Análise: ministros terão que pesar provas ao avaliar depoimento do delator Mauro Cid
Por Ricardo Balthazar, Especial para O GLOBO
A palavra dos delatores é tratada com suspeição pela legislação brasileira. Nada do que o tenente-coronel Mauro Cid disse em seu interrogatório no Supremo Tribunal Federal pode ser usado para condenar alguém no processo da trama golpista se não houver provas que corroborem suas declarações e tenham sido obtidas pelos investigadores de forma independente dele.
É assim porque, ao reconhecer sua participação em crimes e colaborar, o objetivo principal do delator é alcançar uma pena mais branda no final do processo e outros benefícios negociados com a Justiça. O delator tem obrigação de dizer a verdade e pode ser punido se mentir ou omitir algo que saiba, mas a expectativa dos benefícios da colaboração pode empurrá-lo na direção errada.
A palavra de Cid tem peso por causa de sua proximidade com o ex-presidente Jair Bolsonaro, de quem foi ajudante de ordens, e sua presença em vários episódios relatados na denúncia da Procuradoria-Geral da República. Mas a legitimidade da decisão que o STF tomar ao final do processo vai depender mais das provas que forem consideradas nas sentenças do que do seu depoimento.
Em certo momento do interrogatório de ontem, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, citou uma mensagem enviada por Cid a um colega de farda em dezembro de 2022, em que tratava de um encontro que o general Estevam Cals Theophilo Gaspar teve com Bolsonaro no Palácio da Alvorada. “Ele quer fazer”, escreveu o coronel. “Desde que o Pr assine.”
Gonet pediu que explicasse o que isso significava. Cid afirmou que teve uma conversa informal com o general antes de ele deixar o palácio, e que nesse breve diálogo Theophilo lhe disse que cumpriria as ordens do presidente se ele assinasse uma medida de exceção como as que estavam em discussão no governo. “Se assinasse, o Exército iria cumprir”, resumiu o coronel.
O depoimento de Cid provavelmente será usado pela Procuradoria para reforçar as provas apresentadas contra o general Theophilo, réu em outra das ações em que o processo foi dividido. A mensagem foi encontrada pela Polícia Federal num dos telefones de Cid antes que ele virasse delator, portanto de forma independente dele. Sua palavra nesse caso pode valer muito.
Não foi o que se viu quando o coronel foi questionado sobre uma reunião realizada por membros das Forças Especiais do Exército em novembro de 2022, da qual ele participou. Segundo a Procuradoria, os golpistas teriam se articulado nesse encontro para pressionar os chefes militares a aderir ao golpe e eliminar resistências identificadas na cúpula das Forças Armadas.
Cid descreveu a reunião como um encontro de amigos sem motivação política e chegou a compará-la a uma conversa de bar num dos depoimentos prestados à Polícia Federal como parte de sua colaboração. Ele insistiu nessa caracterização durante o interrogatório desta segunda-feira, ressaltando que nenhuma ação foi planejada pelos militares nessa ocasião.
Gonet lhe perguntou então sobre as provas que fazem parte do processo. Em mensagens trocadas durante o encontro e descobertas pela PF em seus aparelhos celulares, dois participantes compartilharam anotações sobre os temas discutidos ali, que incluíam a criação de um gabinete de crise na estrutura do Exército e a necessidade de pressionar os comandantes que se opunham aos golpistas. Cid pareceu desconcertado: “A mensagem não foi comigo”.
Quando Gonet lhe deu outra chance, ele tentou uma saída. “Cada um falava uma coisa e dava uma opinião”, explicou. “Se ele compilou o que foi ouvindo, não foi nada oficial.” Ao minimizar a importância da reunião, pode ser que Cid queira aliviar a barra para si próprio e seus colegas. Quando chegar a hora da sentença, é provável que as provas nos autos tornem o esforço vão.
Os advogados dos réus foram hábeis ao explorar lacunas e contradições do coronel. José Luís Oliveira Lima, defensor do general Walter Braga Netto, perguntou a Cid por que demorou mais de um ano para contar à polícia que recebera das mãos dele uma sacola com dinheiro para os golpistas. Cid disse que não vira nada de suspeito no lance, e só percebera sua relevância ao ser questionado pelos investigadores sobre as mensagens em que esse assunto foi discutido.
As mensagens mostram que, dois dias após se reunir com Braga Netto, um coronel mandou a Cid uma estimativa de recursos para que ele encaminhasse o pedido. As mensagens não citam o general, mas Cid afirmou que ele foi pessoalmente ao Palácio da Alvorada para lhe entregar o dinheiro. Ainda não apareceu no processo uma prova de que isso de fato tenha ocorrido assim.
Justiça sem juízo
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
A mão suave de um magistrado desferiu um duríssimo golpe no combate ao crime organizado no Brasil, em particular ao tráfico de drogas. Como se isso não bastasse, ainda conspurcou a imagem de todo o Poder Judiciário perante uma sociedade angustiada pela incapacidade do Estado de ao menos atenuar a sensação de insegurança.
