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Grupo de presidenciáveis do manifesto que apontou 3ª via se esfacela três meses após lançamento

Joelmir Tavares / folha de sp
SÃO PAULO

Era uma vez um grupo de WhatsApp e um manifesto que sinalizou uma convergência de forças rumo à chamada terceira via, uma candidatura alternativa a Jair Bolsonaro (sem partido) e a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na disputa pela Presidência da República em 2022.

Três meses depois do lançamento do Manifesto pela Consciência Democrática —assinado por Ciro Gomes (PDT), João Doria (PSDB), Luciano Huck (sem partido), Luiz Henrique Mandetta (DEM), João Amoêdo (Novo) e Eduardo Leite (PSDB)—, pouco restou dessa história.

O grupo de mensagens criado para discutir o texto em defesa da democracia publicado no dia 31 de março, quando o golpe que instaurou a ditadura militar (1964-1985) completou 57 anos, caiu no ostracismo, enquanto dois dos autores saíram da lista de presidenciáveis.

Entre os que restaram, um natural e previsível distanciamento se impôs. Apesar disso, as conversas de partidos e políticos, especialmente no centro e na centro-direita, se expandiram para além do sexteto e incluíram outros nomes, dando sobrevida ao esforço para romper a polarização.

O primeiro signatário do manifesto a deixar o posto de pré-candidato foi Amoêdo, que desistiu da empreitada no último dia 10, em meio a um embate com a ala bolsonarista do Novo. O recuo do empresário foi motivo de surpresa, visto que o partido já tinha anunciado sua escolha.

Uma semana depois, foi a vez de Huck. O apresentador confirmou no dia 16 que estava trocando os planos políticos pelos domingos da TV Globo, com a saída de Fausto Silva. A desistência, esperada nos bastidores havia semanas, frustrou grupos que apostavam nele como a figura da coesão.

Com a adesão ao documento, foi a primeira vez que o comunicador colocou seu nome ao lado do de outros postulantes declarados ao Planalto. Até então, Huck não confirmava nem negava a possibilidade de se aventurar nas urnas.

A carta em louvor às instituições democráticas foi uma resposta à maior crise militar no país desde 1977, com a renúncia coletiva dos três comandantes das Forças Armadas por causa de discordâncias com Bolsonaro. Na ocasião, também houve atos em capitais em comemoração do golpe militar.

Rusgas do passado, divergências ideológicas e guerras de vaidades, contudo, já despontavam como obstáculos para uma aliança ampla no sexteto, tornando baixa a chance de uma candidatura única.

À exceção de Ciro, todos os signatários são identificados na opinião pública como simpatizantes de Bolsonaro no segundo turno de 2018, mas hoje se declaram na oposição ao mandatário. Além do antibolsonarismo, o grupo se une na defesa do antipetismo, mas sobram diferenças.

O pedetista, por exemplo, sempre foi visto como uma peça desgarrada, por vir da centro-esquerda e ter um histórico de críticas a integrantes como Doria e Huck. Ciro, que busca alianças no centro para viabilizar sua quarta campanha presidencial, participou mais pela causa do que por cálculo eleitoral.

O afastamento ficou mais claro desde então, à medida que ele avançou com sua pré-campanha no PDT, contrariando o discurso de outros membros de que um diálogo rumo à composição só seria frutífero se todos se dispusessem a abrir mão de projetos pessoais em benefício da unidade.

A presença do ex-ministro de Lula em um documento coalhado de nomes mais à direita e a aparição inédita de Huck ao lado de presidenciáveis ofuscaram a presença de Doria, que demonstrou desconforto com a falta de protagonismo na repercussão do lançamento do texto.

O paulista, àquela altura consolidado como aspirante à Presidência, ainda teve que dividir espaço com um colega de PSDB, o governador do Rio Grande do Sul. Hoje Doria e Leite estão entre os quatro adversários que rivalizam nas prévias para a definição do candidato do partido.

