O que economistas têm a dizer sobre a democracia e a riqueza de países?
O Prêmio Nobel de Economia de 2024, concedido a Daron Acemoglu, Simon Johnson e James Robinson, coroa décadas de pesquisas voltadas a compreender como instituições criadas durante a colonização moldaram a trajetória da democracia e do desenvolvimento econômico dos países, contribuição fundamental para responder por que algumas nações prosperam e outras fracassam, uma das questões mais primordiais da disciplina.
Em 2003, eu cursava o segundo ano de doutorado na Universidade da Califórnia em Berkeley. Tinha ido para lá decidido em me especializar na área de desenvolvimento econômico e esperava aprender os modelos matemáticos de fronteira que explicavam por que alguns países se desenvolviam e outros não.
A primeira disciplina de desenvolvimento econômico focava as falhas de mercados de países pobres, a chamada microeconomia do desenvolvimento. O livro "Development Microeconomics", de Pranab Bardhan e Christopher Udry, tinha acabado de sair, e o campo passava por um ressurgimento, com mais ênfase na microeconomia e em trabalhos empíricos.
Cheguei na segunda disciplina com a expectativa de estudar modelos de crescimento econômico e temas como educação, saúde e capital social. Logo na primeira aula, no entanto, percebi que aquele curso seria diferente. O professor não era do departamento de economia, mas de ciência política.
Em vez de enfatizar os trabalhos acadêmicos que iríamos ler, ele buscou nos convencer que, para ter boas ideias, teríamos que ler livros, algo que os economistas, infelizmente, não fazem no doutorado. A primeira leitura seria "Markets and States in Tropical Africa", livro do cientista político Robert Bates.
Depois de distribuir a ementa, James Robinson foi para o quadro e começou a ensinar o modelo de crescimento de Solow, algo padrão naquela época, mas emendou um modelo matemático de economia e política para tentar apresentar as causas e as consequências econômicas do apartheid na África do Sul. Seu argumento era que a desigualdade que surgiu depois da colonização gerou a repressão e a exclusão de parte da população pela elite branca. Isso tinha desdobramentos não só políticos quanto econômicos.
Para mim e para grande parte do campo da economia nas universidades de ponta dos EUA, aquilo era uma novidade. No começo dos anos 2000, poucos economistas olhavam para a política usando modelos matemáticos. A exceção era um grupo de macroeconomistas, como Alberto Alesina, Torsten Persson e Guido Tabellini, que usava modelos políticos para entender déficits fiscais, ciclos políticos e decisões de estabilização.
Economia política não era lecionada em quase nenhum programa de doutorado de ponta e, no campo do desenvolvimento econômico, aspectos políticos não estavam na agenda, exceto por textos mais descritivos, como um trabalho de Albert Hirschman dos anos 1970.
O Prêmio Nobel de Economia deste ano foi concedido a Daron Acemoglu, Simon Johnson e James Robinson, que lançaram luz sobre uma das questões mais fundamentais em economia: por que algumas nações prosperam enquanto outras fracassam? Diferentemente da literatura anterior, que se concentrava nos fatores de crescimento, a contribuição dos três pesquisadores foi trazer quantitativamente aspectos políticos para a análise dos economistas.
Seus trabalhos mostraram que é impossível entender o desenvolvimento econômico dos países sem levar a sério aspectos políticos. O prêmio coroa décadas de pesquisa e celebra duas agendas complementares: uma empírica, que busca compreender as raízes institucionais do crescimento, e outra teórica, voltada a modelos matemáticos que explicam a persistência de instituições ineficientes e as causas econômicas de transições de regimes políticos.
Durante décadas, economistas tentaram explicar as desigualdades de renda entre países. Nos anos 1950, Robert Solow, Nobel de 1987, desenvolveu um modelo que atribuía essas disparidades à acumulação de capital e aocrescimento populacional dos países. Nações que poupam mais e cujapopulação cresce mais devagar terão renda per capita mais alta a longo prazo.
Uma predição empírica desse modelo: países mais pobres deveriam crescer mais rapidamente, convergindo para o nível de renda dos países ricos, algo que raramente se observou na prática. Em 1997, Lant Pritchett publicou um artigo em que argumentava que a convergência de renda só ocorreu entre os países ricos no século 20. Já os países de baixa renda, com poucas exceções, permaneciam presos em uma armadilha de pobreza.
Como explicar o fato de países ricos continuarem a crescer mais rapidamente que muitos países em desenvolvimento? No final dos anos 1980, economistas como Philippe Aghion, Robert Lucas e Paul Romer começaram a destacar o papel do capital humano e do investimento em inovação como fatores centrais para o crescimento econômico.
Eles mostraram que os países que investiram cedo na educação e direcionaram recursos para pesquisa e desenvolvimento cresceram mais rapidamente na segunda metade do século 20. Estudos empíricos que incluíam educação e ciência se provaram mais eficazes em explicar as diferenças de renda entre os países que modelos que consideravam apenas o capital físico.
