Em escola onde MEC diz ter internet adequada, alunos usam até Pé-de-Meia para pagar conexão
Por Paula Ferreira e Francisco Leali / O ESTADÃO DE SP
BRASÍLIA - A falha no fornecimento de internet em algumas escolas tem levado alunos e professores a buscarem soluções individuais para resolver o problema.
Na escola Irmã Maria Regina Velanes Régis, na Zona Rural do Distrito Federal, cuja internet é considerada “adequada” pelo Ministério da Educação (MEC), há relatos de estudantes que passaram a usar o dinheiro recebido via programa Pé-de-Meia para contratar pacotes de internet e utilizar nas atividades pedagógicas. O Pé-de-Meia é um programa federal que dá bolsas para evitar a evasão no ensino médio.
O Ministério da Educação (MEC) diz usar diferentes fontes de informação para indicar velocidade da rede e afirma que os dados da unidade de Brasília foram informados pela gestão da unidade. Procurada, Secretaria da Educação do DF não se manifestou (leia mais abaixo).
A estudante Samy da Silva, de 18 anos, conta que, muitas vezes, o alunos não têm internet disponível em casa para fazer as atividades que acabam se tornando lição de casa devido à precariedade da banda larga na escola. Diante disso, os estudantes se organizam para utilizar a internet de colegas com rede disponível, ou até mesmo, compram pacote de dados com recursos que têm recebido do governo federal.
“A gente se junta, agora que está recebendo o Pé-de-Meia, coloca crédito. Aí tem internet, e a gente faz nossa pesquisa pelo celular”, conta a estudante.
O Pé-de-Meia é um programa criado pelo governo federal que prevê o pagamento de uma bolsa mensal de R$200 para estudantes do ensino médio. Além do depósito de R$1000 por ano em uma poupança, que só pode ser sacada no final do ensino médio. A iniciativa é uma estratégia para reter os estudantes na escola e evitar a evasão.
A falta de internet levou a direção da escola a desativar o laboratório de informática para abrir espaço para turmas da educação integral. Com os computadores trancados num depósito, a Escola Irmã Maria Regina — que tem cerca de 920 alunos do ensino fundamental ao médio, e na educação de jovens e adultos — usa um carrinho para guardar notebooks destinados à aprendizagem. Os equipamentos são utilizados em sala de aula ainda que sem conexão. A medida é uma tentativa de fazer com que os estudantes tenham contato com a Era da Informação mesmo de maneira offline.
Os computadores portáteis são usados para produção de texto de forma digitalizada, ou para acessar jogos e conteúdos baixados pelos professores para auxiliar nas aulas.
“Atrapalha muito o pedagógico. Tudo tem que ser baixado com antecedência, impresso”, conta a professora de Português, Lívia Pâmela Guedes. Ela conta que gamifica os conteúdos ensinados para tornar o material mais atrativo aos estudantes, mas, muitas vezes, precisa adaptar o trabalho por falta de conectividade. “Preciso pegar o jogo e fazer de uma maneira que fique offline ou usar meus dados, porque, de vez em quando, funciona.”
As reclamações são repassadas rotineiramente à direção da escola. A diretora Lilian Kelly Oliveira conta que a unidade recebe a verba do governo federal para fornecimento de internet via Programa Dinheiro Direto na Escola, mas a rede contratada não é suficiente para abrir o sinal para os estudantes durante a aprendizagem.
As redes disponíveis no colégio, segundo ela, são suficientes apenas para sustentar as atividades administrativas e para que os docentes possam preencher seus diários de classe, que são hospedados em uma plataforma online.
“Os professores se queixam muito em relação a essa questão de não ter internet e, quando tem, é muito fraca. Justamente porque querem levar uma atividade diferenciada para sala de aula, porque querem que os alunos façam pesquisas, atividades interativas, e não conseguem. Há uma frustração”, conta Lilian ao Estadão.
A diretora diz que já fez inúmeros pedidos para melhoria da rede, mas não consegue resolver o problema. Em outra escola de Brasília, os problemas são parecidos. Embora a internet do colégio seja classificada como “adequada” pelo MEC, uma professora, que não quis se identificar, contou à reportagem que os professores fazem vaquinha para financiar o pacote de dados da instituição.
Segundo o relato, todos os anos, professores e funcionários dividem o valor da internet extra e é “muito raro” que consigam utilizá-la em classe para desenvolver atividades com os estudantes. A diretora da unidade foi contactada, mas preferiu não dar entrevista.
O que diz o poder público
Ao Estadão, MEC afirma que a Estratégia Nacional de Escolas Conectadas (Enec) tem o objetivo de coordenar e qualificar o acesso à internet. A pasta acrescenta que “políticas até então existentes não garantiam o acesso à conectividade significativa para uso pedagógico e tampouco enfrentavam as questões de necessidade de melhoria da infraestrutura de telecomunicações em regiões mais remotas.”
A pasta diz ainda que entre os desafios então disponibilização de energia elétrica para rede pública; contratação de serviço de conexão que permita uso de vídeos, jogos e outros recursos; disponibilização de rede sem fio para que turmas inteiras consigam se conectar.
Em relação à escola de Brasília, o MEC informa que a unidade “possui uma velocidade de conexão considerada adequada, permitindo o uso fluido de vídeos, plataformas educacionais, áudios, jogos e outros recursos digitais”. Segundo a pasta, essa informação teria sido fornecida pelo gestor escolar ao declarar que tinha contratado um pacote de dados de 800 megabits por segundo, sendo que a velocidade mínima seria de 431 Mbps. Na resposta, o ministério não faz referência ao valor registrado pelo medidor oficial de apenas 61,07 Mbps.
