Desembargador põe em dúvida planos de atentado a Moraes e ‘ameaça’ retirar ministro de ações do 8/1
Por Rayssa Motta / O ESTADÃO DE SP
O desembargador Sebastião Coelho, aposentado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, defendeu que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), deixe a relatoria das investigações e ações penais do 8 de Janeiro e ameaçou: “Se não sair, ministro, nós vamos lhe retirar.”
Sebastião Coelho defendeu o primeiro réu condenado pelo STF pela invasão e depredação dos prédios públicos na Praça dos Três Poderes. Ele próprio é investigado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por suspeita de incentivar e financiar os protestos violentos.
O magistrado aposentado colocou em dúvida as revelações do ministro Alexandre de Moraes sobre planos articulados pelos golpistas nas redes sociais para executá-lo.
“O senhor só pode ser enforcado por sua própria língua, pelo que o senhor fala toda hora. O senhor vai apertando a corda no seu pescoço pelo que o senhor fala todos os dias. Isso pode acontecer. Agora, pelas pessoas, duvido”, disparou o desembargador em uma transmissão ao vivo nas redes sociais. “Isso tem que ter consequência no âmbito institucional, no âmbito político. Se essa afirmação não for verdadeira, o ministro perde toda a credibilidade.”
De acordo com Moraes, bolsonaristas radicais teriam planejado diferentes roteiros para prendê-lo e até matá-lo. O ministro se tornou um dos alvos preferenciais dos apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro no STF, por conduzir investigações sensíveis à sua base de apoio. Moraes afirmou que até a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) teria sido usada para “monitorar” seus passos.
Sebastião Coelho argumentou ainda que, se as ameaças forem verdadeiras, o ministro deveria se declarar suspeito para conduzir os inquéritos e julgar os golpistas.
“Se esse fato for verdadeiro, ele é uma vítima, então ele é parte do processo, ele não pode ser o julgador”, argumentou. “Eu paro por aqui, mas com a expectativa de que o senhor Alexandre de Moraes saia do processo. Se não sair, ministro, nós vamos lhe retirar. Entenda que nós vamos lhe retirar, de uma forma… O senhor vai sair desse processo, creia nisso.”
Advogados dos réus do 8 de Janeiro articulam uma ofensiva judicial para tentar anular todos os processos, justamente com base no argumento de que Moraes é suspeito para conduzir as investigações. A chance da iniciativa prosperar no STF é quase nula. A maioria dos ministros já assentou a competência de Alexandre de Moraes para tocar as ações penais.
Quando ainda era desembargador, Sebastião Coelho criticou publicamente Alexandre de Moraes, a quem acusou de “inflamar” o clima político do País. Ele pediu aposentadoria em setembro do ano passado como uma espécie de protesto ao comportamento do ministro.
Moraes havia recém-assumido a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e, na posse, diante do então presidente Jair Bolsonaro, fez um discurso duro em defesa da Justiça Eleitoral, da legitimidade das urnas e da democracia. O desembargador, que estava no evento, afirmou que o ministro fez uma “declaração de guerra”.
“O que eu vi, ao meu sentir, o eminente ministro Alexandre de Moraes fez uma declaração de guerra ao país. O seu discurso é um discurso que inflama, é um discurso que não agrega, e eu não quero participar disso”, criticou à época.
Em 20 de novembro do ano passado, no acampamento montado por bolsonaristas em frente ao QG do Exército, em Brasília, ele voltou a rivalizar com o ministro. O desembargador aposentado afirmou que Moraes “não respeita a Constituição” e chegou a defender sua prisão.
“Há muito ele vem cometendo crimes e a Constituição Federal diz que a prisão só pode ocorrer por ordem escrita de autoridade judiciária, ou seja, de um juiz, ou em flagrante delito. Pois bem. Os crimes praticados por Alexandre de Moraes estão sendo cometidos com as suas decisões. No momento que as decisões dele estão em vigor, o crime está acontecendo. Portanto ele está em estado de flagrante delito”, afirmou na ocasião.
Por problemas na base de dados de mandados de prisão, advogado recomenda a seus clientes andarem com decisão de liberdade no bolso
Por Felipe Grinberg, Giulia Ventura e Roberta de Souza / O GLOBO
A prisão irregular de duas pessoas que tinham mandados de prisão inválidos no sistema de foragidos e foram reconhecidas pelo sistema de reconhecimento facial expôs um antigo problema de banco de dados. Os dois casos foram de pessoas que já foram condenados, mas não tinham ordens de prisão expedidas. A primeira foi liberada após passar a noite presa na delegacia e o segundo na audiência de custódia dois dias depois da prisão. O advogado e presidente da Comissão de Política Criminal e Penitenciária da OAB/RJ, Rodrigo Assef, diz que esses erros são comuns e antigos:
— Até a gente, até a própria advocacia criminal fica muito confusa com essa situação. Eu sempre recomendo a meus clientes que andem com a decisão (de liberdade) no bolso. É horrível isso. Mas não tem jeito. Tem que ter pelo menos uma dupla checagem. Quanto mais checagem, melhor — diz.
O problema foi admitido pelo secretário de Segurança Pública Victor César, que lembrou ter passado por situações parecidas quando, como policial federal, trabalhava no aeroporto Tom Jobim, no Galeão. O delegado diz que quer integrar o banco de dados da Polícia Civil com Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP), do Conselho Nacional de Justiça.