Os economistas continuavam, porém, sem entender sistematicamente o que levou alguns países a investir em educação ou inovação tecnológica e outros não. Aspectos políticos não faziam parte da modelagem utilizada pela maioria dos economistas neoclássicos, mesmo que historiadores econômicos como Douglas North e Robert Thomas já tivessem enfatizado, nos anos 1970, a importância das instituições.
Esses autores argumentaram que as regras do jogo que regulam as interações entre pessoas, empresas e governos eram fundamentais para entender a trajetória econômica dos países. Em seus trabalhos, sugeriram que países que protegiam direitos de propriedade, por exemplo, geraram mais inovação e incentivos para o empreendedorismo e que isso acontecia quando instituições políticas restringiam o poder dos líderes.
A tese de que instituições e políticas governamentais eram importantes foi testada por Robert Hall e Charles Jones. Em 1999, eles publicaram um trabalho muito influente que mostrava que diferenças de acumulação de capital e produtividade estavam relacionadas com o que eles chamaram à época de infraestrutura social dos países —instituições e políticas governamentais que determinam o ambiente econômico em que indivíduos acumulam habilidades e firmas acumulam capital e inovam.
Os autores usaram dados de consultorias de risco político e mediram índices de lei e ordem, qualidade burocrática, corrupção e risco de confisco e expropriação. Permanecia, no entanto, a pergunta: por que alguns países tinham infraestrutura social melhor?
Nessa mesma época, o proeminente economista Jeffrey Sachs argumentava que o principal problema dos países pobres era sua geografia. Países localizados nos trópicos têm clima menos propício à agricultura e grande propensão a doenças em razão de suas florestas cheias de mosquitos e malária. Tudo isso contribuiria negativamente para o crescimento econômico e geraria diferenças de longo prazo.
Foi depois de uma palestra de Jeffrey Sachs no final dos anos 1990 que James Robinson começou a pensar no papel histórico da geografia no desenvolvimento econômico dos países. Se a geografia é tão determinista, como países que foram ricos no passado em razão da sua geografia são pobres hoje?
Ao lado de Daron Acemoglu e Simon Johnson, Robinson se debruçou sobre dados históricos. No começo dos anos 2000, os pesquisadores publicaram dois artigos seminais que contestavam a importância direta da geografia como o principal determinante da riqueza das nações. O argumento de Acemoglu, Johnson e Robinson reconhecia que a geografia importava, mas não devido à qualidade do solo ou à proliferação de doenças, como argumentava Jeffrey Sachs, mas pelo efeito que teve sobre a colonização.
Em um trabalho, eles argumentaram que, onde havia recursos abundantes e a colonização era difícil devido à alta mortalidade, os colonizadores estabeleceram uma sociedade que tinha como objetivo extrair riquezas e, em locais mais propícios à sobrevivência, criaram instituições mais inclusivas que facilitavam a sua permanência.
Testar empiricamente a relação entre boas instituições e desenvolvimento econômico não era fácil. O que era causa e o que era consequência? Boas instituições poderiam ter facilitado o acúmulo de riqueza, mas o contrário também poderia ter acontecido. Como saber o que veio primeiro?
Acemoglu, Johnson e Robinson usaram o que economistas chamam de experimento natural. Essas técnicas se disseminaram na economia no final da década de 1980 e no início dos anos 1990 como forma de avaliar o impacto de políticas sociais. A ideia básica é selecionar lugares parecidos, onde uma política foi adotada em só parte deles, e comparar o que aconteceu com cada um deles ao longo do tempo. Até então, essas metodologias não eram usadas para avaliar eventos históricos —eram utilizadas para avaliar programas educacionais ou de mercado de trabalho.
Os três pesquisadores compararam países com diferentes processos de colonização e mostraram que, naqueles onde a mortalidade foi maior no período colonial, existem hoje instituições piores e, na média, os países são mais pobres. O argumento central é que, onde a mortalidade era mais alta, foram estabelecidas instituições extrativistas, sem Estado de Direito e com direitos de propriedade fracos, e que essas instituições persistiram até hoje.
Se as instituições impostas na colonização foram realmente importantes, civilizações que eram prósperas antes de se tornarem colônias devem ser hoje mais pobres como consequência da imposição de instituições extrativistas. Esse argumento já havia sido defendido por outros cientistas sociais, como os historiadores Stanley Engerman e Kenneth Sokoloff em um trabalho sobre a reversão da riqueza nas Américas. Eles notaram que grandes proprietários fundiários e instituições extrativistas (trabalho escravo) foram favorecidos em locais onde a produção agrícola demandava grandes extensões de terra. Isso gerou desigualdade e concentrou o poder político em uma pequena elite.
Faltava, contudo, uma metodologia capaz de quantificar esses efeitos. Em um trabalho, Acemoglu, Johnson e Robinson compararam a renda per capita dos países no final do século 20 com as taxas de urbanização e densidade populacional por volta de 1500, quando os europeus começaram a colonização. Os pesquisadores descobriram que países relativamente ricos em 1500 são hoje relativamente pobres, o que sugere que a geografia não pode ser um fator determinante no crescimento das nações.