No dia 4 passado, o juiz Luciano Silva, da 2.ª Vara Federal de Araçatuba (SP), inocentou o piloto Wesley Evangelista Lopes, preso em flagrante no final de 2024 por transportar nada menos do que 435 quilos de cocaína em um avião de pequeno porte. Malgrado ter confessado o crime, pelo qual teria recebido R$ 100 mil, segundo relato do próprio aos policiais que o prenderam, Wesley foi solto e agora pode voltar a cruzar os céus livremente.
Para o juiz, não havia “fundadas suspeitas” que justificassem a abordagem dos policiais à aeronave. Logo, para o sr. Luciano Silva, todas as provas contra o piloto colhidas a partir da intervenção policial no local são nulas. “O sentimento, ao ler e reler os autos, é de livro começado pelo meio”, escreveu o magistrado na sentença absolutória. “Se inicia com a aeronave do réu sendo abordada de maneira espetaculosa pela Polícia Militar (PM), sem que exista motivo claro para a mobilização de diversas forças na captura do mencionado avião.”
Para qualquer cidadão minimamente sensato, resta evidente que o aparato policial paulista não foi mobilizado por acaso para se dirigir ao local de pouso da aeronave. Havia a informação de que Wesley Lopes transportava drogas ilícitas. E essa informação veio da Polícia Federal (PF). Mas, para o juiz Luciano Silva, a cooperação entre as duas forças policiais não tem valor legal porque, pasme o leitor, a origem da informação repassada pela PF “é ignorada”.
Com uma só canetada, o juiz federal não apenas obliterou um bem-sucedido trabalho de integração das polícias nas esferas federal e estadual – algo que deve ser valorizado num país tão violento como o nosso, e não desprezado –, como ainda aniquilou a ação de inteligência da PF, que sabia exatamente que o avião carregava drogas, o que foi confirmado, e informou o fato à autoridade competente em solo. Mas nada disso valeu, a despeito de o juiz federal reconhecer que “não há dúvida do caráter criminoso das atividades perpetradas pelo réu, que merece reprimenda”. Beira o escárnio.
Por óbvio, não se defende aqui o atropelo de garantias legais. O devido processo legal é um pilar do Estado Democrático de Direito. Mas a filigrana não pode servir de substrato para decisões que afrontam a razão e o interesse público. A Justiça, para ser digna do nome, não pode estar alienada da realidade. Quando um juiz reconhece o crime, admite a culpa, mas solta o criminoso porque a origem da informação policial não é conhecida, o que se vê não é justiça, é um desatino. O que está em jogo é muito sério: a confiança dos cidadãos na capacidade das instituições de prover justiça, proteger a sociedade e enfrentar o crime com firmeza e responsabilidade.
Ao desqualificar uma ação coordenada entre as polícias com base num formalismo extremo, o magistrado mostra que o bom combate ao crime exige mais do que leis, exige juízo.
Um voto pela razão no Supremo
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
O Supremo Tribunal Federal (STF) julga a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que estabelece salvaguardas essenciais ao debate público no ambiente digital. Pela lei, as plataformas digitais só podem ser responsabilizadas por conteúdos ilícitos publicados por seus usuários caso descumpram uma ordem judicial de remoção: um modelo que impede tanto a censura privada quanto a impunidade. Ao condicionar a responsabilização à deliberação judicial, o marco garante que o poder de censura continue nas mãos do Estado de Direito, e não de algoritmos ou burocratas corporativos.
É essa regra que está sob ameaça. Os votos dos ministros Dias Toffoli e Luiz Fux rasgam a letra e o espírito do marco, ao propor a responsabilização imediata das plataformas sempre que notificadas por usuários. Nas práticas sugeridas – remoção sumária, responsabilização automática, punição sem mediação judicial – emerge um novo modelo de censura, em que empresas privadas, sob risco de sanção, devem decidir o que é verdadeiro ou aceitável. Toffoli atribui às plataformas obrigações vagas e ilimitadas, propõe a criação de uma instância estatal de vigilância permanente e sugere um “decálogo” de remoções obrigatórias, sem previsão legal. Fux quer inverter o ônus da judicialização: as redes deveriam, primeiro, remover qualquer conteúdo notificado e, só depois, recorrer à Justiça para restabelecê-lo. Um atropelo ao devido processo legal.
Contra essas tendências alarmantes se ergueu o voto de André Mendonça. Com um raciocínio jurídico robusto, o ministro reafirmou a liberdade de expressão como pilar do Estado Democrático de Direito e rejeitou o ativismo judicial disfarçado de proteção institucional: cabe ao Congresso deliberar sobre o regime legal da internet; não é papel do STF reescrever a lei à luz de circunstâncias políticas ou ansiedades sociais; e o artigo 19 não só é constitucional, como é eficaz para equilibrar direitos fundamentais e liberdade de expressão.
