Sabesp privatizada: governo levanta R$ 14,8 bi na maior oferta de saneamento da história
Por Matheus de Souza (Broadcast), Altamiro Silva Junior (Broadcast), Elisa Calmon (Broadcast) e Cynthia Decloedt (Broadcast) /O ESTADÃO DE SP
A privatização da Sabesp, a maior oferta de ações da história do setor de saneamento, movimentou R$ 14,8 bilhões. Desse total, R$ 6,9 bilhões foram subscritos pela Equatorial, que comprou 15% da empresa ao preço de R$ 67 por ação, e o restante veio da oferta global, que atraiu 310 investidores institucionais (instituições que investem em nome de diversos investidores). Foram vendidas 191,7 milhões de ações mais um lote extra de 28,7 milhões, ao mesmo preço. Um comunicado oficial com os números deve ser divulgado nesta quinta-feira, 18, após as 22h.
Nesta quinta-feira, foi feita a alocação das ações entre os investidores que participaram da oferta. A demanda total do mercado pelas ações da Sabesp chegou a R$ 187 bilhões, recorde para uma oferta pública no Brasil, conforme antecipou o Estadão/Broadcast mais cedo. Este número, porém, está inflado, porque investidores pediram bem mais ações do que pretendiam comprar, já prevendo que haveria rateio. Essa percepção de que “faltariam” papéis provocou disparada das ações da Sabesp na B3, que atingiu preço recorde, encostando em R$ 85,00 nesta semana.
A liquidação da oferta será no próximo dia 22, quando deverá ocorrer solenidade na B3 para marcar a privatização da companhia com a presença do governador do Estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e a Secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, Natalia Resende, além de representante dos bancos coordenadores.
A oferta teve como coordenador principal o BTG Pactual, em conjunto com Itaú BBA, Citi, Bank of America e UBS BB. Também participaram Bradesco BBI, Goldman Sachs, JPMorgan, Morgan Stanley, JSafra, Santander e XP.
Da demanda total, 53% foram ordens de investidores estrangeiros e o restante de gestoras locais. Segundo fontes, são fundos de países da Ásia, Europa, Oriente Médio e Estados Unidos. Dos fundos, parte importante são carteiras “long only”, que ficam “compradas” no papel, ou seja, uma aposta de valorização do papel no longo prazo. A demanda veio de fundos de infraestrutura, que investem em água, Utilities (prestadoras de serviços em energia e saneamento) e que adotam práticas sustentáveis (ESG).
Para chegar até estes investidores, o governador Tarcísio de Freitas e a secretária de desestatização Natália Resende foram para o exterior, em reuniões nos EUA, Londres, Zurique, Miami, Paris e Genebra. No Brasil, houve reuniões em São Paulo e Rio. Ao todo, foram 270 investidores (140 locais e 130 internacionais) participaram dessas conversas, os chamados ‘roadshows’.
Em fevereiro de 2023, começam os estudos para o início do processo de desestatização do governo de Tarcísio de Freitas. Em dezembro, o projeto de lei da privatização foi aprovado, começando neste momento a preparação da venda, que durou perto de oito meses. Com a venda, a fatia do governo de São Paulo na empresa caiu de 50,3% para 18%.
Obrigações
A privatização da Sabesp prevê compromisso de investimentos da ordem de R$ 70 bilhões até 2029 para universalização da água e esgoto no Estado de São Paulo. A Equatorial também não poderá investir em áreas em outros locais que concorram com a Sabesp e nem vender suas ações até aquele ano. Além da Equatorial, nomes como a gestora IG4, a francesa Veolia, Aegea, Cosan, os canadenses da Brookfield e o grupo Votorantim, chegaram a avaliar participar da operação.
Para pagar os R$ 6,9 bilhões ao governo de São Paulo, a Equatorial conseguiu um empréstimo ponte em quatro bancos, com o prazo de 18 meses. Em paralelo, fez uma emissão de notas comerciais, liquidadas na última terça-feira, 16, e que serão dadas como garantias nos empréstimos. Os bancos participantes da emissão das notas são Itaú BBA, Safra, UBS BB e Bradesco BBI.
