Gastos com marqueteiro na campanha de Lula podem chegar a R$ 45 milhões
04 de abril de 2022 | 05h00
A contratação do marqueteiro Augusto Fonseca e de sua agência, a MPB Estratégia e Criação, ampliou um intenso embate que transcorre nos bastidores do PT e da pré-campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Fonte de suspeitas de caixa 2 em outras disputas, o marketing eleitoral da futura campanha de Lula já revive as cifras milionárias do passado.
Segundo apurou o Estadão, o primeiro orçamento apresentado pela agência escolhida foi de R$ 45 milhões para ações de comunicação. A briga pelo controle dos recursos milionários se tornou o ponto central das divergências entre os grupos do ex-ministro da Secretaria da Comunicação Social Franklin Martins – conselheiro mais próximo de Lula – e o do secretário nacional de Comunicação do PT, Jilmar Tatto.
O secretário petista era contra a contratação de uma agência e defendia “estatizar” o marketing da campanha, mantendo as ações dentro da máquina do partido. Com apoio de Lula, Franklin bancou a escolha de Fonseca após uma concorrência na qual os valores não foram apresentados previamente, segundo dirigentes da legenda e integrantes da pré-campanha.
O valor pedido pela MPB é comparado por petistas aos cobrados por Duda Mendonça, histórico marqueteiro que ajudou Lula a se eleger em 2002 e que morreu no ano passado. Naquela campanha, Fonseca auxiliou Duda. A MPB fica em um prédio na Avenida Nove de Julho, em São Paulo, dois andares abaixo da antiga agência do simbólico marqueteiro das campanhas petistas. Além de Fonseca, os outros dois sócios da MPB, Manoel Antonio Canabarro e Eduardo de Matos Freiha, também atuaram com Duda. Canabarro já foi o braço direito do publicitário. Freiha chegou a ser condenado no mensalão.
Dirigentes do PT e integrantes da campanha afirmaram ao Estadão, sob condição de reserva, que apenas após a escolha ser feita por Franklin – e avalizada por Lula –, foram discutidos os preços dos serviços. Fonseca apresentou a cobrança de R$ 45 milhões para o primeiro turno da disputa. O valor envolve gastos com o marketing, locação de câmeras, ilhas de edição e serviços relacionados às redes sociais e internet. Está excluída do pacote a demanda de pesquisas, que costuma atingir valores milionários.
O Estadão mostrou, em março, que Franklin e Tatto têm protagonizado discordâncias sobre como conciliar a propaganda de Lula e do partido na corrida presidencial. A contratação da MPB acirrou a disputa interna e a levou para o campo financeiro, diante do elevado montante de recursos envolvido. Segundo dirigentes do PT, integrantes da pré-campanha e profissionais próximos de Fonseca, há uma negociação para reduzir este valor.
De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), empresas de pesquisa eleitoral, produtoras e locadoras de equipamentos custaram R$ 29 milhões em 2018, somadas a pré-candidatura de Lula – que acabou preso e barrado pelo TSE antes do pleito – e a candidatura de Fernando Haddad. O marqueteiro era Otávio Antunes, que fará a campanha do ex-prefeito ao governo de São Paulo. Antunes é jornalista e foi chefe de comunicação da Fundação Perseu Abramo. Tem boa relação com Tatto, para quem trabalhou na campanha ao Senado naquele ano.
Em 2005, em meio ao mensalão, Duda Mendonça confessou ter recebido R$ 10,5 milhões em caixa 2 no exterior para a campanha de Lula. Ele acabou absolvido, mas se tornaria delator anos depois, na Operação Lava Jato. Sócio da MPB, Freiha era produtor de vídeo de Duda à época. As investigações, no entanto, mostraram que seus serviços iam além das câmeras e ilhas de edição. Em 2015, foi condenado por evasão de divisas sob acusação de controlar contas atribuídas a Duda que receberam US$ 2,5 milhões no exterior. Em segunda instância, o Tribunal Regional Federal da 3.ª Região reconheceu a prescrição da pena.
