Bônus a juízes contraria Constituição e compromete serviços essenciais, diz consultoria do Senado
Por Daniel Weterman / O ESTADÃO DE SP
BRASÍLIA - A proposta que cria um bônus salarial para juízes e integrantes do Ministério Público, a chamada PEC do Quinquênio, contraria princípios da Constituição, representa um risco para a entrega de serviços essenciais à população e pode fazer com que Estados descumpram a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) ao estourar o limite de gastos com pessoal, de acordo com nota da Consultoria do Senado a que o Estadão teve acesso.
A Proposta de Emenda Constitucional cria mais um adicional ao salário de juízes e procuradores fora do limite estabelecido pela Constituição para a remuneração desses profissionais. O aumento será de 5% a cada cinco anos, até chegar a 35%, fazendo com que o salário final extrapole o teto do funcionalismo (hoje de R$ 44.008,52 mensais).
O aumento será dado para magistrados que já recebem auxílio moradia, férias de 60 dias e bônus por trabalharem em mais de uma comarca. O “penduricalho” foi estendido para outras categorias quando o texto passou pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, em abril, incluindo ministros e conselheiros dos tribunais de contas, advogados públicos, defensores públicos e delegados da Polícia Federal.
Os defensores da PEC dizem que a proposta serve para valorizar quem está há mais tempo na carreira e estimular a permanência dos bons profissionais no serviço público. Críticos, porém, apontam um aumento de privilégios para grupos que já são considerados a elite do funcionalismo e um impacto negativo para as contas públicas.
De acordo com a consultoria do Senado, a aprovação da proposta representará um aumento de R$ 82 bilhões nas despesas do setor público em três anos: R$ 25,8 bilhões em 2024, R$ 27,2 bilhões em 2025 e R$ 28,6 bilhões em 2026, somando União, Estados e municípios. O cálculo considera todas as categorias aprovadas no texto da CCJ. O valor de 2024 simula a vigência do benefício para o ano todo.
Além do aumento de despesas, a PEC também provoca queda de arrecadação para os cofres públicos. Ao deixar o “penduricalho” fora da cobrança de Imposto de Renda, União, Estados e municípios deixarão de arrecadar R$ 22 bilhões em três anos. O efeito acontece porque o benefício pode ganhar uma natureza especial na folha salarial dos juízes e demais profissionais, escapando do pagamento do tributo.
A nota foi elaborada a pedido da liderança do governo no Senado, que é contra a proposta. “Como ex-governador, eu quero dizer que a pior política de gestão de pessoal que se tem é a do anuênio e a do quinquênio, porque ela não fala em meritocracia, ela é aumento vegetativo da folha, independentemente do gestor, e, portanto, na minha opinião, ela não estimula a melhoria do serviço público prestado”, afirmou o líder do governo na Casa, Jaques Wagner (PT-BA), durante a votação da proposta na comissão, no dia 17 de abril.
O relator da PEC, Eduardo Gomes (PL-TO), defendeu o texto como valorização do funcionalismo público, em especial dos servidores concursados. “Não é possível dizer que a PEC vai quebrar o País. A gente precisa gastar melhor o dinheiro público, e talvez gastar melhor seja gastar com bons funcionários públicos, em qualquer carreira, na carreira jurídica e em qualquer outra carreira”, disse.
‘Penduricalho’ pressiona investimentos e despesas dos Estados com pessoal
Com o aumento de despesas, a União vai aumentar o comprometimento com gastos obrigatórios, que incluem salários e aposentadorias. É uma parte do Orçamento que o governo não pode cortar. “Ressalte-se que essa pressão sobre as despesas discricionárias vem agravar uma situação de risco concreto à prestação dos serviços públicos federais por redução do espaço fiscal para essas despesas, risco esse objeto de sucessivos alertas do Tribunal de Contas da União”, diz a nota.
Em um ano, pontua a consultoria, o governo federal gastaria R$ 5 bilhões a mais com o quinquênio. O valor representa 2,32% de toda a despesa com manutenção da máquina e investimentos. “Ou seja, mais de dois por cento do total de recursos disponíveis para a execução de políticas públicas na esfera federal (exceto transferências de renda), concentrados em algumas dezenas de milhares de agentes públicos beneficiários que já dispõem de salários entre os mais elevados no universo de assalariados públicos e privados.”
