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Apoio de Lula à ditadura cubana é lembrete incômodo para o petismo em 2022

Igor Gielow / FOLHA DE SP
SÃO PAULO

No distante 2005, Luiz Inácio Lula da Silva foi questionado pela Folha em Roma, onde o então presidente acompanhava o funeral de João Paulo 2º, se ele considerava Cuba uma democracia.

Como ocorrera antes e muitas vezes depois, o petista tentou sair pela tangente, balbuciando algo sobre a necessidade de ajudar a ilha de Fidel Castro a construir sua democracia, só para engatar a crítica ao embargo americano.

Passados 16 anos, nada mudou na visão de mundo do ex-presidente e do PT. Lula concedeu entrevista e fez postagem no Instagram dizendo que os grandes protestos de rua registrados em Havana foram uma mera passeata. Nem uma palavra sobre a repressão da ditadura ora dirigida por Miguel Díaz-Canel.

"Mas você não viu nenhum soldado em Cuba com o joelho em cima do pescoço de um negro, matando ele...", disse a conta do petista, querendo evocar George Floyd. Além de serem casos incomparáveis, o que dizer das diversas imagens de ação policial do domingo (11)? Já o partido divulgou na segunda (12) uma nota na qual comunica seu "apoio ao povo e ao governo cubano". O texto é um primor ao não citar os protestos e, ao mesmo tempo, culpar Washington por tudo de errado que ocorre na ilha.

O embargo americano de fato é um entulho da Guerra Fria perdido no século 21, assim como o regime comunista cubano. Se retroalimentam. O breve período de liberalização nas relações, patrocinado por Barack Obama, insinuou uma saída possível para o país —e não se trata de defender que Cuba volte a ser uma "plantation" dos americanos, como nos tempos de Fulgencio Batista.

Há muito mais dúvidas do que certezas nos atos em curso, até porque a ilha vive um bloqueio de internet promovido pelo governo. Claro que o apoio de Joe Biden aos manifestantes leva à acusação de que há uma quinta-coluna em ação, mas isso parece irrelevante ante o aparato repressivo montado pelo regime.

Tal opacidade, porém, não comove Lula e o petismo, isso para não falar em radicais livres como os militantes do Partido da Causa Operária, sigla nanica célebre após atacar um punhado de tucanos num protesto conjunto contra Jair Bolsonaro, querendo briga em frente ao consulado cubano em São Paulo.

Pior para Lula e seu projeto de voltar à Presidência em 2022, de preferência com Bolsonaro como um exangue adversário —por enquanto, indo de vento em popa segundo os dados mais recentes do Datafolha.

Assim como no tema da corrupção, que o partido quer deixar em segundo plano pela óbvia vidraça que a discussão lhe garante, falar sobre Cuba é tudo o que o petista poderia não querer. Além de evidenciar o anacronismo monolítico, o apoio aos líderes cubanos cai como uma luva para o bolsonarismo e o seu "vai para Cuba" ou "vai para Caracas" como xingamento-padrão para esquerdistas desde a campanha de 2018.

Claro que um petista poderá apontar que Bolsonaro tem mais em comum com a ditadura esquerdista do chavismo na Venezuela do que Lula, mas será uma disputa entre roto e esfarrapado ideológicos.

Na comunicação imediata, ganhou o bolsonarismo. Carlos, filho presidencial e guru de redes sociais do clã, já foi ao Facebook com a crítica pronta à nota. Será questão de tempo para lembrarem dos financiamentos amigos dos governos petistas a obras como o porto de Mariel, em Cuba.

Lula, claro, pode se beneficiar do fastio que tal discurso monocórdico tem causado no eleitorado. A intenção de voto de Bolsonaro está estacionada em 24%, mostrou o Datafolha, enquanto o ex-presidente surfa nos 46% em dois cenários de primeiro turno testados.

À medida que a campanha e a eleição se aproximarem, contudo, parece evidente que tais temas, corrupção e o apoio a ditadores, voltarão à baila. Mesmo que não sejam decisivos, são lembretes incômodos para o candidato Lula acerca do DNA do partido que quer voltar a governar o país.

Governadores ampliam base de prefeitos de olho nas eleições de 2022

SALVADOR e SÃO PAULO

Enquanto as negociações para eleições seguem publicamente em banho-maria, governadores e potenciais candidatos a governos estaduais no próximo ano articulam politicamente e ampliam a suas bases de prefeitos aliados.