“Segundo formulário, respondido em junho de 2024 pelo(a) gestor(a) escolar, a escola já dispõe de sinal Wi-Fi em pelos menos 14 ambientes escolares dos 28 existentes. Isso significa que já conseguiria utilizar a internet para fins pedagógicos”, diz o MEC.
O ministério declara ainda que a escola recebeu recursos no final de 2024 para a contratação de internet. “Os recursos são repassados para a escola, que fica a cargo da contratação de forma direta. Além disso, está prevista a utilização pelo governo do Distrito Federal de recursos federais da Lei nº 14.172 já aprovados pelo Ministério da Educação para a melhoria do Wifi, conforme estabelecido no plano de conectividade desenvolvido pelo Distrito Federal, com prazo de execução até dezembro de 2026. Considerando que o repasse já foi efetuado e os recursos estão disponíveis para a secretaria de educação do Distrito Federal, a expectativa é que a escola atinja, em breve, a qualificação máxima nesse parâmetro”, diz a nota do MEC.
A pasta ainda admite que não inspeciona 100% das escolas, mas faz monitoramentos periódicos para orientar as secretarias de educação sobre a contratação dos serviços de internet. “Cumpre ressaltar que o uso pedagógico da internet não depende apenas de infraestrutura adequada, mas também de um corpo técnico formado para utilizar a tecnologia com intencionalidade pedagógica. Em muitos casos, as escolas podem já ter um acesso à internet adequado, e mesmo assim os profissionais da escola não utilizarem a internet em sala de aula com os estudantes.
É por isso que o Ministério da Educação vem ofertando diversos cursos de formação de professores para o uso de tecnologias, vem apoiando as redes no diagnóstico das competências digitais dos professores e vem prestando assessoria técnica às redes de ensino para que consigam garantir a incorporação da Educação Digital nos currículos e planejar formações de professores que visem desenvolver os saberes digitais orientando e incentivando o uso de tecnologias digitais nos processos de ensino e de aprendizagem”, diz o ministério.
O cálculo político que fez o União Brasil esnobar ministério do governo Lula
Por Malu Gaspar / o globo
A recusa do União Brasil em indicar o sucessor de Juscelino Filho (MA) para o Ministério das Comunicações do governo Lula, depois de um impasse de 14 dias diante do convite do presidente ao deputado Pedro Lucas Fernandes (União-MA), é fruto de um cálculo bem pragmático do presidente do partido, Antonio Rueda.
A decisão surpreendeu muita gente que considerava que já estava tudo acertado entre os principais caciques da legenda – Rueda e o presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre (União-AP) –, ao convencer Juscelino Filho a pedir demissão após ser denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por organização criminosa, fraude licitatória, peculato e corrupção ativa.
E até estavam segundo garantiram interlocutores dos dois à equipe da coluna. Rueda, porém, começou a roer a corda quando se deu conta de que poderia ficar sem a liderança do partido na Câmara dos Deputados e acabar não mandando de fato nas Comunicações.
Isso porque, ao indicar Pedro Lucas, visto no governo como um preposto seu, Rueda teria que abrir mão da liderança na Câmara. Em troca, Alcolumbre queria que o novo líder da bancada de 59 deputados fosse o próprio Juscelino. Só que, enquanto esteve no ministério, Juscelino teria nomeado vários aliados de Alcolumbre para cargos-chave, que Pedro Lucas dificilmente conseguiria substituir.
Considerando que Rueda também não tem nenhum outro cargo no governo, mas hoje negocia em nome da bancada indicações para comissões, relatoria de projetos e barganha em votações específicas, pareceu claro ao presidente do União Brasil que o ministério, para ele, representaria um grande prejuízo.
Além disso, com o União dividido entre o apoio ao governo ou a ida para a oposição, Rueda não teria votos para eleger um novo líder batendo de frente com Alcolumbre.
“Hoje para o Rueda vale mais sentar à mesa para negociar com o Hugo Motta [presidente da Câmara] do que ter um ministro que não manda nada. E como ele não tem mais nenhum outro cargo no governo, ir para a oposição e negociar no varejo é bem melhor”, diz um dos interlocutores próximos de Rueda, que acompanhou o movimento nos bastidores.
Esse cálculo também considera que, mesmo irritado com o União, Lula não vai tirar de Alcolumbre nem um milímetro do espaço que o presidente do Senado já tem na máquina federal. Lula hoje precisa do senador. Periga ainda oferecer a ele uma compensação para a perda das Comunicações. Se isso ocorrer, Alcolumbre já sabe o que vai pedir: a vaga de Alexandre Silveira (PSD), que ele há meses tenta destronar do Ministério de Minas e Energia.
Ou seja: quem apronta a confusão é o União Brasil, mas o prejuízo quem tem que administrar é o governo Lula.
Declaração do Imposto de Renda simplificada ou com deduções legais? Saiba a diferença
Fernando Narazaki / FOLHA DE SP
A declaração do Imposto de Renda permite que o contribuinte escolha entre dois tipos de desconto ao enviar os dados: o modelo simplificado ou o com deduções legais. O programa da Receita Federal mostra como ficará a cobrança ou restituição nos dois casos e cabe quem declara decidir a melhor alternativa.
O modelo simplificado aplica uma dedução automática de 20% sobre os rendimentos tributáveis, como salário, aposentadoria e outros ganhos, que formam a base de cálculo. O valor máximo de redução é de R$ 16.754,34.
Já a declaração com deduções legais, chamada antes de modelo completo, traz como opção as deduções permitidas por lei, como gastos com saúde, educação, dependentes e outros. Em alguns casos, há um limite para esses descontos.
O gasto com saúde, no entanto, é exceção. É esse item que mais levou contribuintes para a malha fina do IR no ano passado.