Quando a contratação da agência foi anunciada, somente o nome de Fonseca foi mencionado pela assessoria de Lula. Freiha é sócio administrador da MPB e participará da campanha como diretor de vídeo. Nas eleições de 2018, a MPB recebeu R$ 10 milhões pela campanha de Ciro Gomes (PDT). Hoje, Ciro tem como marqueteiro João Santana, que fez as campanhas de Lula, em 2006, e da ex-presidente Dilma Rousseff em 2010 e 2014. Santana foi delator na Lava Jato e confessou ter recebido valores da Odebrecht e da JBS no exterior pelas campanhas petistas. O marqueteiro e sua ex-mulher, Mônica Moura, devolveram R$ 80 milhões aos cofres públicos em seus acordos de delação.
Fonseca também trabalhou para a campanha de Aécio Neves (PSDB) em 2014, quando o então senador rivalizou com Dilma. Quando a petista foi reeleita, em 2014, último ano em que contribuições de empresas foram permitidas na disputa presidencial, a arrecadação foi de R$ 318 milhões. Em 2018, a campanha do PT ao Planalto recebeu valor bem inferior: R$ 55 milhões. Mas, com o aumento do fundo eleitoral aprovado pelo Congresso e avalizado pelo Supremo Tribunal Federal, partidos vão receber R$ 4,9 bilhões em recursos públicos. Atrás apenas do União Brasil, o PT terá a segunda maior fatia do bolo de recursos públicos: R$ 484 milhões para gastar em campanhas.
Procurados, Augusto Fonseca e Eduardo Freiha não se manifestaram. A assessoria de Lula e de Franklin Martins afirmou que não faria comentários sobre divergências internas do partido e valores da campanha. Sobre a contratação da MPB, disse que foi realizada uma concorrência entre quatro agências, e que foi escolhida a melhor proposta na opinião do ex-presidente, da presidente do partido, Gleisi Hoffmann, e de Franklin.
O PT nacional afirmou que “os valores e contratos com fornecedores para a campanha eleitoral serão negociados no devido tempo, de acordo com a legislação e levando em conta os recursos disponíveis das três fontes: fundo eleitoral, Fundo Partidário e arrecadação própria” do partido.
Para lembrar
Embate
O Estadão mostrou, em março, que a campanha de Lula ao Palácio do Planalto enfrenta uma disputa de bastidores pelo comando da comunicação.
Divergências
De um lado está o coordenador de comunicação da equipe de Lula, Franklin Martins, e, de outro, o secretário do PT, Jilmar Tatto. Os dois têm protagonizado divergências sobre como conciliar a propaganda de Lula e do partido na corrida presidencial.
Controle
Ex-ministro da Secom no 2.º governo Lula, Franklin quer ter o controle sobre todas as ações envolvendo o ex-presidente. Já Tatto exige autonomia para administrar as redes sociais, a TVPT – canal do partido no YouTube –, a rádio e o aplicativo da sigla
Votar em quem parece estar na frente
04 de abril de 2022 | 03h00
Em seis meses definiremos o grupo que comandará o País nos níveis federal e estadual. Segundo o retrato mostrado por pesquisas eleitorais, para o cargo mais importante, a Presidência da República, a bola estaria dividida entre Bolsonaro e Lula, com hipotética vantagem para o segundo.
O deputado Celso Russomanno, que ganhou fama como suposto vigilante televisivo dos consumidores e acumula condenações na Justiça, em mais de uma oportunidade largou bem à frente em pesquisas eleitorais em São Paulo. Na última jornada, ficou na quinta colocação na disputa pela prefeitura. E não é o único caso no Brasil. Isso não significa que vá ocorrer o mesmo em 2022, mas que isso sirva de alerta para candidatos e de lembrança para eleitores.
Estas pesquisas, na teoria, servem para garantir transparência e acesso à informação. Mas para isso pressupõe-se que existam, do lado de quem recebe os dados, discernimento e visão, que, por sua vez, pressupõem assimilação de conhecimentos que normalmente são oferecidos na frequência escolar, onde está o começo de nossos problemas.
Em matéria de educação, estamos em posição vergonhosa no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês), mas nenhuma política pública é apresentada para recuperar os prejuízos de aprendizagem do período da pandemia e o governo federal, para piorar, corta verbas da educação. E, ainda, bispos integrantes de gabinete paralelo exigiam propina até na forma de ouro de prefeitos para a liberação de verbas do Ministério da Educação, em caso que levou à queda do ministro – teremos o quinto em pouco mais de três anos de governo.
