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Sérgio Moro: perseguido pelas virtudes, não pelos defeitos grotescos

Por Fabiano Lana / oO ESTADÃO DE SP

 

O hoje periclitante senador Sérgio Moro tem sido um político bisonho, pode ter cometido abusos durante a condução da Operação Lava Jato, foi oportunista ao se unir ao ex-presidente Jair Bolsonaro, e deixou a ambição cegá-lo em tantos momentos de sua trajetória. Mas a aversão de setores da sociedade pela sua figura não se deve exatamente a esses defeitos apontados. Se deve ao fato de ele ter atingido um grupo político ao desnudar bilionários esquemas de corrupção que acabaram por atingir até mesmo o atual presidente Lula.

 

Quando o então juiz Sérgio Moro decidiu deixar a magistratura para se tornar ministro da Justiça de Bolsonaro, um experiente e perspicaz congressista comentou com esse colunista: “Agora Moro vai perceber como é dura a vida na política. Terá de fazer coisas que não é acostumado, como negociar, ceder, firmar acordos com quem não gosta e vai apanhar muito da imprensa”. Dito e feito. Naquela época, inclusive, análises apontavam que Bolsonaro havia errado ao colocar alguém “maior politicamente do que ele” como auxiliar. O ex-presidente, talvez, quisesse apenas diminuir um potencial rival deixando-o bem por perto. Vai ver que recebeu aquele meme do chinês Lao Tsé que dizia, a cinco séculos antes de Cristo, “Mantenha os amigos perto de você e os inimigos mais perto ainda”.

 

Poucos meses antes, no auge da Lava Jato, Moro era o maior herói nacional, sem nenhuma dúvida. Eram tempos em que se desvendavam desvios bilionários nas estatais, utilizados para enriquecimentos pessoais e para a eternização de projetos de poder. Nos carnavais bonecos e máscaras do juiz eram aplaudidos pelos foliões. Em um país que atravessava uma recessão feroz, imaginava-se que toda culpa fosse dos esquemas de corrupção conduzidos por políticos de todos os vieses, mas principalmente pelo Partido dos Trabalhadores. O juiz federal de Curitiba era o herói que viria nos salvar.

 

A Lava Jato de Curitiba foi um tiro de fuzil no Partido dos Trabalhadores, que demorou uns anos a se recuperar. Já a Lava Jato de Brasília, conduzida pelo ex-procurador-geral Rodrigo Janot atingiu principalmente os partidos do centro e do centrão, principalmente o MDB de Michel Temer e o PSDB de Aécio Neves (nesse caso, o tiro pode ter sido fatal). Ambas as operações, do sul do país e da capital, souberam ser midiáticas a ponto de dominar massivamente os noticiários. Tornou-se rotina dos brasileiros acordar com a notícia de um figurão em cana – em prints enviados por algum grupo de WhatsApp com fotos de tal sujeito, algemado, muitas vezes conduzidos por um agente de feições orientais, a adentrar num camburão da Polícia Federal.

 

Nesse cenário de desolação e corrupção, o brasileiro passou a procurar alguém fora de tal sistema para ser seu condutor de dentro do Palácio do Planalto. Houve alguns cometas políticos de ocasião, como o ex-ministro do STF, Joaquim Barbosa, algoz do PT no mensalão. Ele desistiu. O então prefeito de São Paulo, João Dória, também viu sua chance de ir para a Presidência. Considerado outsider, foi vetado pelo próprio partido, o PSDB.

 

Nessa procurar pela barata do holocausto na política, o brasileiro passou a prestar cada vez mais atenção em Jair Bolsonaro. Mesmo com sete mandatos consecutivos na Câmara dos Deputados, em geral por partidos também atingidos pelos escândalos mostrados na TV, o capitão soube se apresentar como a novidade contra tudo aquilo que estava ali e conquistou o Planalto. Não existe “se” na história, mas podemos abrir uma exceção: se Sérgio Moro tivesse se candidato em 2018 teria vencido as eleições. Era o juiz que havia colocado o ex-presidente Lula na cadeia – o maior troféu possível numa sociedade então dominada pelo antipetismo.

