Vazamento de conteúdo de entrevista de Lula na TV gera incômodo no governo
Colaboraram Nicola Pamplona e Tamara Nassif / FOLHA DE SP
Integrantes do governo federal criticaram nos bastidores, nesta quarta-feira (17), o vazamento ao mercado de conteúdo de entrevista do presidente Lula (PT) à TV Record antes mesmo da divulgação pela emissora. A informação foi distribuída por meio de uma agência da qual a entrevistadora é sócia.
Um colaborador direto de Lula chamou o episódio de absurdo. Essa avaliação foi a geral entres os membros da equipe do presidente, segundo afirma na condição de anonimato.
O caso foi recebido com gravidade pela equipe econômica, por exigir que o ministro Fernando Haddad (Fazenda) fosse a público para debelar sobressaltos no câmbio e na Bolsa.
Não houve, entretanto, críticas públicas. A reportagem acionou a Secretaria de Comunicação do governo Lula, mas o órgão não se pronunciou.
Lula concedeu entrevista à Record na manhã de terça-feira (16), no Palácio do Planalto. A íntegra só iria ao ar à noite, com previsão de que trechos fossem veiculados ao longo do dia pela emissora.
Mas, pouco antes das 13h, uma corretora divulgou aos investidores a declaração em que Lula dizia que ainda precisava ser convencido sobre a necessidade de cortes de gastos e que a meta fiscal não necessariamente precisava ser cumprida, embora tenha se comprometido com o arcabouço fiscal.
"Em entrevista à Record TV, que será veiculada hoje ao longo dia, o presidente Lula disse que é preciso convencê-lo de que será mesmo preciso cortar entre R$ 15 bi e [R$] 20 bi no relatório de 22 de julho. Disse ainda que se precisar modificar a meta, ele não se opõe", diz o trecho divulgado.
Divulgado pela corretora BGC, o texto foi atribuído à Capital Advice, uma agência de análise política da qual a autora da entrevista, a jornalista Renata Varandas, é uma das três sócias. A Capital Advice, fundada em 2020, presta serviços à BGC.
A Record só viria divulgar um trecho da entrevista com Lula às 13h48, pelo portal R7, de propriedade do grupo. Antes disso, houve reações no mercado.
O dólar teve salto e a avaliação de analistas foi de que falas do presidente teriam provocavam ruídos de incerteza fiscal. No final do dia, no entanto, a moeda recuou, e fechou em baixa. Em dia de volatilidade, a Bolsa também se firmou no campo negativo após declarações do presidente.
Questionada pela reportagem, a Capital Advice não respondeu. A jornalista também foi procurada, mas não se manifestou.
A emissora, por sua vez, afirmou em nota que tomará providências após a apuração dos fatos.
"A Record esclarece que soube da ligação da repórter Renata Varandas com a Capital Advice somente após a divulgação do release pela agência. A emissora deixa claro que condena qualquer vazamento de informações, principalmente com recorte parcial do que é apurado em entrevistas feitas por nossas equipes. Medidas cabíveis serão tomadas com a apuração dos fatos."
A assessoria de imprensa da Record informou, na noite de quarta, que a jornalista continua na equipe da emissora.
Em seu site, a Capital se apresenta como uma casa de análise política com sede na capital federal, "referência no Brasil e no exterior", com clientes como corretoras, gestores de fundos e gestores de patrimônio. A empresa informa ainda que a equipe tem 20 anos de experiência em cobertura política para grandes veículos, com fontes nos três poderes.
"Apuramos e organizamos informações fundamentais aos nossos clientes, e traçamos cenários que auxiliam no tomada de decisões de alocação de recursos", diz o texto do site.
A íntegra da entrevista só foi ao ar a partir das 19h55, mas a emissora divulgou trechos com antecedência.
Os efeitos das declarações no câmbio começaram por volta das 12h20, quando a cotação do dólar começou a acelerar. Às 12h43, a moeda americana passou a registrar alta ante o real, subindo até atingir a máxima da sessão, às 13h40, a R$ 5,462 —valorização de 0,33% em relação ao fechamento do dia anterior.