— Isso pode acontecer? Pode. Mas isso é uma questão que a gente não tem gerência. A gente consulta, eventualmente consegue até checar. Às vezes, ligar para a própria Vara que expediu o mandado, e ela (a Vara), dizer que “não, já foi levantado esse mandado”. Mas não consta no sistema essa informação. Aí a Justiça atualiza e a gente consegue fazer com que aquela pessoa não sofra novamente no futuro aquele constrangimento — disse ao GLOBO.
Os dois presos esta semana e que foram soltos estavam com mandados de prisão abertos no sistema SIPWeb, da Polícia Civil. É nele que o sistema de reconhecimento facial está ligado e buscando o paradeiro de 28 mil foragidos. Hoje em uso em Copacabana e na Barra da Tijuca, o funcionamento deve ser estendido a outras áreas, como no Sambódromo durante o carnaval.
Os dados que entram no SIPWeb são inseridos online pela Justiça, mas quando há impossibilidade de remessa eletrônica, as revogações e mandados de prisão são enviadas por e-mail, ou até por cartas. Um dos motivos para polícia usar o próprio banco de dados é porque o acesso ao Banco Nacional de Monitoramento de Prisões dos agentes é o mesmo disponível para pesquisa pública. No entanto, o GLOBO teve acesso a um plano de aula sobre o sistema da Academia da Polícia Civil, onde há a instrução de que toda consulta deve ser feita também no CNJ.
Também há casos onde os mandados não podem constar no banco público e ficam sob responsabilidade da própria Polícia. Quando há investigações sigilosas, por exemplo, o juiz expede um mandado para uma determinada delegacia e eles que incluem no sistema para poder cumprir, já que por ser restrito, ele não pode constar no BNMP. Os mandados relacionados aos menores de 21 anos também ficam sob responsabilidade da Polinter administrar pelo SIPWeb.
Juizados da Infância e Câmaras Criminais chegam a recorrer à Polinter para buscar informações sobre presos ou menores apreendidos. O GLOBO teve acesso a um e-mail que a 1ª Vara Criminal de São Gonçalo pede à delegacia averiguar se um homem de 19 anos tem algum mandado de busca e apreensão de quando era menor para então decidir se expedirá um alvará de soltura em seu nome.
Segundo a Polícia Civil, a secretaria não foi comunicada de qualquer mudança ou atualização referentes aos mandados de prisão que estavam pendentes. A instituição diz depender de comunicação formal pelo Poder Judiciário ou pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o que não ocorreu neste caso.
O Tribunal de Justiça diz que o banco de dados correto para a consulta é o BNMP2.0, do Conselho Nacional de Justiça. Caso não tenha um mandado de prisão em aberto nesse sistema, "nenhuma ordem de prisão fora do banco poderia ser cumprida".
Já o CNJ, afirmou que O BNMP é um sistema eletrônico, mantido pelo CNJ, para informar as autoridades sobre a gestão de documentos atinentes a ordens de prisão e soltura expedidas em todo o território nacional. E que “a escolha e o uso desses equipamentos, como o tratamento dos dados deles oriundos, são de responsabilidade exclusiva das Polícias locais”.
A força e a fraqueza do Supremo
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
No fim de 2022, sob a presidência da ministra Rosa Weber, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou duas alterações em seu Regimento Interno que, de forma prática, reduziam o poder individual dos ministros. Os pedidos de vista passaram a ter prazo de 90 dias para devolução. Após esse período, os autos ficariam automaticamente liberados para a análise dos demais ministros. A segunda mudança referia-se às decisões cautelares monocráticas, que deveriam ser submetidas imediatamente a referendo do Plenário ou da Turma, a depender da competência do caso.
As duas mudanças regimentais contribuíam para uma atuação mais colegiada da Corte constitucional. Não reduziam o poder do STF, apenas limitavam o poder individual de seus ministros. Explicitavam, assim, uma realidade institucional muitas vezes ignorada: quanto maior é o poder individual dentro de um tribunal, mais fraco é o poder do colegiado.
Se um ministro sozinho pode determinar quando devolverá os autos para a continuidade do julgamento, todos os restantes ficam à mercê da vontade desse ministro. O mesmo ocorre com as decisões monocráticas. Exemplo dessa distorção foi a liminar do ministro Luiz Fux suspendendo a instalação do juiz de garantias. A posição dele era rigorosamente minoritária dentro da Corte, mas, com a decisão liminar, ele conseguiu que sua posição prevalecesse sobre a dos demais por mais de três anos. Ou seja, um só integrante da Corte foi capaz de atrasar a eficácia da decisão da Corte, em uma situação de clara fragilidade do tribunal.
Cabe um alerta, no entanto. Apesar de corretas e necessárias, as alterações regimentais ainda não produziram os efeitos esperados. Há ainda ministros confundindo poder individual com poder do STF. Eles não entenderam o profundo sentido de defesa da Corte que as mudanças de final de 2022 vieram promover. É realmente peculiar: há um novo Regimento, mas a mentalidade de alguns ministros segue ainda apegada ao velho modo de atuar.
Essa resistência ao fortalecimento da colegialidade ficou explícita na reação do presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, e do decano da Corte, ministro Gilmar Mendes, à aprovação pelo Senado da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 8/2021, que limita decisões individuais dos tribunais contra atos legislativos. Os dois trataram a proposta legislativa como uma afronta ao Supremo, mas, na verdade, ela fortalece o tribunal, evitando situações como a da liminar de Luiz Fux no caso do juiz de garantias, em que a uma só pessoa impediu que a vontade da maioria do Plenário produzisse seus efeitos constitucionais. Reafirmando o que a Lei 9.868/99 já estabelece, a PEC 8/2021 não diminui em nada o poder do Supremo, que continuará podendo exercer, agora com mais plenitude e independência, o controle de constitucionalidade das leis.