 

Talvez Moro tenha percebido que o cavalo selado passou na sua porta, mas ele não montou. Talvez achasse que poderia ser sucessor de Bolsonaro. Ou, mais humilde, um ministro do Supremo Tribunal Federal. Foi aí que, vitimado pela picada da mosca azul, aceitou ser ministro da Justiça.

 

O fiasco de sua atuação no ministério foi notável. À esquerda, ficou provada a teoria da conspiração de que o “fascista” Sergio Moro perseguia politicamente Lula. O vazamento de suas conversas com os integrantes da Lava Jato, com direito a momentos de deslumbramento explícito de procuradores como Deltan Dallagnol, não facilitaram as coisas para ele. Do lado do bolsonarismo, não se adaptou em ser um membro de uma seita na qual todo o rebanho precisa pensar e se expressar exatamente como o líder para não sofrer retaliações. Moro entrou grande e saiu pequeno do ministério, acusando seu ex-chefe de abuso de poder. A esquerda continuou o odiando. A direita passou a tratá-lo como traidor e sua influência na imprensa se esvaía.

 

Em 2022, tentou ser candidato a presidente pelo Podemos, não conseguiu. Tentou ser candidato a presidente pelo União Brasil, não conseguiu. O resquício de popularidade foi suficiente para elegê-lo senador pelo Paraná. Tentou se reconciliar com Bolsonaro aparecendo junto a ele num debate presidencial – algo meio fantasmagórico. E logo após, passou a enfrentar um processo de cassação conduzido por integrantes do partido bolsonarista em parceria com o Partido dos Trabalhadores. Mesmo que seja absolvido é um processo como um todo humilhante. De vez em quando vazam notas na imprensa de que pode ir para a cadeia, se condenado.

 

Nessa debacle de Moro, que em parte ele merece, estão tentando colocar um enorme jabuti em cima da árvore: 1) os esquemas de corrupção não teriam ocorrido; 2) Seriam invenções de representantes de Estado direitistas e viciados em poder que poderiam até mesmo atropelar a lei para conseguir seus objetivos. A segunda parte da crítica pode até ser verdadeira, a conferir. Mas daí não decorre que as tenebrosas transações não aconteceram. A suspeita, com grandes chances de ser verdade, é que a perseguição a Moro pode ter uma razão maior: ele foi o maior algoz que o atual presidente Lula e o Partido dos Trabalhadores já tiveram. E isso não poderia ficar impune.

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Opinião por Fabiano Lana

Filósofo e consultor político

STF busca ampliar poderes com foro especial, e oposição reage no Congresso

Julia ChaibMarianna Holanda / FOLHA DE SP

 

O julgamento da ação que discute a ampliação do alcance do foro especial no STF (Supremo Tribunal Federal) tem potencial de ampliar os poderes dos ministros diante do Congresso Nacional e também do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

O avanço do tema na corte já provocou reação de integrantes da oposição, que ameaçam votar uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que restringe o foro caso o Supremo altere as regras atuais, o que é a tendência.

O tribunal já tem cinco votos para determinar que o foro seja mantido mesmo depois do fim do mandato parlamentar de políticos por qualquer causa —renúncia, não reeleição ou cassação.

O tema é discutido após uma mudança feita pela própria corte em 2018, quando ficou decidido que só crimes cometidos durante o mandato e relacionados ao exercício do cargo deveriam ser julgados pelo Supremo.

A mudança nas regras do foro em 2018 reduziu a quantidade de processos que tramitam no tribunal. Dados de 2022 do STF mostram que o número de ações penais e inquéritos na corte caiu 80% em relação ao período vigente antes da mudança da norma.

Se for firmado novo entendimento do Supremo, isso significa que boa parte dos processos de parlamentares continuaria nas mãos do STF, o que aumenta o poder de pressão da corte em relação ao Legislativo —que tem encampado uma série de propostas que contrariam os magistrados.

Na leitura de quem acompanha os bastidores do Supremo, esse é justamente o principal motivo para ministros aumentarem o alcance do foro.

Em outra frente, o julgamento também pode acabar com uma das principais contestações da defesa de Bolsonaro, com efeito em todos os cinco inquéritos nos quais é investigado.