Levantamento da Folha aponta que ao menos 93 prefeitos eleitos em 2020 mudaram de partido nos quatro primeiros meses de mandato, de janeiro e abril deste ano.

A revoada de prefeitos impulsionou principalmente os partidos de governadores e legendas alinhadas ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), indicando um movimento na direção das benesses do governismo.

De acordo com a legislação eleitoral vigente, os prefeitos podem mudar de partidos sem sofrer sanções em qualquer momento ao longo do mandato, prescindindo da janela eleitoral.

PL e PSD foram as duas legendas que mais avançaram em número de prefeitos após as migrações partidárias. O PL saiu de 348 eleitos no ano passado para 365 em abril deste ano.

Já o PSD avançou de 659 para 672 prefeituras. A conta ainda não inclui ainda o único prefeito de capital a trocar de legenda até o momento: Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro, trocou o DEM pelo PSD no final de maio.

No caso do PL, o crescimento do número de prefeitos foi puxado principalmente pelo estado do Rio de Janeiro, movimento que culminou com a filiação ao partido do governador Claudio Castro.

Eleito vice-governador em 2018 pelo PSC, Castro assumiu definitivamente o governo do Rio de Janeiro em maio deste ano após o impeachment do então governador Wilson Witzel (PSC). Dias após a posse, migrou para o PL.

Nos meses anteriores, prefeitos de dez municípios também migraram para o PL, incluindo cidades como São Gonçalo, Arraial do Cabo, Armação de Búzios e Casimiro de Abreu.

O PL, que venceu as eleições em nove cidades no Rio em 2020, passou a ter 19 prefeitos após as migrações partidárias, passando a governar 20% das cidades do estado. Mas a meta é ainda mais ousada: o partido quer chegar em 2022 com entre 35 e 40 prefeitos no estado.

“O partido saiu vitorioso das eleições municipais, intensificou a articulação política e, por isso, começou a receber prefeitos de outros partidos. Temos outros que ainda não vieram, mas estão apalavrados”, afirma o deputado federal Altineu Côrtes, presidente estadual do PL.

Côrtes diz considerar o PL um partido de centro, mas parte dos prefeitos que migraram para o partido do Rio são do campo conservador. É o caso de Capitão Nelson, prefeito de São Gonçalo, segunda maior cidade do Rio.

Ele foi eleito com apoio no segundo turno de Bolsonaro, que chegou a gravar um vídeo endossando a sua candidatura. Na época, estava filiado ao Avante, mas migrou para o PL em fevereiro.

A migração dos prefeitos consolida o PL, comandado por Valdemar da Costa Neto, como uma das principais forças políticas no Rio de Janeiro: além do governador, o partido também tem nos seus quadros os senadores Romário e Carlos Portinho.

Movimento semelhante foi registrado, em menor proporção, em estados como São Paulo, Goiás, Alagoas, Santa Catarina e Tocantins.

Em São Paulo, o PSDB de João Doria filiou prefeitos de quatro pequenas cidades do interior do estado: Bernardino Campos, Rubiácea, Manduri e Timburi.

Por outro lado, a sigla acabou perdendo o comando da capital paulista após a morte, em maio deste ano, do prefeito Bruno Covas. Em seu lugar, assumiu o então vice-prefeito Ricardo Nunes (MDB).

Apesar do crescimento em São Paulo, o PSDB foi o partido que mais perdeu prefeitos eleitos em 2020 no país nos quatro primeiros meses do ano. A legenda tinha 523 prefeitos e agora tem 512.

As principais baixas aconteceram nos estados de Santa Catarina e Goiás. No caso de Goiás, o partido vem enfrentando um processo de esvaziamento desde as eleições de 2018, marcada pela derrota do grupo político do ex-governador Marconi Perillo, réu em um processo por suspeita de corrupção.

Os tucanos perderam espaço em Goiás para o DEM, partido do governador Ronaldo Caiado. O DEM tinha apenas 10 prefeitos em Goiás em 2016 e cresceu para 62 nas eleições do ano passado. Agora tem 68.

Caiado deve disputar a reeleição no próximo ano amparado por uma ampla frente de partidos. Já o PSDB tentará retomar seu espaço no estado, mas carece de um candidato competitivo para a disputa.

O governador de Alagoas, Renan Filho (MDB), também conseguiu encorpar a sua base com a filiação de seis novos prefeitos e a perda de um. Com isso, o MDB ampliou ainda mais a sua hegemonia no estado.