Por isso, preocupa o fato de muitas pessoas pretenderem votar em A ou B simplesmente porque estão à frente nas pesquisas. Não porque A tenha substanciosos projetos no campo da educação ou porque B pretenda enfrentar a desigualdade social. A dianteira em pesquisas bastaria para fazer a opção, independentemente do que esteja por trás. Pode significar ignorância ou busca por acesso ao poder, mesmo que o eleito não preste. Equivale a dizer que optar pelas políticas públicas e pelos representantes confiáveis que as possam concretizar é errado. Este raciocínio absurdo é fruto da cultura clientelista, do egoísmo, somado à falta de visão, de educação, de discernimento, de cidadania e de politização. Sem nos esquecermos do enorme contingente de casos de venda de votos que ainda acontecem – e quem vende o voto vende o futuro da nação.
Os dois turnos eleitorais existem para que no primeiro se faça a escolha política que condiga com aquilo que se pareça mais com os valores de cada eleitor e eleitora, a partir do leque de candidaturas apresentado, depois de todas as articulações, alianças e desistências pelo caminho. Cada uma deverá expor seus planos de governo e estratégias. Importante observar o histórico de cada candidatura, para podermos fazer opções afinadas com esse conjunto.
Pouco deve importar a pesquisa para definir o caminho de primeiro turno para o voto individual. Contudo, impedir sua realização soa arbitrário e abusivo. Precisamos saber lidar com a informação sem nos deixarmos induzir. Basta um breve retrospecto de eleições recentes para perceber que em muitos casos previsões feitas por pesquisas foram muito equivocadas. Ou seja, não existe confiabilidade absoluta nas projeções – elas não são exatas como a lei da gravidade.
No segundo turno, com as duas candidaturas mais votadas para Presidência e governos estaduais, passa a ser plausível escolher o caminho que parecer menos ruim. Mesmo assim, a lógica do sistema é procurar fazer um balanço dos prós e contras e procurar a opção melhor para todos da coletividade dentre as duas opções restantes. Omitir-se ou anular são direitos legítimos, mas significam chancelar o que a maioria decidir.
Fundamental ter clareza, ainda, de que em 2 de outubro, além da Presidência da República, faremos a seleção dos governadores dos Estados, de um senador por Estado (1/3 da composição total) e, também, escolheremos novos deputados federais e estaduais. Muitas vezes, as escolhas de nossos representantes no Legislativo não são cuidadosas e o Brasil paga um preço absurdo por isto depois.
A meu ver, a ficha rigorosamente limpa é crucial para o começo de qualquer opção de voto. Em segundo lugar, é preciso ter história e propostas claras, detalhadas e concretizáveis para recuperar o terreno perdido no campo anticorrupção, já que a corrupção inviabiliza todas as demais políticas públicas. Os mandatos precisam cuidar prioritariamente da minimização de nossa terrível desigualdade social e, especialmente, da educação, cujos investimentos sérios e responsáveis têm impacto em todas as demais áreas.
Não é razoável que o espaço político para negros e segmento LGBTQIA+ seja tão exíguo e que, com a população majoritariamente feminina, tenhamos apenas 16% de mulheres no Senado e 15% na Câmara. Isso se muda pelo voto, inclusive instituindo regra constitucional assegurando 30% de cadeiras no Congresso para as mulheres.
Sejamos senhores de nosso destino, decidindo a partir de nossos próprios valores, referências e consciência, sem permitir a manipulação do voto nem o cabresto indutor silencioso das pesquisas, para a prevalência do interesse público.
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PROCURADOR DE JUSTIÇA NO MPSP, DOUTOR EM DIREITO PELA USP, ESCRITOR, PROFESSOR, PALESTRANTE, É IDEALIZADOR E PRESIDENTE DO INSTITUTO ‘NÃO ACEITO CORRUPÇÃO’
Pantanal: Terceira Via reestreia sua novela sem audiência e sem enredo
Vinicius Torres Freire / FOLHA DE SP
A Terceira Via detesta seus candidatos. Por que o eleitorado haveria de gostar deles?
Metade do PSDB quer derrubar João Doria. Metade do União Brasil quer expulsar Sergio Moro ou fazer o ex-juiz ajoelhar no milho, com chapéu de burro. O MDB quer arquivar Simone Tebet assim que decorrer o prazo regimental.
Sobra Ciro Gomes, do PDT. Mas Ciro nem mesmo foi chamado para a briga. Teve o privilégio de não levar rasteiras.