Mas o ano de 2023 indicou não apenas a permanência no STF de uma cultura ultrapassada e incompatível com a realidade institucional de uma Corte constitucional. Ele explicitou que a prática segue muito similar ao que era antes. Há quem continue utilizando decisões monocráticas como forma de definir sozinho situações jurídicas complexas. Mais do que evitar eventuais danos irreparáveis – finalidade do poder geral de cautela –, o objetivo de algumas liminares de ministros do STF é estabelecer novos cenários que, por mais esdrúxulos que sejam, uma vez definidos, são de difícil reversão. Foi o que se viu com duas canetadas do ministro Dias Toffoli em casos antigos.
Em setembro, ele anulou todas as provas obtidas por meio do acordo de leniência celebrado em 2016 pela Odebrecht no âmbito da Lava Jato. E, em dezembro, suspendeu a multa de R$ 10,3 bilhões do acordo de leniência do Grupo J&F, celebrado em 2017. Não há nenhum sentido em fazer isso monocraticamente, o que desgasta e desautoriza a Corte.
A força do STF está em sua colegialidade. Só assim poderá prover uma compreensão estável e fundamentada da Constituição, apta a orientar todo o sistema de Justiça. O resto é arbítrio.
Limites ao ativismo judicial
Carlos Eduardo Ferreira dos Santos / CONSULTOR JURIDICO
De maneira ampla, o ativismo designa a conduta realizada sobretudo nos âmbitos revolucionários de ordem econômica, política, social, estudantil, sindical, etc. Tal atividade envolve uma militância permanente em certos setores da sociedade. Os seus agentes ou protagonistas são chamados de ativistas, isto é, os sujeitos que envidam esforços na realização dos objetivos almejados. O fenômeno do ativismo sobressai na América Latina, principalmente na busca por mudanças na sociedade e reivindicação por direitos. [1] Conceitualmente, segundo Houaiss, o ativismo pode ser compreendido como qualquer doutrina ou argumentação que privilegie a prática efetiva de transformação da realidade existente em detrimento da atividade exclusivamente especulativa. Ou seja, é a ação que objetiva promover mudanças significativas, subordinando sua concepção de verdade e de valor ao sucesso esperado ou na crença da possibilidade de êxito. [2] Para Maria Helena Diniz, o ativismo é a teoria científico-jurídica que se dirige à atividade que busca alcançar uma meta, admitindo diversos meios de atingir o fim projetado, inclusive através do uso da força. [3]
Assim, o ativismo é fenômeno que ocorre em diversas áreas, atingindo também a esfera judicial. O ativismo judicial possui várias definições. De acordo com o vocabulário jurídico Tesauro, do Supremo Tribunal Federal, o ativismo judicial significa a “atitude do magistrado na maneira de interpretação das normas constitucionais, expandindo seu sentido e alcance, e normalmente associado à inércia dos poderes públicos”. [4] Para Kramer Lustoza, a expressão pode ser definida como a conduta do juiz que excede os limites previstos no sistema jurídico, denotando uma atuação negativa relativamente ao seu mister. Vale dizer, seria quando o membro do Poder Judiciário atuasse em substituição ao Poder Legislativo ou ao Poder Executivo na resolução de certos problemas, o que transformaria os juízes em protagonistas políticos. Ao agir assim, os juízes assumiriam um papel ativista, o que, segundo Ronald Dworkin, seria um exercício irregular da função judicante, visto que “o ativista ignoraria tudo isso para impor a outros poderes do Estado o seu próprio ponto de vista sobre o que a justiça exige”. [5]
O ativismo judicial originou-se após as atrocidades cometidas na Segunda Guerra Mundial (que durou de 1939 a 1945), ante a insuficiência protetiva dos direitos humanos pelo positivismo. [6] Isso porque antes de 1945 vigorava na Europa o princípio da supremacia do Poder Legislativo — que podia alterar a realidade fática através da criação de novas leis —, ao passo que no final da década de 40 consagrou-se a supremacia da Constituição (inspirada pela doutrina norte-americana), cabendo a proteção dos direitos fundamentais ao Poder Judiciário por se tratar do órgão responsável pela guarda da Lei Maior. [7] Ou seja, tendo em vista que as leis são fruto das maiores políticas ocasionais, reconheceu-se a necessidade de se respeitar a supremacia da Constituição (sobretudo os valores contidos na Carta Magna), fazendo surgir o neoconstitucionalismo [8]. Assim, considerando que as Constituições asseguram direitos fundamentais aos seus cidadãos, o Poder Judiciário é provocado — a título de ultima ratio — como o órgão responsável pela realização desses direitos, aparecendo aí o ativismo judicial.