O partido já havia eleito 37 prefeitos em 2020 e chegou a 42, passando a governar quase metade dos 102 municípios alagoanos. Dos seis novos prefeitos, dois vieram de partidos do campo da oposição.

Esta base considerada crucial por aliados do governador, que já foi reeleito e tentará fazer o seu sucessor no próximo ano. O grupo governista não possui um nome natural para a disputa.

Além dos partidos de governadores, também houve crescimento no número de prefeitos em legendas de potenciais candidatos a governador. É o caso, por exemplo do PL de Santa Catarina, liderado pelo senador Jorginho Mello, um dos mais fiéis aliados de Bolsonaro na CPI da Covid.

O partido conseguiu atrair cinco novos prefeitos, sendo quatro deles eleitos pelo PSDB. Mello é pré-candidato ao governo de Santa Catarina no próximo ano e tenta se viabilizar como nome do campo bolsonarista para a disputa.

Movimento semelhante ocorreu no Tocantins, onde o PSD do senador Irajá Abreu filiou 20 novos prefeitos desde o início do ano. "É um reflexo do trabalho que temos feito para levar mais obras e serviço para a população. A defesa do municipalismo é uma das minhas principais bandeiras", diz o senador.

Os principais alvos foram prefeitos do DEM, partido que ficou esvaziado no estado após a desfiliação do governador Mauro Carlesse, que foi para o PSL.

 

Um dia após ameaça de Bolsonaro contra eleições, Arthur Lira critica 'oportunismo'

Camila Turtelli, O Estado de S.Paulo

10 de julho de 2021 | 11h27
Atualizado 10 de julho de 2021 | 12h08

BRASÍLIA – Um dia após declarações do presidente da República Jair Bolsonaro suscitar nova ameaça à democracia e desencadear fortes reações no Congresso e Judiciário, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), aliado do governo, fez declarações sobre a força das instituições, oportunismo e responsabilidade dos membros de poderes nas redes sociais. Sobre as eleições de 2022, o deputado afirmou ainda que o eleitor é quem dará o veredito. Além de Lira, um grupo de oito dirigentes partidários divulgou uma nota em defesa da democracia e dizem que nenhuma forma de ameaça a ela "pode ou deve ser tolerada".

“Nossas instituições são fortalezas que não se abalarão com declarações públicas e OPORTUNISMO. Enfrentamos o pior desafio da história com milhares de mortes, milhões de desempregados e muito trabalho a ser feito. Em uma hora tão dura como a que vivemos hoje, saibamos todos que o Brasil sempre será maior do que qualquer disputa política. Tenhamos todos, como membros dos poderes republicanos, responsabilidade e serenidade para não causar mais dor e sofrimento aos brasileiros”, escreveu Lira no Twitter, neste sábado, 10.

O tom das declarações de Lira é mais ameno do que o repúdio demonstrado pelos seus demais colegas às falas do chefe do Executivo, depois que, na sexta-feira, 9, Bolsonaro subiu o tom e chamou o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)Luís Roberto Barroso, de “imbecil” e “idiota”. Integrantes da cúpula dos Poderes fizeram questão de condenar publicamente a atitude, considerada golpista, e só aventada por quem é “inimigo da Nação”.

Alvo dos xingamentos, Barroso divulgou uma nota na qual destaca que a tentativa de impedir as eleições configura “crime de responsabilidade”, primeiro passo para a abertura de um processo de impeachment contra o chefe do Executivo. Ao Estadão, o presidente do TSE afirmou que pode assegurar a disputa de 2022. “Eu não paro para bater boca. Cumpro o meu papel pelo bem do Brasil. Mas eleição vai haver, eu garanto”, afirmou Barroso, que também integra o Supremo Tribunal Federal (STF).

Arthur Lira
Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara

Eleito presidente do Senado com o aval do Palácio do Planalto, assim como Lira, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) se distanciou afirmou que não aceitará retrocessos ao estado democrático de direito. Foi também uma resposta às últimas manifestações das Forças Armadas.“Todo aquele que pretender algum retrocesso ao Estado democrático de direito, esteja certo, será apontado pelo povo brasileiro e pela história como inimigo da Nação”, afirmou Pacheco. “As eleições são inegociáveis”, afirmou Pacheco. 

As declarações de Bolsonaro na sexta-feira vieram na esteira da iminência da mudança constitucional para a adoção do voto impresso ser derrotada na Câmara. Ainda no Twitter, Lira falou sobre o papel da Casa presidida por ele ser um espaço para diálogo.