Às 13h48, a TV Record divulgou o trecho da entrevista que gerava ruídos no mercado, e o dólar voltou ao sinal negativo. No final do dia, a moeda fechou em baixa de 0,31%, a R$ 5,428. Na divulgação do início da tarde, Lula afirmou à TV que não é obrigado a cumprir a meta fiscal se tiver "coisas mais importantes para fazer". Por outro lado, disse que a meta de déficit zero para este ano não está rejeitada e se comprometeu a fazer o necessário para cumprir arcabouço fiscal.
A menção a cortes "entre R$ 15 bi e 20 bi", presente no comunicado da corretora, não foi dito por Lula e apenas na pergunta da jornalista. Mas Lula afirmou que precisaria ser convencido sobre cortes de gastos em 2024.
À tarde, o ministro Haddad afirmou que as declarações estariam fora de contexto. E que outros trechos da entrevista mostrariam o compromisso do governo com o arcabouço.
Na íntegra da entrevista, Lula diz: "[Meta fiscal] É apenas uma questão de visão. Você não é obrigado a estabelecer uma meta e cumpri-la se você tiver coisas mais importantes para fazer. Esse país é muito grande. Esse país é muito poderoso, o que é pequeno é a cabeça dos dirigentes desse país e a cabeça de alguns especuladores".
Ele também foi questionado sobre a manutenção da meta estabelecida de déficit zero: "[A meta de déficit zero] Não está rejeitada, porque vamos fazer o que for necessário para cumprir arcabouço fiscal", disse. "Esse país não tem nenhum problema se é déficit zero, déficit de 0,1%, 0,2%, não tem nenhum problema para o país. O que é importante é que esse país esteja crescendo", concluiu.
De acordo com Haddad, é possível que haja bloqueio e contingenciamento no Orçamento deste ano no relatório bimestral de receitas e despesas que será publicado na próxima segunda-feira (22).
Como a Folha mostrou terça-feira, o vazamento da entrevista ainda não entrou no radar da CVM (Comissão de Valores Mobiliários). Primeiro, porque não envolve falha de divulgação de informação de companhias reguladas pela autarquia, como empresas com ações em bolsas ou fundos.
Segundo, lembra o economista e advogado Leandro Azzoni, porque não ainda há indícios concretos de que o vazamento foi feito com o objetivo de obter ganhos financeiros ou manipular o mercado.
"Foi uma entrevista com declarações de Lula sobre as metas fiscais, sobre os gastos públicos, que foram feitas em uma emissora de TV", diz ele. "É necessária uma evidência adicional de uma atividade ilegal ou de danos significativos ao mercado para justificar uma ação praticamente regulatória."
Sem solução para déficit, Lula reacende incerteza
No início de julho, Fernando Haddad afirmou que o cumprimento das metas do arcabouço fiscal era determinação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT): "Não há discussão a respeito". O ministro da Fazenda tentava encerrar o pior momento da crise recente de desconfiança no plano do governo de limitar déficits e a dívida pública.
A cotação do dólar e as taxas de juros baixaram desde então. Mas desceram apenas dos níveis de quase pânico para aqueles ainda sintomáticos de grande preocupação. Além das declarações de Haddad, o governo precisa dar provas de que tomará providências. Para começar a fazê-lo, conviria ao menos não suscitar novas desconfianças.
Lula, porém, voltou a disseminar incerteza. Em entrevista ao Jornal da Record, disse que não está "convencido" da necessidade de cortar despesas; que não é preciso cumprir metas fiscais se "tiver coisas mais importantes para fazer".
O presidente atenuou as declarações afirmando que vai "fazer o que for necessário para cumprir o arcabouço fiscal". Mas não contribuiu para enterrar a polêmica.
O governo demonstrará, em breve, se está disposto a respeitar suas metas. Na semana que vem, ao apresentar a revisão bimestral de receitas e despesas, dirá se vai conter gastos o bastante. Em agosto, enviará ao Congresso o projeto de lei do Orçamento de 2025.
Mas cortes e revisões emergenciais de dispêndios não resolverão o problema nem em prazo mais curto, até o final de Lula 3. Como disse o senador Confúcio Moura (MDB-RO) a esta Folha, a seu modo, medidas pontuais são "lenga-lenga". Ele é o relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias e um dos vice-líderes do governo na Casa.