O primeiro caso que ensejou operação contra o ex-chefe do Executivo, em maio do ano passado, é o da suspeita de fraude em cartão de vacina. Na ocasião, foram apreendidos os documentos, o celular e o computador do ex-ajudante de ordens Mauro Cid.

O agravo regimental da defesa de Bolsonaro argumenta que o Supremo não tem competência para julgar o caso e que ele deveria ser remetido para a primeira instância. O argumento é de que não há relação com o mandato de presidente. Com base nisso, os advogados também pediram a nulidade de todas as provas.

Mas as provas obtidas nessa primeira investigação influenciaram todas as outras quatro nas quais Bolsonaro e aliados são investigados. Menos de um ano depois, Cid tornou-se colaborador da Polícia Federal.

Um dos cinco votos já favoráveis à tese de ampliação do foro, o relator, ministro Gilmar Mendes, defendeu que o investigado deve perder a prerrogativa só se o crime foi praticado antes de assumir o mandato.

O julgamento foi interrompido, na sexta-feira (29), por um pedido de vista do presidente do STFLuís Roberto Barroso. O magistrado votou em 2018 para restringir o alcance do foro especial —o que foi visto por uma ala da política como um gerador de impunidade, já que ações penais no Supremo costumavam ter andamento mais lento.

Segundo aliados, Barroso interrompeu o julgamento para analisar melhor o caso por entender que o voto do relator ampliou o alcance do foro para além do entendimento anterior a 2018. Mesmo assim, a aposta no tribunal é que o novo entendimento, que amplia o alcance do mecanismo, deve ser aprovado.

Os ministros Cristiano ZaninDias Toffoli e Flávio Dino acompanharam Gilmar. Mesmo com a suspensão do julgamento, Alexandre de Moraes decidiu antecipar o voto para acompanhar integralmente a posição do relator.

Parlamentares de oposição se queixaram do movimento do STF de mudar a jurisprudência seis anos depois de firmá-la. Bolsonaristas querem, como resposta política, votar no plenário da Câmara a PEC que restringiria novamente o foro.

O texto, de 2017, já foi aprovado pelo Senado, pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e por uma comissão especial da Câmara, aguardando apenas ser pautada para ir a plenário. A proposta restringe o foro especial na Justiça aos presidentes da República (e o vice), da Câmara, do Senado e do STF.

A deputada Bia Kicis (PL-DF) disse ainda que deve tratar deste tema com o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), na próxima semana. "Nos falaremos, com certeza", disse.

"Essa decisão [do STF] caminha no sentido contrário do que o Congresso pretende fazer. Está muito claro que estamos trabalhando para pôr fim ao chamado foro privilegiado ou foro por prerrogativa de função, uma medida que já se mostrou injusta", afirmou.

"O voto do ministro Gilmar, ao contrário, quer ampliar a competência do STF para julgamentos penais, alterando decisão já sedimentada pela maioria da corte há pouco tempo. É a insegurança jurídica batendo mais uma vez a nossa porta", completou.

O deputado Sanderson (PL-RS) diz acreditar que o Supremo tem o objetivo de atingir Bolsonaro, de quem é aliado, ao fazer as mudanças no alcance do foro especial. "Não tenho dúvida que o objetivo é firmar a competência do STF só para abarcar o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro", afirma o parlamentar.

"Isso será um atestado vergonhoso de parcialidade do tribunal, já que no fatídico 8 de janeiro o presidente da República era Lula", continua.

 

Moro divide TRE-PR: veja quem deve votar a favor e contra a cassação

Mônica Bergamo / FOLHA DE SP

 

O julgamento de Sergio Moro (União Brasil-PR) pelo Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) intensificou as apostas sobre o resultado entre profissionais do Direito do estado que estão familiarizados com as votações da corte.

A coluna consultou tanto advogados e juristas que defendem que Moro seja cassado quanto os que sustentam a inocência dele.

Dos sete magistrados que participarão do julgamento, dois são considerados votos seguros contra Moro. Dois são contabilizados como favoráveis a ele. Os outros três são considerados dúvida, tanto pelos aliados quanto pelos opositores de Moro —o que torna o resultado do julgamento imprevisível.

