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Huck confirma novo programa na Globo e diz que não será candidato em 2022

Davi Medeiros, O Estado de S.Paulo

16 de junho de 2021 | 02h18

O apresentador e empresário Luciano Huck  afirmou que não vai se lançar como candidato à Presidência da República em 2022. A negativa foi dada em entrevista ao programa Conversa com Bial, exibido pela TV Globo na madrugada desta quarta-feira, 16. Em vez de disputar o Palácio do Planalto, ele confirmou que vai assumir os domingos da emissora, substituindo Fausto Silva.

LUCIANO HUCK
O apresentador de TV Luciano Huck Foto: Leonardo Benassatto/REUTERS

"Tenho certeza de que posso contribuir muito para o País estando nos domingos da Globo e fazendo um programa que se conecte com as pessoas, que ouça as pessoas, que traga a esperança de volta e resgate nossa autoestima", afirmou. "Mas isso não quer dizer que eu estou fora do debate público."

Huck disse ter conhecido a realidade das diferentes regiões do País após viajar por 21 anos gravando quadros de seu programa, o Caldeirão, o que teria o incentivado a pensar soluções para problemas sociais. No entanto, ele classificou sua trajetória como “mais política do que partidária”, e descartou a intenção de tentar chegar ao Planalto ano que vem. A informação foi antecipada ontem pelo jornalista Daniel Castro, do portal Notícias da TV.

“Eu nunca me lancei oficialmente como candidato a nada, para deixar claro, então não estou retirando uma candidatura”, acrescentou. 

O apresentador criticou a tentativa de politizar as Forças Armadas pelo atual governo. “Acho arriscado colocar em risco essa relação por projetos pessoais e partidários que sobrepõem a missão dos militares”, disse, ressaltando que considera esse debate como “muito importante na defesa da democracia”. "Tem um monte de gente hoje que você vê que está na vida pública, que o projeto é pessoal".

Sinalizando uma candidatura que se opusesse à polarização entre Lula e Bolsonaro, o empresário e apresentador vinha mantendo conversas com ao menos seis partidos desde o ano passado. Em 2021, Huck se aproximou do PSB, após sua relação com o DEM esfriar devido à guinada governista da legenda. Seu nome também foi sondado pelo PSDB, Podemos, Cidadania e PSD, mas nenhum aceno resultou em filiação partidária. 

Ao se colocar como possível terceira via em 2022, o projeto de Luciano Huck concorria com o do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que também tenta se lançar como alternativa à polarização por meio de aliança com partidos da centro-direita. 

No início do ano, especulou-se que o apresentador poderia integrar uma frente anti-Bolsonaro com participação da esquerda. Em conversas nos bastidores, ele elogiou a gestão do governador do Maranhão, Flávio Dino, no PCdoB. O deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) chegou a indicar a possibilidade de fusão entre a legenda e o PSB para hospedar uma candidatura, e revelou que houve conversas entre os líderes dos dois partidos.

As articulações de Huck para se lançar candidato ao Planalto não são recentes. O apresentador chegou a cogitar ingressar na corrida eleitoral em 2018, incentivado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, mas descartou a possibilidade após pressão da TV Globo. Perguntado sobre sua escolha na ocasião, ele afirmou que "disse não em 2018 porque o sistema estava derretido", e repetiu que "falta projeto de País" ao Brasil. 

Ainda sobre as últimas eleições presidenciais, Huck não mudou sua posição, revelada em declarações naquele ano, de não apoiar nenhum projeto do segundo turno, e disse que votou em branco. “Não me arrependo”. 

Perguntado se repetiria o gesto em 2022, o apresentador evitou citar nomes. "Nesse momento, não estamos falando sobre A ou B. Estamos falando sobre quem defende e quem não defende a democracia. Quem defende estará de um lado e quem não defende estará do outro. E eu estarei sempre do lado da democracia."

Cúpula do PSDB impõe derrota a Doria e aprova modelo de prévias com peso maior a detentores de mandato

Gustavo Schmitt e Sergio Roxo / O GLOBO

 

SÃO PAULO — A executiva nacional do PSDB aprovou, nesta terça-feira, as regras das prévias que definirão um candidato da sigla à presidência da República em 2022. O modelo estabelece uma fórmula em que aqueles que têm mandato eletivo terão peso maior do que o dos filiados, que responderão por 25% do colégio eleitoral. A votação, como já era previsto, deve ocorrer em 21 de novembro.

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O modelo representa uma derrota para as pretensões do governador de São Paulo, João Doria, cujos aliados chegaram a fazer um destaque que modificava o texto original para uma divisão igual entre os dois grupos: 50% para filiados e 50% para mandatários.