Para o primeiro, o desafio é capitalizar politicamente o trabalho feito para trazer a vacina chinesa Coronavac ao país. Além disso, falta a Doria quebrar resistências entre partidos e atores que acreditam na terceira via. Ele também amarga rejeição em pesquisas, sobretudo no Nordeste.

Já o gaúcho, que ganhou projeção nos últimos dias após se declarar homossexual, precisa superar as barreiras da disputa interna na legenda e da baixa taxa de conhecimento nacional. Leite, contudo, é tido como um nome relativamente palatável para eventuais alianças eleitorais.

Idealizador do manifesto, Mandetta diz que não considera a iniciativa um fracasso. Segundo o ex-ministro da Saúde do governo Bolsonaro, o objetivo maior era lançar um alerta em prol da democracia, o que se cumpriu, e os diálogos no campo do centro evoluíram de lá para cá.

"Naquele momento, o debate estava muito em função de nomes. Por isso, falei: vamos andar mais em direção a partidos", afirma ele, que é pré-candidato do DEM e tem atuado para aproximar representantes de várias legendas. "Não adianta falar de candidatos sem pensar em partidos."

No último dia 16, horas após a formalização da desistência de Huck, o presidenciável realizou em Brasília um almoço com dirigentes e integrantes de sete siglas de centro-direita e de centro-esquerda —DEM, PSDB, MDB, PV, Cidadania, Podemos e Solidariedade.

Ao fim do encontro, anunciou-se o consenso de que ninguém ali pretende se incorporar a Bolsonaro ou Lula, pelo menos não no primeiro turno. Convidados, os presidentes do PDT, Carlos Lupi, e do PSL, Luciano Bivar, não compareceram sob a justificativa de que já tinham marcado outros compromissos.

De acordo com Mandetta, seu papel tem sido o de "provocar os partidos" em busca de coalizões. "Ressalvei que todos eles podem ter seus pré-candidatos. Isso não anula a conversa partidária. Precisamos criar uma força gravitacional plural e ampla, para fazer frente a Lula e a Bolsonaro."

"Os nomes vão aparecer em função dos espaços políticos que forem criados. Se vai ter um nome capaz de aglutinar todos, hay que ver [é preciso ver]. O que não podemos deixar é de debater o Brasil, os problemas reais e o projeto de país que queremos, de reconstrução e de esperança", acrescenta.

Sobre o desfecho do manifesto, ele resume: "O Huck se orientou por uma questão pessoal e profissional, o PSDB caminhou para as prévias, o Ciro continuou com a sua pré-candidatura e vem dialogando com os partidos, e o Amoêdo recuou, mas continua participando e dando ideias".

O ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro, que foi sondado para assinar o texto, mas declinou alegando impedimentos contratuais com a consultoria para a qual trabalha, continua sendo uma incógnita para as eleições. Partidos e apoiadores da Operação Lava Jato o incentivam a se candidatar.

"O Moro tem uma posição muito reservada", diz Mandetta. "Deve estar refletindo, tem o tempo dele."

Amoêdo confirma que se mantém na saga da terceira via, mesmo fora da posição de presidenciável. "O que me levou a desistir [da candidatura] foi que senti uma indefinição do partido em relação a ser uma oposição firme a Bolsonaro. Sem essa clareza, isso me deixou inseguro."

Segundo ele, o texto divulgado pelo sexteto foi importante para exaltar a democracia em um momento que ela estava sob ataque. "Mas sempre entendi que existiam muitas dificuldades dentro do grupo, a começar pelos partidos. O PSDB e o DEM, por exemplo, não têm clareza de candidatura."

Apesar dos entraves, Amoêdo se diz otimista. "A gente ainda continua com poucas opções na terceira via, mas vai se criando um caminho para que lá na frente, se houver convergência de ideias e disposição daquele que tem maior chance, ocorra uma junção eventualmente em torno de um nome."

Huck também tem afirmado que não se afastará do debate público e trabalhará, ainda que fora dos holofotes, pela fabricação de uma candidatura de perfil moderado. Procurado, ele não se manifestou.

