Cúpula do G20 antecipa dificuldades de Lula com Trump
Grandes reuniões internacionais tendem a servir mais ao anfitrião do que à coletividade global. Cabe ao país que as sedia garantir uma agenda positiva, seja para consumo externo, doméstico ou ambos.
É o paradoxo do multilateralismo —muita gente reunida dificilmente chega a consensos que não se baseiem em platitudes. A alternativa, o "diktat", é pior.
Por certo interessa ao Brasil ver uma declaração final consensual na reunião do G20 ora em curso pela primeira vez no país. Logo, poupar a autocracia russa acerca da Guerra da Ucrânia, por exemplo, faz sentido pontual.
Para Moscou, seus aliados chineses e simpatizantes em Nova Déli e outras capitais, a vantagem é outra. A todos interessa, cada um a seu modo, demonstrar musculatura ante o Ocidente.
Que isso traia a dificuldade de o Brasil encaixar um discurso sobre a guerra é dano colateral. Assim como, na mão inversa, o malabarismo para criticar o conflito no Oriente Médio sem melindrar os EUA, fiadores de Israel.
Restaria ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aproveitar a oportunidade, algo que terá também no ano que vem, quando, depois de presidir de forma rotativa o grupo das principais economias ricas e emergentes, estará à frente do Brics e receberá a reunião ambiental COP30.
Com o foco na agenda ambiental, ajudado pela ida do americano Joe Biden à Amazônia, e a inserção de uma versão global de suas preocupações com a fome, o líder petista parecia caminhar na direção correta.
Mas a realidade se interpôs e, de largada, o G20 tem servido como mostra dos percalços que esperam o brasileiro com a volta do republicano Donald Trump à Casa Branca, a partir de janeiro.
O argentino Javier Milei fez valer a alcunha de "meu presidente preferido" que recebeu de Trump. A Argentina assumiu no encontro, como já havia feito na COP29, o papel de representante do trumpismo no ocaso de Biden.
Trouxe dificuldades à negociação do texto final, nada muito diferente daquilo que Washington fará na próxima gestão. De todo modo, é algo precificado.
O que estava fora do roteiro ocorreu por graça e obra da primeira-dama brasileira, Rosângela da Silva, Janja, que ocupou um inexplicável protagonismo.
Gratuitamente, ela ofendeu o bilionário Elon Musk com um termo chulo em inglês. A diatribe pode fazer sucesso em nichos das redes sociais, mas tem implicações. Goste-se ou não, Musk será figura importante na administração da maior potência global.
Sua reação foi também inapropriada, pregando a derrota eleitoral do PT em 2026 —além de futura autoridade, Musk controla a rede social X, outrora Twitter.
Mas o ônus maior fica com Janja e seu marido, cujas referências pretéritas a Trump já o colocavam em posição vulnerável, não menos pela proximidade do americano com Jair Bolsonaro (PL). Se deseja relações amistosas com os EUA, Lula começa mal.