“A Câmara avançará nas reformas, continuará a ser o poder mais democrático e plural do país e não se deixará levar por uma disputa que aprofunda ainda mais a nossa crise. A Câmara será sempre a voz de um povo livre e democrata e sempre estará pronta para ajudar o Brasil a continuar a crescer e se encontrar com seu destino de país desenvolvido e socialmente justo”, disse.

O presidente da Câmara também citou as eleições. “Deixemos que o eleitor tenha emprego e vacina, que deixe o seu veredito em outubro de 2022 quando encontrará com a urna; essa sim, a grande e única juíza de qualquer disputa política. O nosso compromisso é e continuará sendo trabalhar pelo crescimento e a estabilidade do país”, escreveu.

Dirigentes partidários

Presidentes de oito partidos da chamada terceira via também divulgaram uma nota em defesa da democracia e do direito do voto após as declarações do presidente Bolsonaro. Na nota, os dirigentes, incluído o do ex-partido de Bolsonaro, o PSL, ameaçam fazer oposição ao governo.

“Quem se colocar contra esse direito (eleições) de livre escolha do cidadão terá a nossa mais firme oposição”, dizem os presidentes de partidos ACM Neto (DEM), Baleia Rossi (MDB), Bruno Araújo (PSDB), Eduardo Ribeiro (Novo), José Luiz Penna (PV), Luciano Bivar (PSL), Paulinho da Força (Solidariedade) e Roberto Freire (Cidadania).

Na nota, os presidentes de partidos falam também sobre a democracia. “A Democracia é uma das mais importantes conquistas do povo brasileiro, uma conquista inegociável.  Nenhuma forma de ameaça à Democracia pode ou deve ser tolerada. E não será. Nas últimas três décadas, assistimos a muitos embates políticos, tivemos a sempre salutar alternância de Poder, soubemos conviver com as diferenças e exercer com civilidade e responsabilidade o sagrado direito do voto”, escrevem.

Seis desses mesmos dirigentes compõem o grupo de 11 signatários de uma carta contra a adoção do voto impresso, proposta em discussão na Câmara. Na nota deste sábado, 10, eles reafirmaram a confiança no sistema atual de votação.

“Temos total confiança no sistema eleitoral brasileiro, que é moderno, célere, seguro e auditável. São as eleições que garantem a cada cidadão brasileiro o direito de escolher livremente seus representantes e gestores.  Sempre vamos defender de forma intransigente esse direito, materializado no voto.”

Assinam o documento:

  • ACM Neto (Democratas);
  • Baleia Rossi (MDB);
  • Bruno Araújo (PSDB);
  • Eduardo Ribeiro (Novo);
  • José Luiz Penna (PV);
  • Luciano Bivar (PSL);
  • Paulinho da Força (Solidariedade);
  • e Roberto Freire (Cidadania).

Leia abaixo a íntegra da nota.

"A Democracia é uma das mais importantes conquistas do povo brasileiro, uma conquista  inegociável. 

Nenhuma forma de ameaça à Democracia pode ou deve ser tolerada. E não será. 

Nas últimas três décadas, assistimos a muitos embates políticos, tivemos a sempre salutar alternância de Poder, soubemos conviver com as diferenças e exercer com civilidade e responsabilidade o sagrado direito do voto. 

Temos total confiança no sistema eleitoral brasileiro, que é moderno, célere, seguro e auditável. 

São as eleições que garantem a cada cidadão brasileiro o direito de escolher livremente seus  representantes e gestores. 

Sempre vamos defender de forma intransigente esse direito, materializado no voto. 

Quem se colocar contra esse direito de livre escolha do cidadão terá a nossa mais firme oposição."

Impeachment parece descer sobre Brasília, mas as aparências enganam

Demétrio Magnoli

Sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP. / o globo

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Nuvens de chumbo. As taxas de aprovação de Bolsonaro desabaram para 25%, enquanto a alta finança e o agronegócio finalmente abandonam o presidente. O cerco se fecha no Congresso, com a CPI da Covid, e nas ruas, com manifestações em plena pandemia. A sombra do impeachment parece descer sobre Brasília. Aqui, porém, vale o mais clássico dos chavões: as aparências enganam.

Impeachment exige, além de crimes de responsabilidade, que não faltam, um alto nível de consenso político e social. Consenso político: a ruptura de uma expressiva maioria parlamentar com o Planalto. Consenso social: o rechaço majoritário à figura do presidente, expresso não só em sondagens de opinião mas em massivas mobilizações populares. As duas precondições estão ausentes do cenário.