Pesquisa do Ipec divulgada na sexta-feira passada (25) mostrou Lula com 49% das intenções de voto no primeiro turno e Bolsonaro com 23%. Na sequência, aparecem Ciro (7%), Doria (5%) e Mandetta (3%). Outros 10% disseram preferir votar em branco ou nulo —3% não responderam.

POSSÍVEIS CANDIDATOS DA CHAMADA TERCEIRA VIA PARA 2022

Golpe de quem? - J.R. Guzzo, O Estado de S.Paulo

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, também é o presidente do Tribunal Superior Eleitoral – e, nesse cargo, o responsável último pelo comando da repartição pública encarregada, entre outros deveres, de contar os votos nas eleições e, no fim das contas, dizer quem ganhou.

Num país normal, deveria ser uma função neutra, mais cerimonial do que executiva, levando-se em consideração que são máquinas que fazem o trabalho – através de sistemas eletrônicos de votação e de apuração dos votos. Mas o Brasil não é um país normal. O que, em qualquer democracia deste mundo, é um absoluto não-assunto, transformou-se aqui no principal problema político das eleições de 2022.  Barroso, hoje, é o militante-chefe de um dos lados desta guerra. O presidente da República é o comandante do lado oposto.

você já deve estar cansado de ouvir o que dizem os dois e os seus aliados. Barroso é contra qualquer mudança no atual sistema de votação e de apuração dos votos. Mais: ele garante que a campanha da facção adversária é uma tentativa de golpe de Estado. Bolsonaro é a favor do chamado “voto impresso”, ou “auditável”, ou coisa parecida – que permitiria uma verificação mais segura dos votos. Mais: ele garante que se não for feito isso, vão roubar a eleição.

 
Luís Roberto Barroso
Luís Roberto Barroso determinou abertura da CPI para investigar ações e omissões do governo Foto: Gabriela Biló / Estadão

A coisa toda foi promovida à categoria de grande divisor político e ideológico deste Brasil de hoje. Por que não? Num país capaz de transformar a cloroquina em questão de vida ou morte para determinar quem é de direita e de esquerda, nada mais normal que uma operação digital passe a dividir os “defensores da democracia” dos “golpistas-fascistas”. 

Barroso, que será substituído no ano que vem na presidência do TSE por outro ativista do voto-como-está-hoje, o colega Alexandre de Moraes, disse ainda outro dia que entre os adeptos do voto impresso” há gente interessada em armar “confusão” para “melar o jogo” e “dar o golpe”.

Bolsonaro, pouco antes, disse que houve fraude na apuração das eleições de 2018; ele recebeu, com certeza, muito mais votos do que o TSE lhe deu. Não espere nada de bom desse bate-boca, porque nenhum dos partidos está interessado em resolver nada numa boa – na lógica, na disposição para aceitar a verdade e na serenidade dos fatos. É pena. Seria uma excelente oportunidade, em cima do que dizem, para demonstrar ao público pagante o que realmente estão querendo dizer – e, sobretudo, o que estão querendo fazer. 

Barroso e sua turma têm a obrigação de revelar os nomes dos indivíduos que querem “dar o golpe”. Quem são eles? O presidente da República está nesse bonde? Não é um probleminha menor; segundo o ministro, os defensores do voto impresso querem liquidar a democracia, nada menos que isso. Por que não informa, então, quem são os golpistas, e quais são as provas que existem contra eles? Bolsonaro e sua turma, do seu lado, têm a obrigação de mostrar ao público as provas de que houve fraude nas eleições de 2018 – e quem, exatamente, é o responsável por ela. O presidente do TSE da época? Outros? Quais? Quando? Como? 

Barroso diz que o “voto impresso”, além de golpista, é caro. Pelos seus cálculos, a mudança vai custar “2 bilhões de reais”. O ministro, ao mesmo tempo, acha perfeitamente normal a fábula de dinheiro que será queimada com o “Fundo Eleitoral”. Neste ano de 2021, sem eleição nenhuma, os políticos já vão receber do pagador de impostos quase 1 bilhão de reais; imaginem no ano que vem. 