O que quer a Terceira Via?
Lançar um candidato "se colar, colou". Quer acertar esses testes de internet para saber se o candidato vai ter clique suficiente, como uma dancinha tiktok. Marquetagem sempre houve (Jânio Quadros, Fernando Collor), mas até a picaretagem crua era menos imediatista.
Para a maioria dos partidos, se a dancinha não render curtida, a empresa política muda o plano de investimento. Melhor gastar no aumento de bancadas, que dão uma bocada maior nos fundões eleitorais, mais votos para vender e mais postos de poder no Congresso, na camarilha que distribui emendas ou nalgum cargo público que ainda dê dinheiro.
Mas "o centro" e a elite menos selvagem ainda querem um candidato. O tiktok da vez pode ser Eduardo Leite, ex-governador tucano do Rio Grande do Sul. Não vem ao caso, aqui, se Leite é uma candidatura prestante. Os partidos não estão interessados.
Não há candidaturas porque não há programa alternativo. Programa: dizer algo em que o eleitorado queira prestar atenção, que tenha apoio político, viabilidade técnica e sustentação social, que dê esperança crível, para que o governo não vá à breca em meses, levando junto o país. Essas condições não parecem relevantes? Considere-se o caso de Dilma 2.
Além dessa baboseira de "salvar o país de extremistas" e da desconversa de "evitar populismos", o que insinua a Terceira Via? Que faria mais do mesmo de um governo FHC (antes fosse). Ou faria uma "Ponte para o Futuro" de Michel Temer em que trafeguem menos camburões com políticos.
Nem ao menos lhes ocorre o pragmatismo de perguntar qual o motivo de os tucanos terem perdido cinco eleições seguidas, sendo rebaixados para a segunda divisão em 2018. Nem se lembram de que o governo Temer foi o mais impopular da história.
É com essa roupa que a Terceira Via quer ir para o samba para o qual nem está sendo convidada? Não se trata de dizer que o país não precisa de "reformas" (precisa ser virado do avesso), mas de afirmar que essa conversa não convence ninguém.
Apenas "arrumar um economista" com um "plano" também não vai servir. Até economistas sabem que, sem acordo político forte, não sobrevivem (fora o trauma Joaquim Levy, o liberal de Dilma 2, sabotado por tucanos e petistas). Esse arranjo precisa de bases e acordos sociais, de esperança de que a coisa vá dar certo. No início de Lula 1, a vida estava ruim, mas o povo teve um par de anos de paciência.
Em 2023 vai ser pior. A depressão econômica vai completar uma década. Se um governo não propuser mudança profunda e não convencer boas partes do povo miúdo e graúdo, vai viver sob estado de insurreição latente (degringolada rápida nas pesquisas, perda de apoio parlamentar) ou, pior, patente, com tumulto. Mais grave, a democracia já conta com um quarto do eleitorado para derrubá-la (são os bolsonaristas de primeiro turno). A revolta pode ter mais adeptos.
A Terceira Via não tem ideia alternativa de país para apresentar. Reestreia seu Pantanal feio, sem enredo e sem audiência. Assim, não ganha, afora milagres de marketing. Se ganhar, não governa, assim como o PT não governará se não tiver plano de mudança e acordo amplos.
Jair Bolsonaro não quer governar. Sabemos o que ele quer.
Duplo zero - J. R. Guzzo, O Estado de S.Paulo
Talvez não seja possível encontrar uma forma mais eficaz de perder o seu tempo, hoje em dia, do que ficar gastando atenção e neurônio com o copioso noticiário sobre um ectoplasma chamado “terceira via”. Trata-se das candidaturas de centro, civilizadas, equilibradas, sensatas, liberais com toques de socialismo à la Magazine Luiza, que rompem a necessidade de se escolher entre os extremos de Bolsonaro e Lula etc. etc. etc. Basicamente, elas têm um problema sem solução: não existem. No seu momento mais alucinado, as candidaturas politicamente virtuosas dessa “terceira via” chegaram a incluir, a sério, um apresentador de televisão como o seu grande nome – para não falar, acredite se quiser, no atual presidente do Senado e no ex-presidente da Câmara. De lá para cá, a situação passou do zero ao duplo zero.