Protestos
A privatização da Sabesp não ficou livre de manifestações e críticas. Protestos na sede da Equatorial, em algumas Câmaras dos municípios quando votaram se aprovavam ou não o processo. Partidos de esquerda, como o PT, PV, Rede, Psol e PcdoB, entraram com diversas ações, incluindo no Supremo Tribunal Federal (STF), contra a venda das ações.
Uma das alegações contrárias à privatização é de que a Sabesp foi vendida a preço baixo. A Equatorial, única empresa a apresentar proposta para ser investidor de referência, propôs o preço de R$ 67,00 por ação. O valor estava abaixo das cotações de tela da ação naquele momento e mais ainda das cotações atuais. A ação chegou a bater a máxima histórica de R$ 85 nos últimos dias e hoje foi negociada na casa dos R$ 82 - 20% acima do preço da Equatorial.
PT deve R$ 22 milhões de INSS e FGTS de trabalhadores e pode ser o maior beneficiado com ‘Refis’
Por André Shalders / O ESTADÃO DE SP
O Partido dos Trabalhadores (PT) será o principal beneficiado caso o Senado aprove a proposta de emenda à Constituição (PEC) 9/2023, conhecida como PEC da Anistia. Até março deste ano, diretórios do partido tinham pelo menos R$ 22,2 milhões em dívidas na lista de devedores da União, mantida pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), braço jurídico do Ministério da Fazenda.
A maior parte (R$ 18,2) é com a Previdência – pela PEC, este tipo de débito não será perdoado, mas poderá ser parcelado em 60 vezes por meio de um “Refis” exclusivo para os partidos. A legenda deve até mesmo FGTS de trabalhadores, que mensalmente são descontados dos salários dos empregados. A reportagem do Estadão procurou o PT por meio da assessoria de imprensa, mas não houve resposta.
Ao todo, os partidos brasileiros têm hoje pelo menos R$ 54,1 milhões em débitos na Dívida Ativa da União.
Aprovada em dois turnos pela Câmara dos Deputados na última quinta-feira (11), a PEC teve 338 votos favoráveis, 83 contrários e 4 abstenções no segundo turno. O texto atual é de autoria do relator na Câmara, Antônio Carlos Rodrigues (PL-SP), e determina a anulação de todas as dívidas dos partidos, com exceção dos débitos previdenciários.
Todas as demais dívidas atuais serão perdoadas, inclusive as decorrentes de multas da Justiça eleitoral e do não pagamento de taxas e impostos – de acordo com a Constituição, as legendas já têm imunidade tributária, a ser ampliada com a PEC. A proposta está agora no Senado e está prevista para ser votada em agosto.
Pelo texto atual da PEC, a União deverá criar um programa de recuperação fiscal (Refis) para os partidos. Neste caso, o PT seria beneficiado com o parcelamento de pelo menos R$ 18,2 milhões em dívidas previdenciárias com a União (outros R$ 2,4 milhões já foram renegociados pela sigla antes). O prazo para pagar é de cinco anos (60 meses). Multas e dívidas futuras dos partidos também poderão ser incluídas no Refis a qualquer tempo, com prazo de 15 anos (180 meses). Pela PEC, os partidos ficam isentos de juros e multas acumulados nestas dívidas, devendo pagar só o montante original acrescido de correção monetária.
No caso do PT, mais da metade da dívida previdenciária está vinculada ao Diretório Estadual da legenda no Rio Grande do Sul (R$ 9,7 milhões), seguida do Diretório Estadual de São Paulo (R$ 4,2 milhões). A legenda também está devendo atualmente pelo menos R$ 266 mil em contribuições atrasadas para o FGTS dos empregados. Após o PT, os maiores devedores são o União Brasil (R$ 5,2 milhões), o PSDB (R$ 5,1 milhões) e o MDB (R$ 4,5 milhões).
O valor total a ser perdoado aos partidos inclui também multas aplicadas pela Justiça Eleitoral e que não foram ainda incluídos na Dívida Ativa da União – ou seja, é bem maior que os R$ 54,1 milhões já inscritos. Segundo apurou o Estadão, a Justiça Eleitoral não possui hoje um cálculo de quanto seria o valor total a ser perdoado. A organização Transparência Partidária estimou em R$ 23 bilhões o montante das contas partidárias pendentes de julgamento pela Justiça Eleitoral entre 2018 e 2023, em valores corrigidos. Se aprovada, esta será a quarta anistia do tipo na história.