Houve ainda uma tentativa de negociação para a participação dos filiados aumentasse para 35%, que seria um aceno a Doria. Em vão. O parecer de São Paulo foi colocado em votação e foi derrotado por 20 votos a 11.

No final da reunião, os outros três candidatos nas prévias deixaram claro que se opunham a Doria e se manifestaram em apoio ao parecer original da comissão com pesos diferenciados ao voto de filiados e de quem tem mandato. Essa posição uniu todos os demais participantes da disputa contra São Paulo: o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) e o ex-prefeito de Manaus, Arthur Virgílio (PSDB-AM).

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Num dos momentos mais aguardados, o ex-deputado José Anibal leu uma carta do presidente de honra do partido, Fernando Henrique Cardoso. Nela, Fernando Henrique se opôs à proposta de Doria. Tucanos que acompanhavam o encontro afirmam que o clima pesou. Segundo Anibal, o presidente do diretório estadual de São Paulo, Marco Vinholi, chegou a pedir confirmação do voto do ex-presidente Fernando Henrique, que acabou não sendo computado. Semanas atrás, aliados de Doria haviam dito que o ex-presidente apoiava o seu pleito. Situação semelhante ocorreu com o voto do senador José Serra, que também acabou não computado.

Agora, a campanha eleitoral interna foi iniciada oficialmente. Caso haja segundo turno, a decisão fica para 28 de novembro.

O modelo da disputa aprovado prevê a divisão do colégio eleitoral do PSDB em quatro grupos, sendo que três deles são formados por detentores de mandato — cada conjunto vale por 25% da votação. O primeiro grupo, que terá o peso de 1/4, é formado por filiados que se registraram até 31 de maio deste ano. A sigla estima que tenha cerca de 1,3 milhão de filiados, mas que cerca de 500 mil participem ativamente da vida partidária. O segundo grupo, com igual  peso, é o de prefeitos e vice-prefeitos. O grupo três é o vereadores, deputados estaduais e distritais. Por fim, há um grupo destinado a governadores, vice-governadores, senadores, deputados federais, presidente e ex-presidentes da Executiva Nacional.

As discussões sobre as prévias foram marcadas por divergências nas regras desde o começo.Inicialmente, Doria pleiteava eleição direta para que todos os 1,3 milhão de filiados ao PSDB votassem. No entanto, líderes partidários capitaneados pelo deputado Aécio Neves (PSDB-MG), antigo desafeto de Doria, opuseram-se à proposta. A alegação do grupo era de que o maior número de filiados privilegiaria a força da máquina partidária de São Paulo, estado que concentra a maior parte deles — cerca de 301 mil — e que tem um terço das prefeituras do partido.

Rodrigo Maia se oferece para ajudar Lula em 2022

O ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia se ofereceu para colaborar com o programa de governo e nas articulações da campanha de Luis Inácio Lula da Silva para a presidência da República em 2022. 

Os dois tiveram uma conversa fechada no Palácio da Cidade, sede da Prefeitura do Rio de Janeiro, na última sexta-feira (11), da qual também participaram o prefeito, Eduardo Paes (PSD), e a presidente do PT Gleisi Hoffman. 

Maia foi expulso ontem do DEM após desentendimentos públicos com o presidente do partido, ACM Neto. Ele deve se filiar ao PSD que já abrigou Paes. Por ter sido expulso, o deputado federal não perde o mandato. 

Na conversa de 20 minutos com Lula, Maia disse que poderia ajudar a fazer a interlocução de sua campanha com políticos e setores da sociedade que hoje rejeitam o PT, em razão do histórico de escândalos e problemas econômicos dos últimos anos de governo do partido. Também se ofereceu para organizar debates e discutir soluções para a crise provocada pela pandemia da Covid-19. 

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Aliados dizem que o ex-presidente considera o apoio estratégico para trazer o apoio de eleitores de centro, e vai trabalhar para incorporar Maia ao time. Especula-se, no entorno de Lula, que Maia deseje uma vaga de vice na chapa petista.

Por enquanto, porém, não há discussões a respeito, uma vez que o presidente do PSD, Gilberto Kassab, defende publicamente a candidatura do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, para o Palácio do Planalto. 

Lula, por sua vez, procura um empresário para compor a chapa. Seu preferido é Josué Alencar, dono da Coteminas e filho do ex-vice de Lula, José Alencar, morto em 2011.  

Depois da conversa a portas fechadas, Maia se juntou a secretários de Paes para participar do almoço que o prefeito do Rio ofereceu a Lula e sua comitiva.  Não houve registro fotográfico e nem declarações públicas dos dois a respeito do encontro. Procurado, Maia também não comentou a conversa com Lula. 