Dos R$ 82 bilhões, a maior parte do custo (R$ 64,9 bilhões) recai sobre Estados e municípios, que têm mais empregados nessas categorias. O risco é que, ao aumentar as despesas com os servidores privilegiados, os Estados extrapolem o limite de gastos com funcionários estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
O valor total da folha dos Executivos estaduais seria ampliado em 1,75%, e os Legislativos em 1,08%. Os Judiciários subnacionais arcariam com um aumento de 12,10% da conta de pessoal, enquanto os Ministérios Públicos elevariam sua folha em 12,94%. Em um cenário em que a maioria dos entes está perto de alcançar o limite legal de pagamento de pessoal, “trata-se de uma substancial elevação do comprometimento dos Estados com suas folhas de pagamento, especialmente no âmbito da justiça”, diz a nota técnica.
PEC do Quinquênio contraria a Constituição, diz consultoria do Senado
Na avaliação da consultoria, a PEC pretende mudar a Constituição, mas contraria princípios da própria Carta Magna. Entre as regras desrespeitadas estão a restrição expressa de novos encargos pela União aos demais entes federados sem a previsão de onde sairá o dinheiro, a aplicação do teto remuneratório à aposentadoria e a proibição de benefício da seguridade social sem a fonte de custeio total.
A proposta é defendida pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), autor da PEC. Na legislatura passada, Pacheco atendeu a um pedido do então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, para pautar a medida. O atual presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, também é favorável. O presidente do Senado prometeu pautar o quinquênio e, em troca, aprovar um projeto que acabaria com os supersalários no funcionários. A PEC avançou, mas o fim dos supersalários está parado.
No dia 30 de abril, o presidente do Senado concedeu uma entrevista coletiva e afirmou que o impacto da proposta é inferior a R$ 3 bilhões por anos para a União, considerando o texto original, e não o aprovado na CCJ do Senado. De acordo com Pacheco, o aumento de gastos seria compensado pela aprovação do projeto de lei que limita os supersalários. “Os números são variáveis a partir da premissa que se estabelece”, disse o senador.
De fato, conforme os cálculos da consultoria, o impacto do texto original para a União é de R$ 2,7 bilhões em 2024, mas o parecer aprovado na comissão aumentou o custo para R$ 5 bilhões. Além disso a inclusão de outras categorias e o alcance para Estados e municípios aumentaram o valor para mais de R$ 20 bilhões por ano. Procurado para comentar o teor da nota da consultoria, Pacheco não se manifestou.
PEC do Quinquênio tem efeito cascata para categorias não mencionadas no texto
Além das categorias atendidas pela proposta do Senado, outros funcionários públicos poderão embarcar no penduricalho, de acordo com a consultoria técnica da Casa. O impacto, nesse caso, é incalculável. Outros grupos podem pedir equiparação aos direitos e receber o mesmo bônus por decisão de um governador, prefeito ou mesmo por interpretação da Justiça.
A nota da consultoria apresenta um relato sobre efeito cascata e sobre o risco de uma categoria ser privilegiada em relação a outra: “de fato, as possibilidades são intermináveis: no entorno mesmo de um processo criminal: se um juiz, um promotor, um defensor público e um delegado de polícia têm o benefício, por que não também os integrantes das demais carreiras policiais, como peritos, agentes ou investigadores (neste caso, sequer sob exigência de curso superior em algumas carreiras) ou os que atuam em outros órgãos policiais (como as polícias penais ou a polícia rodoviária federal)? [...]
Se, por outro lado, a razão de perceberem o benefício for o de serem formados em Direito, também o professor universitário dessa especialidade não o teria? Mas se esse professor o tivesse, por que não todos os demais professores que exercem o mesmo papel formador?”
STF tira do ar página de transparência sobre passagens e diárias após questionamentos da Folha
Constança Rezende / FOLHA DE SP
O STF (Supremo Tribunal Federal) tirou do ar nesta quinta-feira (16) todo o portal de transparência com informações à sociedade sobre gastos com passagens, diárias, funcionários, contratos e prestação de contas. Nesta sexta-feira (17) ainda não havia previsão de quando voltará ao ar.
A medida ocorreu após a Folha fazer questionamentos à comunicação do órgão sobre justificativas de pagamentos de diárias de funcionários para viagens internacionais.
O tribunal afirmou que a medida ocorreu porque a corte "está em processo de atualização da ferramenta de gerenciamento dos sistemas de dados utilizados, que não eram atualizados desde 2015".
Por este motivo, disse o STF, não foi possível ao tribunal confirmar o valor de R$ 564 mil gastos em diárias para o exterior neste ano, segundo dados visualizados pela reportagem antes de o site ter sido retirado do ar.