Segundo o relator da proposta na Câmara, o deputado Antônio Carlos (PL-SP), o “Refis” ainda pode ser modificado no Senado, para onde a proposta irá agora. Segundo o deputado paulista, o texto será relatado na Casa pelo ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre (União-AP). “É como um Refis normal de todas as dívidas”, disse ele. Questionado sobre o porquê de votar agora a PEC, o deputado disse que “qualquer hora é hora”. “Você tem que perguntar ao presidente Lira porque ele decidiu votar agora”, disse. Recentemente, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) disse que a PEC só será votada na Casa em agosto.
Além da anistia às dívidas, o texto também inscreve na Constituição a reserva de 30% dos recursos dos Fundos Eleitoral (FEFC) e Partidário para as candidaturas de pessoas pretas e pardas, a partir das eleições deste ano. Hoje, esta cota é determinada por uma resolução do TSE. A proposta também considera cumpridas as cotas de recursos para mulheres e candidatos negros nas eleições anteriores, desde que os partidos apliquem o valor “faltante” nas próximas quatro eleições, a partir de 2026.
“Devo, tento negar e agora nem pagar direito preciso. É praticamente isso que aprovaram com a PEC. Um verdadeiro programa de incentivo à inadimplência para instituições que já recebem bilhões e bilhões de dinheiro do cidadão brasileiro”, diz a deputada Adriana Ventura (Novo-SP), que votou contra a proposta. “Partidos políticos, enquanto entidades que almejam representar os cidadãos e contribuir com os rumos do País, deveriam ser os primeiros a dar bom exemplo – o que decididamente não ocorre”, diz.
“Sempre que a gente aprova alguma norma, é preciso apontar as fontes de recursos para viabilizá-la. No caso dessa ‘autoanistia’, ninguém se preocupou nem em calcular quanto ela custará; o que ela significará em termos de perda para o erário. É uma irresponsabilidade total”, diz o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), que também se opôs ao texto. “É uma manobra corporativista da mais estreita o possível. É uma anistia permanente. Os partidos já não prestam contas direito. Agora, teriam o aval da Constituição para fazerem o que quiserem. É um péssimo exemplo para a sociedade”, diz ele.
O advogado e coordenador acadêmico da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep) Renato Ribeiro de Almeida se diz contra a anistia das multas, mas afirma que a PEC também tem pontos positivos, principalmente por incluir na Constituição a reserva de recursos para mulheres e candidatos negros.
“Tem excessos, mas por outro lado há avanços (...). Na prática, nós não conseguigmos fazer cumprir a cota. Já com a inclusão na Constituição Federal será muito mais fácil acionar o Poder Judiciário e sustentar que se partido tal não cumpriu, mandatos serão cassados. Estará no texto constitucional, não vai mudar toda hora.”, diz Almeida, que pesquisou o financiamento dos partidos políticos no doutorado.
Em junho, a presidente do TSE, a ministra Cármen Lúcia, criticou a PEC durante um evento da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp). “Agora, estamos vendo uma anistia no Congresso contra as nossas decisões, votadas, inclusive por mulheres”. “A luta não é fácil, porque a cada dia há uma nova dificuldade. Agora, se dificuldade fosse um problema para mim, eu ainda estava no berço. Dito isso, continuamos”, disse ela.
As dívidas com a União não impedem que os partidos políticos continuem recebendo recursos públicos do Fundo Partidário ou do Fundo Eleitoral (FEFC), que serão de R$ 4,9 bilhões este ano. Em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os débitos dos diretórios municipais e estaduais dos partidos são de responsabilidade apenas deles mesmos, e não do comando nacional das legendas.
Impedir voto de venezuelanos no exterior é fraude eleitoral disfarçada
Por Editorial / O GLOBO
Comunidades venezuelanas no exterior não têm conseguido se inscrever para votar nas eleições marcadas para 28 de julho. Dos 21 milhões de eleitores venezuelanos, calcula-se que entre 3,5 milhões e 5 milhões vivam no exterior. Desses, apenas 69 mil estão registrados para votar, segundo noticiou o New York Times.