O ministro se assusta, também, com “o inferno” que seria licitar a compra de “500 mil impressoras”. E a compra, sem licitação nenhuma, de 500 milhões de vacinas? É nesse nível que está a qualidade do debate.

 

Você precisa definir, até a eleição do ano que vem, qual é o mal maior

REINALDO AZEVEDO / FOLHA DE SP

O, por assim dizer, presidente Jair Bolsonaro voltou a ameaçar o país nesta quinta. Acusou um complô entre Lula e ministros do STF para fraudar eleições. Ou se aprova o voto impresso, ou ele anuncia que não vai reconhecer o resultado. E aí prevê “problemas”. O rato que ruge ameaça com a versão nativa da invasão do Capitólio. Mais um crime de responsabilidade. Depois foi à missa.

Escrevi na semana passada que tenho procurado, neste espaço, fugir às questões contingentes. Quando se tenta cobrar propina até de picareta que não tem vacina a vender, todas as musas silenciam à espera do próximo absurdo. Relatá-los e comentá-los tem sido nossa triste e necessária rotina. Tentemos avançar um pouco.

Se não há apelo à razão que possa fazer frutos nos bolsões da extrema direita, falo então àqueles que estão do lado de cá da delinquência, apesar e por causa de suas —ou das nossas— diferenças, que são imensas. Li, dia desses, um juízo torto, oriundo de quem está sinceramente interessado em que surja uma terceira via.

Confesso, diga-se, que minha utopia de curto prazo é ver Bolsonaro fora da disputa do segundo turno —ainda que eu não aconselhe ninguém a apostar a sua grana nisso. Assim, viva a terceira via, mas não escoltada pelo mau pensamento! E também não a qualquer preço.

Segundo aquele juízo torto, o maior mal que Bolsonaro fez ao Brasil foi ressuscitar um Lula elegível e hoje favorito para a disputa presidencial de 2022. Dizer o quê? Isso não está apenas historicamente errado, uma vez que despreza os fatos. Há também aí deformações morais e éticas, que precisam ser apontadas.

Mais: além de essa consideração não contribuir em nada para tornar viável um terceiro nome na disputa, traz um prejuízo adicional: normaliza uma eventual adesão a Bolsonaro no segundo turno de forças hoje a ele refratárias porque, então, o petista seria um mal oposto, mas, de algum modo, proporcional à aberração que aí está.

Deixo virtudes e defeitos de Lula para o exercício político de petistas e antipetistas. Debatam à vontade. Atribuo-me a tarefa de lembrar que o ex-presidente não ressuscitou porque nunca morreu.

Quando preso, liderava as pesquisas de opinião para a eleição de 2018. Foi condenado sem provas —isso, sustentamos eu e qualquer pessoa que tenha realmente lido a sentença— por um juiz que a mais alta corte do país considerou incompetente e suspeito.

Mantido na cadeia à revelia do que dispõe o inciso LVII do artigo 5º da Constituição,indicou um candidato, Fernando Haddad, que esteve muito longe da humilhação eleitoral. Chegou a figurar na frente ou em empate técnico com Bolsonaro em algumas pesquisas. Os fatos, não o Reinaldo Azevedo, desautorizam a tese da ressurreição.

O governo Bolsonaro não trouxe ninguém à vida. As políticas públicas e as pregações delinquentes na área de saúde mataram milhares de pessoas. Ou nos damos conta da enormidade que é estarmos narota dos 600 mil mortos por Covid-19 ou, então, admitamos que somos também nós os degradados. Ou bem consideramos inaceitável a sua pregação golpista, ou nos tornemos servis às suas tentações
autocráticas. Eis aí a combinação de dois “males maiores”.