Mendonça lembrou que as plataformas já moderam bilhões de publicações com base em seus termos de uso, alertou para os riscos de transformar a liberdade de expressão em concessão condicional e foi firme ao declarar a inconstitucionalidade da exclusão de perfis inteiros – salvo quando falsos ou criminosos – como censura prévia.
O contraste é gritante. Enquanto Toffoli e Fux propõem um retrocesso perturbador, que terceiriza a censura e multiplica riscos de abuso, Mendonça preserva a arquitetura institucional construída pelo legislador após anos de deliberação e ampla consulta pública. Ele reconhece que a liberdade de expressão só é plena quando protegida contra o arbítrio estatal e o privado.
O voto de Luís Roberto Barroso, embora menos desatinado que os anteriores, também enfraquece a exigência de ordem judicial, ao permitir remoções baseadas em notificações em casos que vão além dos crimes contra a honra. Seu modelo do “dever de cuidado” acena à moderação, mas é conceitualmente inconsistente, normativamente inseguro e operacionalmente perigoso. Ao estabelecer padrões vagos como “falhas sistêmicas” e atribuir às plataformas uma responsabilidade difusa pelo ambiente digital, Barroso inaugura um regime de incerteza que, embora menos desastroso que o de Toffoli, ainda compromete a liberdade de expressão e incentiva a remoção preventiva.
Tudo indica que a tendência da Corte é pela inconstitucionalidade do artigo 19. A ser assim, espera-se que o voto de Mendonça ao menos influencie os ministros a conterem danos, adotando critérios objetivos e limites claros, como os que Barroso ensaiou – imperfeitos, mas preferíveis ao arbítrio puro. Ainda assim, será uma derrota para a democracia brasileira. Uma vez aberta a porta da censura difusa, será difícil fechá-la.
O voto de Mendonça não é só tecnicamente impecável. É um alerta institucional e uma reafirmação da separação dos Poderes. Em tempos de histeria regulatória, é bom saber que ainda resta, na mais alta Corte, quem compreenda que a liberdade de expressão é o primeiro e último bastião das sociedades livres.
STF: entre o regimento interno e a Constituição
Por Diogo L. Machado de Melo, Hamilton Dias de Souza, Humberto Bergmann Ávila, José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro, Miguel Reale Júnior e Renato de Mello Jorge Silveira / O ESTADÃO DE SP
A separação dos Poderes é fundamento do constitucionalismo moderno, concebido como instrumento de limitação do poder estatal e de salvaguarda da liberdade política.
A Constituição de 1988 consagrou, com equilíbrio, a independência e a harmonia entre Legislativo, Executivo e Judiciário, atribuindo a cada um competências próprias e funções atípicas específicas.
Observa-se, no entanto, crescente atuação normativa do Supremo Tribunal Federal (STF). Não só por meio da integração de princípios constitucionais, que já suscitam problemas pontuais, mas, sobretudo, por uma compreensão ampliada do papel do seu regimento interno, especialmente quanto à possibilidade de adentrar em matéria processual. Esse protagonismo suscita preocupação quanto aos limites dessa atuação à luz da separação dos Poderes e das competências legislativas reservadas ao Congresso Nacional.
O artigo 96, inciso I, “a” da Constituição federal atribui aos tribunais do País competência privativa para dispor, por meio de seus regimentos, sobre sua organização e funcionamento. Essa prerrogativa sempre foi compreendida como limitada aos aspectos internos da vida judiciária, voltados ao bom desempenho institucional, sem se estender à criação de normas processuais gerais. Até porque a Constituição é clara ao estabelecer, no artigo 22, inciso I, que compete privativamente à União legislar sobre direito processual.
O artigo 96, inciso I, “a” da Constituição não trata de uma competência específica do STF. Refere-se à elaboração de regimentos de todos os tribunais do País. Admitir a ampliação da atuação normativa com base nesse dispositivo equivaleria a aceitar que cada tribunal possa ser regido por normas processuais próprias, o que seria inaceitável.
Contudo, os limites desse dispositivo vêm sendo distorcidos por interpretações que ampliam o alcance do regimento interno, transformando-o em instrumento normativo de largo espectro. Tem-se adotado interpretação elástica, atribuindo ao regimento caráter de norma especial, apta a coexistir e, em certos casos, a sobrepor-se à legislação processual comum.
Tal compreensão contraria a jurisprudência histórica da Corte, que sempre afirmou que o exame das matérias sujeitas ao regimento não envolve questão de hierarquia ou especialidade, mas de campos distintos de regulação (ADI 1.105-MC, relator ministro Paulo Brossard). Sem decisão prévia para redefinir a delimitação entre as esferas de competência dos regimentos e da lei processual, o STF passou, na prática, a ampliar o que seria admissível em matéria regimental.