Em países com grandes comunidades venezuelanas, há dificuldade nos consulados e embaixadas para registrar eleitores. Em Madri, a fila costuma se estender pelo quarteirão. Uma cidadã que deixou a Venezuela em 2018 tentou por dois dias, durante oito horas, apenas para ouvir dos funcionários que não podiam mais continuar com os registros. Cidadãos acompanhados de crianças pequenas, deficientes, idosos chegam às 4 horas da manhã, cinco horas antes da abertura do expediente, mesmo assim não conseguem ser atendidos. Os casos se repetem em cidades da Argentina, do Chile e da Colômbia.
Há fortes indícios de que o regime venezuelano tem impedido os eleitores no exterior de exercer o direito ao voto por considerá-los majoritariamente de oposição. E essa é apenas a última manobra do ditador Nicolás Maduro para tentar se manter no poder. Com o controle da Justiça Eleitoral, ele inabilitou a candidatura da maior liderança oposicionista, María Corina Machado, favorita nas pesquisas, e de outros que tentaram substituí-la. No fim, foi registrada a do veterano político Edmundo González. Em entrevista ao GLOBO, María Corina pediu apenas que “os votos sejam contados” e, em caso de vitória da oposição, acenou a Maduro com a negociação de uma transição, “como está ocorrendo com muitos setores do chavismo que começam a se aproximar”.
María Corina considera importante que todos os presidentes latino-americanos atuem em prol de eleições livres, mas destaca o peso do brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, que tem comunicação direta com Maduro. Lula o recebeu na posse em Brasília com honras de chefe de Estado. Ainda o aconselhou publicamente a criar uma “narrativa” que levasse o mundo a considerar a Venezuela uma democracia.
Depois de afagos de Lula em Maduro — entre eles a declaração absurda de que a democracia é um “conceito relativo” —, o governo brasileiro só esboçou mudança de posição quando a candidatura de María Corina foi inabilitada em março. Uma nota do Itamaraty manifestou preocupação com a forma como Caracas tentava impedir a apresentação de candidaturas oposicionistas que pudessem ameaçar o chavismo.
No início do ano, Maduro deu sinais de distensão, recebidos de modo positivo — os Estados Unidos chegaram a suspender temporariamente o boicote ao petróleo venezuelano. Mas não demorou a ficar claro que tudo não passava de jogo de cena. A tentativa de impedir os venezuelanos no exterior de votar é apenas uma fraude eleitoral disfarçada. O regime chavista completa 25 anos cheio de fissuras, e o aceno de María Corina deveria ser levado a sério por Maduro. Infelizmente é difícil acreditar que isso acontecerá.
Sem cortar exceções, Brasil terá alíquota insuportável
Por Editorial / O GLOBO
O brasileiro sente diariamente o peso de uma das maiores cargas de impostos do mundo. É com isso em mente que os senadores têm de encarar a regulamentação da reforma tributária. A principal meta deve ser reduzir ao mínimo as exceções à alíquota-padrão total dos impostos sobre serviços e consumo, definindo mecanismos para garantir que ela não passe de 26,5%, patamar estipulado em votação na Câmara.
Os deputados estabeleceram o teto de forma genérica, sem especificar gatilhos para sua manutenção. No formato atual, o texto não garante que o limite será respeitado, abrindo a possibilidade de alíquota-padrão ainda maior — entre os países da OCDE, a média é 19,2%, e o único país com alíquota superior é a Hungria, com 27%. Ao GLOBO, o secretário de Reforma Tributária, Bernard Appy, afirmou que o governo enviará ao Senado sugestões de ajustes para manter os 26,5%.
A Emenda Constitucional da reforma tributária estabeleceu uma avaliação quinquenal dos setores agraciados com alíquotas reduzidas a partir de 2034. Pelo projeto aprovado na Câmara, a revisão foi antecipada para 2031. Além disso, os deputados estipularam o teto de 26,5%. Se em sete anos a projeção for superior, o governo precisaria apresentar um projeto para extinguir parte dos benefícios fiscais.
Como a aprovação desse projeto não é garantida, o Executivo estuda sugerir ao Senado que estabeleça desde já mecanismos para ajuste. Entre as possibilidades, estão a retirada de itens da cesta básica, de setores em regimes especiais ou a diminuição linear das isenções. “Com isso, você teria segurança de que a trava funcionará”, disse Appy. A medida teria a vantagem de deixar o Executivo calibrar as mudanças, evitando o desgaste de negociações que poderiam bloquear a agenda do Congresso.