Veja abaixo as deduções permitidas no Imposto de Renda
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Despesas de saúde devidamente comprovadas: não há limite de valores
TCU faz bem em ampliar auditoria sobre prejuízos em fundo da Previ
Por Editorial / O GLOBO
Para esclarecer a perda, em 2024, de R$ 17,7 bilhões no principal plano de previdência da Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, o Tribunal de Contas da União (TCU) converteu a investigação preliminar sobre o episódio em auditoria ampla. Foi uma decisão acertada, em defesa dos segurados da Previ e dos cofres públicos. A experiência mostra que há sempre o risco de a mantenedora do fundo também ser chamada a contribuir para fechar eventuais rombos, despesa que, em algum momento, recai sobre o Tesouro.
Aberta pelo ministro Walton Alencar, a investigação fez com que o TCU decidisse também encaminhar cópia do processo à Polícia Federal (PF), à Controladoria-Geral da União (CGU) e ao Ministério Público Federal (MPF), bem como a comissões do Congresso. A sindicância começou com o pedido de averiguação do cumprimento de normas legais na condução do fundo pelo sindicalista João Fukunaga, funcionário concursado do BB e presidente da Previ. Foi constatado, de 2023 para 2024, que o Plano 1 da Previ passou de superávit de R$ 14,5 bilhões ao déficit bilionário. O plano já saiu da fase de acumulação e passou a ter de pagar aposentadorias e pensões.
A Previ argumenta que o déficit não é prejuízo, apenas reflete a flutuação normal no valor dos ativos mantidos pelo fundo, que será corrigida com o tempo pelo próprio mercado. Caso isso não ocorra, é grande a chance de o plano ter dificuldades de pagar os benefícios prometidos. Por suas características, fundos de pensão precisam estar lastreados em títulos de renda fixa seguros, como bônus do Tesouro ou papéis semelhantes. A compra de ações, debêntures e outros papéis de maior volatilidade precisa estar embasada em sólida fundamentação técnica.
A investigação preliminar aponta descumprimento de norma destinada a reduzir a dependência de papéis em Bolsa. A auditoria averiguará investimentos em ações da Vibra (ex-BR Distribuidora) e da Vale, duas estatais privatizadas. A suspeita é que a compra desse títulos tem relação com o interesse de diretores da Previ em assumir postos no conselhos das empresas.
A manutenção de grande posição em ações da Vale, segundo Alencar, visa a manter Fukunaga em seu conselho, onde recebe, segundo relatos, perto de R$ 1,8 milhão por ano. No voto, ele registra que o “problema central está muito longe de resumir-se à Vale”. O relatório preliminar da área técnica do TCU cita como suspeita a aplicação de R$ 1,4 bilhão em ações da Vibra no início do ano passado, quando elas estavam em alta na Bolsa.
Fundos de pensão são investidores relevantes no mercado financeiro em todo o mundo. No Brasil, os maiores são mantidos por funcionários de grandes estatais — além do Banco do Brasil, Petrobras (Petros) e Caixa Econômica (Funcef) —, por isso exigem vigilância estreita. Como revelaram diversas investigações sobre corrupção no passado, eles são permeáveis a pressões políticas normalmente contrárias à necessidade de entregar o patrimônio prometido aos segurados.
Governo Lula cria vácuo legal e enfrenta críticas por risco a reforma agrária e Incra
João Gabriel / FOLHA DE SP
Uma lacuna deixada pelo governo Lula (PT) em mudanças feitas nas carreiras do Executivo põe em risco os trabalhos da reforma agrária no Brasil.
A medida provisória nº 1.286 foi publicada no último dia de 2024 para reestruturar o organograma de uma série de cargos do funcionalismo público federal. Na prática, criou um vácuo dentro do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e uma sobreposição em suas funções.
A medida revoga as atribuições de vistoria, avaliação e perícia de imóveis rurais e de pronunciamento técnico, etapas preparatórias para a destinação de terras e que servem para aferir o cumprimento ou descumprimento da função social da propriedade.
A redação da proposta não realoca tais tarefas para nenhum outro lugar e diz apenas que as funções da nova carreira serão definidas em regulamentação.
A Folha conversou, sob reserva, com cinco pessoas do Ministério do Desenvolvimento Agrário, do Incra ou que atuam em funções relacionadas ao tema. Todas concordam que, sem essa previsão expressa no texto da lei, o trabalho do órgão perde respaldo legal, fica sujeito a questionamento na Justiça e mais vulnerável a violência e ataques no campo.
O conjunto das mudanças, segundo elas, esvazia o órgão e cria insegurança jurídica, ao rebaixar atribuições à regulamentação, desvincular funções e criar uma disputa entre carreiras pelas mesmas atividades.
Nos bastidores, servidores se mobilizam para tentar reverter as mudanças ou ajustá-las na tramitação pelo Congresso Nacional.
Integrantes do Ministério do Desenvolvimento Agrário e do Incra afirmam que foram surpreendidos pela revogação promovida pelo Ministério da Gestão e que souberam dela apenas na publicação da medida provisória, e não nos debates que a precederam.
"[Foi deixado um] vácuo normativo quanto às atribuições [...] comprometendo a ações de regularização fundiária e o programa de reforma agrária", afirma em nota enviada ao Congresso a Condsef (Confederação dos Trabalhadores do Serviço Público Federal).
Questionado pela reportagem, o Ministério da Gestão afirmou que todas as alterações foram feitas por acordo.
"O novo cargo da carreira foi criado com atribuições mais genéricas com o propósito de abranger outras especialidades e formações", afirmou a pasta.
Já o Incra disse que o atual governo retomou as atividades de vistoria, já que o departamento responsável havia sido extinto em 2019, pela gestão Jair Bolsonaro (PL). Desde então, entre 2023 e 2024, foram realizadas 262 atividades desse tipo.
"O Incra está analisando a existência de uma possível sobreposição. De qualquer forma, os trabalhos de vistoria seguem acontecendo normalmente", afirmou o Incra.
