgado. Mas acho bastante provável a provocação da discussão."
A advogada também espera que as defesas invistam no argumento da individualização das condutas, algo já aventado pelo ministro Fux, que pediu vista do caso da mulher que pichou a estátua "A Justiça" nos ataques de 8 de janeiro.
"Confesso que em determinadas ocasiões eu me deparo com uma pena exacerbada", afirmou Fux no julgamento do recebimento da denúncia. "Pedi vista do caso, porque eu quero analisar o contexto em que essa senhora se encontrava."
Alvo do processo, a cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos é acusada de associação criminosa armada, abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Débora disse em depoimento que não invadiu nenhum prédio durante os ataques e que "o calor da situação" fez com que ela agisse sem pleno domínio de suas faculdades mentais. O caso dela ganhou repercussão nas redes sociais.
Bolsonaro e os demais acusados do núcleo central respondem por abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
De acordo com Maíra Salomi, vice-presidente da comissão de direito penal do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo), a preocupação é de responsabilização penal, que conta no sistema jurídico brasileiro com o princípio da responsabilidade subjetiva.
"Ou seja, você tem que avaliar o que a pessoa fez, qual a medida da culpabilidade dela, a medida da participação dela, para poder decidir sobre a culpa que ela tem, a responsabilização criminal", diz a advogada.
"Aqui está um fio de esperança para a defesa, de que pode ter uma divergência no futuro quando do julgamento final do processo, mas são todas questões que devem mesmo ser analisadas ao final da instrução processual."
Com o recebimento da denúncia, começa a instrução, com a oitiva das testemunhas de acusação, depois a das de defesa e o interrogatório dos réus. Na sequência, acusação e defesa apresentam as alegações escritas e então é marcada a data do julgamento.
STM confirma condenação de major bolsonarista por atuação política e traz mau sinal para denunciados por golpe
Por Bela Megale / O GLOBO
O Superior Tribunal Militar (STM) confirmou, na terça-feira, a condenação do major bolsonarista João Costa Araújo Alves, por fazer política partidária, mesmo sendo da ativa das Forças Armadas. O militar continuou a publicar postagens em suas redes sociais pró-Jair Bolsonaro no ano eleitoral, mesmo advertido de que a conduta era uma transgressão disciplinar. O STM decidiu negar, por maioria, o recurso apresentado pela defesa do major. O único a votar a favor da absolvição do militar foi o ministro civil José Coêlho Ferreira, que se aposenta da corte em abril.
João Costa Araújo Alves foi condenado a dois anos de detenção. Ainda cabe recurso no STM ou no Supremo Tribunal Federal (STF), mas só em caso de inconstitucionalidades.
O posicionamento da corte no julgamento do major foi visto como uma sinalização de que o STM será duro no julgamento dos militares envolvidos na tentativa de golpe de Estado com o ex-presidente Jair Bolsonaro. Nesta quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou a denúncia contra os ex-ministros e generais da reserva Walter Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira e o almirante Almir Garnier Santos. Se os militares forem condenados pelo STF, o que é provável, a corte militar analisará se eles perderão suas patentes.
Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira são réus por tentativa de golpe — Foto: Adriano Machado / Reuters, Pablo Valadares/Câmara dos Deputados, Cristiano Mariz/Agência O Globo