Na opinião de advogados, porém, empresas que eventualmente perderem benesses podem contestar na Justiça a decisão. A Emenda Constitucional estabeleceu uma avaliação de custo-benefício para os setores agraciados com alíquotas reduzidas, sem menção à trava. Essa é outra questão que governo e Senado terão de examinar. Independentemente da alternativa escolhida para evitar a judicialização, os senadores precisam reduzir drasticamente as benesses distribuídas pela Câmara, do contrário a alíquota brasileira não terá paralelo no mundo.
O governo não tem estimativa fechada de quanto será, mas calcula que apenas a decisão de incluir carne na cesta básica com isenção acarreta aumento de 0,53 ponto percentual. Outras medidas tiveram efeito contrário, como incluir empresas de aposta no Imposto Seletivo, mais alto para coibir produtos e serviços nocivos. O certo é que, ao diminuir a lista de exceções, os senadores reduzirão o percentual que recairá sobre a maioria. Cada vez que um setor obtém alíquota reduzida, aquela paga pelos demais aumenta.
O Senado terá de ser firme e ágil. É preciso aprovar a regulamentação antes do final do ano. Appy lembra que há inúmeras questões técnicas envolvidas nas transformações: “Tem de editar o regulamento, tem de montar todo o sistema tecnológico de cobrança do imposto, e isso depende de lei complementar. A reforma precisa entrar em fase de teste em 2026”. O Brasil não tem tempo a perder para acabar com o atual manicômio tributário, motivo de atraso e vergonha.
PGR se equilibra na relação com STF e PF às vésperas de decisões que vão de Bolsonaro a ministro de Lula
Por Mariana Muniz — Brasília / O GLOBO
Enquanto tenta dissipar pressões e manter posicionamentos pessoais, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, reforçou nas últimas semanas o perfil cauteloso em investigações importantes, como as apurações que tratam da atuação do ex-presidente Jair Bolsonaro nos escândalos da “Abin paralela” e o suposto desvio de joias do acervo presidencial. Há pouco mais de seis meses à frente do cargo, Gonet mantém discordâncias com outros atores importantes da vida política em Brasília, seja nos casos que envolvam o governo passado, atos da Lava-Jato ou a atual gestão.
No primeiro semestre, Gonet se opôs a pedidos que chegaram da Polícia Federal ou a decisões de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele se prepara agora para se posicionar sobre acusações contra integrantes da oposição e um ministro do governo Lula, Juscelino Filho (Comunicações), suspeito de uso indevido de recursos públicos.
— Vou fazendo o que eu me convenço de que é o certo na hora que me convenço que é a devida — afirma Gonet ao GLOBO.
As expectativas envolvendo a atuação do PGR aumentam à medida em que a PF vai concluindo investigações sensíveis. No último dia 4, Bolsonaro foi indiciado no caso que apura o suposto esquema de negociação ilegal de joias dadas por delegações estrangeiras à Presidência da República. Na sequência, Moraes encaminhou o caso para parecer da PGR no prazo de 15 dias — mas que só passa a valer a partir de 1º de agosto, quando o Judiciário volta do recesso. Quando o relógio da Justiça voltar a correr, caberá a Gonet analisar os elementos que foram apresentados pela PF, que viu indícios dos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e associação criminosa por parte do ex-presidente no caso.
A interlocutores, o PGR tem dito que não terá pressa e não fará nada com “açodamentos”. No entorno do procurador-geral, os prazos de 15 dias para temas considerados sensíveis são vistos como difíceis de cumprir, tendo em vista a complexidade dos casos.
Em outro caso, o ex-presidente foi indiciado pela PF em março pelos crimes de associação criminosa e inserção de dados falsos em sistema de informações na apuração sobre falsificação de certificados de vacinas de Covid-19. Diante do que foi apresentado pelos investigadores, antes de decidir se denunciaria ou arquivaria o caso, Gonet pediu mais provas à PF — com o objetivo de fortalecer a acusação.
Em fevereiro, quando a PF deflagrou a operação que apura uma tentativa de articulação de golpe de Estado, Gonet foi contra a proibição imposta ao presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, de se comunicar com outros investigados, como Bolsonaro. Moraes, no entanto, expediu as ordens judiciais da mesma forma.