A pesquisa dos vencedores do Nobel impulsionou uma enorme literatura. Diversos pesquisadores chamaram a atenção para problemas com os dados históricos e o tratamento do processo de colonização como experimento natural. A principal crítica veio dos economistas Edward Glaeser, Rafael La Porta, Florencio López de Silanes e Andrei Shleifer, que argumentaram que os colonizadores também trouxeram capital humano, o que pode ter gerado investimentos em educação que explicariam o desenvolvimento a longo prazo.
Uma forma de testar se instituições afetam a prosperidade a longo prazo é focar um país e analisar a variação entre regiões que tiveram experiências históricas distintas.
Melissa Dell, orientada por Daron Acemoglu no MIT, analisou, em um trabalho publicado em 2010, os efeitos de longo prazo da mita, instituição de trabalho forçado em que espanhóis obrigavam aldeias indígenas a ceder parte da sua população para a mineração de prata. Dell demonstrou que locais onde a mita existiu são mais pobres até hoje.
Sara Lowes e Eduardo Montero, alunos de James Robinson em Harvard, estudaram a extração de borracha no Congo belga. Eles mostraram que locais onde houve concessões para essa atividade são hoje mais pobres, têm índices de escolaridade menores e indicadores de saúde piores.
Em relação ao Brasil, Joana Naritomi, Rodrigo Soares e Juliano Assunção publicaram um trabalho em 2012 que mostrou que locais que fizeram parte do boom de cana-de-açúcar ou do ouro no período colonial têm pior governança e pior provisão de bens públicos.
A contribuição acadêmica de Acemoglu e Robinson não se reduz a demonstrar que instituições têm um efeito causal na prosperidade dos países. Eles construíram modelos matemáticos para explicar por que instituições políticas são fundamentais para o processo de consolidação democrática e desenvolvimento econômico. Em países onde o poder político é distribuído mais igualitariamente, políticas públicas e escolhas de instituições econômicas geram mais prosperidade.
Essas ideias contrastam radicalmente com a forma como a maioria dos economistas modelavam o desenvolvimento econômico até os anos 1990, ignorando totalmente aspectos políticos.
Usar modelos em que a adoção de inovações tecnológicas dependem da aprovação do governo é uma forma de pensar a relação entre elites políticas e desenvolvimento econômico. Podemos imaginar uma sociedade agrícola em que a elite mantém seu poder político controlando os trabalhadores rurais. A modernização por meio da industrialização não só muda a atividade econômica predominante, mas leva à perda da capacidade da elite de controlar os trabalhadores. Em um caso como esse, a elite poderia frear a industrialização e atrasar a adoção de tecnologias modernas pelo país por temor de perda de poder político.
Durante os anos 2000, Acemoglu e Robinson publicaram uma série de trabalhos na área de economia política buscando responder por que países não adotam instituições que maximizam o bem-estar da sua população. Como instituições ineficientes são sustentadas ao longo do tempo? Em que contextos acontecem transições de regimes autoritários para regimes democráticos?
Os autores usaram modelos matemáticos para construir uma teoria geral do processo de democratização, consolidação democrática e reversão autoritária por meio de golpes de Estado. Suas teorias, resumidas no livro "Economic Origins of Dictatorship and Democracy", de 2005, partem de duas premissas. Primeiro, que o povo —mesmo em sistemas autocráticos, em que não tem poder político— pode fazer uma revolução e tirar os ricos do poder. Segundo, que a elite, para evitar que isso aconteça, pode reprimir o povo usando violência ou redistribuir recursos.
Eles mostram que, para satisfazer as demandas da população mais pobre e prevenir uma revolução, a elite precisa fazer concessões, mas que essas concessões podem não ser críveis, já que as condições econômicas podem mudar ao longo do tempo. Mesmo que a elite promova uma redistribuição de renda no presente, a probabilidade de uma revolução pode ser baixa no futuro e a elite decida redistribuir menos.
A questão do compromisso crível é central nos modelos de Acemoglu e Robinson. A democratização, em seus modelos, surge como uma forma de tornar crível a promessa de redistribuição futura. Quando a população mais pobre adquire o direito ao voto, as políticas implementadas tendem a refletir os interesses do cidadão mediano em vez de atender exclusivamente aos desejos da elite. Portanto, a democratização é vista como uma concessão estratégica por parte da elite para evitar uma revolução.
Em modelos posteriores, os pesquisadores ultrapassaram a dicotomia entre ditadura e democracia e se perguntaram por que vemos transições democráticas sem a esperada redistribuição para a população mais pobre. Para explicar esses fenômenos, eles construíram um modelo que distingue as instituições entre regras "de jure" e "de facto".