O ativismo judicial opera através da linguagem, isto é, materializa-se por intermédio da fundamentação de decisão jurisdicional, ocorrendo principalmente em face de omissões das autoridades públicas ou em demandas relativas a direitos prestacionais — que exigem atuação dos Poderes Legislativo e Executivo e que pode resultar em gasto no orçamento público. Nesse cenário, o magistrado, para atingir a mudança na realidade fática existente, utiliza-se de princípios e métodos de interpretação (variedade hermenêutica), a fim de justificar e legitimar a decisão adotada. O problema é que os princípios constitucionais são abertos e bastante elásticos, não havendo limites para a sua aplicação. Exemplo, a Constituição de 1988 garante a inviolabilidade do direito à liberdade, conforme previsto no artigo 5º, caput. Diante de tal cânone, é possível ao juiz autorizar o pedido de paciente para se submeter à eutanásia? Tal procedimento estaria albergado no direito à liberdade individual? O juiz, ao analisar a demanda, poderia deferir esse pleito com base nesse princípio ou em outro, como o da dignidade da pessoa humana? Como se vê, os princípios constitucionais possuem densidade, diversas aplicações e interpretações, a depender da visão de mundo por parte do intérprete, ou seja, do próprio magistrado. Em virtude disso, exige-se parcimônia, razoabilidade e equilíbrio no uso dos princípios constitucionais pelos juízes, a fim de não admitirem todo e qualquer pleito ante a amplitude de valores jurídicos abstratos — como o direito à liberdade, igualdade, segurança, etc.
Com efeito, é salutar a provocação do Poder Judiciário pelo interessado na proteção dos seus direitos, visto que o Estado pode cometer diversas irregularidades e abusos. Todavia, os juízes não podem exceder as suas funções traçadas pela Constituição ao ponto de transmudar-se em atores políticos ao incorrer no famigerado ativismo judicial. Tal fenômeno ocorre quando os magistrados, no intuito de efetivar determinado princípio previsto na Carta Magna, findam por: determinar política pública aos órgãos estatais; adotar medida reservada ao Poder Legislativo; acolher determinado pedido da parte quando este deva ser decidido pelos órgãos políticos competentes — já que o seu conteúdo repousa na órbita dos poderes Legislativo ou Executivo; e criar lei, de caráter geral e abstrato, por intermédio de robusto esforço argumentativo na interpretação da Constituição, com o objetivo de proteger determinado bem jurídico reclamado pela parte litigante.
A título de ilustração, são matérias que, a despeito da sua notável relevância, refogem — e muito — à competência do Supremo Tribunal Federal: a descriminalização do aborto, a criminalização da homofobia, a descriminalização do porte de drogas, etc. Conforme noticiado no site do STF, no ano de 2024, “um dos assuntos a ser retomado é a ação que discute a definição do que seja a quantidade para consumo próprio de drogas”. Além disso, “quanto à ação que discute a descriminalização do aborto, o presidente do STF disse que não há tema tabu para a pauta”. [9]
Como se vê, por vezes, o Pretório Excelso finda por imiscuir-se em temas que não são de sua competência, chegado ao ponto de substituir, ad hoc, as atribuições do Executivo e Legislativo, já que incumbe a esses Poderes a definição das pautas políticas da nação brasileira. Em outras palavras, o ativismo judicial implica a substituição do legislador pelo juiz, que usurpa de funções que não são suas, mas de outrem. Havendo progressão na interferência de funções, o ativismo judicial pode transmuda-se em ativismo político, gerando a nefasta monopolização do poder político em uma só esfera, isto é, pelo órgão judicante — ou até mesmo a criação do “governo dos juízes” [10].
Desse modo, o ativismo judicial opera em razão de o Poder Judiciário exceder-se na sua competência julgadora, passando a criar soluções em matérias de competência dos poderes políticos. Em casos assim, o juiz deixa de julgar com base em preceito expresso ou implícito na lei/Constituição para avançar em temas cuja resolução incumbe ao Executivo e ao Legislativo — que são os órgãos definidores das escolhas políticas da nação.
Como forma de evitar o ativismo judicial exacerbado, elenca-se a seguir matérias que não devem ser decididas pelos juízes: matéria estritamente política ou moral (atividades relativas ao plano governamental, criação de política pública, metas ou aspirações sociais, ou medidas baseadas em ideologias, valoração de ideais ou propósitos, bem como o estabelecimento de preceitos morais ou costumes, pois estes provêm da sociedade); matéria de múltiplas opções (assuntos que admitem decisões plúrimas devem ser atribuídas à sociedade, que por intermédio de seus representantes legitimamente eleitos escolherão a medida que entendam pertinente, visto que, nesses casos, não há uma única solução possível, ao contrário, há diversas possibilidades de escolha pela autoridade); matéria não disposta expressa ou implicitamente na Constituição (ante a inexistência no texto constitucional, há liberdade decisória por parte dos poderes políticos, que poderão criar ou não determinada prerrogativa, a exemplo das cotas raciais em concursos públicos, não podendo os juízes criarem esse direito ao arrepio de prévia disposição legal); matérias controvertidas socialmente (temas com elevado dissenso social não podem ser decididas na órbita exclusiva do Poder Judiciário, pois devem ser produto de ampla deliberação democrática nos órgãos políticos competentes — Executivo e Legislativo —, a exemplo de pautas como o aborto, a eutanásia, a descriminalização das drogas, etc.); assunto sujeito à liberdade de conformação do legislador (os juízes não podem imiscuir-se em matérias dispostas regularmente pelo Poder Legiferante, especialmente sobre o conteúdo e a extensão, pois são fruto do exercício legítimo conferido pela Lei Maior, a exemplo da criação de política pública que tenha por meta atingir certa finalidade social. Vale dizer, o Judiciário deve guiar-se pelo princípio da deferência legislativa, respeitando os atos normativos válidos, compatíveis com a Constituição); e matéria de ordem técnica (os juízes não devem interferir em assuntos regidos por métodos e conhecimentos científicos ou regras operacionais que regem determinado setor especializado, bastando que sejam válidos perante o ordenamento jurídico.