O procurador-geral também terá que dar a sua palavra no próximo semestre em um caso que pode atingir diretamente o governo Lula. Isso porque, em junho, a PF indiciou Juscelino Filho, que nega as acusações. Lula afirmou em entrevista que, caso seja denunciado, o ministro poderá ser afastado do cargo.
Eventual denúncia tem sido tratada com rigor dentro da PGR, onde há o mapeamento das consequências políticas da medida. O União Brasil, partido de Juscelino Filho, é o mesmo de Davi Alcolumbre, nome dado como praticamente certo para ser o próximo presidente do Senado Federal. Será na nova correlação de forças da Casa o momento em que Gonet poderá ser reconduzido ao cargo ou não.
Interlocutores da PGR afirmam, contudo, que mediante a constatação da evidência de ilícitos, a lei será cumprida.
Mudança no caso Moraes
Na semana passada, Gonet divergiu do que foi proposto pela PF e se manifestou contra a prisão preventiva de cinco investigados no escopo da apuração de uma trama golpista na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) —o que foi deixado de lado pelo ministro Alexandre de Moraes, que determinou, ainda assim, as prisões. Antes disso, o procurador-geral já havia, por exemplo, discordado das decisões do ministro Dias Toffoli que beneficiaram Odebrecht e J&F, e apresentou recursos bastante críticos às decisões. Entre os argumentos apresentados, Gonet afirmou que as liminares do ministro do STF que anularam outras decisões da Lava-Jato não poderiam ser estendidas.
Já na terça-feira, como informou a colunista Malu Gaspar, a decisão de denunciar ao STF os três passageiros que hostilizaram Moraes e a família dele no aeroporto de Roma, no ano passado, marcou uma mudança no caso. Na gestão de Gonet, o “aparente tapa” no filho de Moraes e a agressão verbal foram usados para fundamentar a denúncia contra a família.
Antes, a procuradora interina, Elizeta Ramos, chegou a pedir a íntegra das imagens à PF e descartou tomar a iniciativa de denunciar os investigados. Na denúncia de 11 páginas, Gonet tratou dos xingamentos e viu motivos para prosseguir com a acusação. O órgão informou que Gonet conferiu as imagens in loco no STF, no gabinete de Dias Toffoli, algo rechaçado pela gestão Elizeta, que insistia na obtenção da cópia integral.
Gestões passadas
Na busca por equilíbrio, enquanto dá o devido tempo para formar suas convicções, o procurador-geral tem dado prosseguimento a investigações. Foi o caso das denúncias envolvendo o assassinato de Marielle Franco, em que o deputado federal Chiquinho Brazão foi acusado formalmente como mandante do crime, e da denúncia contra a deputada federal Carla Zambelli, que passou a responder, no STF, pelos crimes de falsidade ideológica e invasão a sistemas da Justiça.
Interlocutores ligados a Gonet ponderam que suas ações precisam ser técnicas o suficiente para não abalar ainda mais a credibilidade do Ministério Público. Isso porque os quatro anos de Augusto Aras foram marcados pelas críticas de alinhamento e leniência com Bolsonaro, principalmente pela gestão da crise da Covid-19. Hoje, os integrantes da PGR também não querem ser colocados na mesma prateleira de Rodrigo Janot, conhecido pelas “flechadas” — ou seja, apresentação de denúncias muitas vezes frágeis e derrubadas pela Justiça.
Um dos receios da oposição é que a proximidade de Gonet com Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, alvos preferenciais do bolsonarismo, possa ser negativa para o futuro do ex-presidente em ações na Corte.
— Todos no STF reconhecem a qualidade técnica do PGR e avaliam que sua atuação tem sido muito boa. Ele se dedica à função, tem se dedicado a seus pareceres. Acho que foi uma escolha muito acertada. Gonet tem feito o que se espera da PGR, agindo com independência, tanto é que vemos discordâncias e concordâncias, como é esperado, já que o órgão não é um braço a serviço de nenhum poder — disse o ministro Gilmar Mendes.
O mais notório ponto de alinhamento entre PGR e STF tem se dado na condução das denúncias envolvendo os ataques golpistas de 8 de janeiro. Até agora, as acusações apresentadas pela PGR resultaram em 226 condenações.