O Orçamento precisa de revisão profunda, como aponta o congressista. Por exemplo, é fundamental dar fim à vinculação do aumento da despesa em saúde e educação ao crescimento da receita e a do reajuste de benefícios previdenciários ao ritmo do PIB.
Moura também tratou da necessidade de reformar a Previdência dos militares e de diminuir o volume de isenções tributárias.
Mencionou ainda a obrigatoriedade do pagamento de emendas parlamentares —além de engessamento, trata-se de dispêndio ineficiente e sem controle técnico. Entretanto não acredita que tão cedo tais problemas serão enfrentados.
Assim, não haveria mudança fundamental para as perspectivas de déficits, de crescimento da dívida e, portanto, para as taxas de juros.
Ajudaria se o governo atacasse o problema em duas frentes. De um lado, realizar um debate sério e técnico sobre as desvinculações e, de outro, Lula deve conter sua verborragia, que só atrapalha o trabalho de seu ministro da Fazenda.
Lula reclama da imprensa e fala em 'notícia tirada do contexto' após gafes
Marianna Holanda / FOLHA DE SP
O presidente Lula (PT) se queixou, nesta quarta-feira (17), da imprensa e, sem citar declarações suas, falou em "notícia tirada de contexto", após um dia de gafe e ruídos com o mercado. Disse que, em meio a essas intrigas, todos os projetos importantes para o governo foram aprovados no Congresso Nacional.
Em um evento no Palácio do Planalto, Lula condenou a violência doméstica, mas, "se o cara for corintiano, tudo bem". Ele também afirmou precisar ser convencido sobre a importância do corte de gastos para realizá-lo, apesar de defender o respeito ao arcabouço fiscal.
O petista tem acumulado uma série de gafes neste seu terceiro mandato. Com temas variados, a verborragia do mandatário provocou preocupação em aliados e integrantes do governoe gera críticas de oposicionistas.
"Muitas vezes [a gente] está vendo telejornal e o que predomina no telejornal não é a notícia completa, é uma frase da notícia tirada de contexto que, de preferência, se puder fazer intriga, melhor. Se não puder, não tem problema", disse Lula, sem especificar a que fala se referia.
O presidente disse que mesmo com a polarização, "com essa coisa ideológica, que todo mundo fala que está acabando mundo, que não sei quem não concorda com não sei quem", não houve um projeto significativo rejeitado pelo Congresso Nacional.
A declaração do político ocorreu durante a sanção de projeto sobre os prazos de conclusão do ensino superior para mães e insere a proteção à diversidade e a mudança climática na Política Nacional de Educação Ambiental.
O chefe do Executivo se queixa de que, segundo ele, os "grandes temas" estão fora da cobertura da imprensa e das discussões do Congresso --que, apesar de ter sido muito elogiado na fala de Lula, também não escapou da crítica.
Ele contou ainda que ligou para o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), para pedir uma intervenção junto aos deputados, porque as brigas estavam "promovendo degradação da função política".
"Chega os adversários de vocês e xinga, você xingar, todo mundo xinga todo mundo. A gente tem comportamento que leva a cometer erros e ser achincalhado, como muitas vezes é o Congresso Nacional, o Executivo, a Suprema Corte", completou.
Lula não falou quando conversou com Lira. Mas ele propôs e aprovou uma proposta de resolução na Casa que altera o Regimento Interno da Casa e permite a suspensão cautelar do mandato parlamentar por até seis meses para quem for alvo de representação por quebra de decoro.
A medida ocorreu uma semana depois de um embate físico ao final da sessão do Conselho de Ética que livrou André Janones (Avante-MG) da suspeita de "rachadinha" e de a deputada Luiza Erundina (PSOL-SP), 89, ter passado mal e ser internada após discussão sobre um projeto de lei na Comissão de Direitos Humanos.
Mas, apesar do puxão de orelha, Lula fez uma fala em que agradeceu os parlamentares por ajudarem a aprovar as propostas consideradas importantes para o Brasil, e disse não ter problema quando o texto é alterado no Congresso.