As análises se baseiam em posições já expressadas pelos integrantes do TRE-PR em outros julgamentos ou em declarações anteriores, ainda que feitas fora da Corte.

Os juízes Julio Jacob Junior e José Rodrigo Sade são considerados votos certos contra Moro. Os dois ocupam as vagas destinadas a advogados no tribunal.

Eles integraram uma lista sêxtupla de advogados indicada pelo Tribunal de Justiça do PR, e foram escolhidos e nomeados pelo presidente Lula (PT).

O voto de Jacob, por seus posicionamentos anteriores, é considerado inabalável. O de Sade poderia mudar no desenrolar do julgamento, mas ainda assim ele é computado como anti-Moro.

Os juízes Guilherme Frederico Hernandes Denz e Claudia Cristina Cristofani são considerados votos seguros a favor de Moro.

Ambos fizeram carreira na magistratura. Ela é desembargadora e ele, juiz de Direito.

O maior mistério do julgamento é o voto do relator do caso, Luciano Carrasco Falavinha Souza. Atos e palavras do magistrado já levaram os dois lados da contenda a imaginar que ele seria um voto contrário a suas demandas.

O juiz Anderson Ricardo Fogaça também é tido como um voto indecifrável até o momento.

O presidente do Tribunal, Sigurd Roberto Bengtsson, só vota em caso de empate. Poucos arriscam dizer, neste caso, para que lado do muro o voto dele penderá.

Sergio Moro é alvo de duas ações que o acusam de abuso de poder econômico, caixa dois e utilização indevida dos meios de comunicação social em sua pré-campanha em 2022. Elas são movidas pelo PL (Partido Liberal) de Jair Bolsonaro e pela Federação Brasil da Esperança, que reúne PT, PC do B e PV, legendas da base do governo Lula.

As ações serão analisadas em conjunto. Moro nega a prática dos crimes.

com BIANKA VIEIRA, KARINA MATIAS e MANOELLA SMITH

Relator vota contra cassação de Moro e rebate teses de PT e PL

Catarina ScortecciRenata Galf  / FOLHA DE SP

 

CURITIBA e SÃO PAULO

TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do Paraná começou a julgar na tarde desta segunda-feira (1°) ação eleitoral que pode cassar o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) por suposto abuso de poder econômico.

Encabeçadas pelo PL de Jair Bolsonaro e pela federação do PT de Lula (contendo ainda o PC do B e o PV), as representações, que tramitam em conjunto, apontam que o parlamentar teria feito gastos excessivos no período da pré-campanha eleitoral ligada ao pleito de 2022, o que a defesa do senador nega.

Primeiro a votar, o juiz Luciano Carrasco Falavinha, relator do processo, votou pela improcedência do pedido.

Em seu voto, ele disse que, para comprovar tese das siglas autoras, de que os gastos de pré-campanha devem ser somados, seria preciso comprovar três situações, o que, afirma ele, não foi feito no processo.

Falavinha cita a a demonstração das despesas de campanha dos demais candidatos, para se verificar se houve efetivo desequilíbrio, além da intenção deliberada e declarada de que Moro, desde o início, pretendia ser candidato a senador no Paraná.

"Candidatura não nasce da noite para o dia. São construídas no dia a dia, dentro dos partidos. Não se pode fazer a soma das despesas da pré-campanha para concluir que houve abuso."

O relator também acolheu a tese da defesa de Moro de que apenas as despesas realizadas no Paraná deveriam ser consideradas. Na maioria dos roteiros das passagens aéreas, segundo Falavinha, apenas três eram para o Paraná. O relator aponta que a agenda de Moro só se voltou ao Paraná a partir de 10 de junho de 2022.

"Não há previsão legal sobre gasto de pré-campanha. Por mais que o limite de campanha possa ser utilizado como uma referência", disse ainda.

A corte do TRE é formada por sete juízes.Além do relator, também votam os juízes José Rodrigo Sade, Cláudia Cristina Cristofani, Julio Jacob Junior, Anderson Ricardo Fogaça, Guilherme Frederico Hernandes Denz e o próprio presidente do colegiado, Sigurd Roberto Bengtsson. Os demais magistrados podem pedir vista (mais tempo para análise). Foram reservadas as sessões de 1º, 3 e 8 de abril para o caso.