Uma das principais bandeiras dos primeiros governos de Lula, a reforma agrária se tornou uma encruzilhada para o petista, que se vê entre a pressão de movimentos sociais e do agronegócio.
O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra) realiza até o próximo dia 17 o Abril Vermelho, uma jornada de invasões. O movimento afirma que o passivo de famílias à espera de um assentamento aumentou da casa dos 60 mil no início de 2023 para mais de 100 mil em 2025.
Já o governo afirma que teve que reconstruir a política agrária e promete que vai alocar 326 mil famílias até o fim da atual gestão.
"Após [os governos] Dilma [Rousseff], Michel Temer e [Jair] Bolsonaro nada fizeram pela reforma agrária. Agora, retomamos os patamares dos governos Lula 1 e Lula 2, que são os melhores", disse o ministro Paulo Teixeira, à Folha, no início de abril.
A bancada ruralista, por outro lado, ameaça retaliar o movimento e o governo, também neste mês, avançando com a pauta anti-MST no Congresso e revertendo atos de Lula sobre a política agrária.
A medida provisória publicada no final de 2024 pelo governo Lula cria, dentre outros itens, uma nova carreira no funcionalismo público, a de perito federal territorial, para substituir a de perito federal agrário.
Neste processo, ela revoga um artigo inteiro das previsões legais dessa atuação, justamente o que previa a realização de atividades fundamentais para a regularização fundiária.
Dentre elas, "a vistoria, avaliação e perícia de imóveis rurais, com vistas na verificação do cumprimento da função social da propriedade, indenização de imóveis rurais e defesa técnica em processos administrativos e judiciais referentes à obtenção de imóveis rurais".
Também desapareceram as atribuições de emitir avaliações sobre alienação ou "viabilidade técnica, econômica e ambiental" para alienação ou obtenção de terras em prol da reforma agrária ou da regularização fundiária.
É por meio dessas atividades, dizem técnicos da área, que são identificadas terras irregulares ou não produtivas e que poderiam ser destinadas a assentamentos, por exemplo.
Sem essa previsão, dizem, os servidores do Incra até poderiam seguir com as atividades, mas sem respaldo legal, o que sujeita todo o processo a ser questionado e derrubado facilmente na Justiça.
Nos bastidores, também há uma disputa entre carreiras no Incra —os agora peritos territoriais tentam ganhar espaço e ampliar sua remuneração dentro do funcionalismo público.
Reflexo disso é que esse novo cargo acumulou também funções de coordenação, planejamento, implementação e orientação da governança territorial, o que já era atribuição de outras cadeiras do órgão.
Segundo a Condsef, há um "sombreamento" das atribuições. "Tal situação não só prejudica a distribuição eficiente do trabalho dentro do Incra, mas também gera conflito entre servidores e compromete a qualidade das análises técnicas", afirma a confederação.
Enquanto a antiga carreira era diretamente ligada ao Incra, a medida provisória desvinculou o perito territorial do órgão, o que possibilita que seus servidores tenham mais espaço dentro do funcionalismo e possam realizar suas funções em outras áreas.
Homem cobra Lula por promessa não cumprida feita há 16 anos em evento do PAC; assista
Por Bernardo Mello — Rio de Janeiro / o globo
Em viagem à Baixada Fluminense (RJ) para promover uma obra rodoviária do governo federal, na manhã desta terça-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi cobrado por homem na plateia por uma promessa não cumprida feita em 2009, durante seu segundo mandato na presidência. Representante de funcionários aprovados para compor a Polícia Ferroviária Federal, Isaias Nascimento Cardoso pediu a palavra já na reta final do discurso de Lula e lembrou que o presidente, há 16 anos, havia prometido "legalizar" a força de segurança — prevista na Constituição de 1988, mas nunca foi regulamentada.
A intervenção de Cardoso ocorreu depois de Lula ter criticado os governos de Michel Temer (2016-2018) e de Jair Bolsonaro (2019-2022) pelo abandono de obras, e afirmar que a população não queria mais ser tratada "como país do futuro; tem que ser do agora".
No discurso desta terça, Lula afirmou que o Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), lançado por ele em 2023, veio para corrigir episódios de "irresponsabilidade administrativa" de seus antecessores.
Após a interrupção do policial ferroviário, que não estava no palanque de autoridades e falou de improviso fora do microfone, Lula afirmou que "esse companheiro levantou um tema fundamental" e disse que depois iria "pegar o vídeo" com ele.
O vídeo em questão, mencionado por Cardoso em sua fala, foi um registro gravado do discurso de Lula em agosto de 2009 durante a inauguração de obras de saneamento do PAC em Nova Iguaçu (RJ), outro município da Baixada Fluminense.
"Queria dizer aos companheiros da Polícia Ferroviária Federal que já tem muita coisa acertada no Ministério da Justiça, na Advocacia-Geral da União e faltam apenas alguns detalhes no Ministério do Planejamento para que a gente possa legalizar definitivamente a vida da nossa Polícia Ferroviária Federal", afirmou Lula na ocasião, em agosto de 2009.
Desde então, a Polícia Ferroviária segue no papel. Em 2012, no governo Dilma Rousseff, uma portaria do Ministério da Justiça formalizou a lista de funcionários de "segurança pública ferroviária", como Cardoso, que deveriam ser integrados à Polícia Ferroviária quando esta fosse regulamentada, o que nunca ocorreu.
Agora, a PEC da Segurança apresentada pelo ministro Ricardo Lewandowski propõe criar uma "Polícia Viária Federal", unificando a Polícia Rodoviária Federal (PRF), em atividade, e a Polícia Ferroviária.
— Faltou a nossa regulamentação. Chegaram a criar um departamento no Ministério da Justiça, mas está de porta fechada — lamentou Cardoso após o evento.