"Quero agradecer os congressistas brasileiros, aqueles os que votaram favor e contra. Voto contra é tão importante ou significativo quanto o favorável, se a gente quiser respeitar comportamento democrático das pessoas", disse.
Mais cedo, Lula já havia dito que leria seu discurso para evitar gafes e que precisa aprender com a plateia de pessoas com deficiência. "A Janja falou 'amor, tome cuidado com cada palavra que você vai falar, porque essa gente tem a sensibilidade aguçada'", disse, sob aplausos da plateia.
"Então, eu decidi ler para não falar nenhuma palavra que possa me criar problema. Também se eu falar alguma palavra, vocês sabem que nesse assunto vocês são especialistas, vocês sabem que eu sou um analfabeto e preciso aprender muito com vocês pra gente aprender a cuidar de vocês com carinho e respeito necessário", afirmou.
A declaração foi dada durante a solenidade de encerramento da 5ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência.
A fala crítica à imprensa nesta quarta ocorre na esteira de uma gafe do presidente, na véspera, e de um trecho de uma entrevista sua que vazou antes de ela ser veiculada, fora de contexto, abalando o mercado.
Em nota, a Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência) afirmou que em nenhum momento Lula endossou a violência contra as mulheres. "O respeito às mulheres é valor inegociável em todas as esferas do Governo Federal e desde o início de 2023, a atual gestão tem atuado de forma sistemática para ampliar continuamente as oportunidades e a proteção para este público."
No segundo caso, um trecho da entrevista concedida pelo presidente chegou ao conhecimento do mercado cerca de uma hora antes da divulgação da emissora por intermédio de uma agência da qual a entrevistadora é sócia.
Pouco antes das 13h, uma corretora divulgou aos investidores a declaração em que Lula dizia que ainda precisava ser convencido sobre a necessidade de cortes de gastos e que a meta fiscal não necessariamente precisava ser cumprida, embora tenha se comprometido com o arcabouço fiscal.
A menção a cortes "entre R$ 15 bi e 20 bi", presente no comunicado da corretora, não foi dito por Lula e apenas na pergunta da jornalista.
Lula ainda afirmou que precisa ser convencido de corte de gastos em 2024. As contenções devem ser formalizadas no próximo dia 22 de julho, quando será divulgado o próximo relatório de avaliação do Orçamento deste ano.
À tarde, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), afirmou que as declarações estariam fora de contexto. E que outros trechos da entrevista mostrariam o compromisso do governo com o arcabouço.
Presidente Lula não pode ficar de morde e assopra com a responsabilidade fiscal
Por Celso Ming / O ESTADÃO DE SP
Nesta terça-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se declarou desobrigado de cumprir a meta fiscal quando tiver coisas mais importantes a fazer. Se essa lógica prevalecer, o contribuinte poderá entender que não tem de recolher impostos se tiver coisas mais importantes a fazer.
Por aí se vê que, para o presidente Lula, o conceito do que seja mais importante pode variar de pessoa para pessoa e de circunstância para circunstância. E, no entanto, o resultado de um exercício fiscal é fixado por lei.
Afirmações dessa natureza do presidente já chocaram mais há algumas semanas, porque ele é dos que mordem e assopram. Avisa que vai gastar à vontade, mas em seguida reafirma algum compromisso com a responsabilidade na administração das contas públicas. Fica a impressão de que está mais empenhado em garantir compromissos com certos integrantes da área política do seu governo, que pressionam por gastança em ano eleitoral, do que em assegurar de fato o equilíbrio dos fundamentos da economia.
Nesse campo também fica difícil saber se contará mais a determinação do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de bloquear e contingenciar despesas do governo federal, de maneira a garantir o déficit zero previsto para este ano, do que “deixar as águas rolar”, como diz a velha marchinha de carnaval. As informações disponíveis que provêm da Fazenda são de que esses cortes de gastos alcançarão R$ 10 bilhões. Mas pode ser mais.
O que está em questão não são pruridos do mercado financeiro, como às vezes sugere o presidente Lula. A questão fiscal é a principal fonte de incertezas da economia brasileira no momento. O risco é o de descontrole da dívida pública. Nesse caso, os juros de mercado subirão, independentemente do que vier a determinar a política monetária do Banco Central.