"Embora tenham sido realizados vários testes, alguns painéis apresentaram informações inconsistentes ou duplicadas. Por essa razão, algumas estatísticas poderão ficar indisponíveis até a correção", afirmou.
A Folha havia solicitado informações sobre os gastos em diárias e as funções que os funcionários desempenharam nessas missões internacionais. Também foi questionada a origem desses recursos.
Indagou ainda o motivo de o funcionário Marcelo Ribeiro Pires, que atua na segurança do ministro Dias Toffoli, ter gasto R$ 99,6 mil de recursos públicos em diárias para o exterior em viagens para Londres, no Reino Unido, e Madri, na Espanha, conforme revelado nesta sexta pela Folha.
De acordo com o Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira) do governo, a quantia corresponde ao pagamento de 25 diárias internacionais, de 23 de abril até esta sexta-feira (17).
Segundo a assessoria de imprensa do STF, o pagamento das diárias de servidores segue o previsto na instrução normativa 291, editada em fevereiro deste ano.
De acordo com a norma, terão direito ao benefício os funcionários que, "no interesse do STF e em caráter eventual ou transitório", desloquem-se para fora do Distrito Federal ou para o exterior.
A quantia deve ser destinada a despesas com hospedagem, alimentação e locomoção urbana. Ela não inclui os gastos com passagens, que entram em outra rubrica pelo tribunal.
A resolução ainda estipula que o pagamento de diárias para missão no exterior depende de autorização prévia do afastamento do funcionário. A autorização é feita por ato do diretor-geral do tribunal, "observada a disponibilidade orçamentária e a lei de diretrizes orçamentárias vigente".
O servidor deve apresentar o motivo do convite ao exterior, "demonstrando a capacidade técnica, jurídica, científica ou cultural que evidencie a importância dos serviços a serem prestados ao STF", além do cronograma das atividades a serem desenvolvidas, se for o caso.
Os valores para diárias internacionais são de US$ 959,40 para ministros e US$ 671,58 para demais beneficiários. Os recursos são pagos antecipadamente, de uma só vez, exceto em casos de afastamentos emergenciais —quando compreender período superior a 15 dias, poderão ser pagos em parcelas, segundo a norma.
Os ministros do STF estão sob pressão devido à falta de transparência sobre gastos em viagens para eventos na Europa, sobre as quais não divulgaram informações como custeio e período fora do Brasil.
Eles não costumam fazer viagens internacionais com passagens emitidas pelo órgão, com exceção de quem estiver na presidência da corte.
O assunto voltou à tona com a viagem dos ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes para evento jurídico na Europa. O Grupo Voto, que organizou um fórum no qual os três participaram em Londres, disse que todos os custos operacionais do evento foram de sua responsabilidade.
O regimento interno da corte prevê que o presidente é quem representa o tribunal perante entidades externas e que ele deve exercer esse papel. Atualmente, Luís Roberto Barroso preside o Supremo.
Zanin suspende liminar e restaura desoneração da folha por 60 dias
Por Lavínia Kaucz (Broadcast)
O ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), atendeu a um pedido do governo e do Congresso e suspendeu por 60 dias a liminar que havia derrubado a desoneração da folha de salários de 17 setores da economia e dos municípios.
O objetivo é que, dentro desse prazo, seja aprovado o projeto de lei que contempla o acordo entre Executivo e Legislativo sobre o tema, que mantém a desoneração em 2024 e reonera a folha de pagamento gradativamente até 2028.
“Transcorrido o prazo de 60 dias sem solução, a liminar deferida retomará sua eficácia plena”, afirmou o ministro na ação.
A decisão de Zanin tem efeitos imediatos, mas será submetida ao plenário para referendo dos demais ministros. O julgamento foi marcado para a sessão virtual que começa no dia 24 e vai até 31 de maio.
Na decisão, Zanin ressaltou que cabe ao STF avaliar a constitucionalidade da lei que prorrogou a desoneração. Mas ponderou que, atualmente, a jurisdição permite uma maior participação das partes em busca de uma solução negociada.
O ministro acrescentou que a “solução dialogada favorece a realização do princípio democrático” e que “o esforço conjunto entre os Poderes da República contribui para assegurar a sustentabilidade das contas públicas, na esteira das valorosas iniciativas do Congresso Nacional ao aprovar a Lei de Responsabilidade Fiscal”.