Governo Lula quer frear a compra de imóveis usados pelo Minha Casa, Minha Vida
Ana Paula Branco / FOLHA DE SP
O governo Lula, por meio do Ministério das Cidades, discute limitar a compra de imóveis usados pela faixa 3 do Minha Casa, Minha Vida, que atende famílias com renda entre R$ 4.400 e R$ 8.000. O objetivo é permitir que o orçamento do FGTS (fundo de garantia) seja direcionado principalmente para a aquisição de imóveis na planta, em construção ou recém-construídos, que têm maior geração de empregos.
Em reunião do conselho Curador do FGTS desta terça-feira (16), o secretário-executivo do Ministério das Cidades, Helder Melillo, afirmou que é preciso "tomar medidas para que a execução dos imóveis usados caia de maneira significativa" para privilegiar a contratação de financiamentos dos imóveis novos.
O ministério, disse Melillo, formulou uma instrução normativa e pretende apresentar as novas medidas em 6 de agosto, quando ocorre a próxima reunião do conselho curador.
"Num cenário em que a gente tem que fazer uma escolha, a escolha é óbvia, a gente vai ter que arrefecer essa contratação para que a gente possa manter a contratação dos imóveis novos em nível alto, sem restrições, que é o nosso objetivo", afirmou Melillo.
Na reunião, a CNI (Confederação Nacional da Indústria) e a CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) apresentaram voto para que sejam tomadas ações para frear as contratações de usados no faixa 3, como ocorreu em abril com a linha pró-cotista. Melillo afirmou que o ministério das Cidades considera que a resolução será mais rápida por meio da instrução normativa.
Elson Póvoa, representante da CNI no conselho, defendeu a necessidade da proposta para que o FGTS tenha "um colchão" para arcar com seus compromissos no atual contexto de demanda crescente por financiamento e a nova regra de rentabilidade na conta do fundo de garantia dos trabalhadores, que prevê correção por, no mínimo, o IPCA.
A carteira de habitação representa 91,4% de todos os investimentos realizados na carteira de operação de crédito do FGTS.
Com o objetivo de alcançar uma contratação recorde no FGTS neste ano (550 mil unidades habitacionais), o ministério estabeleceu novas regras para realocar recursos do fundo no final de abril deste ano, direcionando mais verbas para os financiamentos de famílias com renda de até R$ 4.400, que se enquadram na faixa 2 do programa habitacional.
A medida focou em facilitar a compra de imóveis usados por essa faixa de renda, que tem menor oferta de imóveis novos e de subsídios, e garantir a sustentabilidade do Fundo de Garantia para a construção de novas unidades.
As entidades não sugeriram um percentual para o limite de contratação de usados na faixa 3, na qual se concentram os imóveis novos e a demanda pelo freio. O pedido foi para que sejam estabelecidas diretrizes que tragam transparência para a sociedade sobre a capacidade de aplicação anual dos recursos do FGTS.
"Vamos votar a suplementação [em 6 de agosto]. Mas, se continuar desta forma, na próxima reunião, nós já temos que marcar outra reunião para suplementação, porque vai ser insuficiente para bancar os imóveis novos que vêm ser colocados aqui, lá para outubro, novembro. Isso é preocupante", disse Póvoa.
Segundo ele, a média de 2014 até 2022 do percentual de aplicação do fundo nos imóveis usados ficou na faixa de 12%. Mas, em 2023, subiu para 29% e, em 2024, para 32%.
"Nós não podemos deixar o usado desenfreado e prejudicar o financiamento dos novos. Senão nós vamos ter um problema muito sério agora no final do ano, que é exatamente o financiamento dos novos", disse.
Melillo afirmou que o Ministério das Cidades tem o mesmo diagnóstico. No ano passado, o ministério aumentou de 12% para 30% a porcentagem de recursos do fundo destinada ao financiamento de imóveis usados. O resultado foi um total de 119,7 mil imóveis usados financiados, cerca de 27% do total de unidades.
No início deste ano, os usados representavam 42% da carteira do faixa 3, após uma primeira medida implementada pelo Ministério das Cidades, passou a representar 34%. "Essa redução foi importante, mas foi pequena e, agora, a gente vai fazer uma instrução normativa bem arrojada. Assim, a gente vai ter que realmente tomar medidas para que a execução dos imóveis usados caia de maneira significativa."