Federação partidária seria um retrocesso

A profusão de partidos nanicos e legendas de aluguel é uma das maiores deficiências do sistema político-eleitoral brasileiro. Em vez de representarem interesses e projetos legítimos da sociedade, muitas agremiações se tornaram feudos de caciques, usados apenas para fazer avançar negócios espúrios ou agendas particulares. A abundância desse tipo de partido prejudica a qualidade da representação no Legislativo e corrói a democracia.

Nenhum Parlamento tem condição de funcionar a contento quando nada menos que 24 partidos, de um total de 33, têm representantes. Reduzir a fragmentação, sobretudo na Câmara, ajudaria a tornar nossos partidos programaticamente mais coerentes e mais próximos do interesse e da ideologia do eleitor. Trata-se de medida essencial para garantir a saúde da nossa democracia.

Daí a relevância da minirreforma política de 2017, que vetou as coligações partidárias em eleições proporcionais e instituiu, de modo gradual, uma cláusula de desempenho que exige um percentual mínimo de votos para que um partido tenha acesso aos fundos partidário, eleitoral e a tempo de propaganda no rádio e na televisão. As duas medidas em conjunto criam um incentivo à redução no número de agremiações.

Faz 25 anos que a cláusula de desempenho já deveria valer no Legislativo. Aprovada em 1995, ela deveria ter entrado em vigor nas eleições de 1996, com a exigência de 5% dos votos para um partido ter direito a representação. De lá para cá, uma série de manobras — entre as quais a mais relevante foi uma decisão equivocada do Supremo em 2006 — contribuiu para adiar a adoção da medida.

O patamar mínimo de 1,5% dos votos só começou a vigorar nas eleições municipais do ano passado — e já garantiu uma depuração visível na quantidade de partidos nas Câmaras de Vereadores. A exigência deverá ser ampliada gradualmente até as eleições de 2030, quando será de 3% dos votos válidos, distribuídos por um terço das unidades da Federação, com 2% dos votos em cada uma — ou, alternativamente, 15 deputados em cada uma. Importante entender que as duas medidas — cláusula de desempenho e proibição de coligações nas eleições proporcionais — funcionam em conjunto para reduzir o número de partidos. Qualquer mudança nelas representa um passo para trás.

É um erro, portanto, o projeto de lei do senador Renan Calheiros (MDB-AL) que tenta abrir uma brecha para ressuscitar as coligações por meio de “federações partidárias”. Ainda que tenham um pouco mais de consistência que as antigas coligações — teriam de valer nacionalmente e perdurar em acordo durante o mandato —, tais federações não passam de um casuísmo para tentar salvar pequenos partidos que se veem ameaçados pela cláusula de desempenho em 2022.

O plenário da Câmara decidiu imprimir regime de urgência ao casuísmo, contando, para isso, com o aval de partidos pequenos espalhados por todo o espectro ideológico — do PCdoB à esquerda ao Novo à direita. O Congresso deveria deixar a legislação exatamente como está. Se alguns partidos não têm tamanho nem relevância para conquistar eleitores suficientes, o caminho é a fusão com legendas maiores, onde seus integrantes poderão defender interesses, ideologias e projetos para o país.

Eleitor decepcionado com Bolsonaro desconfia da oposição, diz pesquisadora

Ricardo Balthazar / FOLHA DE SP
SÃO PAULO

A má avaliação do desempenho do governo no enfrentamento da Covid-19 afastou muitos eleitores de Jair Bolsonaro, mas eles ainda veem a oposição com desconfiança e poderão se reaproximar do presidente se houver avanço na vacinação e a recuperação da economia se revelar consistente.

A opinião é da cientista social Esther Solano Gallego, professora da Universidade Federal de São Paulo que estuda o bolsonarismo desde 2017, quando começou a entrevistar grupos de eleitores em parceria com a cientista política Camila Rocha, do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).

Para Gallego, muitos eleitores que se desiludiram com Bolsonaro e reprovam suas ações são conservadores que prezam valores tradicionais e são refratários aos argumentos dos seus opositores, o que tende a dificultar a construção de discursos que convençam essas pessoas nas eleições de 2022.

Segundo o Datafolha, o recrudescimento da pandemia fez a taxa de reprovação ao governo Bolsonaro alcançar 45% em maio, quando foi concluída a pesquisa nacional mais recente do instituto. A taxa de aprovação ao seu desempenho caiu para 24%, a pior marca desde o início do seu mandato.