Há vários exemplos dessa distorção. Como já decantado por muitos, a instauração do inquérito 4.781 com base no artigo 43 do Regimento Interno do STF é paradigmática. Destinado inicialmente a apurar ofensas dirigidas à Corte, o inquérito ampliou-se em escopo e duração, assumindo contornos difusos e alheios às garantias típicas do processo penal democrático. A norma regimental que lhe deu origem – voltada a proteger o funcionamento da Corte – foi interpretada para legitimar investigações genéricas e de objeto indefinido, em flagrante descompasso com o modelo acusatório previsto na Constituição.
Outros desdobramentos também merecem reflexão. Como já discutimos no Estadão (STF: monocratismo e o dever de colegialidade, 16/3, A8), outro ponto recorrente de crítica é o uso reiterado de decisões monocráticas, muitas em matérias de repercussão nacional. Tal prática, além de comprometer o princípio da colegialidade – fundante da legitimidade das decisões judiciais –, concentra excessivo poder individual nos ministros, contrariando o desenho constitucional de deliberação plural. Ademais, as regras do Código de Processo Civil de 2015, que densificam as garantias do devido processo legal e do contraditório, têm sido apequenadas em razão de interpretação abrangente das atribuições do relator previstas no artigo 21, incisos IV e V, do regimento.
Não menos grave é a negativa, com respaldo em norma regimental, de sustentações orais em agravos interpostos em habeas corpus, prática que afronta o estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e compromete o pleno exercício do direito de defesa. Também aqui o regimento é utilizado como fonte de limitação a prerrogativas legalmente asseguradas, gerando fricções normativas e insegurança quanto aos direitos dos jurisdicionados.
Tais exemplos revelam que a expansão da força normativa do regimento interno gera desequilíbrios no sistema de freios e contrapesos. Um regime fundado em liberdades públicas pressupõe que nenhuma instituição exerça suas funções de modo incontrastável. O controle recíproco entre Poderes, essência do Estado Democrático de Direito, exige transparência, responsabilidade e respeito às competências mutuamente atribuídas.
Esse não é o único desafio a ser enfrentado. Mas, ao adotar interpretação autônoma e extensiva de seu regimento interno, o STF tem comprometido a dinâmica de contenção entre os Poderes que a Constituição estrutura. Em última análise, a hipertrofia normativa do STF enfraquece o alicerce da separação institucional e desafia a legitimidade das estruturas democráticas.
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ADVOGADOS, SÃO MEMBROS DA COMISSÃO DE ESTUDOS SOBRE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DO INSTITUTO DOS ADVOGADOS DE SÃO PAULO (IASP)
Mendonça está certo sobre regulação das redes
O regime constitucional brasileiro assegura a ampla liberdade de expressão e proíbe categoricamente a censura. Qualquer regulamentação das atividades de comunicação precisa respeitar esses mandamentos sob pena de ser banida do ordenamento legal.
O Marco Civil da Internet, promulgado em 2014 após amplo debate na sociedade e no Congresso Nacional, atende satisfatoriamente aos requisitos constitucionais.
Em seu artigo 19, o código determina que as plataformas que provêm o serviço podem ser responsabilizadas legalmente apenas no caso de se recusarem a cumprir ordem judicial determinando a remoção de conteúdo produzido por usuários.
Nada mais coerente com a ampla garantia à expressão do que delegar decisões de banir manifestações, que ainda assim deveriam ser excepcionais e criteriosas, à autoridade do Poder neutro do Judiciário, cujas ordens devem estar embasadas em sólida argumentação legal e estão em regra sujeitas a recurso e revisão.
O intérprete canônico dos códigos não terá, portanto, estranhado a argumentação do ministro André Mendonça no julgamento que discute a responsabilização de provedores. Ele foi o primeiro dos quatro do Supremo Tribunal Federal que se manifestaram até agora —também votaram Dias Toffoli, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso— a reconhecer a adequação do artigo 19 à Carta.
Mendonça foi além ao afirmar que, à luz da Constituição, a Justiça não deveria agir para derrubar perfis inteiros das redes sociais, como se tornou frequente em ordens de seu colega Alexandre de Moraes. Que se remova a publicação específica que fere a lei, mas é abusivo proibir seu autor de continuar a se expressar.
O ministro lembrou da importância de resguardar direitos fundamentais que têm sido ignorados no país —como o de as partes atingidas por ordem de remoção terem acesso ao teor da acusação, para que possam se defender.
Ordens secretas, emitidas sem que o acusado tenha o direito de conhecer a acusação, remetem às piores práticas do absolutismo monárquico que predominou na Europa entre os séculos 16 e 17 —e constituem abominação.
É lamentável constatar que o juízo de bom senso e de rigorosa aderência aos princípios constitucionais expressado pelo ministro tende a ser francamente minoritário na cúpula da Justiça.