Lula encerrou o discurso pouco após a abordagem de Cardoso, e chegou a posar para fotos e conversar com apoiadores e com o próprio representante da Polícia Ferroviária, mas não atendeu a imprensa. Após a interrupção, Cardoso foi abordado por integrantes da equipe de segurança do cerimonial do presidente, que tiraram fotos de seus documentos.
No discurso em 2009, quando prometeu implementar a Polícia Ferroviária, Lula estava acompanhado por duas pessoas que estavam novamente a seu lado nesta terça, 16 anos depois, e que testemunharam a cobrança de perto: o atual prefeito de Piraí, Luiz Fernando Pezão (MDB), à época vice-governador do Rio, e o deputado federal Lindbergh Farias (PT), que na ocasião era prefeito de Nova Iguaçu.
— O Brasil durante muito tempo era conhecido como cemitério de obras paradas (...). É por isso que em fevereiro de 2007 eu lancei o primeiro Programa de Aceleração do Crescimento, para que a gente pudesse concluir todos aqueles projetos. Não havia mais tempo de ficar inventando ponte, estrada —discursou Lula nesta terça, antes da interrupção.
Em outro momento, o presidente ponderou que as obras "nem sempre andam na velocidade que a gente queria", mas alegou ter encontrado um cenário de grande paralisação de construções de creches e de residências do Minha Casa Minha Vida quando retornou à Presidência, em 2023. — Essa irresponsabilidade administrativa não vai acontecer mais no país. Não podemos mais passar um século sendo tratados como "país do futuro". Tem que ser do agora, no nosso dia a dia — afirmou Lula.
Acidente na Serra
Lula vistoriou nesta terça a obra de construção do novo traçado e ampliação da Serra das Araras, localizada no trecho da Via Dutra entre os municípios de Paracambi e Piraí (RJ). O presidente visitou os trabalhos no início da pista de subida no sentido São Paulo, no km 225 da Dutra, na altura de Paracambi.
Pouco antes da chegada de Lula, um caminhão frigorífico tombou no início da pista de descida no sentido Rio, no km 231, em Piraí. A pista ficou totalmente interditada por pouco mais de 1h, segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF); uma faixa da descida foi liberada por volta das 10h15. O local do acidente não fazia parte do trajeto da comitiva do presidente.
Reduzir a frequência de acidentes como esse, no entanto, é justamente um dos motivos da obra na Serra das Araras. O novo trajeto terá curvas mais suaves e prevê duas rampas de escape, na pista de descida, para reduzir a velocidade especialmente de veículos pesados, como caminhões.
— É um grande desafio essa obra. (...) Vai ser muito bom poder dizer que reduziu para 10% o número de acidentes que acontecem. Quem tiver seu caminhão carregado aqui vai poder subir e descer a Serra com menos risco — afirmou o ministro dos Transportes, Renan Filho, ao discursar durante o evento.
A obra, iniciada há um ano e com 25% de execução até o momento, prevê a construção de novas pistas nos sentidos Rio e São Paulo, com duplicação do número de faixas — passando para quatro em cada sentido — e da velocidade máxima permitida, que passará a ser de 80 km/h. O trecho sob intervenção soma 16 quilômetros nas pistas de subida e descida.
Ao comentar o impacto da obra, Lula sugeriu, em tom de piada, que a qualidade da nova estrada permitiria "até andar de patinete" — este tipo de transporte, porém, não é permitido em rodovias.
— Uma obra dessa não se mede pelo tamanho. O importante é a qualidade do serviço que ela vai prestar para a sociedade, para os caminhoneiros, para os carros. (...) Vocês vão até andar de patinete quando ela estiver pronta. Disputar com os caminhões quem é que anda mais — disse Lula. A intervenção, apresentada como parte do Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), está orçada em R$ 1,5 bilhão de verba federal. A previsão de conclusão é para 2029.
Homem cobra Lula durante evento de obra na Serra das Araras (RJ) — Foto: Bernardo Mello/Agência O Globo
Governo Lula estuda aumentar limite para MEI, diz ministro
Cristiane Gercina / FOLHA DE SP
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estuda aumentar o limite anual do MEI (Microempreendedor individual). A informação é do ministro Márcio França, do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte.
Segundo ele, não há um proposta fechada ainda, mas já há o consenso de que o valor do faturamento do ano, hoje em R$ 81 mil, precisa subir. A ideia que mais agrada ao Planalto —em especial ao Ministério da Fazenda—, diz França, é a criação de uma tabela progressiva que tenha como base o percentual de contribuição ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
"A gente sabe que, passados dez anos, evidentemente, o valor ficou desatualizado", afirmou à Folha, em entrevista após evento do qual participou nesta segunda-feira (14), na sede da UGT (União Geral dos Trabalhadores), região central da capital paulista.
"O problema [reajuste anual do MEI] é que isso implica na Previdência. Então nós temos tentado argumentar de fazer uma escada, aonde, por exemplo, aquilo que ultrapassar os R$ 81 mil, só a diferença, você remuneraria por outra alíquota, como acontece no Imposto de Renda."
O ministro acredita que alguma mudança ocorrerá já neste ano, em virtude da aprovação da reforma tributária, promulgada em dezembro de 2023 pelo Congresso Nacional, mas que precisa de regulamentação.
A alteração no MEI seria necessária por conta da união de impostos na simplificação do sistema de tributos após a reforma, que trará apenas uma guia de pagamentos —o MEI hoje já tem sistema simplificado—, unindo ISS (Imposto sobre Serviços) e outros impostos.
"Nós vamos ter que ter alguma medida, porque durante esse ano todo, com a aprovação da reforma tributária, isso vai ser necessário. Alguma alteração em todos esses números, que hoje são fixos, tem que acontecer."