O Datafolha calcula que o grupo formado pelos eleitores bolsonaristas mais fiéis correspondia a 9% da população em maio. Outros 27% disseram que votaram no presidente nas eleições de 2018, mas expressavam desconfianças e se apresentavam como mais moderados e críticos à sua atuação.

A aposta de Gallego é que a preocupação com o futuro da economia e o desemprego será o fator mais importante para a definição do voto nas próximas eleições presidenciais, se a vacinação da maioria da população for concluída até o fim deste ano, como se prevê, e não houver nova onda de contágio.

De que forma a pandemia influiu na avaliação dos eleitores de Bolsonaro sobre sua atuação no governo? Os mais fiéis acham que ele quer cuidar dos brasileiros, mas veem o Congresso, a imprensa e o Supremo Tribunal Federal como obstáculos que o impedem de trabalhar. Não acreditam no que a oposição fala na CPI e dizem que Bolsonaro só não comprou vacinas antes porque é cuidadoso.

Os mais moderados, que votaram em Bolsonaro e se tornaram críticos com a pandemia, acham que ele foi irresponsável e desumano, especialmente ao debochar dos mortos e da dor das famílias. Não chegam a defender punições para suas ações, mas consideram importante que as coisas sejam esclarecidas.

Por que os eleitores mais fiéis ao presidente rejeitam a ideia de que ele seja responsável pelos erros do governo e pelas mortes ocorridas? Essas pessoas têm uma adesão mais afetiva e emocional do que ideológica ao projeto de Bolsonaro. É uma adesão muito forte, de caráter quase existencial, porque elas sentem-se representadas pela personalidade dele, pela ideia de que os outros são inimigos, os que pensam diferente.

Os eleitores mais moderados que votaram em Bolsonaro foram movidos por frustrações, por um sentimento de abandono e desencantamento com tudo. Agora estão decepcionados, inclusive por causa da sua falta de empatia com as pessoas na pandemia. Os mais radicais não conseguem entender isso.

O avanço da vacinação e a recuperação econômica nos próximos meses podem fazer os eleitores mais críticos mudarem de ideia de novo? É provável que o país esteja diferente daqui a um ano, mas ainda não dá para prever como isso afetará o comportamento do eleitorado. Embora a pandemia tenha influído bastante até aqui, há outros fatores que levaram ao desencantamento desses eleitores e a um certo cansaço com Bolsonaro.

Essas pessoas acreditam que ele tem contribuído para uma instabilidade permanente ao agir de forma autoritária e intolerante. Há também muito descontentamento com sua aliança com o centrão no Congresso. Esses eleitores acham que ele se curvou à velha política e se decepcionaram com isso.

Nas classes A e B, há desilusão com a falta de margem de manobra do ministro Paulo Guedes na condução da economia. Nas classes C e D, há muita preocupação com o desemprego e um processo de empobrecimento que se aprofundou no último ano. Talvez essas pessoas fiquem mais otimistas com a recuperação da economia.

Que discurso seria capaz de seduzir esses eleitores decepcionados com Bolsonaro? Os mais moderados não confiam nas alternativas oferecidas até aqui no cenário político-eleitoral, não se sentem acolhidos por essas opções. Alguns até acham que Lula possa levar o país de volta a uma estabilidade, com seu temperamento conciliador e inclinado à negociação, mas muitos o rejeitam.

O antipetismo e a preocupação com a corrupção levaram muitos desses eleitores a votar em Bolsonaro e eles continuam sem querer ouvir falar do PT, apesar da decepção com o presidente. Nenhum dos outros presidenciáveis que se apresentaram parece despertar muita confiança no eleitorado hoje.

A grande maioria está confusa, dominada por um sentimento de orfandade política. Essa porção do eleitorado é formada majoritariamente por mulheres, jovens e pessoas que empobreceram na pandemia. Elas estão esperando um discurso que não será fácil para a esquerda entregar.

Como assim? Para as mulheres, por exemplo, a proteção das famílias e dos valores tradicionais se tornou especialmente importante agora, com a pandemia. E muita gente no campo democrático tem dificuldade em construir um discurso que acolha esses valores mais conservadores, sem a radicalidade bolsonarista.

Terão que falar sobre segurança pública também, mesmo que se afastem da brutalidade do discurso de Bolsonaro nessa área. Há muita insegurança na sociedade, nos bairros ricos e nas áreas periféricas onde a violência é cotidiana. Será preciso encontrar novas maneiras de dialogar com essas pessoas.

Em nossas entrevistas, esse assunto é objeto de muitas críticas à esquerda. Há grandes especialistas no tema no campo progressista, mas as soluções que oferecem são complexas, de longo prazo. Bolsonaro pode ser demagógico e populista, mas fala no assunto de um jeito que as pessoas entendem.