A maioria do tribunal, outrora guardiã zelosa da ampla liberdade de expressão, converteu-se à heterodoxia e ao relativismo. Considerações subjetivas e meândricas sobre a mudança dos tempos e das tecnologias ganham precedência sobre a extração direta do significado dos textos legais e julgados fundamentais.
A prevalecer a tendência dos primeiros votos, o STF também caminha para mais invasão de atribuições do Legislativo. A tarefa de regular a internet, aliás já realizada em 2014, é do Congresso. Os ministros deveriam reconhecer sua limitação nesse caso.
‘MC Poze do Rodo também é um problema de economia’; Pedro Fernando Nery explica em vídeo
Por Redação / O ESTADÃO DE SP
A recente prisão e soltura de MC Poze do Rodo reacendeu um debate que vai além da segurança pública ou da liberdade artística. Ele foi preso pela Polícia Civil do Rio de Janeiro pela ligação com o Comando Vermelho e por suposta apologia ao crime. O artista tem cerca de 6 milhões de seguidores em uma das redes sociais.
“Tenho pensado em referências para as crianças. Esse é um tema que a gente começa a pensar mais quando a gente é pai, mas é um tema que me interessa também como economista”, diz o colunista Pedro Fernando Nery (veja esse programa na íntegra no vídeo acima).
No programa Chama o Nery desta semana, ele discute o impacto dessas referências para o desenvolvimento econômico de um país. Nery cita um estudo de Stanford que mostra o efeito positivo da diversidade na produtividade de uma economia. O trabalho, diz ele, mostra que entre 20% e 40% do crescimento dos Estados Unidos nas últimas décadas foi devido ao fato de haver mais mulheres e mais negros exercendo trabalhos que antes estavam disponíveis só para homens.
A tese central é que o talento é universal, mas o acesso a oportunidades não. “Se uma parte da população não acessa as melhores profissões mais compatíveis com o seu talento, com as suas preferências, a economia como um todo perde.”
Parte do problema, diz Nery, é a discriminação. “Essa é uma barreira importante, mas acho que há outra que a gente tem e que impede os mais pobres de exercerem todo o seu potencial e impede a nossa economia de crescer, tem a ver também com referências.”
“É muito difícil você se imaginar sendo uma coisa que você não viu ninguém parecido na sua família, na sua vizinhança, na produção cultural do seu país.” O exemplo de figuras como Joaquim Barbosa (ex-ministro do SF) e Maju Coutinho (apresentadora da Globo) é positivo para a sociedade: “Tem uma explosão no cérebro de várias crianças que passam a falar: ‘Olha, uma pessoa da minha cor, uma pessoa com o meu cabelo pode ser isso, pode ser jornalista.’”
No entanto, alerta que referências negativas têm o efeito contrário. “Você pode ter um círculo virtuoso ou círculo vicioso a depender das referências que estão presentes num determinado momento.”
A discussão, para ele, deveria ultrapassar o campo cultural e entrar na agenda econômica. “Será que a gente precisa discutir mais as referências que estão disponíveis para as crianças negras? Será que não é hora também de a gente não só alimentar as referências positivas, mas combater as referências negativas para a gente ter todo o potencial humano incrível que essas crianças têm destravado em benefício não só da sua vida, mas também da vida de todo mundo?” Ele afirma que o Brasil perde quando suas crianças são expostas apenas a exemplos que reforçam a desigualdade. “O MC Poze do Rodo também é um problema de economia.”
Polícia Federal indicia prefeito de Iguatu e mais 3 por crimes eleitorais e associação criminosa
A Polícia Federal (PF) indiciou o prefeito de Iguatu, Roberto Filho (PSDB), por supostos crimes eleitorais nas eleições do ano passado. Os investigadores também identificaram que o tucano teria cometido os crimes de associação criminosa e "caixa dois". Em nota, o gestor afirmou que "o indiciamento antes de nos ouvir parece-me uma precipitação" e que está seguro "que tudo será devidamente esclarecido".
Além do prefeito, também foram indiciados Thiago Oliveira Valentim, que seria integrante de uma facção criminosa na cidade; Márcia Rúbia Batista Teixeira, a advogada presa no ano passado por suspeita de envolvimento com tráfico de drogas; e Anderson Teixeira, representante da chapa vitoriosa no pleito eleitoral.
O suspeito de um crime é indiciado quando a autoridade policial identifica que há indícios suficientes de autoria e materialidade (provas) de que tal pessoa cometeu o ato ilícito.
Conforme despacho da Delegacia da PF em Juazeiro do Norte obtido pelo Diário do Nordeste, a apuração foi iniciada a partir de uma requisição da Promotoria da 13ª Zona Eleitoral. O esquema envolvia principalmente crimes de "caixa dois" e coação eleitoral, além de associação criminosa.
Acusações
A PF apontou despesas de campanha não identificadas (falsidade ideológica) e não contabilizadas na prestação de contas de campanha do prefeito Roberto Filho.