O Poder Judiciário deve respeitar a tecnicidade temática, sob pena de prejudicar e até mesmo ruir o respectivo setor. Exemplo: eventual determinação judicial que, sob a justifica de concretizar o direito social ao transporte (conforme previsto no artigo 6º da Carta Magna) conceda aos cidadãos, ao arrepio da lei, a gratuidade do transporte público municipal, quando inexista política pública nesse sentido.
Assim, a “matéria estritamente política ou moral”, “matéria de múltiplas opções”, “matéria não disposta expressa ou implicitamente na Constituição”, “matérias controvertidas socialmente”, “assunto sujeito à liberdade de conformação do legislador” e “matéria de ordem técnica” constituem limites ao ativismo judicial, não podendo atuar o Poder Judiciário nessa seara, sob pena de ingerir indevidamente na competência dos Poderes Executivo e Legislativo.
Nesses casos, a decisão incumbe aos atores políticos, aos partidos, aos grupos de pressão e sobretudo à sociedade — através dos seus representantes eleitos democraticamente —, mediante ampla discussão e debate nas diversas esferas e órgãos competentes, a fim de ser respeitada a soberania popular.
Alexandre de Moraes diz que golpistas queriam enforcá-lo na Praça dos Três Poderes no 8 de janeiro
Por Gabriel de Sousa / O ESTADÃO DE SP
BRASÍLIA – O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes afirmou que as investigações sobre os atos antidemocráticos de 8 de janeiro desvendaram a existência de três planos contra ele, que previam a prisão e o enforcamento dele na Praça dos Três Poderes. De acordo com o ministro, que é o relator dos julgamentos relacionados aos ataques na Corte, a ordem dos financiadores dos ataques era convencer o Exército a aderir a um golpe de Estado.
Em entrevista ao jornal O Globo, Moraes afirmou que um dos planos consistia na sua prisão por parte das Forças Especiais do Exército, que o encaminharia para Goiânia. Outra ideia se baseava em um homicídio, com o corpo do ministro sendo largado no caminho para a capital goiana. A terceira possibilidade era mais extrema, com enforcamento do magistrado na Praça dos Três Poderes.
“Para sentir o nível de agressividade e ódio dessas pessoas, que não sabem diferenciar a pessoa física da instituição”, afirmou Moraes ao jornal. O magistrado disse que não reforçou a sua segurança após os ataques golpistas, mas que aumentou a vigilância sobre a sua família.
Em julho do ano passado, Moraes estava acompanhado da sua mulher e do seu filho no aeroporto de Roma, na Itália, quando foram hostilizados pelo casal de brasileiros Ricardo Mantovani e Andreia Munarão. Um relatório da PF analisou que “aparentemente” o filho do ministro levou um tapa no rosto desferido por Mantovani.
Moraes diz que STF não permitirá ‘qualquer tipo de impunidade’
Quase um ano depois da invasão e depredação da sede dos Poderes, o STF já condenou 30 acusados pelos atos golpistas. Outras 29 ações penais viraram o ano em aberto e devem ser finalizadas na primeira semana de fevereiro, quando a Corte voltar do recesso.
Em entrevista ao Estadão, Moraes afirmou que o STF agiu com “celeridade e eficiência” para responder aos ataques contra os Três Poderes. Ao todo, o ministro é relator de 1.345 processos contra golpistas do 8 de janeiro.
“A democracia é intocável e o STF não permitirá qualquer tipo de impunidade. (...) As Instituições mostraram sua maturidade e fortaleza, defendendo a Constituição, a democracia e o Estado de Direito”, afirmou Moraes ao Estadão.
Moraes disse que Abin monitorava os seus passos
Moraes também afirmou ao O Globo que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) fazia o monitoramento dos seus passos para “quando houvesse necessidade” de realizar a sua prisão.
Em outubro, a sede da Abin foi alvo de buscas e apreensões pela Polícia Federal (PF) após os investigadores identificarem o uso de um sistema de espionagem da agência para mais de 30 mil rastreamentos. Moraes está na lista de alvos.
O programa de espionagem utilizado é israelense e tem capacidade de detectar um indivíduo com base na localização de aparelhos que usam as redes 2G, 3G e 4G. Segundo a PF, 1.800 usos desse programa foram destinados à espionagem de políticos, jornalistas, advogados, adversários do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e ministros do Supremo.
Golpistas tentariam convencer Exército após GLO, diz Moraes
Na entrevista, Moraes também disse que existia uma ordem dos financiadores dos atos golpistas para uma invasão do Congresso Nacional até que houvesse um decreto de uma Garantia de Lei e da Ordem (GLO) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Após a GLO, eles tentariam convencer o Exército a aderir ao movimento antidemocrático.
“De vários financiadores, (a ordem era que) deveriam vir, invadir o Congresso e ficar até que houvesse uma GLO para que o Exército fosse retirá-los. E, então, eles tentariam convencer o Exército a aderir ao golpe. O que mostra o acerto em não se decretar a GLO, porque isso poderia gerar uma confusão maior, e sim a intervenção federal”, disse o ministro do Supremo ao O Globo.