Se condenado, o ex-juiz perde o mandato e se torna inelegível a partir de 2022, o que o impossibilitaria de concorrer a pleitos até 2030. Ainda, seriam realizadas novas eleições para a cadeira do Senado.

Cabe recurso ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), e os efeitos da decisão só passam a ser válidos após o esgotamento dos recursos.

Ao analisar os diferentes gastos apontados pelo PT e pelo PL, Falavinha avaliou que vários deles não poderiam ser somados como pré-campanha. Entre eles, despesas que acabaram não sendo efetivamente pagas, além do salário pago por sigla como dirigente partidário.

Também rejeitou despesas relativas a motorista particular, serviços de segurança e escolta de Moro —neste contexto, fez menção a riscos que ex-juiz correria, conforme notícias veiculadas.

Falavinha refutou tese do PL de que a contratação de serviço advocatício, no caso de contrato da União Brasil com o primeiro suplente, Luis Felipe Cunha, teria consistido em caixa 2, considerando os elementos do processo. Adicionou que não poderia se falar em simulação no contrato e adicionou que o serviço não foi restrito a Moro.

Ele frisou, porém, que era certo que a contratação teve características que causavam estranheza, como o alto valor (R$ 1 milhão por 4 meses) e a falta de especialidade em direito eleitoral do contratado.

Antes de apresentar seu voto, Falavinha fez uma introdução em defesa da independência do juiz e da impessoalidade. Também disse que o juiz "deve ficar restrito ao processo, ao que consta nos autos", com autonomia em relação à opinião pública.

"Não se vai aqui julgar a Operação Lava Jato, dos seus erros e acertos", disse ele na sequência.

O julgamento teve início com a sustentação oral dos representantes das partes.

O advogado do PL Bruno Cristaldi afirmou que o que se pretende com a ação é "proteger a paridade das armas, a igualdade de condições" entre os concorrentes.

Também reforçou os cálculos do PL sobre quais despesas deveriam ser consideradas eleitorais, discordando da soma feita pelo Ministério Público em parecer.

Fazendo referência ao caso da juíza Selma Arruda, julgado pelo TSE em 2019 e que tem sido apontado como um caso emblemático para a ação agora em análise, ele disse ainda que "sabemos que não é o mesmo julgamento, mas ali se analisaram pontos que são relevantes". "Ali se identifica o que seria razoável gastar no período da pré-campanha", diz ele.

Já Luiz Eduardo Peccinin, advogado do PT, afirmou que "não está sendo julgado aqui a Operação Lava Jato, a trajetória política".

"O que está se julgando é uma trapaça eleitoral, que é aquela de queimar a largada das eleições", disse.

Ele também citou o julgamento da ex-juíza dizendo que a defesa de Moro tenta se afastar o máximo possível do caso, porque saberiam que a situação em análise é muito similar.

A defesa de Moro argumentou que faltam regras que regulem gastos de pré-campanha. "Não há lei que regule pré-campanha no Brasil", disse o advogado Gustavo Guedes, que representa o ex-juiz

O advogado também buscou explorar as diferenças nos cálculos do que seriam os gastos de pré-campanha entre PL, PT e o Ministério Público. "Qual é o valor do abuso? De quanto vocês estão dizendo que o senador Moro se beneficiou ilegalmente para só assim ser eleito senador do Paraná? E até hoje não há uma resposta", questionou.

"Aqui da tribuna foram trazidos valores diferentes de abusos daqueles que estava nas petições iniciais, nas alegações finais."

Guedes também disse que o "caso Selma" é completamente diferente da situação de Moro, argumentando que, no caso dele, não haveria dinheiro privado e praticamente nenhum fornecedor da pré-campanha que também tenha trabalhado na campanha.

Em sua manifestação durante o julgamento, o procurador Marcelo Godoy afirmou que de fato há poucos precedentes sobre gastos na pré-campanha, mas que já há indicativos do TSE no sentido de que eles precisam ser "moderados, proporcionais e transparentes". Em parecer assinado em dezembro, Godoy defendeu a cassação do mandato de Moro.