As investigações também encontraram gastos com camisetas de campanha a favor do então candidato que não foram registrados na prestação de contas. Ainda segundo o inquérito, pessoas que trabalharam na campanha de Roberto Filho teriam recebido pagamentos em espécie sem assinar os recibos, ou recebiam apenas parte do valor total registrado na prestação de contas.
Já o crime de coação eleitoral teria como figura central Thiago Oliveira Valentim, que supostamente exerceria uma posição de liderança em uma organização criminosa da região. Há indícios de que ele teria impedido propagandas de candidatos que não tivessem sua autorização na região. O grupo ainda será intimado, qualificado e interrogado pela PF.
O que diz a defesa?
Ao Diário do Nordeste, a assessoria de imprensa da Prefeitura de Iguatu enviou uma nota em que reforça haver "distinções claras sobre os fatos apurados e os investigados no âmbito das eleições municipais de 2024 no município de Iguatu".
O prefeito afirmou ainda que "as contas referentes à campanha eleitoral já foram devidamente aprovadas pela Justiça Eleitoral". Segundo ele, "as primeiras ilações sobre esse caso, vieram de um delegado da Polícia Civil, que foi afastado do caso por pedido do Ministério Público".
Veja a nota da assessoria na íntegra:
O Despacho nº 2204499/2025 da Polícia Federal apresenta distinções claras sobre os fatos apurados e os investigados no âmbito das eleições municipais de 2024 no município de Iguatu/CE.
Conforme descrito no documento, os indícios de coação eleitoral, conduta prevista no art. 301 do Código Eleitoral (coagir alguém, mediante violência ou grave ameaça, a votar ou deixar de votar), são atribuídos exclusivamente ao investigado Thiago Oliveira Valentim, conhecido como “Thiago Fumaça”, bem como a outras pessoas citadas nos relatórios técnicos da Polícia Civil que analisaram dados extraídos do celular do investigado. Em nenhum trecho do despacho há qualquer imputação dessa conduta a Carlos Roberto Costa Filho (Prefeito Municipal) ou a Anderson Teixeira Nogueira.
Quanto ao Prefeito, o despacho indica a existência de indícios de falsidade ideológica eleitoral, conforme o art. 350 do Código Eleitoral, relacionados a eventuais inconsistências na prestação de contas de campanha, matéria de natureza contábil e documental. Ressalte-se que tais apontamentos não envolvem violência, ameaça ou qualquer tipo de coação.
Além disso, as contas da campanha eleitoral de Carlos Roberto Costa Filho já foram analisadas e aprovadas pela Justiça Eleitoral, o que reforça a ausência de elementos que pudessem ensejar irregularidade grave no aspecto financeiro ou material da campanha.
Por fim, é importante destacar que investigações criminais em andamento não produzem automaticamente efeitos civis, como perda de mandato eletivo, salvo quando há ação judicial específica, com devido processo legal, ampla defesa e contraditório. O despacho em questão trata apenas da fase de inquérito policial e não configura julgamento, responsabilização definitiva ou condenação de qualquer natureza.
Operação mira suspeitos de integrarem o Comando Vermelho e comandar tráfico em Fortaleza
Aléxia Sousa / FOLHA DE SP
Cinco pessoas foram alvos de mandados de prisão e de busca e apreensão nesta terça-feira (3) durante operação do Ministério Público do Ceará contra supostos integrantes do Comando Vermelho que atuariam no tráfico de drogas em Fortaleza.
Segundo a investigação, o grupo seguia ordens de chefes da facção escondidos na favela da Rocinha, na zona sul do Rio de Janeiro.
Foram apreendidos celulares e anotações. De acordo com o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas do Ministério Público), há indícios de que os alvos da operação tenham ligação direta com essas lideranças do Comando Vermelho no Rio. A ação foi batizada de Operação Evolutio.
O grupo desarticulado, segundo o Ministério Público, contava com operadores financeiros — em sua maioria, mulheres — responsáveis pela contabilidade do tráfico e pela administração da venda de drogas.
A investigação começou após a apreensão de dois celulares dentro da Unidade Prisional Itaitinga 4, na região metropolitana de Fortaleza. Segundo os promotores, o conteúdo mostrou que dois detentos da mesma cela usavam o aparelho para comandar pontos de venda no bairro Conjunto Ceará e recebiam ordens diretas de líderes do Comando Vermelho na Rocinha.
"Para isso, eles contavam com o apoio de pessoas para comercializar as drogas e recolher o dinheiro, além de operadores financeiros, em sua maioria mulheres, que eram responsáveis pela contabilidade do apurado, divisão, administração e comercialização dos entorpecentes", afirmou a Promotoria.