Entenda o caso
A desoneração é um benefício fiscal que substitui a contribuição previdenciária patronal de 20% incidente sobre a folha de salários por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta. Ela resulta em redução da carga tributária da contribuição previdenciária devida por milhares de empresas que empregam mais de 9 milhões de pessoas.
O desgaste entre Executivo e Legislativo em torno do tema se intensificou no fim de 2023, após a Fazenda editar uma medida provisória com a reoneração gradual das atividades a partir de abril deste ano. A decisão abriu uma crise com o Congresso, que avaliou que o Executivo passou por cima de decisões soberanas da Câmara e do Senado.
As duas Casas aprovaram a prorrogação do benefício por ampla maioria: na Câmara, foram 430 votos favoráveis e 17 contrários; enquanto que no Senado o tema foi aprovado em 10 minutos, por meio de votação simbólica.
Na sequência, a lei foi vetada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas o veto foi derrubado por placares igualmente folgados. No Senado, 60 senadores votaram pela derrubada, e 13 pela manutenção. Já na Câmara, foram 378 votos pela derrubada e 78 para sustentar o veto.
As negociações então recomeçaram com a proposta de um novo projeto de lei. Parlamentares avaliaram, então, que, se quisesse votos, o governo teria de ceder e se aproximar mais da proposta do Congresso. O projeto não avançou e o governo passou por cima da decisão do Congresso e recorreu ao STF.
A decisão de Zanin
Em abril, Zanin atendeu a um pedido do governo federal e suspendeu a política de desoneração da folha de pagamentos. O argumento da Advocacia-Geral da União (AGU), acolhido pelo ministro, era que o Congresso não apresentou os impactos fiscais da medida ao prorrogá-la. Na prática, com a decisão, a cobrança do imposto voltaria a ser sentida pelas empresas a partir de 20 de maio, próxima data para recolhimento da contribuição.
Na semana passada, porém, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), anunciaram um acordo para manter a desoneração neste ano e aplicar a reoneração gradualmente a partir de 2025.
Um novo projeto de lei sobre o assunto, com os termos do acordo, foi protocolado nesta quarta no Senado. O líder do União Brasil no Senado, Efraim Filho (PB), disse na quinta-feira, 16, que os projetos de lei da desoneração dos 17 setores da economia e dos municípios devem ser votados na próxima terça-feira, 21, no plenário da Casa.
Sessão do Supremo leva TSE a adiar julgamento de Moro
Por Pepita Ortega / O ESTADÃO DE SP
O Tribunal Superior Eleitoral adiou para terça-feira, 21, a análise dos processos que pedem a cassação do ex-juiz da Operação Lava Jato e atual senador Sergio Moro (União-PR). O julgamento teve início nesta quinta-feira, 16, mas começou houve tempo para a leitura do relatório do caso, lido pelo Floriano de Azevedo Marques por cerca de 40 minutos. Tendo em vista que o plenário do Supremo Tribunal Federal se reúne às 14h, a sessão do TSE foi suspensa e o debate sobre Moro ficou para semana que vem.
O ministro Alexandre de Moraes garantiu que a análise dos recursos impetrados pelo PL e pelo PT contra a decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná que não viu abuso de poder econômico ou caixa 2 na pré-campanha do senador em 2022 ‘terá início e será finalizada’ na terça. O caso de Moro será o único item da pauta da sessão plenária do TSE no dia 21, que terá início às 19h. “Temos a vantagem de não ter sessão do Supremo de madrugada”, brincou Moraes logo antes de suspender o julgamento e encerrar a sessão no TSE.
Após a leitura do relatório do caso, o ministro Alexandre de Moraes propôs que os advogados das partes - incluindo os representantes de Moro - fizessem suas sustentações orais ainda nesta quinta, 16, sendo que a sessão de terça teria início com o pronunciamento da Procuradoria-Geral Eleitoral (que é contra aos recursos das legendas). Os representantes do PT, do PL e de Moro, no entanto, pediram que todas as argumentações fossem apresentadas em uma mesma sessão.
Assim, esse será o rito quando da retomada do caso, na próxima semana. Após as sustentações orais, será apresentado o voto de Floriano de Azevedo Marques. Em seguida terá início a votação, pelos demais ministros que compõem a Corte: André Ramos Tavares, Cármen Lúcia, Kassio Nunes Marques, Raul Araújo Filho, Maria Isabel Galotti e Alexandre de Moraes. A sessão plenária do próximo 21 foi reservada para a conclusão do julgamento, então a votação não deve ser finalizada nesta quinta, 16.