Uma coisa é que o que está escrito na Constituição, outra é o que realmente acontece na vida real. Mesmo que um país permita que seus indivíduos mais pobres passem a votar, a elite ainda pode recorrer à compra de votos, à violência ou mesmo a regras eleitorais que façam com que o voto dos mais pobres valha menos.
Um exemplo desse modelo foi testado empiricamente por Thomas Fujiwara, que estudou a introdução do voto eletrônico no Brasil em 1996. O economista brasileiro mostrou que, apesar de indivíduos analfabetos terem o direito de votar desde 1985, grande parte dos seus votos eram anulados. A introdução do voto eletrônico mudou essa situação, garantiu mais representatividade "de facto" e mudou as políticas implementadas pelos políticos eleitos.
Os modelos de Acemoglu e Robinson nos ajudam a entender uma variedade de fatores que facilitam ou dificultam a consolidação democrática, como o nível de organização da sociedade civil, a desigualdade entre ricos e pobres e o impacto de crises econômicas. Ao incorporar a dinâmica política nas análises, seus estudos não apenas explicam por que algumas nações fracassam, mas oferecem dicas valiosas sobre como promover o crescimento econômico sustentável e inclusivo.
Em um momento em que a democracia enfrenta desafios globais, focar as instituições políticas é uma contribuição essencial e oportuna.
Meta climática brasileira é avanço, mas falta clareza sobre como atingi-la
Por Editorial / O GLOBO
Firmado na 21ª Conferência do Clima (COP21) da ONU, realizada na França em 2015, o Acordo de Paris estabeleceu o compromisso de manter o aquecimento global em patamares razoáveis até o final deste século. O alvo passou a ser uma alta inferior a 2 °C na comparação com a temperatura antes da Revolução Industrial, idealmente de 1,5 °C. Para buscar esse objetivo, os signatários passaram a ter a obrigação de anunciar metas voluntárias para reduzir as emissões dos gases do efeito estufa. Periodicamente, elas são atualizadas.
Na quarta-feira, o vice-presidente Geraldo Alckmin apresentou os novos compromissos brasileiros durante a COP29 em Baku, no Azerbaijão. Mais ambicioso que o anterior, o objetivo é reduzir as emissões líquidas entre 59% e 67% até 2035, tendo como base o ano de 2005. O prazo final para a atualização é fevereiro, mas, tendo em vista que a COP30 será realizada em Belém daqui a um ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu se antecipar.
O documento relembra as tragédias climáticas que têm assolado o Brasil. “O país sofreu com secas na Amazônia e chuvas extremas em suas cidades, incluindo as enchentes que abateram o Rio Grande do Sul e sua capital, Porto Alegre. Nossa natureza foi castigada por incêndios florestais, que atingiram os biomas Amazônia, Cerrado e Pantanal”, afirma. Em termos de clareza sobre como atingir as metas, porém, o texto deixa a desejar.
Os planos do governo precisam ser detalhados para que se chegue a juízo adequado a respeito. Na apresentação, o governo não perdeu a oportunidade de chamar a atenção para a queda no desmatamento da Amazônia (30,6%) e do Cerrado (25,7%) entre agosto de 2023 e julho deste ano.
Embora positiva, essa conquista é insuficiente para cumprir o objetivo apresentado. O país precisa zerar o desmatamento. Deve também reduzir lixões, combater as emissões de metano do gado e avançar mais rapidamente na transição para energia limpa.
O ponto mais obscuro nos planos brasileiros é a exploração de combustíveis fósseis. Até o final da década, o Brasil deverá se tornar o quinto maior produtor mundial de petróleo, e a Petrobras a terceira maior empresa do setor. Em poucos anos, porém, a produção do pré-sal chegará ao pico. Até o momento, não existe acordo sobre o que fazer com novas reservas, como a Margem Equatorial, região próxima à foz do rio Amazonas, ou a Bacia de Pelotas. A exploração do petróleo amazônico divide a própria base do governo.
O governo precisa decidir logo o que fazer a respeito, para esclarecer até que ponto o cumprimento dos compromissos apresentados em Baku poderá ser afetado. Ainda que a chegada de Donald Trump ao poder nos Estados Unidos traga retrocesso à agenda ambiental global e possa retardar o ritmo da transição energética, o Brasil deve ambicionar o papel de protagonista das negociações em prol do meio ambiente. Demonstrar clareza e transparência nas decisões é o primeiro passo para exercê-lo.
Governo vê atentado a bomba no STF como conspiração e ignora os fatos sobre o que ocorreu na capital
Por J.R. Guzzo / O ESTADÃO DE SP
Há uma porção de fatos objetivos quando se olha de forma racional para o que aconteceu nas explosões ocorridas na Praça dos Três Poderes dias atrás. Que tal, então, começar por eles? Um chaveiro do interior de Santa Catarina foi a Brasília com a intenção de detonar um ou mais artefatos explosivos dentro do STF. Foi barrado na portaria e aí voltou para a praça, onde se suicidou explodindo em cima de si mesmo as bombas que levava amarradas no corpo.