Os últimos dias, a propósito, revelaram o deplorável estado a que chegaram as duas candidaturas mais faladas da “terceira via” – quer dizer, as mais faladas na mídia e nas mesas-redondas entre “analistas políticos” que vão ao ar depois que termina o horário nobre. O governador João Doria renunciou à sua candidatura, depois renunciou à renúncia e acabou renunciando, mesmo, ao governo de São Paulo – a única coisa concreta que tinha. O ex-juiz Sérgio Moro saiu do partido que até cinco minutos atrás considerava ideal, desistiu da candidatura, mas pode desistir da desistência, e se proclamou um “soldado da democracia” – só que para guerrear num outro partido, um dos mais forrados do dinheiro que foi extorquido da população pelo “fundo eleitoral” de R$ 5 bilhões.
Foi o ponto mais baixo a que chegaram, tanto um como o outro. Não se entende: se os dois garantiam ao público pagante, durante esse tempo todo, que seriam os melhores nomes para ocupar a Presidência da República, por que raios querem deixar claro, com suas renúncias e contra-renúncias, que não sabem o que estão fazendo? Na verdade, dá para entender perfeitamente bem. As candidaturas de Doria, de Moro e outras menos faladas só existiram no campo das miragens. Não passaram do estado gasoso e agora, a seis meses das eleições presidenciais, revelam-se o que sempre foram – dois relógios suíços fabricados em Pedro Juan Caballero.
Doria, até romper com Bolsonaro e virar, automaticamente, um herói para os meios de comunicação, as classes intelectuais e a esquerda “moderada”, era tratado por todos eles como uma ameba de baixa categoria. Moro largou Bolsonaro, largou o partido que escolheu como o seu táxi para a Presidência e já está na sua terceira turma em menos de três anos. Não dá mais para nenhum dos dois, a essa altura, trocar de alma.
Centrão infla, União Brasil murcha e balcão de negócios opera na janela partidária
A janela de um mês em que deputados puderam trocar livremente de partido sem risco de perder o mandato chega ao fim nesta sexta-feira (1º) com um saldo positivo para o centrão de Jair Bolsonaro, que viu o seu PL se tornar a maior bancada da Câmara, com mais de 70 deputados, e com o já esperado esvaziamento do União Brasil.
Mais de 100 dos 513 parlamentares mudaram de legenda, número que pode crescer ainda mais já que os partidos não são obrigados a informar as trocas imediatamente nem à Câmara nem à Justiça Eleitoral.
Nos últimos dias, a Folha colheu relatos de parlamentares, a maioria falando de forma reservada, dando conta de ofertas, pelos partidos, de verbas milionárias de campanha, tempo de propaganda na TV, controle de diretórios regionais e outras benesses para tentar atrair os deputados.
No período, o interesse das siglas de atrair nomes que julguem ser competitivos se soma ao de parlamentares que buscam melhorar suas chances na disputa.
O PL de Bolsonaro somava nesta sexta, oficialmente, 69 deputados federais, mas a Folha apurou que cerca de uma dezena de novas filiações ainda seriam computadas.
A expectativa do partido era fechar com 75 deputados federais, ou seja, 15% do total da Casa. A legenda de Valdemar Costa Neto atraiu a maior parte dos bolsonaristas que saíram da União Brasil, sigla criada pela fusão de DEM com PSL, partido pelo qual Bolsonaro se elegeu em 2018.
A legenda também ganhou adeptos de outras siglas que querem associar seus nomes ao do presidente.
A segunda maior bancada está sendo disputada por PT e PP, com cerca de 55 deputados cada um.
O PSB, à esquerda, e PSDB e PTB, à direita, foram alguns dos partidos que perderam parte das bancadas. O PV, que fechou federação com o PT, viu sua bancada praticamente renovar —3 dos 4 saíram da legenda e outros cinco entraram.
A cada ano eleitoral, os 30 dias da janela são marcados por fortes negociações, juras de fidelidade ao novo partido e tentativas de legendas menores ou em baixa no campo político de estancar a sangria em suas bancadas.
Outro fenômeno registrado foi o de deputados abandonando partidos mergulhados em crises. É o caso do PTB, cuja presidência é alvo de disputa interna. Outras legendas, como o PSDB, viveram risco de saída de parlamentares após a decisão de João Doria de manter a pré-candidatura à Presidência.
A Folha ouviu relatos de assédio ostensivo aos parlamentares.