“Ah, Reinaldo, não posso medir a eficiência de um governo só pelo número de mortos que ele produz ou por seu apreço à democracia”. Então eu nada tenho a lhe dizer. Perdeu seu tempo. Nem chegue ao fim do texto. Não quero ficar a seu lado na praia. Não trocaremos impressões dessa vida besta nem falaremos sobre ser sequestrado por serafins nos botecos da vida —cito Drummond. Não quero papo com você. “E quem disse que eu quero, articulista?” Não brigaremos por isso.

“Que intolerância! Tá vendo?” Sou intolerante com quem comete 33 crimes de responsabilidade em dois anos e meio de mandato. E tira máscara do rosto de criancinhas. Temos de nos perguntar qual é o nosso limite. Que barbaridade da ora meus colegas, repórteres diligentes, informarão na mesma edição
em que sai esta coluna?

Ah, sim: Bolsonaro comungou nesta quinta. O que tem com o “Corpo de Cristo” quem faz da ameaça e da administração da morte o seu modo de fazer política? Qual é o nosso limite?

Terceira via - Miguel Reale Júnior, O Estado de S.Paulo

Em setembro de 2018, instado por grupo de jovens, participei da tentativa de promover reunião de cinco candidatos à Presidência da República com vista a, informalmente, constituírem fusão em torno de um programa, liderada por quem escolhessem como candidato único das forças de centro (esquerda e direita). Chegou a se realizar profícua conversa prévia com assessores dos candidatos, no dia anterior ao encontro, a ocorrer no Instituto dos Advogados de São Paulo e a ser mediado por seu presidente, o dinâmico José Horácio Halfeld Ribeiro. Nessa conversa virtual com assessores, por sugestão nossa, fixou-se que a discussão seria sobre pontos básicos de proposta de governo a ser integrado por todos como ministros. Fariam parte do encontro Álvaro Dias, João Amoêdo, Geraldo Alckmin, Henrique Meirelles e Marina Silva.

Após animadora conversa com a assessoria dos candidatos, todavia, Amoêdo foi o primeiro a sair. Na noite anterior ao encontro, Marina avisou que não compareceria. Essa desistência levou Meirelles a também a não participar. Alckmin achou não ser produtivo um encontro apenas entre ele e Álvaro Dias, que manteve o interesse até o fim.

Não se pode voltar à sinuca de bico de ter de optar entre Bolsonaro, PT ou nulo. E mesmo se Bolsonaro se liquefazer, uma via de centro democrático é essencial para enfrentar Lula e garantir governabilidade.

Se o governo do PT teve pontos positivos, não se pode esquecer o imenso aparelhamento do Estado e a instituição de corrupção sistêmica, que as falhas graves de Moro e de procuradores não desfazem. O PT traiu os princípios que regiam o partido, por mim alcunhado, desde que Weffort era secretário-geral, de UDN de macacão, por sua pregação da ética na política. Nem é olvidável a pior recessão já vivida pelo País no governo Dilma.

Cumpre deixar de ter a atenção voltada só para nomes, em busca de pessoa salvadora, pois os carismáticos Jânio, Collor, Bolsonaro e mesmo Lula indicam o erro da crença em “mitos”.

O raciocínio é simples: de que vale ser candidato derrotado? O desejo de ocupar a Presidência da República precisa ceder à evidência das dificuldades eleitorais na fragmentação do campo do centro democrático, agindo-se com o bom senso que não houve em 2018. De outra parte, é certo que a reunião de muitos em torno de um projeto único terá impacto extraordinário.

A conjunção de forças políticas e da sociedade civil, a ser chamada a participar, deve estar acima dos interesses pessoais e partidários, para se cimentar união em vista de um programa mínimo. Os pretensos candidatos devem vir a ser partícipes de governo de aliança nacional, no qual o compromisso de luta conjunta preceda à assunção ao poder. A conversa havida dia 16 último, com a presença de presidentes de sete partidos (DEM, PSDB, MDB, PV, Cidadania, Podemos, Solidariedade) é alvissareira, bem como a posição comum contra o voto impresso. Outras siglas podem aderir, como Rede, PSB, PDT e PSD.