O MEI contribui com 5% sobre o salário mínimo, de R$ 1.518 neste ano, para garantir benefícios previdenciários como aposentadoria, auxílio-doença e pensão por morte. Há ainda a incidência de outros impostos, conforme o tipo de atividade.
Em 2025, a contribuição mensal do microempreendedores está em R$ 75,90 mais imposto conforme a atividade. Caminhoneiros têm MEI específico, que está em R$ 182,16 no ano. Enquadram-se como MEIs empreendedores cujo limite de faturamento por ano é de até R$ 81 mil.
O deputado federal Augusto Coutinho (Republicanos-PE), presidente da Frente Parlamentar Mista das Micro e Pequenas Empresas, quer aproveitar a mudança na mesa diretora da Câmara para propor a alteração.
O projeto defendido por ele é o PLP (Projeto de Lei Complementar) 108, de 2021, do senador Jayme Coutinho (União-MT), que propõe aumentar o limite para R$ 130 mil anuais.
"Listado como prioridade na agenda legislativa da frente e do Sebrae em 2025, esse PLP também prevê a possibilidade do MEI contratar até dois empregados, estimulando o aumento na geração de novas vagas de trabalho formalizado", diz Coutinho.
Há ainda outros projetos, um deles para a criação do "Super MEI", que elevaria o limite anual para R$ 140 mil. Outras propostas, segundo o deputado, preveem elevação para R$ 108 mil, na tentativa de diminuir o impacto da inflação, que de 2011 —ano em que o limite do MEI foi reajustado— até 2025 foi de 122%, segundo calculadora do Banco Central.
Com base no INPC (Índice Nacional de Preço ao Consumidor), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que reajusta os salários no país, o limite anual do MEI deveria estar em R$ 179,8 mil.
Os dados apontam para um total de 16,5 milhões de MEIs no país. A maioria deles é mulher. Em estados do Nordeste e dependendo o setor de atuação, as mulheres representam cerca de 70% dos microempreededores individuais. Seus ganhos, no entanto, são 32% menores que dos homens, em média.
França tratou deste e de outros assuntos no evento com sindicalistas para debater as novas formas de trabalho no país e como abranger o micro e pequeno empreendedor, que não é só empresário, mas também é um dos funcionários de sua empresa.
Segundo ele, o Planalto está de olho no microempreededor, que tem visto qualquer governo como inimigo.
Lula paga, há quatro meses, mesmo juro cobrado nos títulos públicos durante crise do governo Dilma
Por Daniel Weterman / O ESTADÃO DE SP
BRASÍLIA — Há quatro meses, o governo Lula vende títulos da dívida pública com vencimento aproximado em dez anos a uma taxa real (descontada a inflação) acima de 7%. Durante o segundo governo Dilma Rousseff, entre 2015 e 2016, os juros ficaram nesse patamar durante seis meses em meio às crises política, econômica e institucional que desencadearam o impeachment da então presidente.
Economistas dizem que o cenário dificulta a queda do endividamento público, hoje calculado em 76% do PIB. Procurados, o Tesouro Nacional e o Ministério da Fazenda não comentaram.
A venda de títulos pelo Tesouro Nacional com vencimento em dez anos tem sido um termômetro mais sensível à política fiscal, ou seja, à saúde das contas públicas, pois aponta para a situação do endividamento público.
Quando o governo gasta mais do que arrecada, como acontece com o Brasil há mais de uma década, ele precisa aumentar a dívida para se financiar. Quanto maior a taxa desses papéis, maior o prêmio cobrado pelo mercado financeiro e o sinal de que os agentes não acreditam em melhora da situação no horizonte.
O Tesouro IPCA (NTN-B), que paga juros mais a inflação, com vencimento em 2032 foi vendido a uma taxa média real de 5,45% nos primeiros leilões do ano passado, atingiu 6% em abril e superou 7% no dia 3 de dezembro. Depois dessa data, só operou acima de 7%. No último dia 1º, o papel foi vendido a 7,84%. O mesmo movimento ocorreu com o título com vencimento em 2035, vendido a uma taxa média de 7,57% no dia 8.
No segundo governo Dilma, as taxas médias para títulos semelhantes efetivamente vendidos pelo Tesouro Nacional ficaram acima de 7% entre agosto de 2015 e fevereiro 2016, caindo apenas no mês seguinte, quando o mercado avaliou que o impeachment contra a então presidente seria aprovado no Congresso Nacional.
“Naquela época, o Brasil teve várias crises juntas e o mercado tinha uma incerteza muito grande sobre a política fiscal porque não tinha a magnitude de quanto eram as pedaladas”, afirma o ex-secretário do Tesouro e head de macroeconomia do ASA, Jeferson Bittencourt.
Por trás das taxas dos títulos públicos é possível ler o seguinte cenário, de acordo com Bittencourt: o arcabouço fiscal tem potencial de aumentar o superávit das contas públicas em 0,2% ao ano; se o governo não tivesse déficit - e hoje tem -, o Brasil ainda levaria 13 anos para atingir um resultado que estabilizasse o endividamento público.
“Hoje, essa taxa de juros não está refletindo nenhuma incerteza, mas a clareza do que o arcabouço vai entregar: do jeito que está, a dívida só cresce e o arcabouço não consegue gerar uma trajetória de solvência”, diz.
Outro fator de comparação entre um período e outro é a diferença entre os preços do Brasil e dos Estados Unidos, segundo o economista. Essa comparação é mais favorável ao Brasil atualmente. Entre 2015 e 2016, os títulos brasileiros foram precificados com taxas sete pontos porcentuais acima dos norte-americanos. Hoje, a diferença é menor: de 5,5 pontos porcentuais em média. Por outro lado, Bittencourt estima que, desta vez, o patamar de 7% dure mais tempo, superando a crise passada.
Em meio ao tarifaço imposto pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, as tensões no mercado mundial aumentaram e afetaram o Brasil. As taxas dos títulos públicos com vencimentos no curto prazo aumentaram, o que também acabou afetando o longo prazo.