O aumento da incerteza acabará por puxar para cima as cotações da moeda estrangeira e, a partir daí, voltará a acentuar a inflação. Se, nesse jogo, o Banco Central – sob nova direção –, entender que terá de afrouxar os juros, ficaria inevitável o impacto negativo sobre os investimentos e sobre o crescimento econômico.
Mas até aqui foram apontadas as consequências imediatas. Se ficar caracterizada situação de permanente desarranjo das contas públicas, a desarrumação tenderá a estender-se e a perdurar por toda a economia. E, a partir daí, é o emprego e o desenvolvimento econômico que descarrilharão.
E, vale repetir, especialmente quando, entre as esquerdas do Brasil, ainda prevalece a visão deformada de que a responsabilidade fiscal impede a execução de políticas sociais. Uma política social sustentável só terá sucesso num ambiente em que as contas públicas estiverem equilibradas. É com as finanças em ordem que um governo socialmente responsável poderá definir políticas que garantam o resgate das populações carentes.
A transparência vai mal
Por Notas & Informações / o estadão de sp
A transparência nas capitais vai mal. O Índice de Transparência e Governança Pública (ITGP), da Transparência Internacional, coloca em alerta a sociedade, enquanto os brasileiros se preparam para, nas urnas, definir seus representantes locais pelos próximos quatro anos. Em ano de eleições municipais, chamou a atenção da organização a falta de dados disponíveis sobre obras e emendas – e sabe-se que a opacidade no uso dos recursos públicos tende a beneficiar determinados candidatos ou apadrinhados por parlamentares, influenciando o processo de escolha de eleitores.
Os números compilados pela entidade em 25 cidades mostram uma realidade obscura em boa parte delas. Não foram consideradas Porto Alegre, em razão das chuvas, nem Brasília, por se tratar da capital federal.
De uma escala de zero a cem, apenas Vitória, com 99 pontos, obteve um índice “ótimo”. Em cinco capitais – Recife, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e João Pessoa –, o ITGP foi classificado como “bom”, entre 71 e 80 pontos. Do total, 13 cidades receberam o título “regular”. Na lanterna do ranking, Macapá, Teresina, Belém, Boa Vista, Rio Branco e Natal apresentaram avaliação “ruim”, sem nem mesmo atingir 40 pontos. Nenhuma cidade recebeu o carimbo “péssimo”, o que não chega a ser um alívio.
A Transparência Internacional examinou as prefeituras em seis dimensões: a legal, sobre a regulamentação de legislações como a Lei de Acesso à Informação (LAI) e a Lei Anticorrupção; as plataformas, para averiguar a existência e a qualidade da divulgação de informações; a administração e a governança, sobre a transparência no uso de emendas parlamentares; as obras públicas, em relação à transparência na execução; a transparência financeira e orçamentária; e a participação e comunicação.
Foram atribuídos pontos e pesos às mais variadas iniciativas nessas áreas, e o resultado assustador decorre da precariedade das informações. Os indicadores são ruins em quesitos como contratações emergenciais, divulgação de agenda de prefeitos, dados abertos de salários de servidores municipais e informações sobre incentivos fiscais.
Mas o pior mesmo é o registro sobre como os escassos recursos públicos são gastos. Apenas duas capitais têm plataformas com amplas informações sobre execução orçamentária, valores pagos e andamento de obras. Além disso, somente quatro dão total transparência a emendas de vereadores ao orçamento municipal e duas, às “emendas Pix”, que são verbas destinadas por deputados aos municípios sem uma finalidade específica.
Para a Transparência Internacional, essas áreas são mais vulneráveis à corrupção e impactam a percepção pública sobre a gestão municipal, o que pode se refletir na eleição. Para barrar essa flagrante deterioração da democracia, a entidade sugere que os municípios se adaptem à LAI, divulguem as emendas e que quem denuncie corrupção seja protegido, entre outras providências. Não se trata de um favor, mas de uma obrigação do poder público e um direito do cidadão.