A ação desta terça ocorre três dias depois de uma operação da Polícia Civil do Rio na comunidade carioca para localizar criminosos que, mesmo fora do Ceará, coordenavam ataques a provedores de internet no estado. Desde abril, ao menos 45 pessoas foram presas por envolvimento nesses atentados.
Os suspeitos, segundo a polícia, teriam extorquido funcionários de empresas de internet, exigindo parte do valor arrecadado com as mensalidades para que elas continuassem funcionando.
Conforme as investigações, a facção autora dos ataques cobrava, com ameaças, uma taxa de R$ 20 por cliente às empresas. Se a provedora se negasse a repassar esses valores, eram destruídas as redes de fibra ótica, caixas de transmissão e antenas, além de suas lojas serem alvo de invasão e pichação.
Dos sete mandados expedidos pela Justiça, cinco foram cumpridos — três alvos já estavam presos. As ordens foram executadas em Fortaleza e Caucaia, com apoio da Polícia Civil e da Secretaria de Administração Penitenciária do Ceará. A investigação é conduzida pelo Gaeco com apoio da Vara de Delitos de Organizações Criminosas do estado.
Mendonça retoma julgamento do Marco Civil da Internet com voto mais favorável às big techs
Ana Pompeu / FOLHA DE SP
O ministro André Mendonça, do STF (Supremo Tribunal Federal), dará o voto da retomada prevista para esta quarta-feira (3) do julgamento das ações que discutem a responsabilidade das redes sociais.
A expectativa é que o magistrado abra uma terceira corrente, com um voto mais favorável às big techs. Mendonça tem uma posição de defesa da liberdade de expressão e se preocupa com possíveis excessos da decisão da corte.
O julgamento foi suspenso em dezembro após um pedido de vista —mais tempo para reflexão— de Mendonça, que devolveu a matéria ao plenário no último dia 26. Na quarta (28), o presidente da corte, ministro Luís Roberto Barroso, definiu a data para o retorno do tema à discussão.
Até o momento, há três votos, dos relatores dos dois recursos (Dias Toffoli e Luiz Fux) e de Barroso, que pediu a primeira vista e abriu divergência. Os dois primeiros ficam numa ponta, impondo mais regras às empresas, enquanto Barroso apresentou proposta mais moderada.
Os relatores estabelecem deveres extras para as plataformas e, como nova regra geral, que as empresas passem a ser responsabilizadas a partir do momento em que forem notificadas.
Barroso, por sua vez, defendeu que o artigo 19 do Marco Civil da Internet, em discussão, é insuficiente para o cenário atual, que demandaria regulação, mas não deve ser derrubado por completo. Em casos de ofensas e crimes contra a honra, segundo ele, a necessidade de decisão judicial prévia deve continuar valendo.
Mendonça deve, portanto, ter um voto mais próximo ao texto vigente e defender que as plataformas já mantêm o que é conhecido como blocklist, ou seja, as listas de conteúdos maliciosos, hostis ou que de alguma maneira afetem negativamente os usuários de internet.
Além de Mendonça, faltam votar Flávio Dino, Cristiano Zanin, Kassio Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Cármen Lúcia e o decano Gilmar Mendes.
O Marco Civil da internet é uma lei de 2014 que estabelece direitos e deveres para o uso da internet no país. À época, o artigo 19 foi aprovado sob o argumento de assegurar a liberdade de expressão. O objetivo era evitar que as redes removessem conteúdos em excesso por medo de serem responsabilizadas.
O trecho em debate pela corte prevê que as big techs só possam ser responsabilizadas por publicações de terceiros, pagando indenizações, se não agirem após decisão judicial, com exceção de casos de violação de direitos autorais e imagens de nudez não consentidas.
O clima no Supremo é favorável a estabelecer limites às redes. No entanto, o número de variáveis colocadas no debate deve dificultar a construção da tese sobre o assunto.
O decano comentou o tema nesta segunda-feira (2). Gilmar Mendes afirmou que o julgamento "pode significar, pelo menos, um esboço de regulação da mídia social".
Em um discurso duro, o ministro afirmou que a manutenção do status quo perpetua "um regime de irresponsabilidade" que permite às plataformas "exercerem poder quase que soberano sobre o discurso público sem qualquer supervisão democrática".
Ainda que apenas três ministros tenham votado até o momento, outros ministros têm feito comentários ao longo das sessões, no geral com críticas às big techs.
O ministro Flávio Dino, por exemplo, entende que o sistema legal instituído pelo marco não permanecerá nos mesmos termos. "Isso para mim é uma certeza aritmética", disse durante evento promovido pela revista Piauí.
Na ocasião, ele indicou que vai propor alguns elementos diferentes daqueles já apresentado pelos colegas em plenário. Na visão de Dino, hoje a quantidade de publicações feitas significa que a danosidade produzida pelas redes sociais é, também, maior que em 2014, quando o texto da lei foi concluído.
Os argumentos a respeito dos riscos à liberdade de expressão não são, para o ministro, sustentáveis na medida em que todos os setores da economia e da vida são regulados.