Assim, cumpre, desde já, firmar carta de intenções a respeito de programa de governo em pontos essenciais, com especificação da forma de execução da proposta, para não se permanecer no campo das declarações grandiloquentes e genéricas. Seria o caso de se ter na prática um “presidencialismo congressual”, com a existência de ministro coordenador, que vá gerenciar a execução do plano de governo, com comparecimento a cada dois meses ao Congresso para discutir e expor as ações governamentais.

Os temas da educação, saúde, segurança pública, redução da desigualdade com inclusão social e crescimento econômico, avanço científico e tecnológico, meio ambiente, custo Brasil em face de tantos entraves, são, por exemplo, questões a serem objeto de discussão e de definição conjunta, e levadas ao País como bandeira. Apresenta-se, então, não um nome, mas um projeto de governo ao qual as lideranças aderem e se comprometem a dar apoio parlamentar. Cabe ser um governo de Ministério, que gire em volta da proposta, e não em função de um salvador.

Estamos exaustos da pirotecnia e das bravatas irresponsáveis do clã Bolsonaro, bem como desconfiados do “faz de conta” do PT a se fantasiar de inocente, sem jamais ter feito qualquer autocrítica. Chega de teatro: o Brasil precisa de bom senso e comedimento, em busca da segurança que a previsibilidade outorga.

O instante requer a generosidade de se limitarem as ambições pessoais, para preservar a democracia do populismo, tão vazio como envolvente, e atender à ansiedade da maioria silenciosa, sôfrega de estabilidade e seriedade. Cada liderança, ao abrir mão do personalismo próprio do frágil presidencialismo imperial, contribuirá para construção do pressuposto essencial da democracia: a confiança nas instituições.

Mais à frente escolhe-se o nome do candidato que, em face do programa, apresente melhores condições de composição e de catalisação das forças diversas. Não é fácil, ao contrário, mas a tragédia do momento empurra para uma saída de grandeza.

 

ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR SÊNIOR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, FOI MINISTRO DA JUSTIÇA

Choque entre Lula e Ciro por 2022 afasta PT e PDT nos estados

Bernardo Mello e Marcelo Remigio / O GLOBO

 

RIO — Com o acirramento da rivalidade entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-ministro Ciro Gomes, ambos pré-candidatos à Presidência, PT e PDT entraram em choque por alianças locais a pouco mais de um ano para as eleições de 2022. Em estados como São Paulo e Pernambuco, o foco da disputa é o PSB, aliado pedetista nas disputas municipais de 2020 que passou a ser cortejado pelo PT. No Rio, a aproximação entre o PSB e Lula, após a filiação do deputado federal Marcelo Freixo, levou o PDT a acelerar a pré-candidatura de Rodrigo Neves ao governo.

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Ex-prefeito de Niterói, Neves foi filiado ao PT até 2016 e mantém boa relação com lideranças locais do partido, como o vice-presidente nacional petista, Washington Quaquá. Ao lançá-lo como candidato, além de garantir um palanque fluminense para Ciro Gomes, o PDT busca também atrair apoio de nomes de centro como o deputado Rodrigo Maia (sem partido) e o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), que vêm sendo cortejados por Freixo, que deixou o PSOL para viabilizar sua candidatura ao governo, e por Lula.

Está previsto, ainda nesta semana, um encontro entre Neves e caciques petistas no Rio, numa tentativa de aproximação inspirada nas alianças entre PDT e PT em 2020 que renderam vitórias em municípios como Niterói, Maricá, Itaboraí e Saquarema. Não está descartado um palanque duplo para Lula e Ciro, mas o arranjo nacional é um obstáculo.

— Rodrigo Neves é um bom nome, com pouca rejeição. Mas o problema todo é o Ciro Gomes, que ainda não entendeu que a disputa para o governo federal será polarizada. E isso tem dificultado a aproximação (com o PDT) nos estados — afirma Quaquá.

No Maranhão, onde há impasse semelhante, Lula conversou com o senador Weverton da Rocha (PDT-MA), pré-candidato ao governo. Weverton é aliado de Ciro e também do governador Flávio Dino (PSB), que apoia Lula.