Brasil se prepara para papel infame na relação externa: defender que a eleição venezuelana é limpa
Por J.R. Guzzo / o estadão de sp
O Brasil está sendo preparado, pelo presidente da República e pelo serviço diplomático, para desempenhar um dos papéis mais infames de toda a história das suas relações externas. Em um ano e meio de governo Lula e de “política exterior altiva”, o Brasil já se tornou um militante da “causa Palestina”, um aliado do regime terrorista do Irã e um colaborador da Rússia na invasão da Ucrânia, a quem acusa de ser responsável pela invasão militar do seu próprio território. Está pronto, agora, para juntar-se às nações-bandidas dispostas a jurar que as próximas eleições para presidente na Venezuela serão uma prova perfeita de democracia – e que é uma injustiça chamar o ditador Nicolás Maduro de ditador, pois o eleitor venezuelano, mais uma vez, tomou a “livre decisão” de mantê-lo no cargo. As eleições na Venezuela, há anos, são uma fraude serial e maciça, que nenhum país sério considera legítimas. O governo monta uma cenografia de urnas, seções eleitorais, apuração de votos e outros adereços de evento eleitoral. Mas é tudo falso. E é claro que Maduro ganha sempre.
A farsa, desta vez, terá o apoio oficial do governo brasileiro – mais desses projetos da diplomacia lulista em que o Brasil dá a cara para bater e, em troca, nunca leva nada de útil. Tanto faz, na verdade, se o Brasil dá ou não dá apoio a isso ou a aquilo no cenário mundial. Deveria aproveitar a sua irrelevância, então, para ficar de fora do barraco top de linha que tem sido a Venezuela dos últimos anos – não precisaria condenar, mas também não precisa ficar na primeira fila das “maduretes” da ditadura, e junto com os regimes de pior reputação no mundo, gritando “lindo, lindo” para o ditador. Isso só degrada o Brasil na comunidade das democracias, atola cada vez mais a diplomacia brasileira no apoio às tiranias e torna o país um cúmplice ativo dos crimes políticos de Nicolás Maduro. O último deles é o esforço concentrado para roubar a próxima eleição.
Lula tem feito o possível para deixar claro que está enfiando o pé nessa jaca. Já disse, em outras ocasiões, que o problema da Venezuela é “excesso de democracia” – e que, de qualquer forma, democracia é uma coisa “relativa”. Agora, está dizendo que deseja “normalidade” nas eleições e que “o resultado seja aceito por todos”. Poderia, à primeira vista, parecer apenas mais uma declaração vadia da sua parte. Mas, no caso de Lula, é um manifesto a favor da fraude anunciada. Não é materialmente possível, para começo de conversa, que haja “normalidade” em qualquer eleição montada por uma ditadura – eleição em ditadura é anormal por definição, pela excelente razão de que é uma mentira em estado bruto. Também há eleição na Rússia, em Cuba, Coreia do Norte, e a única normalidade lá é que o governo ganha sempre, sem nenhuma exceção. Mas o que realmente interessa a Lula é essa história do “resultado aceito por todos”. Na verdade, o que ele quer que todos aceitem é a fraude. Até o chanceler de fato Celso Amorim sabe que o resultado da eleição já está resolvido. O negócio, agora, é fingir que os venezuelanos concordam com ele.
Só mesmo Lula, o Itamaraty e as piores quebradas do “Sul Global” são capazes de chamar de “eleição” o que está acontecendo na Venezuela. A principal candidata da oposição foi simplesmente proibida de concorrer – a polícia eleitoral de lá, que também se apresenta como “tribunal”, decidiu que ela é inelegível. Há milhares de oposicionistas na prisão. Foi fechada uma lojinha que vendeu empanadas para o candidato autorizado por Maduro a disputar com ele. Um empresário que deu hospedagem para a candidata banida foi preso; meteram na cadeia, também, o seu chefe de segurança pessoal. Há 7 milhões de venezuelanos morando em outros países, expulsos de sua casa pela fome, miséria extrema e repressão política. Têm o direito de votar na eleição presidencial, mas dos 3,5 milhões de eleitores, ou até mais, que vivem hoje no estrangeiro, a “justiça eleitoral” da Venezuela só forneceu a 70.000 deles os documentos necessários para votar. Há censura. O sistema judicial faz parte da máquina do governo. O país é comandado por um exército, polícia e milícias que agem abertamente como guarda particular de Maduro e são sócios da sua ditadura.