Segundo as siglas alegaram em suas representações, a campanha de Moro ao Senado se beneficiou da pré-campanha à Presidência da República, quando o ex-juiz da Operação Lava Jato estava no Podemos.

Para elas, o fato de o candidato ter ido à União Brasil e tentado a vaga no Congresso Nacional em vez do Palácio do Planalto tornou os gastos "desproporcionais", o que teria suprimido a chance dos outros concorrentes à vaga no Legislativo.

Ministério Público Federal também vê abuso de poder econômico e, em parecer assinado em dezembro de 2023, defendeu a cassação de Moro.

A defesa argumenta que a eleição de Moro se deu diante de todo o capital político obtido pelo ex-juiz desde a Lava Jato, concluindo não haver impacto relevante dos gastos na pré-campanha no resultado eleitoral. Diz ainda que a ação de investigação tem natureza política.

 

Moraes não dá bola para ‘asilo’ de Jair Bolsonaro e liga para o Exército

Por Eliane Cantanhêde / O ESTADÃO DE SP

 

O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso Marielle no Supremo, telefonou para o comandante do Exército, general Tomás Paiva, para dizer que não há absolutamente nada contra o general Richard Nunes no inquérito conduzido pela Polícia Federal. O telefonema veio na hora certa, quando o também general Braga Neto tenta empurrar para Richard a “culpa” por nomear para a direção da Polícia Civil no Rio o delegado Rivaldo Barbosa, que foi preso no domingo, não apenas por obstruir provas como por ter participado diretamente do planejamento do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes.

 

Sempre tão implacável, Xandão, que também é relator e personagem chave nas investigações sobre a trama do golpe de Estado e outros inquéritos sobre o governo passado, está numa semana que não chega ao extremo de ser paz e amor, mas de esclarecer circunstâncias e reduzir confrontos e tensões desnecessárias. Além de defender o general Richard, informou ao seus pares no Supremo que não dá bola para o “asilo” de duas noites de Jair Bolsonaro na embaixada da Hungria quando a PF lhe retirou o passaporte.

 

O fato foi divulgado pelo The New York Times e confirmado pelos advogados do ex-presidente, mas Moraes não vê elementos para prisão preventiva por risco de fuga e obstrução de Justiça. Segundo relatos, minimizou para colegas de toga nessa linha: Bolsonaro dormiu lá na embaixada, voltou, participou de manifestação e está rodando o País, e daí? Confirma-se a previsão de que Bolsonaro só será preso se for condenado e depois do trâmite em julgado, sabe-se lá quando.

De volta a Marielle e Anderson, os dois generais Braga Neto e Richard Nunes são a personificação da divisão intencionalmente criada nas Forças Armadas na era Bolsonaro. Braga Neto, depois ministro e candidato a vice na chapa de Bolsonaro em 2022, era interventor na Segurança Pública do Rio e foi quem assinou a nomeação do delegado Rivaldo para a Polícia Civil. Richard, legalista, antigolpe, aliado do atual comandante Tomás e próximo chefe do Estado Maior do Exército, era secretário de Segurança.

 

A reação de cada um depois da prisão de Rivaldo entre os mandantes do assassinato de Marielle diz muito sobre quem são. Via advogados, Braga Netto tirou o corpo fora, alegou que sua assinatura era “burocrática” e jogou a bomba no colo de Richard. Já Richard atendeu a jornalistas e, de viva voz, assumiu que a escolha de Rivaldo foi dele, que não tinha a menor ideia do quem ele realmente era e ficou tão chocado quanto as próprias famílias de Marielle e Anderson ao saber do que ele foi capaz.

 

Richard também explicou que seu preferido para a Polícia Civil era outro, que recusou. Admitiu que havia ressalvas na corporação à conduta de Rivaldo, mas, se para alguns essas ressalvas eram consideradas graves, Richard considerou um disse-que-disse, uma intriga típica de corporações, nada perturbador e comprovado. E acrescentou um dado da realidade do Rio, que a Defesa e o Exército reproduzem: afinal, se fosse para levar a sério o que havia contra Rivaldo, quem sobraria? É o caso de apurar exatamente o que diziam os relatórios de inteligência de 2018 sobre Rivaldo.