Em São Paulo, o PT tenta abrir caminho para uma candidatura de Fernando Haddad ao governo e, para isso, fez acenos ao ex-governador Márcio França (PSB). A sondagem petista para lançá-lo ao Senado numa chapa com Haddad esbarra na vontade do próprio França, que tende a apoiar uma candidatura de Geraldo Alckmin (PSDB) ao governo. De olho nos movimentos do PT e tentando manter-se aliado ao PSB paulista, o PDT passou a incentivar nos bastidores um apoio a Alckmin, que deve sair do PSDB e poderia ter França como vice, repetindo o arranjo que foi vitorioso em 2014.

Em Minas Gerais, segundo maior colégio eleitoral do país, PT e PDT disputam a melhor posição numa chapa do prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), ao governo. Kalil ainda não sinalizou apoio nem a Lula, nem a Ciro. Alguns dos nomes que orbitam a provável candidatura de Kalil, como o presidente da assembleia legislativa, Agostinho Patrus (PV), têm boa relação com lideranças petistas. Uma alternativa costurada pelo PDT para garantir palanque a Ciro é trazer de volta à política o ex-prefeito Márcio Lacerda (PSB), rival do PT local.

- Foto: Editoria de Arte
- Foto: Editoria de Arte

Nordeste em disputa

No Ceará, Lula tem se empenhado em lançar o governador Camilo Santana (PT) ao Senado e pode costurar um apoio do PT ao ex-senador Eunício Oliveira (MDB) para a sucessão estadual. Eunício vem defendendo publicamente a candidatura de Lula contra Ciro, de quem é rival. Já a chapa pedetista ao governo deve ser encabeçada pelo ex-prefeito de Fortaleza Roberto Cláudio, aliado de Camilo. Recentemente, Eunício alfinetou Cláudio nas redes sociais, insinuando que o adversário teria dado apoio a Eduardo Girão (Podemos), hoje aliado do governo Bolsonaro no Senado, para deixá-lo sem mandato em 2019.

Com a candidatura de Camilo, o PT busca ampliar sua base no Congresso e retirá-lo de palanques do PDT, ou ao menos dividir seu apoio.

— Não creio que Lula vá querer comprar essa briga no Ceará. Camilo vai ter uma certa dificuldade para se equilibrar, mas acredito que, sendo candidato ao Senado, apoiará o PDT ao governo — afirmou o presidente do PDT, Carlos Lupi.

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Ainda no Nordeste, PT e PDT estão decididos a ficar em lados opostos em Pernambuco. Após uma disputa familiar tensa em Recife entre os primos João Campos (PSB), eleito em segundo turno, e Marília Arraes (PT), lideranças petistas acenaram com um apoio ao PSB em 2022 para a sucessão do governador Paulo Câmara, que tem mostrado simpatia à candidatura de Lula. Campos, por sua vez, encabeça a ala do PSB que prega uma terceira via, mas não defende publicamente, por ora, a candidatura de Ciro, que o apoiou em 2020. Para diminuir as resistências à aliança, o PT tem sinalizado ao PSB que Marília perdeu espaço e tenta agendar um encontro entre Lula e Campos.

O movimento desagradou o PDT, que passou a conversar com nomes de oposição ao PSB, como o ex-senador Armando Monteiro (PSDB) e o prefeito de Petrolina, Miguel Coelho (MDB), filho do líder do governo Bolsonaro no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE).

— Nada contra o Lula, que está no seu direito, mas esse assédio ao PSB ligou o sinal amarelo para nosso plano de ter palanque para o Ciro. Conversamos com nomes da oposição e podemos buscar outras siglas, como o DEM, com as quais temos boa relação em outros estados — disse o deputado Wolney Queiroz (PDT-PE).

No Piauí, como o governador Wellington Dias (PT) deve reunir sua base em torno de Lula, o PDT já abriu conversas com o Ciro Nogueira (PP-PI), aliado de Bolsonaro e pré-candidato ao governo.

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