Perguntado sobre as lições deixadas pelo 8 de janeiro, Moraes defendeu a regulação das redes sociais, chamando-as de “terra sem lei” e disse também que políticos que tiverem participação comprovada nos ataques devem ser “alijados” da vida pública. “Quem não acredita na democracia não deve participar da vida política do País”, afirmou.
A paixão tórrida de Barroso pelos microfones
Por J.R. Guzzo / O ESTADÃO DE SP
O presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, que parece viver uma paixão tórrida com os microfones, o som da sua própria voz e a celebração das virtudes que imagina ter, virou o mais ativo orador político do Brasil. Não poderia ser assim. Como juiz, ele tem a obrigação de ser juiz – e um juiz não pode passar o tempo todo falando como um animador de auditório na defesa das suas ideias, convicções e interesses. Como o público que lhe paga o salário pode esperar que seja imparcial nas suas sentenças, se está todo dia dizendo que é contra isso e a favor daquilo? Mas aí é que está: no Brasil de hoje o comando da discussão política não está no Congresso Nacional, que foi eleito pelo povo brasileiro, nem entre os governantes que os eleitores puseram nos cargos executivos, mas no STF – que não tem o voto de ninguém. É uma degeneração.
A última homilia do ministro Luís Roberto Barroso mostra, mais uma vez, o quanto o STF afundou na sua própria anomalia. Eles não percebem mais que o respeito pela instituição só pode ser conquistado como consequência dos seus atos, da sua seriedade e da sua isenção. Acham outra coisa: o Supremo só será um grande tribunal se as suas “lideranças” ficarem fazendo elogios a si mesmas. Barroso, em seu discurso mais recente, disse que “o STF fez muito bem ao Brasil” e enumerou as dádivas que nos foram fornecidas por Suas Excelências. Quem teria de falar disso não é ele, e sim os supostos beneficiários das bondades do STF - mas pelos padrões de conduta vigentes hoje neste país a auto louvação é não apenas aceita como aplaudida. Ficamos sabendo, assim, que o STF nos salvou de uma ditadura, venceu o “golpe de estado” do 8 de janeiro, impediu que a Covid destruísse o Brasil etc. etc. Tudo bem: quem quiser acreditar nisso tem o direito de acreditar. O que não está certo é dizer que quem critica o STF são os “bolsonaristas”, e que os “ataques” ao tribunal só acontecem porque suas decisões causam desagrado a certas pessoas.
É falso. Os que criticam as ações do STF incluem muito mais gente que os “bolsonaristas” – basta verificar, com um mínimo de serenidade, quem são os autores das críticas. Mais que isso, o que se condena no STF não é o teor jurídico das decisões; ninguém ignora o fato de que uma sentença judicial sempre agrada o vencedor e desagrada o perdedor. O problema, e aí o presidente do STF não dá um pio, é que as mulheres de ministros advogam em causas julgadas pelos maridos. Cidadãos estão sendo condenados a até 17 anos de cadeia por terem participado de um quebra-quebra em Brasília – e por terem supostamente praticado, ao mesmo tempo, os crimes de “golpe de estado” e de “abolição violenta do estado de direito”.
Um cidadão tem um bate-boca com um dos ministros no Aeroporto de Roma e se vê levado a julgamento no supremo tribunal de justiça do país, no arrastão judicial dos “atos antidemocráticos”. A empresa J&F é dispensada de pagar os 10 bilhões de reais que devia ao Tesouro Nacional, em cumprimento ao acordo que fez para escapar de cinco ações penais por corrupção ativa. As provas materiais de corrupção contra a Odebrecht são declaradas como “imprestáveis” e destruídas.
Nada disso ter alguma coisa a ver com “defesa da democracia”, ou com máscara para Covid, ou com “extrema direita” e outras assombrações. Está errado porque é contra a lei. E é por isso, na verdade, que o presidente do STF age todos os dias como chefe de facção política. Não está interessado em Constituição, processo legal e seu dever como juiz. Como ele mesmo diz, quer “fazer História”.
Receita deve cumprir prazo de envio de débitos para inscrição em dívida ativa
Conforme manda a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), o contribuinte tem direito ao prazo de 90 dias, contado a partir do vencimento de cada dívida, para encaminhar à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) débitos a serem inscritos em dívida ativa.
Assim, a 14ª Vara Federal de Porto Alegre ordenou que o delegado da Receita Federal na capital gaúcha encaminhe à PGFN os débitos tributários de uma empresa, vencidos há mais de 90 dias, para inscrição em dívida ativa.
Segundo a defesa, a decisão é importante porque apenas a PGFN possui editais de transação tributária que oferecem descontos e até 145 prestações em parcelamentos, aplicáveis apenas aos débitos inscritos em dívida ativa.
Ou seja, a empresa terá a possibilidade de parcelar em melhores condições. O edital de transação atualmente aberto na PGFN permite adesões até esta quinta-feira (28/12).
Na ação, a empresa informou sua pretensão de transacionar os débitos com a PGFN, devido às condições melhores do que as propostas pela Receita. De acordo com os advogados, o envio dos débitos evitaria um reparcelamento de valores e um pedágio de 20% sobre os débitos parcelados anteriormente.
O prazo de 90 dias para o encaminhamento dos débitos federais está previsto no Decreto-Lei 147/1967 e na Portaria 447/2018 do Ministério da Fazenda.
Os advogados Yuri Andara, Juliano Coitiño e Guilherme Zanchi, do escritório ACZ Advogados, que representaram a empresa, apontam que a Receita costuma alegar problemas operacionais e, assim, deixa de remeter os débitos dentro do prazo em questão.