Com mostrou o Estadão, o recurso no TSE tramitou em ritmo acelerado, com a liberação do caso para julgamento, por Floriano, uma semana após receber os autos em seu gabinete. O ministro foi indicado à Corte pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em maio passado. O primeiro julgamento de grande repercussão que ele participou no TSE foi o que levou à condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro.
O acórdão do TRE sobre o caso Moro foi liberado no dia 17 de abril, há quase um mês, sendo que logo em seguida foram interpostos os recursos, pelo PL e pelo PT. A Corte regional já havia sinalizado que o caso deveria ser analisada pelo TSE em maio.
Logo após Floriano liberar os autos, o caso foi incluído em pauta pelo ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral. A agilidade possibilitou que Moraes participe do julgamento, vez que o ministro deixa a Corte no final do mês.
Há uma expectativa de que a vida de Moro, no TSE, fique mais complicada. Nessa instância, por exemplo, foi cassado o ex-deputado e ex-chefe da força-tarefa da Operação Lava Jato Deltan Dallagnol, aliado do senador.
De outro lado, o adiamento do julgamento sobre o bolsonarista Jorge Seif (PL-SC), também acusado por abuso de poder econômico, para mais diligências, foi visto como um sinal de que o caminho do ex-juiz da Lava Jato na Corte superior pode não ser tão difícil.
Com o julgamento de Moro, o Tribunal Superior Eleitoral deve assentar uma jurisprudência sobre o que foi chamado de ‘downgrade’ de candidaturas, vez que os ministros vão discutir sobre os gastos na pré-campanha do senador - que cogitou concorrer à Presidência da República, depois ao Senado por São Paulo e, por fim, ao Senado pelo Paraná.
A expectativa é a de que o colegiado faça ponderações sobre como deve se dar o cálculo dos recursos usados na pré-campanha - de acordo com a origem dos mesmos, no Fundo Eleitoral, assim como da destinação (para uma campanha mais robusta, à Presidência, ou mais local).
No julgamento do TRE sobre o tema, chamou atenção as divergências sobre valores de pré-campanha, não só os apresentados pela defesa e pelo Ministério Público Federal, mas também os que foram calculados pelos próprios desembargadores, que fizeram diferentes ponderações sobre quais gastos foram considerados, ou não, na conta.
O colegiado também vai debater se há proximidade, ou não, entre o caso de Moro e o precedente da senadora Selma Arruda (cassada), no quesito de uso de recursos na pré-campanha. O enquadramento das acusações que recaem sobre o senador, dentro dos argumentos que levaram à cassação de Slma, chegou a ser debatido no Tribunal Regional Eleitoral do Paraná e foi rejeitado pela maioria dos integrantes do colegiado.
TSE nega cassação, mas decide multar Romeu Zema por propaganda irregular nas eleições de 2022
Por Rayssa Motta / O ESTADÃO DE SP
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) multou o governador de Minas, Romeu Zema (Novo), por propaganda irregular nas eleições de 2022. O governador foi condenado por divulgar publicações institucionais, nos portais e perfis oficiais do Governo de Minas, fora do período permitido. A Justiça Eleitoral limita a propaganda institucional, especialmente de candidatos que buscam a reeleição, para evitar que eles usem a estrutura pública em benefício próprio.
A coligação Juntos pelo Povo de Minas Gerais (PSD, PSB, PT, PCdoB e PV) pediu a cassação do mandato e a inelegibilidade do governador, alegando que ele instrumentalizou os canais oficiais para promoção pessoal, mas os ministros decidiram que a medida seria exagerada.
“Não há falar em sanção de cassação de mandato, pois as condutas não demonstram gravidade para afetar a isonomia entre os candidatos de forma a impactar a normalidade das eleições”, defendeu o ministro Raul Araújo, relator do processo.
O TSE optou por multar Romeu Zema. O valor fixado foi o menor previsto na legislação eleitoral, de 5 mil UFIRs (unidades fiscais de referência), o que corresponde a aproximadamente R$ 27 mil.
O governador ainda pode recorrer ao próprio TSE e ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar reverter a condenação.
Revolução ortodoxa
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…". / FOLHA DE SÃO PAULO
Nem tão depressa que pareça fuga, nem tão devagar que pareça provocação, a cúpula do Judiciário, mais especificamente o ministro do STF Alexandre de Moraes, vai adotando um tom menos belicoso em relação a Jair Bolsonaro e seus aliados, como mostrou reportagem de José Marques. Vejo essa movimentação com bons olhos. Se a Justiça brasileira quer recobrar ao menos parte da credibilidade de que já gozou, precisa voltar a atuar no modo ortodoxo.