Mensagens deixadas por Francisco Luiz comprovam que estava com problemas mentais. Ao levantar cada passo dos seus últimos movimentos em Brasília, a polícia verificou que ele não teve contato com ninguém em posição de autoridade, ou ligado à militância política, ou com qualquer grau de influência. Estava hospedado numa pensão de Ceilândia, usou o próprio carro para se deslocar em Brasília e não tinha treinamento em explosivos – ou se tinha não aprendeu nada, tanto que só conseguiu matar a si próprio.
Não se conhece casos de terroristas que tenham tentado matar ministros pedindo um crachá de entrada na portaria do edifício onde eles dão expediente. Em nenhum momento, nas ações finais de Luiz, alguém esteve concretamente sob o risco de ser morto pelos seus explosivos – a não ser ele mesmo. Não tinha nenhuma importância como militante político. O máximo a que chegou foi uma candidatura para vereador numa cidade do interior de Santa Catarina, pelo PL, na eleição de 2020. Teve 98 votos.
O exame desses fatos, porém, foi o que menos interessou à Polícia Federal, ao STF e ao restante da máquina estatal de investigações criminais até agora. Em vez de serem a base da apuração a ser feita, foram expostos nos primeiros momentos e imediatamente substituídos por teorias, suposições e conclusões definitivas por parte das autoridades do governo. Ou seja: o que interessa não é saber o que aconteceu, mas sim chegar à conclusão que querem. Trabalham com “todos os cenários”, como dizem, menos um – o de que Luiz tenha sido apenas o Luiz de carne e osso descrito acima.
Todo o interesse das autoridades, desde o primeiro minuto, foi dizer que o terrorista-suicida não agiu sozinho, e que não ocorreu um “ato isolado”. Com quem ele agiu, então? Se fez parte de uma conspiração, como diz o governo, é impossível que não tenha aparecido nenhum nome, nenhuma ligação e nenhuma pista. O STF, por sua vez, já decidiu que o chaveiro-bomba é “um prosseguimento dos atos golpistas de 8 de janeiro”; colocou o seu caso no mesmo inquérito, que lida com fatos ocorridos dois anos atrás. Mais que tudo, por causa de Luiz, a anistia foi declarada “impossível”. Fica tudo resolvido, então. Só que nada se resolveu.
Jornalista escreve semanalmente sobre o cenário político e econômico do País
Expectativa versus realidade
Por Notas & Informações / O ESTADÁO DE SP
Pela primeira vez na presidência do G-20, fórum de cooperação internacional que engloba as 19 principais economias do mundo e dois blocos regionais (União Europeia e União Africana), o Brasil defende uma agenda da qual, pelo menos no papel, é difícil discordar: reforma da governança global, combate à fome e à pobreza e a promoção do desenvolvimento sustentável.
Embora a realidade de cada um dos membros do G-20 seja bastante díspar, os objetivos traçados pelo Brasil são relevantes para todos eles, tanto os de renda média, como é o caso do Brasil, quanto os mais ricos e também os mais pobres. Ainda assim, mesmo antes da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, a agenda brasileira enfrentava desafios, mais notadamente os representados pelas duas grandes guerras em andamento (Rússia x Ucrânia e Israel x Hamas) e por certa descrença no multilateralismo.
O retorno à Casa Branca de um fortalecido Trump, agora com maioria no Senado, maioria na Câmara e uma Suprema Corte francamente conservadora, faz com que a descrença no multilateralismo se torne desprezo. A vitoriosa plataforma eleitoral de Trump é o exato oposto da agenda brasileira à frente do fórum: isolacionismo, relaxamento das regras ambientais e foco no indivíduo, não no coletivo. A vitória do republicano poucos dias antes da Cúpula de Líderes do G-20, nos dias 18 e 19 de novembro, provocou um desalinhamento de expectativas para o encontro de alguns dos principais chefes de Estado do mundo.
A segunda eleição de Trump, inegavelmente, estará no centro das atenções das autoridades internacionais reunidas no Brasil, ainda que oficialmente a cúpula siga os ritos preestabelecidos que esses eventos costumam ter. Neste contexto, é simbólico que Joe Biden, com quem o Brasil perdeu a oportunidade de forjar uma relação mais próxima nos dois anos em que o mandato do democrata coincidiu com o de Lula da Silva, tenha confirmado presença no G-20 apenas depois da derrota de Kamala Harris nas urnas.
A presença dele, agora, é muito mais indicativa de que há no mundo líderes de trajetória democrática alinhados às propostas de defesa do meio ambiente e combate à pobreza do Brasil do que endosso americano às proposições brasileiras. Este, se existe, está com os dias contados. A vinda tardia de Biden ao Brasil serve mais como recado de que, apesar das promessas de Trump e do que prometem ser quatro anos difíceis para o multilateralismo, o comércio global e o meio ambiente, haverá resistência.