O ministro Alexandre de Moraes também deve dar um voto com mais obrigações às empresas e num sentido oposto ao de Mendonça. Relator do inquérito das fake news, o magistrado lida com o tema desde 2019.
O ministro tem se dedicado ao tema também fora do STF. Em meio a embates com grandes empresas de tecnologia, ele fez um discurso de cerca de 40 minutos aos novos alunos da Faculdade de Direito da USP em fevereiro com várias críticas às big techs.
"Elas não são neutras. São grupos econômicos que querem dominar a economia e a política mundial, ignorando fronteiras, ignorando a soberania nacional de cada país, ignorando legislações, para terem poder e lucro", afirmou.
Em julgamento, a liberdade de expressão
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma hoje o julgamento de dois recursos extraordinários que tratam da suposta inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. Esse é o dispositivo legal que fixa critérios para que as empresas de tecnologia possam ser civilmente responsabilizadas por conteúdos publicados por terceiros em suas plataformas, notadamente as redes sociais. O reinício do julgamento é ocasião para este jornal reafirmar seu entendimento de que o artigo 19 é plenamente constitucional. Não há uma vírgula em sua redação que não esteja coadunada com a Constituição – nem tampouco com o Código Penal.
Mas, a título de argumentação, digamos que o referido dispositivo fosse, de fato, inconstitucional. Ora, bastaria ao STF dizê-lo e deixar a cargo do Congresso a análise sobre a pertinência de reescrevê-lo, se o Legislativo achar que é o caso. Porém, não é isso o que parece estar em vias de acontecer, a julgar pelas palavras do ministro decano da Corte. Em Paris, Gilmar Mendes afirmou que a decisão que o STF vier a tomar pode ser “um esboço de regulação da mídia social” no Brasil. A ser assim, o STF usurpará uma competência do Congresso, redefinindo, na prática, os limites da liberdade de expressão no País.
O espírito que anima a Corte nesse julgamento não é nada bom, muito ao contrário: há uma nítida inclinação para a censura, ainda que o mal venha disfarçado sob o manto iluminista da purgação do debate público online por meio do combate ao que alguns ministros entendem por “fake news” e “discursos de ódio”.
Em grande medida, a despeito de jamais ter sido um direito absoluto, a liberdade de expressão está sob risco de ser cerceada no País porque o STF está debruçado sobre esse julgamento com base em duas falsas premissas. A primeira e mais gritante delas é a suposta “omissão” do Congresso para “atualizar” o Marco Civil da Internet, restando à Corte, uma vez provocada, preencher esse vácuo institucional. Não é assim que funciona uma república baseada na tripartição dos Poderes. O Congresso não se omitiu. Pouco tempo atrás, o Projeto de Lei (PL) da regulamentação das chamadas big techs, incorretamente designado como “PL das Fake News”, estava prestes a ser votado, mas foi retirado de pauta por decisão da maioria dos líderes partidários em razão da falta de consenso para votar a matéria em plenário – uma decisão, diga-se, rigorosamente legítima.
A segunda falácia é a suposta transformação da internet numa “terra sem lei”, um espaço no qual os cidadãos estariam livres para cometer toda sorte de crimes sob o beneplácito das big techs, interessadas que são em disseminar conteúdos que geram tráfego, não necessariamente lícitos, em busca de visualizações, engajamento, publicidade e dinheiro – muito dinheiro. Ora, é evidente que o ânimo dessas empresas é o lucro, e não o desejo de se firmarem como vestais do debate público na ágora moderna.
Também é fato que o Marco Civil da Internet pode ser revisitado, até para obrigar as empresas de tecnologia a serem transparentes no que diz respeito à arquitetura de seus algoritmos e de seus modelos de remuneração. Mas é simplesmente mentiroso afirmar que, a não ser por meio dessa intervenção antirrepublicana do STF, os usuários e as empresas permanecerão isentos de quaisquer responsabilidades – inclusive penal, no caso dos cidadãos – por conteúdos criminosos que circulam nas redes sociais.
Por seu equilíbrio, fruto de um longo e profícuo debate no Congresso, o modelo brasileiro de responsabilização civil das big techs, mas não só, é tido como um paradigma internacional. Para Tim Berners-Lee, ninguém menos do que o criador da internet como a conhecemos, o Marco Civil brasileiro foi aprovado como o prenúncio de “uma nova era” ao respeitar o espírito de liberdade que o inspirou e, ao mesmo tempo, garantir que o ambiente digital não se tornasse uma área livre para a prática de crimes.
Ao pretender substituir o Legislativo na definição do que pode ou não circular pelas redes sociais, o STF não apenas abastarda seu papel institucional, como ameaça criar um perigoso precedente: o de que direitos fundamentais, como a liberdade de expressão, podem ser relativizados por interpretações e interesses circunstanciais de uma maioria de togados.