Na sua primeira etapa, a CPI da Covid documentou a extensa coleção de crimes do governo federal contra a saúde pública. Normalmente, CPIs têm a missão de desvendar mistérios. No caso da CPI em curso, não havia mistério: à luz do dia, o governo federal deixara a nação à mercê da pandemia, agravando desastrosamente a crise sanitária. A tarefa dos senadores circunscrevia-se à coleta de provas dos crimes cometidos pelo presidente e por seu círculo próximo.

A missão foi cumprida --mas, no lugar de um relatório devastador, base política e jurídica para o impedimento presidencial, a CPI desviou-se para um labirinto de investigações sobre obscuros esquemas de corrupção na aquisição de vacinas. O novo foco a converte em ferramenta de uma estratégia eleitoral. Renan Calheiros desempenhou papel crucial na reorientação, o que nada tem de casual.

A corrupção é a nota musical perene da vida política nacional desde a redemocratização. Hoje, a troca do foco do crime maior, contra a saúde pública, pelo menor, as artimanhas corruptas que cercam o contrato da Covaxin, atende aos interesses da campanha lulista. Até 2003, o PT exibia-se como o partido dos diferentes: uma ilha de santidade em meio ao oceano da depravação. Depois dos traumas do mensalão e do petrolão, inverteu seu discurso, passando a apresentar-se como o partido dos iguais: não somos nem mais nem menos corruptos que os outros.

Sob essa ótica, a CPI está destinada a marcar a testa de Bolsonaro com o sinete da corrupção. Seu relatório final, adiado para as calendas, não servirá para gerar a ruptura entre o Congresso e o Planalto, mas para sustentar um álibi eleitoral.

As ruas também não são o que parecem. Sob a direção de partidos e movimentos que orbitam ao redor do lulismo, as manifestações antibolsonaristas são esculpidas de forma a evitar a unidade. É por esse motivo que, ao lado da bandeira do impeachment, os organizadores erguem estandartes contra a "política neoliberal" e as privatizações.

Vivian Mendes, da coalizão Povo na Rua, explicita a rejeição à tática de frente única: "Nós trabalhamos para que as forças de direita não tenham voz nas ruas. A rua é de todos, mas vamos nos esforçar para que elas não tenham fala ou protagonismo". Tradução: os protestos de rua devem preparar a campanha eleitoral, cristalizando a polarização entre Bolsonaro e Lula.

A operação de mobilização limitada funciona. As manifestações são suficientemente amplas para produzir impacto político, mas permanecem restritas o suficiente para não precipitar um desenlace indesejado. O que se pretende não é impedir o presidente, mas sitiá-lo na sua casamata de Brasília até o dia do voto.

O interesse nacional é remover um presidente catastrófico, que rendeu a nação ao coronavírus e, ameaçando a democracia, planeja contestar sua inevitável derrocada eleitoral. O interesse da esquerda lulista, por outro lado, é prolongar a tragédia para retornar ao governo no turno inicial das eleições. A falência do chamado "centro" político assegura o triunfo do segundo sobre o primeiro.

O Datafolha: Reprovação a Bolsonaro sobe a 51%, novo recorde do presidente

Igor Gielow / FOLHA DE SP
SÃO PAULO

A reprovação a Jair Bolsonaro (sem partido) subiu e atingiu 51%, o maior índice nos 13 levantamentos feitos pelo Datafolha desde que o presidente assumiu o governo, em 2019.

A pesquisa foi feita presencialmente nos dias 7 e 8 de julho com 2.074 pessoas acima de 16 anos em 146 municípios. A margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou menos.

Na rodada anterior, realizada em 11 e 12 de maio, Bolsonaro tinha seu governo avaliado como ruim e péssimo por 45% dos ouvidos.

O crescimento ocorreu sobre segmentos que viam o presidente como regular, em um período marcado fortemente por denúncias de corrupção no Ministério da Saúde na pandemia, a atuação da CPI da Covid e os três primeiros dias nacionais de protestos contra Bolsonaro.

Já a avaliação positiva do presidente, que havia atingido seu pior nível com 24% em março, seguiu estável. Nesse sentido, o derretimento agudo da popularidade do mandatário estancou nesse levantamento, o que não deixa de ser uma boa notícia para o Planalto em meio ao festival de intempéries.

Os que o consideram regular caíram de 30% para 24%, comparando com o levantamento de maio.