O pedido foi acatado pelo juiz Tiago Scherer, em decisão liminar, no final de outubro. Um mês depois, o juiz Fábio Soares Pereira confirmou a medida por meio de sentença.
Clique aqui para ler a decisão
Processo 5074829-49.2023.4.04.7100
Justiça condena deputado bolsonarista por assédio a trabalhadores nas eleições
Constança Rezende / FOLHA DE SP
A Justiça do Trabalho de Goiânia condenou o deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO) a pagar R$ 80 mil de indenização por danos morais coletivos na campanha presidencial de 2022. A decisão foi publicada na segunda-feira (25).
O juiz Celismar Coelho de Figueiredo, do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região, considerou que o parlamentar cometeu assédio eleitoral quando foi a empresas do estado para coagir trabalhadores a votar no ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Em seu perfil na rede social X, Gayer ironizou a decisão: "Agora eles me pegaram, fui condenado". Ele chamou a condenação de esdrúxula e disse que irá recorrer.
A ação foi proposta pelo Ministério Público do Trabalho, que pediu uma indenização de R$ 800 mil ao parlamentar. O órgão citou que, durante um encontro numa padaria, os funcionários tiveram que paralisar os seus serviços e participar da reunião com Gayer.
O MP alegou que situações do tipo "geram nos trabalhadores um temor de se manifestar, receio quanto a situação da empresa e dos seus empregos no futuro, constrangendo-os e pressionando-os a adotar a postura política que o empregador possui, a qual é sempre destacada como a melhor para eles e para os empresários".
Para o juiz, direitos básicos fundamentais, de liberdade política e de expressão, "notadamente o direito ao voto, foram violados na ocasião, a colocar em risco o próprio exercício da democracia, regime de governo tão duramente conquistado em nosso país".
"Sem dúvida alguma, o comportamento do demandado (o deputado), com a conivência dos representantes das empresas causou efetivo desconforto e constrangimento aos seus empregados", afirmou o magistrado.
Ele acrescentou que os trabalhadores em geral têm no emprego a única fonte de renda, e por conta da dependência econômica e necessidade de sobrevivência, "não têm força suficiente para resistir às investidas ilícitas do empregador ou pessoas por ele convidadas".
"O ambiente de trabalho deve ser livre de pressões externas relacionadas à orientação política, religiosa ou sexual, sendo garantida ao trabalhador e a todo o cidadão, a livre escolha de seus representantes políticos nos âmbitos municipais, estaduais, e federal", afirmou.
Ele também determinou que o parlamentar se abstenha de liderar e promover reuniões dentro de empresas e organizações, para as quais são convocados os trabalhadores destas, visando aliciar, de qualquer maneira, o voto desses trabalhadores para qualquer candidato. Os valores da indenização deverão ser revertidos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, segundo a decisão.
O parlamentar declarou em vídeo que, entre o primeiro e segundo turnos das eleições do ano passado, foi convidado por vários empresários para ir até as suas empresas e, no momento de descanso, entre troca de turnos, eles lhe pediram para que explicasse o plano de governo dos dois candidatos.
"Foi um bate-papo. Quem não quisesse participar, não participava, não eram obrigados a estar lá, quem quisesse podia ir embora. Até convidava alguns trabalhadores para dar o seu depoimento, fazer perguntas", afirmou.
Ele também chamou a procuradora do trabalho autora da ação de "uma daquelas petistas histéricas" e que "aceitou uma denúncia de internet". O parlamentar disse que foi tentado um acordo onde ele teria que publicar em suas redes sociais uma retratação, mas negou a proposta.
"Não aceitei porque eu sei que eu não fiz nada errado, eu não pedi voto para o Bolsonaro", declarou.
Asfixia de Bolsonaro é parte da equação que levou Gonet à PGR
Josias de Souza/ Colunista do UOL
A Polícia Federal aguardava pela troca de comando na Procuradoria-Geral da República para fechar a conta dos inquéritos sobre Bolsonaro. Paulo Gonet foi escolhido por Lula sob influência de Alexandre de Moraes, relator-geral das encrencas bolsonaristas. Antes de ser aprovado pelo Senado, Gonet esteve um par de vezes no Planalto. O que conversou com o presidente, não se sabe. Mas nem a alma mais ingênua se atreveria a supor que Lula e Gonet deixariam de falar sobre o futuro criminal de Bolsonaro…
Reportagem de Aguirre Talento informa que a PF prepara para o início de 2024 o indiciamento de Bolsonaro nos inquéritos sobre fake news e milícias digitais. Os processos incluem da tentativa de golpe à falsificação de certificados de vacinação, da propagação de mentiras ao comércio ilegal de joias. O indiciamento deixará Gonet diante de duas alternativas: denunciar Bolsonaro ou desmoralizar Lula…
Como o mandato do PGR dura apenas dois anos, o desejo de recondução elimina a hipótese de Gonet fazer Lula de bobo. Confirmando-se a denúncia, restarão ao Supremo duas possibilidades: condenar Bolsonaro ou condenar Bolsonaro. A absolvição ou uma sentença suave, sem cadeia desmoralizariam a Corte, que já impôs às piabas do 8 de janeiro sentenças de até 17 anos de cana…
Um Bolsonaro encarcerado sob os ritos democráticos ficaria em situação parecida com a que viveu o adversário. Lula foi afastado das urnas graças a uma ação coordenada do Supremo —que sonegou-lhe um habeas corpus— e do TSE —que enquadrou-o na inelegibilidade da Lei da Ficha Limpa. Já banido das urnas até 2030, o capitão iria à cela batendo o mesmo bumbo de perseguido…
Com Lula fora da pista, Bolsonaro surfou o antipetismo para retirar a direita do armário em 2018. Quatro anos de irracionalidade e golpismo produziram a vergonha que colocou a direita civilizada no arco democrático que deu a vitória a Lula em 2022…
A provável asfixia criminal de Bolsonaro não torna a vida do rival mais fácil. Ainda que Bolsonaro e o bolsonarismo virassem pó, o conservadorismo troglodita continuaria retirando seu oxigênio do antipetismo. Ou seja: se quiser um quarto mandato, Lula precisa governar direito e aprender a conversar com a direita racional que lhe deu a vitória em 2022 menos pela preferência do que pela rejeição à alternativa…
Opinião
Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL… NEM A MINHA
Família de mulher morta por Covid-19 durante crise de oxigênio em Manaus receberá indenização de R$ 1,4 milhão
Por Luã Marinatto / O GLOBO
A Justiça Federal do Amazonas determinou que a família de uma paciente que morreu em decorrência da Covid-19 em janeiro de 2021, durante a crise no abastecimento de oxigênio em Manaus, seja indenizada em R$ 1,4 milhão. Segundo a sentença, o valor, a ser dividido entre o viúvo e seis filhos da mulher, deverá ser pago solidariamente pela União, pelo governo do Amazonas e pela prefeitura da capital.