Bolsonaro ainda poderá reconquistar os eleitores que se afastaram dele? Alguns parecem ter desembarcado totalmente. Dizem que se arrependeram e não querem votar nunca mais em Bolsonaro. Estão muito rancorosos. Mas outros têm dúvidas, não chegaram ao ponto de uma ruptura completa. Podem votar nele novamente se houver mudanças nos próximos meses.

É como se continuassem unidos por um fio que ainda pode ser puxado se as circunstâncias forem diferentes. Vai depender muito de como a pandemia e a economia evoluirão, do comportamento do próprio Bolsonaro e das opções políticas que seus opositores forem capazes de oferecer.

Parte da classe média espera um discurso que ofereça um Estado pró-mercado, que crie estímulos para microempresários e empreendedores, mas também entregue serviços públicos essenciais, como saúde, educação e transporte. Pode ser difícil para a esquerda conjugar esses diferentes aspectos.

auxílio emergencial pago pelo governo ajudou Bolsonaro a sustentar sua popularidade no ano passado. As pessoas que passaram a apoiá-lo por causa disso se afastarão com a redução do programa agora? Não sei. O auxílio é muito bem avaliado, até pelos mais críticos do bolsonarismo. Há uma conexão forte com essa base mais empobrecida do eleitorado. A gestão da pandemia é o elemento fundamental agora, mas provavelmente daqui a alguns meses a questão econômica será mais preponderante.

Por que a adesão desses segmentos do eleitorado a valores tradicionais é um problema para a oposição? Esse eleitor é bastante conservador. Ele valoriza a ordem e crê num passado romântico, em que as coisas teriam sido melhores. A penetração maior de valores progressistas, com a luta feminista, dos LGBT e do movimento antirracista, provocou uma reação conservadora no mundo todo. Isso continuará.

Há também o legado principal da Lava Jato, que é a rejeição aos partidos políticos como instrumentos da democracia, especialmente no campo mais conservador. A direita bolsonarista, que é autoritária, cresceu com isso. Será preciso estruturar uma direita civilizada, democrática, para deter esse processo.

A anulação das condenações de Lula na Justiça teve algum efeito nesses segmentos do eleitorado? Para os mais radicais, isso é evidentemente resultado de um complô do STF com a oposição para acabar com Bolsonaro. Acham que Lula deveria estar preso e não querem mais conversa. Entre os mais moderados, há quem aponte excessos na Lava Jato, mas a maioria acredita que Lula é corrupto.

Lula dialoga bem com valores conservadores, como a ideia da ordem e uma certa religiosidade popular. Mas ficou marcado pela associação com a corrupção. Muitos de seus eleitores votaram em Bolsonaro movidos por um sentimento profundo de traição, que não vai desaparecer de um dia para outro.

As suspeitas sobre os filhos de Bolsonaro e suas ações para protegê-los não têm o mesmo efeito? O bolsonarista desencantado carrega nas costas várias decepções, que vão se acumulando. Está decepcionado com Bolsonaro agora, mas também continua decepcionado com o PT, com os partidos em geral, com o sistema político. No final das contas, é um sentimento muito antissistema.

Não se trata de uma desilusão pontual com um partido ou um indivíduo específico, mas com o sistema como um todo. Então não vai ser fácil para os políticos convencerem esse eleitor a se encantar novamente com a política. Será necessário um trabalho mais complexo do que em outras eleições.

Há uma decepção mais profunda com a democracia e os resultados alcançados pelos governos que vieram depois da ditadura militar? Muita gente, nos extratos mais populares, expressa esse desencantamento com razões de ordem material. Por muito tempo pensaram, especialmente durante os governos petistas, que conseguiriam alcançar um patamar mais elevado de consumo e renda, e de cidadania, mas sentem que bateram num teto.

Quando perguntamos aos nossos entrevistados se acham que existe democracia plena no Brasil, todo mundo responde que não. Acham que o país está afundando na corrupção, que o sistema político é sujo e corrompido, e não se pode mais confiar nele. A questão para a oposição é como reconstruir essa confiança.

RAIO-X

Esther Solano Gallego, 38
Doutora em ciências sociais pela Universidade Complutense de Madri, na Espanha, vive no Brasil há 11 anos e é professora do curso de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo, em Osasco. Suas pesquisas sobre o eleitorado brasileiro são financiadas pela Fundação Friedrich Ebert e pela Fundação Tide Setubal. Organizou a coletânea de artigos "Brasil em Colapso" (Editora Unifesp, 2019)

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