Bolsonaro segue sendo o presidente com a segunda pior avaliação a esta altura de um primeiro mandato para o qual foi eleito desde a volta dos pleitos diretos para presidente, em 1989.

Só perde para Fernando Collor, que em meados de 1992 já enfrentava a tempestade do impeachment que o levou à renúncia no fim daquele ano. O hoje senador tinha 68% de ruim/péssimo, 21% de regular e apenas 9% de ótimo/bom.

Outros presidentes tiveram avaliações piores, como José Sarney e Michel Temer, mas eles não se encaixam no critério de comparação por não terem sido eleitos de forma direta como cabeça de chapa a um primeiro mandato.

O mau desempenho do presidente, em que pese a estabilidade de seu piso em comparação a maio, vem numa constante desde a pesquisa de dezembro de 2020, quando seu ótimo/bom havia chegado ao recordista 37%.

De lá para cá, foi ladeira abaixo. O agravamento da crise política desde que uma testemunha citou que o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, comandava um esquema de corrupção com conhecimento do presidente, tem tido efeitos imediatos no humor palaciano —foi aberto inquérito no Supremo Tribunal Federal para apurar se Bolsonaro prevaricou.

A turbulência teve novos capítulos, como a afirmação feita à Folha que um funcionário da Saúde quis cobrar propina numa nebulosa transação com imunizantes inexistentes.

Ela chegou novamente às Forças Armadas, criticadas na CPI pelo envolvimento de membros da reserva da corporação nas denúncias de irregularidades. O presidente, por sua vez, refez ameaças à ordem democrática.

Temperando o caldo, houve o superpedido de impeachment de Bolsonaro, tentando juntar todas as acusações contra o presidente, apesar da resistência do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de analisá-lo.

A erosão na popularidade presidencial é homogênea entre os diversos grupos socioeconômicos, com exceção de um recuo na reprovação entre mais ricos (seis pontos entre quem ganha de 5 a 10 salários mínimos e cinco, entre os que ganham mais de 10 salários).

É no grupo econômico mais populoso da amostra, dos que ganham até 2 salários, que a situação foi pior para o presidente. Entre eles, que compõem 57% da população, Bolsonaro viu sua reprovação acelerar de 45% para 54%.

Acompanhando a toada vieram aqueles que moram no Nordeste, região mais carente que concentra 26% da população, que passaram de 51% para 60% na avaliação ruim ou péssima.

Bolsonaro segue sendo avaliado negativamente por mulheres (56%), jovens de 16 a 24 anos (56%), pessoas com ensino superior (58%) e os mais ricos (58%), apesar do recuo indicado.

Já seu desempenho é visto como mais positivo por quem tem mais de 60 anos (32% de ótimo ou bom), mais ricos (32%) e entre quem ganha entre 5 e 10 mínimos (34%).

Regionalmente, sua melhor avaliação segue nos bastiões que o acompanham, com variações, desde a campanha eleitoral de 2018. No Norte/Centro-Oeste (15% da amostra), Bolsonaro é visto com um presidente ótimo ou bom por 34%. No Sul (15% da amostra), por 30%.

Na mão inversa, seu pior desempenho é no Nordeste (60%), região na qual ele havia logrado uma melhora expressiva de avaliação no ano passado com a primeira fornada do auxílio emergencial para os afetados pela pandemia.

Aparentemente, a nova e mais magra versão da ajuda deste ano, renovada pelo governo nesta semana, não surtiu efeito.

Empresários seguem sendo o único grupo (de apenas 2% da amostra) em que Bolsonaro goza de apoio maior do que reprovação: 49% o consideram ótimo ou bom.

O presidente mantém seu apoio com melhores índices entre os evangélicos, segmento ao qual é fortemente associados: nesta semana, ele anunciou que irá indicar o "terrivelmente evangélico" advogado-geral da União André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal, por exemplo.

Sua reprovação cai para 34% entre eles, e a aprovação sobe a 37%. Evangélicos somam 24% da amostra do Datafolha.

O instituto buscou saber a opinião de pessoas por sua orientação sexual. Como Bolsonaro é historicamente conhecido por suas declarações homofóbicas, é pouca surpresa que seja reprovado por 72% dos homossexuais e bissexuais (8% da amostra, dividida igualmente entre os dois grupos).

Quando o quesito é racial, Bolsonaro atinge sua maior reprovação entre pretos (57%), com certa homogeneidade entre os demais grupos (brancos, pardos e amarelos).

 

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