Curiosamente, quem mais pode fortalecer o que o Brasil almeja nesta presidência do G-20, mas talvez não consiga ver consagrado durante o seu período de liderança, é o próprio Trump. Se realmente isolar os Estados Unidos do mundo, o republicano obrigará outras nações, especialmente aquelas com as quais ele forçar atritos, a buscarem cooperação.
Se realmente embarcar em uma guerra comercial contra a China, abalando a economia e as finanças globais, Trump estará, involuntariamente, oferecendo um motivo para que os países fortaleçam a governança global e fóruns como o G-20, que surgiu exatamente como resposta à crise financeira de 2008.
A alquimia de Lula
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
Em recente entrevista à CNN internacional, na qual foi convidado a falar sobre 2026, o presidente Lula da Silva se disse pronto para tentar a reeleição e “enfrentar uma pessoa de extrema direita negacionista”, caso não haja outro nome da esquerda apto à tarefa.
Com a habitual característica de reunir, numa mesma declaração, disparates aparentemente contraditórios, o demiurgo afirmou que espera não ser necessário levar adiante sua candidatura e pregou a possibilidade de promover uma “grande renovação política no País e no mundo”, malgrado não ter hesitado em deixar evidente que só ele, hoje, é capaz de evitar o que considera o mal inconcebível – o triunfo da extrema direita.
O petista ainda incorporou um novo ingrediente à sua fala pendular entre a falsa modéstia e a real imodéstia: um candidato mais jovem não vai “resolver os problemas”, disse ele, que terá 81 anos em 2026 e encerrará um eventual quarto mandato com nada modestos 85 anos. Se problemas existem, eles estão escancarados na entrevista de Lula. Não se lhe questiona a liberdade de decidir o que deseja fazer daqui a dois anos para enfrentar o que quer que seja. Mas, com sua declaração, ele afronta a inteligência alheia.
Em primeiro lugar, na cosmologia da política, afirmar que não pensa em se reeleger é o maior sinal de que já opera em modo reeleição. Segundo, até os mais inexperientes auxiliares que dão expediente no Palácio do Planalto sabem que Lula não pensa em outra coisa senão no próprio poder – dele e do PT, necessariamente nesta ordem – e que nunca fez um real esforço para promover a “grande renovação política” que anuncia.
Sem vida partidária pregressa, Dilma Rousseff nunca passou de uma criação sua, sacada em 2010 sob conveniência para que Lula retornasse ao Palácio do Planalto quatro anos depois. Não conseguiu, porque Dilma não quis deixar a cadeira ao fim do primeiro mandato. Em 2018, preso pela Lava Jato, Lula recorreu a outro herdeiro, o hoje ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Atualmente, ninguém no PT é capaz de apostar uma viagem a Cuba para cravar um sucessor natural do presidente. Para Lula, renovação só é digna do nome quando surge umbilicalmente ligada ao líder supremo.
Fato é que Lula não somente já pensa na reeleição, como trabalha diariamente mirando a próxima disputa presidencial. Não são poucos os analistas que avaliam que ele só sairá do páreo se seu governo estiver nas cordas. Como escreveu a repórter Vera Rosa, neste jornal, o “modo disputa 2026″ incluirá campanha publicitária, viagens de ministros para entregar obras e ações de enfrentamento à oposição nas redes sociais.
E é na oposição que está o terceiro problema exposto na entrevista. Lula “admite” o esforço de reeleger-se, ora vejam, para salvar o Brasil e os brasileiros da “extrema direita negacionista”. É como se o extremismo, que no Brasil atende pelo reacionarismo do bolsonarismo dito “raiz”, representasse a única força eleitoralmente viável da oposição.
Não mais representa, como se viu no equilíbrio político e partidário deixado pelas últimas eleições municipais. Embora sejam disputas de natureza distinta, ficou evidente uma inclinação do eleitorado por partidos e lideranças de centro-direita em detrimento de radicais, que correm o risco de ser substituídos ou ver reduzida sua musculatura eleitoral.
O espólio de Jair Bolsonaro, sublinhe-se, já é disputado a tapa, e é por isso que o ex-presidente tem tentado dar prova de vida quase diariamente. Mas Lula deixa evidente que é o bolsonarismo o alimento que lhe garantirá sobrevida eleitoral em 2026, razão pela qual recorre ao suposto mal eterno, representado pelo extremismo de direita, para justificar sua reeleição.
Eis a contradição explícita: Lula diz que não pensa em se reeleger e que só o fará se não houver outro nome capaz de enfrentar a extrema direita e, como pouco se move para encontrar tal nome, fica definido desde já que será ele o provável candidato de si mesmo. Uma alquimia retórica que revela Lula em estado bruto.
Calote avança no Brasil mesmo com desemprego em queda e renda em alta; o que explica esse cenário?