Na decisão, publicada no último dia 18, a juíza Jaiza Maria Pinto Fraxe, da 1ª Vara Federal Cível do Amazonas, sustenta que "cabia aos réus providenciarem o correto e suficiente abastecimento de oxigênio medicinal em suas unidades de saúde pública", bem como "suprir os leitos de UTI necessários para fazer frente ao já esperado agravamento da pandemia".
"O dano sofrido pelos autores é claro, profundo e salta aos olhos, já que a perda de um ente querido em razão da omissão dos réus em abastecer adequadamente suas unidades de saúde com oxigênio medicinal e também com leitos de UTI suficientes é incomensurável, ainda mais se tratando de esposa e mãe", afirma a magistrada no texto.
O processo narra que a mulher, então com 61 anos, deu entrada na Unidade de Pronto Atendimento do Hospital Platão Araújo no dia 4 de janeiro de 2021, com fortes sintomas gripais, e acabou diagnosticada com Covid-19 em estado crítico. Por uma semana, após o agravamento do quadro e a necessidade do uso da máscara de oxigênio, a saturação da paciente manteve-se estável, sempre acima de 90%.
A partir de 12 de janeiro, no entanto, a saturação da paciente começou a cair para baixo de 90% mesmo com o uso da máscara de oxigênio, seguindo em queda até atingir 63% dois dias depois, o que levou a família a solicitar um parecer de reanimação. Ainda de acordo com os autos, o procedimento foi negado pela administração do hospital devido à falta de leitos de UTI disponíveis.
Os parentes moveram, então, uma ação contra o Estado do Amazonas pleiteando a transferência da parente para um leito intensivo, obtendo decisão favorável em tutela de urgência no dia 14 de janeiro. Contudo, no dia seguinte, antes que a sentença fosse cumprida, a mulher não resistiu e morreu.
O ápice da crise no fornecimento de oxigênio em Manaus ocorreu justamente entre os dias 14 e 15 de janeiro daquele ano, quando diferentes unidades de saúde públicas e particulares viram o estoque zerar. Parentes de pacientes foram obrigados a tentar adquirir ou abastecer cilindros por conta própria, nem sempre com sucesso.
Diante deste cenário, a defesa da família argumentou que é "obrigação do Estado (União, estados, DF e municípios) fornecer todas as ações e serviços indispensáveis à assistência à saúde para preservar a vida, o que não ocorreu no caso, havendo conduta omissiva dos requeridos, que assumiram o risco de eventual morte da paciente pela falta de oxigênio medicinal".
"Em todo o seu tempo de internação", frisa a juíza Pinto Fraxe, a paciente "permaneceu em enfermaria, a despeito da piora no seu quadro e da solicitação feita pelo médico que estava de plantão para que fosse realizado parecer de reanimação". Em outro trecho, a magistrada prossegue: "A situação da paciente era tão grave que obteve, inclusive, decisão judicial de urgência na Justiça Estadual para sua transferência para UTI seja no mesmo hospital ou mesmo em outro da rede pública ou particular, o que não ocorreu em razão da sua morte".
"Fica claro, portanto, que a paciente não recebeu os cuidados necessários para evitar o evento morte, tendo agonizado num leito de enfermaria e dessaturado até 40%, o que possivelmente provocou a sua parada cardiorrespiratória em razão do esforço para obter ar", descreve ainda a sentença. Para a juíza, os réus não conseguiram "apresentar contraprovas" que pudessem contrapor tais "óbvias conclusões".
Ainda cabem recursos à decisão da Justiça Federal do Amazonas. Procurada, a Prefeitura de Manaus informou, por meio da Procuradoria-Geral do Município (PGM), que "não foi notificada sobre o processo e se manifestará quando tomar ciência". Já a União afirmou que ainda não foi intimada. "Quando isso ocorrer, avaliará as medidas cabíveis", informou, por nota. O governo do Amazonas não se manifestou até o momento.