Um dos protagonistas do caso Covaxin, o deputado Luis Miranda (DF) disse ter recebido convites de oito partidos, por exemplo, mas acabou decidindo trocar a União Brasil pelo Republicanos, de Marcos Pereira. Ele afirmou que o motivo principal para a mudança foi o cenário do partido de Luciano Bivar (PE) no Distrito Federal. Além disso, o parlamentar estuda trocar o domicílio eleitoral e sair por São Paulo, onde pesquisas internas apontariam um elevado potencial de votos, ainda de acordo com o parlamentar.
"O que eu estou escutando de todos os partidos: o teto [de recursos para a campanha] será dado para quem está eleito. Então, por exemplo, é R$ 2,5 milhões o teto [valor das eleições de 2018, que será reajustado neste ano]? Quem está eleito já tem esse teto automático", disse o deputado, se referindo a parlamentares que os partidos já consideram ter votos suficientes para se eleger.
O Republicanos acenou também com espaço na propaganda eleitoral na TV –ele e Marcos Pereira vão gravar um vídeo juntos— e com recursos pré-campanha. "O partido disponibilizou toda infraestrutura para que eu possa fazer essa campanha, até porque eu teria que construir tudo do zero. O partido já tem tudo pronto e vai disponibilizar tudo para a gente."
Um relato comum é o de deputados que recebem ofertas que chegam ao teto de gastos permitido na disputa para deputado federal, que deve ficar em cerca de R$ 3 milhões ou mais. Como o período de campanha foi reduzido de 90 para 45 dias, a avaliação na classe política é de que essa etapa se tornou imprescindível para conquistar uma cadeira no Congresso.
Nesse ponto, porém, há controvérsias jurídicas. Geralmente, as legendas usam verba do fundo partidário, que não deveria ser voltado para este fim, para imprimir materiais dos seus candidatos, como panfletos e adesivos que ainda não contêm o número que vai para as urnas.
As propostas dos partidos vão além de recursos e também envolvem controles estadual e municipal das legendas. Além disso, siglas da base do governo acenam com emendas nas negociações para ampliar suas bancadas. A promessa é de liberação das emendas de relator, em que os governistas têm maior liberdade no manejo dos recursos para enviá-los às bases eleitorais de aliados.
Ciente dessa movimentação, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), bloqueou a distribuição da verba até o fim da janela partidária. A intenção seria aguardar para avaliar o tamanho final das bancadas antes de retomar a liberação das emendas, usadas como moeda de troca em negociações políticas.
A União Brasil, apesar de ter sofrido um forte processo de desidratação com a saída dos bolsonaristas, vai continuar sendo dona da maior parcela do fundo eleitoral, que é calculado com base no número de parlamentares eleitos para a Câmara e para o Senado nas últimas eleições.
A Folha ouviu dois deputados sob reserva, segundo os quais o partido tem feito promessas de repasse de dinheiro de campanha para atrair deputados para repor as perdas sofridas.
Outras estratégias também foram lançadas para conquistar novos integrantes. A deputados estaduais e vereadores que não podem trocar de legenda porque a janela é restrita ao âmbito federal, por exemplo, muitos partidos estão oferecendo ajuda de advogados para defendê-los na Justiça Eleitoral a fim de evitar eventual perda de mandato por infidelidade partidária.
Muitos migram também por motivos estratégicos, o principal sendo melhorar suas chances na disputa local. O deputado Luizão Goulart deixou o Republicanos para se filiar ao Solidariedade e disse que decidiu mudar de partido para ter mais influência partidária em âmbito regional.
"A troca se deu menos por questão ideológica e mais por questão de espaço aqui no estado do Paraná", diz. E complementa: "O que mais me motivou foi a autonomia para trabalhar no estado, eu não era presidente estadual do outro partido".
Ele relata que, no Republicanos, "não tinha poder interno para poder atuar", mas que agora é o chefe da sigla e teve liberdade para montar toda diretoria regional da legenda.
Da mesma forma, o deputado Augusto Coutinho (PE) deixou o Solidariedade e migrou para o Republicanos por avaliar que havia mais chances de ser eleito, segundo aliados.
Pessoas próximas a Coutinho dizem que ele recebeu propostas financeiras equivalentes de ambos os partidos, mas optou pelo Republicanos pela avaliação de que teria maior sucesso eleitoral.
Procurado, o União Brasil e o Republicanos não se manifestaram.