O Tesouro IPCA 2026, por exemplo, atingiu 9,51% na sexta-feira, 11, na cotação do mercado. Há uma semana, estava em 9,29%. O papel com vencimento em dez anos, mais sensível à política fiscal, foi cotado a 7,76%, ante 7,56% sete dias atrás.
Taxas altas prejudicam não só o governo, mas também o investimentos de empresas. O índice é o preço pago diretamente pelo Tesouro e serve como referência para outros investimentos no mercado. Investidores privados costumam arcar com custos ainda maiores ao tomar empréstimos.
“Até 2027, não vai ter mudança importante nenhuma. O Brasil está crescendo em torno de 2% a 3% (ao ano), mas da pior maneira possível, que é via consumo, sem aumentar o investimento e o ganho de produtividade”, afirmao o CEO da Cx3 Investimentos, Julio Ortiz.
Analistas avaliam que governo abandonou agenda de corte de gastos
Em dezembro, o governo Lula concluiu o pacote de corte de gastos, esperado pelo mercado financeiro. Na visão de analistas, foi ali que o setor econômico consolidou o entendimento de que a gestão petista não faria um ajuste suficiente para manter o arcabouço fiscal em pé e sanar o déficit das contas públicas.
Conforme o Estadão mostrou, o governo começou a ter mais dificuldade para vender títulos e as taxas atingiram recordes, expondo a desconfiança dos investidores e uma cobrança por medidas efetivas de controle de despesas.
Analistas do mercado financeiro avaliam que o governo abandonou a agenda de corte de gastos, e daqui para frente, vai focar em aumentar a isenção do Imposto de Renda, lançar medidas de crédito e tentar impulsionar a economia pelo consumo das famílias, de olho nas eleições presidenciais de 2026.
O cenário da dívida pública só mudaria se o governo pelo menos falasse que vai colocar o ajuste fiscal como prioridade novamente, gerando uma expectativa no mercado. “O governo já demonstrou que a reeleição é mais importante do que arrumar a casa”, diz Julio Ortiz.
Mais Acesso a Especialistas: Governo prevê cirurgias em hospital privado para acelerar fila do SUS
Por Jeniffer Gularte e Alice Cravo — Brasília / o globo
Um ano após ser lançado no Palácio do Planalto com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o programa Mais Acesso à Especialistas foi de aposta eleitoral à dor de cabeça para o governo, que ainda não conseguiu que a iniciativa deslanche. Sob nova direção, agora com Alexandre Padilha, o Ministério da Saúde se debruça em uma reestruturação completa da política pública, mirando torná-la uma das marcas do terceiro mandato do petista. O plano inclui até mesmo levar usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) para realizar procedimentos, como exames e cirurgias, na rede privada. Também está previsto uma mudança de nome, para um com mais apelo, como forma de popularizá-lo.
O foco das mudanças em discussão é dar uma guinada no modelo do programa, investindo em parcerias com planos de saúde. Além disso, a nova estratégia prevê a contratação de equipes médicas e a ampliação dos mutirões de consultas e cirurgias no país.
O programa foi criado com o objetivo de reduzir as filas do SUS em cinco áreas com mais demanda — oncologia, oftalmologia, cardiologia, ortopedia e otorrinolaringologia. Como revelou O GLOBO em março, o tempo médio de espera para uma consulta no SUS nunca foi tão longo. Números do Ministério da Saúde obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) mostram que pacientes precisaram aguardar, em média, quase dois meses (57 dias) para serem atendidos em 2024.
Troca por dívida
Promessa de campanha de Lula em 2022, a redução nas filas do SUS virou uma obsessão do petista. A demora em dar resultados foi apontado como motivo-chave que levou à queda de Nísia Trindade no Ministério da Saúde, no fim de fevereiro.
Padilha assumiu a pasta tendo como prioridade turbinar o programa. Sua equipe tem levado ao Palácio do Planalto propostas de como ampliar o uso da rede privada para acelerar os atendimentos. Uma das ideias em estudo é trocar as dívidas de operadoras com órgãos do governo federal, com a Receita Federal e do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), por cirurgias de especialidades que tenham maior gargalo em determinadas regiões. Com isso, o governo levaria o usuário do SUS para fazer o procedimento dentro de um hospital da rede privada, por exemplo.
Em outra frente, a pasta tem pedido aos estados para levantarem o status atual das filas de espera de procedimentos de oncologia, cardiologia, oftalmologia, otorrinolaringologia e ortopedia para dar a largada nos mutirões ainda no primeiro do semestre do ano. Uma ala do Ministério da Saúde defende realizar essas mobilizações fora do ambiente do posto de saúde e hospitais públicos, para que as pessoas identifiquem como uma ação excepcional, que vai além da rotina do SUS.
Em discussão na Casa Civil, o conjunto de ações vem sendo pensando para que a população tenha percepção de que a fila andará mais rápido por mérito do governo federal. A avaliação no Palácio do Planalto é que, ao apenas investir nas estruturas que já existem, os dividendos políticos podem ficar com prefeituras e governos estaduais, responsáveis por gerir a maior parte das unidades de saúde.
Gestão Nísia
Durante a gestão de Nísia Trindade, o programa foi estruturado na lógica de remuneração diferenciada para estados e municípios que fizessem mais procedimentos, com um bônus de pagamento. O primeiro ano do programa fez o número de cirurgias pelo SUS em 2024 crescer 40% em relação ao ano anterior.
Para o Planalto, no entanto, o avanço, não trouxe a percepção que algo novo estava sendo feito por não mexer na rotina do serviço. Os recursos eram transferidos direto para os caixas das prefeituras e dos estados, que foram quem mais capitalizaram politicamente o programa, na avaliação de auxiliares de Lula.