É claro que Bolsonaro deve responder por seus crimes —e não consigo imaginar nada mais inoportuno do que uma anistia ao ex-presidente. Mas é importante, para não dizer fundamental, que ele seja julgado no mérito pelos delitos mais graves que cometeu. Acho que não faltam elementos para montar bons casos contra ele, tanto pela tentativa de golpe como pela apropriação de bens da União (joias sauditas). E essas ações precisam ser iniciadas logo.
As heterodoxias de Moraes foram importantes para preservar a democracia num momento em que instituições como a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o próprio Legislativo se omitiram. Mas o jogo mudou. Bolsonaro já não segura a caneta presidencial e foi tornado inelegível. A PGR voltou a funcionar. O risco de golpe está afastado. A direita, incluindo suas variantes extremistas, não irá embora. Mas esse é um problema com o qual precisaremos lidar de modo permanente e não mais emergencial.
O STF, sem deixar de cumprir suas funções, precisa distanciar-se de movimentações que possam ser lidas como políticas. É difícil, mas não vejo outro caminho. E não é só de Moraes e seus inquéritos que não acabam que estamos falando. A impressão de que ministros estão fazendo jogo combinado com o governo é muito ruim. A decisão do STF de validar a Lei das Estatais, mas permitir que Lula mantenha as indicações que a violaram, por exemplo, é constrangedora —o exemplo mesmo do que não deve ser feito.
8 de Janeiro: Moraes coloca coronel da PM do DF em liberdade com tornozeleira
Por Rayssa Motta / O ESTADÃO DE SP
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), mandou soltar o coronel Jorge Eduardo Naime Barreto, ex-comandante do Departamento de Operações da Polícia Militar do Distrito Federal. Ele foi preso preventivamente em fevereiro de 2023, na 5.ª fase da Operação Lesa Pátria, por suspeita de omissão no 8 de Janeiro.
O coronel terá que cumprir uma série de exigências em troca da liberdade provisória, como usar tornozeleira eletrônica, se apresentar semanalmente no fórum, ficar em casa à noite, não manter contato com outros investigados e ficar fora das redes sociais.
A decisão atendeu a um pedido da defesa.
O coronel e outros seis ex-oficiais da cúpula da Polícia Militar do Distrito Federal respondem a um processo criminal no STF por omissão e violação dos deveres no dia da invasão na Praça dos Três Poderes. Os outros já haviam sido beneficiados com a liberdade provisória.
A Procuradoria-Geral da República argumentou na denúncia – a primeira que atingiu autoridades públicas na esteira do 8 de Janeiro – que a corporação foi “contaminada ideologicamente” e que o comando da PM conversou sobre “possíveis meios ilegais”, inclusive um golpe militar, para depor o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e manter o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no poder mesmo após a derrota nas eleições.
Moraes põe freio em ofensiva contra bolsonarismo e reduz tom em decisões
José Marques / FOLHA DE SP
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes pôs um freio nos últimos meses na rigidez de decisões que envolvem o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados.
O movimento, segundo pessoas com interlocução com o Supremo, reduz o risco de ampliação dos atritos da corte com o Congresso e também dos ataques de apoiadores de Bolsonaro contra o Judiciário.
Diminui também a possibilidade de que a opinião pública passe a enxergar o ex-presidente como vítima de perseguição pelo STF.
A adoção de maior cautela sobre esses casos partiu não apenas do próprio Moraes, mas também de outras autoridades com atuação em tribunais superiores que são próximas ao magistrado, como o ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) Floriano de Azevedo Marques e o procurador-geral da República, Paulo Gonet.
No ano passado, senadores chegaram a aprovar uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que limita as decisões individuais de ministros do STF, em reação a pautas votadas pela corte.
Além disso, desde seu período à frente do Executivo, Bolsonaro se apresenta como alguém que é perseguido pelos integrantes do Supremo.
Em fevereiro deste ano, Bolsonaro teve o passaporte apreendido pela Polícia Federal por ordem de Moraes na operação Tempus Veritatis, que mirou o ex-presidente, ex-assessores e aliados, incluindo militares de alta patente.
Depois dessa operação, etapa da investigação sobre a tentativa de um golpe de Estado após a derrota de Bolsonaro para Lula (PT) em 2022, não houve medidas mais drásticas contra o ex-presidente.