Por Márcia De Chiara / O ESTADÃO DE SP
Mesmo com o desemprego em baixa e renda em alta, mais brasileiros não estão conseguindo pagar as contas em dia. Em outubro, pelo segundo mês seguido, o número de inadimplentes cresceu. Havia no País 73,1 milhões de pessoas que não quitaram seus compromissos. Essa é a segundmaior marca de inadimplentes da série histórica iniciada em 2016. Só perde para o pico registrado em abril deste ano, que atingiu 73,4 milhões, apontam dados da Serasa, empresa especializada em informações financeiras, obtidos com exclusividade pelo Estadão.
O aumento da taxa básica de juros a partir de setembro deste ano, a escalada da inflação de alimentos, puxada pela carne bovina nos últimos meses, e o redirecionamento do consumo das famílias de produtos para serviços (entre eles os jogos eletrônicos, as bets) são fatores que têm corroído o orçamento das famílias e dificultado o pagamento dos débitos no prazo, segundo economistas.
“Independente do indicador utilizado, sejam dívidas em atraso, seja a capacidade de pagamento, houve uma tendência de alta da inadimplência no curto prazo”, afirma o economista da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Fabio Bentes. A piora do calote, por exemplo, diz ele, aparece em vários indicadores da CNC. Em fevereiro deste ano, 28,1% das famílias estavam com contas em atraso e esse índice subiu para 29,3% em outubro. Também a fatia das famílias que não conseguirão pagar as dívidas vencidas subiu no curto prazo: era 11,9% em julho deste ano e aumentou para 12,6% no mês passado.
Além disso, o porcentual de famílias com dívidas pendentes há mais de 90 dias avançou em outubro ante setembro e atingiu mais da metade (50,4%) do total de endividados. Foi o maior resultado desde fevereiro de 2018, aponta a CNC.
Cartão parcelado é vilão
Dados do Banco Central (BC) reforçam a virada a partir do segundo semestre deste ano da inadimplência dos créditos com recursos livres e vencidos acima de 90 dias. Em junho, esse indicador de inadimplência estava era 5,48% dos créditos a receber e encerrou setembro – último dado disponível – em 5,62%.
O vilão do calote foi o cartão de crédito parcelado, cuja inadimplência acima de 90 dias atingiu 11,89% em setembro, segundo dados do BC. É a maior taxa desde o início da série em março de 2011. “As famílias estão penduradas no crédito mais fácil, no cartão parcelado, onde o critério (de concessão) é frouxo”, observa o economista. Luiz Rabi, economista da Serasa, compara a situação atual da inadimplência a um paciente internado numa Unidade de Terapia Intensiva (UTI). “É um caso grave, preocupante, mas administrável”, avalia.
Em quase três anos, o número de inadimplentes no País aumentou cerca 11 milhões, o equivalente à população da cidade de São Paulo. O nível atual de 73,1 milhões de inadimplentes é elevado, mas estável. “O elevador subiu para 20º andar e lá ficou”, compara. Essa estabilidade em níveis elevados é resultado, segundo o economista, de duas forças agindo em sentidos opostos. Enquanto o desemprego baixo e a renda em recuperação puxam a inadimplência para baixo, a alta dos juros e da inflação empurram o calote para cima.
Com a entrada do pagamento do 13º salário e as campanhas de renegociação de dívidas, a perspectiva é de que ocorra algum recuo da inadimplência em novembro e dezembro. Por isso, as vendas por ocasião da Black Friday, marcada para a última sexta-feira de novembro, 29, e do Natal não devem ser afetadas pelo calote.
Luz amarela
A grande incógnita, no entanto, é o que deve acontecer com a inadimplência no ano que vem. Para Bentes, o amortecedor da crise orçamentária das famílias, isto é, o nível de emprego, não tem mais para onde evoluir. “Estamos imaginando uma desaceleração para economia para 2025 e, provavelmente, o desemprego vai subir”, diz Rabi. Ele acrescenta que não se sabe ao certo quanto tempo levará para inflação começar a recuar, apesar da certeza de que o juro continuará aumentando.
Além disso, frisa que a conjuntura depende do impacto do pacote fiscal que está sendo costurado pelo governo. “Se for um pacote fiscal fraco, o dólar continuará subindo, o juro e a inflação também. Daí, pode-se começar a falar em recessão, não apenas em desaceleração da economia, com agravamento mais sério da inadimplência em 2025.” Bentes pondera que a situação atual do calote não se trata de um caso extremo. “Não estamos caminhando a passos largos para o abismo.” Ele observa, no entanto, que é uma situação menos confortável e que soou um sinal de alerta, uma luz amarela.
Existe uma questão conjuntural que afeta a inadimplência por conta de fatores como taxa de juros, inflação, desemprego, renda e câmbio. Mas há também, segundo Bentes, mudanças estruturais nas despesas das famílias, com aumento da participação dos serviços nos gastos. Em 2012, por exemplo, os serviços respondiam por cerca de um terço do orçamento familiar, de acordo com dados do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Atualmente essa fatia subiu para 48% e quase empata com gastos com produtos (52%).