Pessoas próximas a Nísia admitem que a ex-ministra tinha resistência em estabelecer parceiras com setor privado, por entender que era preciso fortalecer as estruturas do SUS. Outro entrave apontado foi que faltou, desde o início, entender o censo de urgência de Lula sobre essa tarefa.
Nas últimas semanas da ministra no cargo, Lula pressionava por resultados do programa, que já era chamado de “um elefante na sala” por auxiliares do petista por constranger a ministra e não trazer dividendos políticos ao governo. Uma campanha de publicidade chegou a ser preparada em meados do ano passado, mas foi barrada por temor de gerar falsas expectativas na população, uma vez que o programa ainda não havia chegado ao país todo.
Na ponta, uma das principais dificuldades apontadas pelos gestores estaduais e municipais são as burocracia para o funcionamento do programa. A mais complexa é a revisão do sistema de pagamento dos serviços prestados pelo SUS.
O conceito inicial do programa estabelece que estados e municípios apresentem um “pacote” dos atendimentos previstos durante a trajetória do paciente, passando pela consulta, exame e procedimento cirúrgico. Antes, cada atendimento ou exame representava uma espera.
O mesmo vale para o pagamento, que era feito de forma separada. Agora, será apenas uma conta enviada ao Ministério da Saúde. O GLOBO questionou a pasta sobre quanto já foi investido no programa, mas não obteve retorno.
Novo nome
O Planalto tem pressa em colher resultados políticos da iniciativa, vista como inovadora dentro do cardápio de programas sociais petistas, e em meio à erosão da popularidade de Lula.
Além de uma reestruturação em seu modelo de atendimento, o programa passará por uma repaginação externa. Está a cargo do ministro da Secretaria de Comunicação, o marqueteiro Sidônio Palmeira, a discussão de um novo nome para a iniciativa. Há uma crítica interna que “Mais Acesso a Especialistas” e a sigla “PMAE” são confusos, não ajudam a comunicar essa política pública e não tiveram qualquer efeito entre a população.
Alas do governo defendem usar termos populares como “mutirão” e “fila” façam parte do novo nome. Após as alterações serem chanceladas pelo Planalto, um novo lançamento do programa, dando ênfase às mudanças, está previsto para ocorrer no começo de maio.
O presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), Cesar Eduardo Fernandes, pondera, no entanto, que o problema da falta de médicos especializados não pode ser resolvido a toque de caixa e nem com aceleração da formação dos profissionais:
— Precisa ficar claro para a população que esse problema não vai se resolver com palavras e nem com políticas de açodamento. A formação dos especialistas é longa, não só no Brasil, mas no mundo todo. O governo deve procurar aumentar capacidade de atendimento com capacidade instalada tanto no setor público como no privado.
Márcio Junqueira, secretário-executivo do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasem) afirma que o percentual de execução do programa ainda é baixo. A aposta dele é que no começo do segundo semestre deste ano o programa já esteja de forma mais ampla no território nacional.
— Mudar o sistema não é fácil. A execução ainda é pequena, não chega a 10% do que está planejado — disse Junqueira.
Com PEC e sem plano, Lula busca um feito na segurança
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Após quase um ano de estudos e debates, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enfim enviou formalmente ao Congresso Nacional sua proposta de emenda constitucional (PEC) para a segurança pública.
Trata-se de um conjunto de medidas para o setor, com o qual o governo petista e a esquerda de modo geral têm dificuldade de lidar. Não à toa, a pauta vem sendo dominada pela agenda conservadora, que advoga um programa linha dura que não raro descamba para abusos de força.
O texto enfrenta resistência de parte dos governadores —alguns deles potenciais candidatos à Presidência em 2026. Ademais, pode ser usado como palanque no Congresso para propostas conservadoras ou reacionárias que piorem o que já é precário.
Em meio a algumas poucas ideias bem-vindas, a PEC é de eficácia duvidosa porque se pressupõe que constitucionalizar o tema mudaria a prática.
Parte dela pode ser implementada sem necessidade de reforma da Carta. A medida, por exemplo, cristaliza no texto constitucional o Sistema Único de Segurança Pública (Susp). Mas ele já consta de lei desde 2018 e, mesmo assim, ainda não apresentou resultados expressivos.
Não é má ideia que protocolos de abordagem de suspeitos, cursos de capacitação de agentes e sistemas de registros de ocorrências sejam padronizados nacionalmente. Isso tudo, porém, também já deveria ter saído do papel sem uma PEC.
Ao menos o trecho sobre a constitucionalização do Fundo Nacional de Segurança Pública e do Fundo Nacional Penitenciário, que integra a proposta, pode tornar mais garantidos os recursos dos dois instrumentos.
O mesmo pode ser dito a respeito das corregedorias e ouvidorias das polícias, cuja implementação pelos estados passaria a ser obrigatória, embora o documento não detalhe as garantias de autonomia dessas instituições.
Outras ações requerem um debate bem mais aprofundado, e há dúvidas de que isso será feito no atual contexto em que as peças do jogo eleitoral de 2026 já começam a se movimentar.
É o que se vê nas propostas de expandir a atuação da Polícia Rodoviária Federal e de incluir as Guardas Municipais no rol dos órgãos de segurança —esta segue decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF). É necessário estabelecer de forma mais clara, por meio de discussão no Congresso e na sociedade, os limites dessas novas atribuições.
Já a previsão de que a Polícia Federal atue no combate a organizações criminosas e milícias privadas é ponto pacífico.
Entre boas ideias e outras ineficazes, a PEC não responde à principal pergunta: qual é a política de segurança pública do governo federal? Em vez de gastar o rarefeito capital político do presidente da República perante o Legislativo, seria mais efetivo determinar diretrizes nacionais, indicadores e metas, não apenas modificar o texto constitucional.