O episódio que levantou a possibilidade de que Moraes determinasse a prisão de Bolsonaro foi a revelação em 25 de março, pelo jornal The New York Times, de que o ex-presidente passou dois dias na embaixada da Hungria logo após a apreensão do passaporte.
Na ocasião, deputados de oposição chegaram a acionar o Supremo e a PGR com pedidos de prisão preventiva (sem tempo determinado).
Já Moraes foi rápido em abrir um procedimento no STF e pedir que o ex-presidente explicasse por que se hospedou na embaixada.
Não houve, porém, consequências mais drásticas contra ele. No dia 9 de abril, Gonet se manifestou contra a imposição de medidas mais duras a Bolsonaro pelo episódio.
Ao Supremo o PGR disse que a estadia não infringe as medidas que ele já cumpre e que a suposta tentativa de busca de refúgio esbarraria "na evidente falta de pressupostos do instituto de asilo diplomático dadas as características do evento".
Moraes decidiu sobre o caso apenas no dia 24 de abril, quase um mês depois da reportagem do jornal americano. Ele argumentou que não ficou comprovada a intenção de evasão do país por Bolsonaro.
O ministro afirmou que "não há elementos concretos que indiquem —efetivamente— que o investigado pretendia a obtenção de asilo diplomático para evadir-se do país e, consequentemente, prejudicar a investigação criminal em andamento".
Disse ainda que, embora os locais das missões diplomáticas tenham proteção especial, "eles não são considerados extensão de território estrangeiro" e que, por isso, Bolsonaro não cometeu "qualquer violação a medida cautelar de 'proibição de se ausentar do país'".
No início de maio, Moraes soltou o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, que estava preso desde 22 de março, um dia após a revista Veja revelar áudios em que ele atacava o ministro e colocava em xeque a lisura do seu acordo de colaboração premiada e a investigação da Polícia Federal.
Além de soltar Cid, o ministro também manteve integralmente o acordo de colaboração do tenente-coronel. Segundo ele, "foram reafirmadas a regularidade, legalidade, adequação dos benefícios pactuados e dos resultados da colaboração à exigência legal e a voluntariedade da manifestação de vontade".
Moraes aceitou pedido da defesa do militar após a PF analisar material apreendido durante a prisão e ouvir o próprio Cid. A Procuradoria-Geral da República foi favorável à soltura e à manutenção do acordo.
No TSE, tribunal presidido por Moraes, bolsonaristas também tiveram uma situação, por ora, favorável, com a suspensão do julgamento sobre o senador Jorge Seif (PL-SC), que corria o risco de perder o mandato.
Na sessão do TSE no último dia 30, o relator do caso, Floriano de Azevedo Marques, pediu a produção de mais provas no processo e suspendeu o julgamento.
A maioria do tribunal concordou com o relator. Só o ministro Raul Araújo, que é visto como mais simpático aos bolsonaristas, divergiu. Araújo afirmou que a corte estaria reinaugurando a instrução processual no caso, algo que já foi feito por instâncias inferiores.
Como a Folha mostrou, a decisão foi uma forma de Moraes evitar mais atrito com o Congresso e ganhar tempo antes de dar desfecho ao caso.
Com isso, o TSE poderia conseguir mais prazo para construir uma espécie de acordo nos bastidores com bolsonaristas para que eles parem de atacar o tribunal.
O próprio Bolsonaro continua na mira de inquéritos que tramitam no Supremo sob a relatoria de Moraes, como o das milícias digitais e o dos incitadores e autores intelectuais dos ataques de 8 de janeiro. Ambos os inquéritos foram recentemente prorrogados pelo ministro até o segundo semestre deste ano.
VEJAMOS: A visão, muito particular, do Supremo sobre o que é um conflito de interesses
Por Carlos Andreazza / O ESTADÃO DE SP
Reportagem de Weslley Galzo informa que “ministros do STF participaram de quase dois eventos internacionais por mês no último ano”, alguns dos quais custeados por grupos com interesses em ações julgadas na Corte.
O tribunal respondeu. A nota – desaforada e mal escrita, também modalidade de desaforo – exige análise do discurso.
“Ministros do Supremo conversam com advogados, com indígenas, com empresários rurais, com estudantes, com sindicatos, com confederações patronais, entre muitos outros segmentos da sociedade.”
Conversam demais. Circulam demais. Saudoso o tempo em que o “segmento” da impessoalidade conhecido por comedimento tinha alguma vez. Sendo certo que o local onde se conversa agrava o vício. Não conversarão com indígenas em visitas às tribos. Maior a chance de que se encontrem na Europa. Nada contra o Velho Continente. Foi no Brasil que Barroso, em ato da UNE, festejou o “nós derrotamos o bolsonarismo”.