Isso explica, segundo Bentes, porque o comércio não está conseguindo se sair tão bem quanto poderia num ano no qual a taxa de desemprego, de 6,4% no trimestre encerrado em setembro é a menor da série histórica do IBGE, iniciada em 2012, e a massa de rendimentos tem alta real (descontada a inflação) de 7%. Em relação às bets, o economista diz que é difícil calcular, com números, o efeito nas vendas e na inadimplência. “Mas eu sustento que as casas de apostas estão roubando parte da capacidade de consumo de bens da população.”
Renegociação de dívidas
Um dado que chama atenção na radiografia da inadimplência de outubro feita pela Serasa é que em sete unidades da federação a fatia de inadimplentes respondeu por mais da metade da população adulta. Esse resultado supera a média do País, que é de 44%. Segundo Thiago Ramos, coordenador da Serasa, essa marca quase dobrou em um ano, um sinal, segundo ele, de agravamento da inadimplência. Em outubro de 2023, apenas quatro Estados tinham mais da metade da população adulta inadimplente.
Quem liderou o ranking de outubro deste ano foi o Amapá, com 60,8% da população adulta inadimplente, seguido pelo Distrito Federal (57,8%), Rio de Janeiro (54,6%), Amazonas (53,3%), Mato Grosso do Sul (51,5%), Mato Grosso (50,4%) e Roraima (50,06%). “54,6% da população adulta do Rio de Janeiro inadimplente é muita gente, é um mercado consumidor muito grande”, diz Ramos.
Exatamente para trazer parte desses consumidores de volta às compras que, em 28 de outubro, começou o Feirão Limpa Nome da Serasa. O evento vai até o dia 29 de novembro e reúne mais de mil empresas entre varejistas, bancos, financeiras, fintechs e prestadores de serviços, como energia elétrica, água e gás. Neste ano o feirão terá três frentes. As dívidas com pagamentos atrasados poderão ser negociadas online por meio de aplicativos instalados no smartphone ou pelo site da Serasa, acessado pelo computador.
Presencialmente, mas com o uso da internet, o feirão está nas mais de 7 mil agências dos Correios espalhadas pelo País. O objetivo é que os funcionários dos Correios ajudem gratuitamente na negociação as pessoas que não tenham acesso à internet ou não saibam manusear o celular.
Também haverá um evento presencial em São Paulo, marcado para ocorrer entre os dias 19 e 23 de novembro, inclusive no feriado do dia 20, no Largo da Batata, em Pinheiros. No local, os inadimplentes poderão negociar diretamente com as empresas credoras.
Limpar o nome e voltar às compras
Faz quase um ano que o pedreiro autônomo Jilvan Ribeiro da Silva, de 56 anos, casado e pai de duas filhas, deixou de pagar o boleto do cartão do supermercado. Ele ficou inadimplente porque quebrou braço e não pode trabalhar. Com a volta à atividade, Silva tem um dinheiro extra para receber. Ele quer quitar a dívida com o supermercado que, nas suas contas, era de cerca de R$ 800 quando deixou de pagar a fatura. A intenção é limpar o nome para comprar materiais de construção, a fim de erguer a casa própria. “A vida está mais apertada, mas eu limpando o nome já fica melhor.”
O pedreiro cita como aperto a alta do preço da carne, que passou a ser menos frequente na refeição da família.” No dia que não dá para comer carne, a gente come verdura e está de bom tamanho.” Inadimplente desde a época da pandemia quando ficou desempregado, Adriano Vicente de Oliveira, 49 anos, voltou a trabalhar como auxiliar de limpeza. Ele é outro que quer renegociar a dívida que acumula por conta da compra de um celular.
Ele também sente o peso hoje da inflação dos alimentos. Conta que tem optado pelo frango e pelo ovo no lugar da carne bovina por causa do preço elevado. Apesar dos apertos, Oliveira quer limpar o nome para se preparar para receber a filha que vai nascer no ano que vem. Ele quer estar apto a pegar um crédito para comprar carrinho, remédio, fralda, por exemplo. “Eles estão falando de 99% de desconto da dívida no discurso. Deus ajude que sim”, diz o auxiliar de limpeza.
De acordo com Thiago Ramos, coordenador da Serasa, no feirão deste ano, 9,3 milhões de dívidas estão com descontos de 99%. “Os descontos neste ano estão mais favoráveis porque temos mais dívidas com esse abatimento.” Na prática, oferecendo abatimentos dessa magnitude, os credores recuperaram uma parcela muito pequena da dívida. Mas o objetivo principal é ter o consumidor de volta às compras, como o pedreiro Silva e o auxiliar de limpeza Oliveira.
Um diferencial do feirão deste ano é o “carrinho de dívidas”, diz Ramos. Isto é, o consumidor pode renegociar mais de uma dívida e pagar todas por meio de um único boleto, com o mesmo prazo de parcelamento, que vai 72 meses ou seis anos. Desde o início do feirão em dia 28 de novembro até o último dia 13 pela manhã, 2,899 milhões de dívidas tinham sido renegociadas no evento, um pouco mais de 1% do total.