“E muitos participam de eventos organizados por entidades representativas desses setores, inclusive por órgãos de imprensa.”
Se houvesse alguma dúvida sobre o equívoco-armadilha em que consiste convidar ministros do STF a tomar lugar em debates promovidos pela imprensa, nesta zoada estaria mais uma evidência. O jornalismo sem autoridade para criticar – lê-se.
“Naturalmente, os organizadores dos eventos pagam as despesas.”
Construção-esculacho própria a uma ilha da fantasia, lá onde será natural que empresa com pleito no Supremo patrocine viagens e hospedagens de ministros do Supremo. Naturalmente, na ilha da fantasia não há povo nem república. Só organizadores. (E hotéis e restaurantes estrelados.)
“Quando um ministro aceita o convite para falar em um evento – e a maioria dos ministros também tem uma intensa atividade acadêmica –, ele compartilha conhecimento com o público do evento.”
Quando aceita convite para falar num evento privado em cujo pacote vai espécie de imersão, com charutadas restritas, o ministro compartilha acesso. A chance de ser acessado. Outro tipo de conhecimento. Com tantos compromissos, é impossível que sobre intensidade para a academia.
“Por isso, a questão não está posta da maneira correta, não se pode considerar a participação do ministro no evento como um favor feito a ele pelo organizador”.
Pode-se considerar qualquer coisa, inclusive a hipótese de troca de favores. Posta de maneira corretíssima – o que importa a esta análise – a desconfiança que tais jornadas aprofundam na sociedade.
“Por essa razão, não há conflito de interesses.”
Por essas razões, difícil será encontrar definição prática mais precisa para conflito de interesses.
A visão, muito particular, do Supremo sobre o que é um conflito de interesses
Por Carlos Andreazza / O ESTADÃO DE SP
Reportagem de Weslley Galzo informa que “ministros do STF participaram de quase dois eventos internacionais por mês no último ano”, alguns dos quais custeados por grupos com interesses em ações julgadas na Corte.
O tribunal respondeu. A nota – desaforada e mal escrita, também modalidade de desaforo – exige análise do discurso.
“Ministros do Supremo conversam com advogados, com indígenas, com empresários rurais, com estudantes, com sindicatos, com confederações patronais, entre muitos outros segmentos da sociedade.”
Conversam demais. Circulam demais. Saudoso o tempo em que o “segmento” da impessoalidade conhecido por comedimento tinha alguma vez. Sendo certo que o local onde se conversa agrava o vício. Não conversarão com indígenas em visitas às tribos. Maior a chance de que se encontrem na Europa. Nada contra o Velho Continente. Foi no Brasil que Barroso, em ato da UNE, festejou o “nós derrotamos o bolsonarismo”.
“E muitos participam de eventos organizados por entidades representativas desses setores, inclusive por órgãos de imprensa.”
Se houvesse alguma dúvida sobre o equívoco-armadilha em que consiste convidar ministros do STF a tomar lugar em debates promovidos pela imprensa, nesta zoada estaria mais uma evidência. O jornalismo sem autoridade para criticar – lê-se.
“Naturalmente, os organizadores dos eventos pagam as despesas.”
Construção-esculacho própria a uma ilha da fantasia, lá onde será natural que empresa com pleito no Supremo patrocine viagens e hospedagens de ministros do Supremo. Naturalmente, na ilha da fantasia não há povo nem república. Só organizadores. (E hotéis e restaurantes estrelados.)
“Quando um ministro aceita o convite para falar em um evento – e a maioria dos ministros também tem uma intensa atividade acadêmica –, ele compartilha conhecimento com o público do evento.”
Quando aceita convite para falar num evento privado em cujo pacote vai espécie de imersão, com charutadas restritas, o ministro compartilha acesso. A chance de ser acessado. Outro tipo de conhecimento. Com tantos compromissos, é impossível que sobre intensidade para a academia.
“Por isso, a questão não está posta da maneira correta, não se pode considerar a participação do ministro no evento como um favor feito a ele pelo organizador”.
Pode-se considerar qualquer coisa, inclusive a hipótese de troca de favores. Posta de maneira corretíssima – o que importa a esta análise – a desconfiança que tais jornadas aprofundam na sociedade.
“Por essa razão, não há conflito de interesses.”
Por essas razões, difícil será encontrar definição prática mais precisa para conflito de interesses.