 

O fato é que, no Rio, cada vez mais no Brasil inteiro, o crime organizado, as milícias e a contravenção estão embolados e infiltrados nas instâncias dos poderes Executivo, Legislativo e judiciário, a ponto de o cidadão e a cidadã já não saberem quem é quem e em quem confiar.

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Opinião por Eliane Cantanhêde

Comentarista da Rádio Eldorado, Rádio Jornal (PE) e do telejornal GloboNews em Pauta

PF prende suspeitos de mandar assassinar vereadora Marielle Franco em março de 2018

Por Gabriel de Sousa Pepita Ortega / O ESTADÃO DE SP

 

BRASÍLIA - Uma operação conjunta da Polícia Federal (PF), da Procuradoria Geral da República (PGR) e do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) prendeu três suspeitos de serem mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes neste domingo, 24.

 

Foram presos o deputado Chiquinho Brazão, seu irmão Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, e o ex-chefe de Polícia Civil do Rio Rivaldo Barbosa.

 

A prisão preventiva ocorre após o anúncio da homologação da delação premiada do ex-policial Ronnie Lessa, ex-policial militar apontado como o responsável por executar a vereadora e o motorista dela, Anderson Gomes, em março de 2018. Os investigadores também trabalham para descobrir a motivação do crime. Em depoimento, o comparsa de Élcio Queiroz - que, segundo a investigação dirigia o carro usado no crime - citou o deputado Chiquinho Brazão, o que motivou a remessa do caso para o STF.

 

A ação da PF, nomeada como Operação Murder Inc., também cumpriu 12 mandatos de busca e apreensão na capital carioca expedidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo a Polícia Federal, a ofensiva tem como objetivo principal investigar os apontados como ‘autores intelectuais’ dos homicídios, mas também são apurados crimes de organização criminosa e obstrução de justiça.

 

A operação também conta com o apoio da Secretaria de Estado de Polícia Civil do Rio de Janeiro e da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), do Ministério da Justiça e Segurança Pública. De acordo com a PF, a operação também apura os crimes de organização criminosa e obstrução de justiça.

'A maior surpresa nisso tudo foi a prisão de Rivaldo Barbosa', diz mãe de Marielle

Por O Globo — Rio de Janeiro

 

Mãe de Marielle Franco, Marinete da Silva, disse que a inclusão do nome de Rivaldo Barbosa na lista de mandantes do assassinato da vereadora do Rio foi uma "surpresa". Delegado de polícia, Barbosa mantinha relação de confiança com a família. Ele trabalhou próximo a Marielle quando ela era assessora do gabinete de Marcelo Freixo e garantiu a Marinete que investigaria o assassinato.

 

— A maior surpresa nisso tudo foi o nome do Rivaldo. Minha filha confiava nele, no trabalho dele — disse Marinete, em entrevista à Globonews.

 

Segundo a mãe, é "difícil" ver o envolvimento no crime de uma autoridade que prometeu investigar o assassinato:

— Ele falou que era questão de honra elucidar esse caso (morte da Marielle). — Quando vive uma coisa dessas com uma autoridade que deveria fazer seu trabalho é mais difícil ainda. Ver o nome dele nessa lama.

 

Irmã de Marielle, a ministra Anielle Franco disse que a família estava "acreditando no trabalho" de Barbosa, que chegou a ser chefe de polícia.

— Surpresa de uma pessoa que foi um dos primeiros contatos com a família. Tanto como irmã como integrante do governo, tem muita coisa que para a gente dá uma sensação de vitória, mas que não acabou.

 

Segundo ela, a família ainda espera novos desdobramentos da investigação para saber o papel de cada investigado no crime:

— A colocação do Rivaldo dá aquele gostinho de que o jogo não acabou.

 

"Foi para Rivaldo Barbosa que liguei quando soube do assassinato da Marielle e do Anderson e me dirigia ao local do crime. Ele era chefe da Polícia Civil e recebeu as famílias no dia seguinte junto comigo. Agora Rivaldo está preso por ter atuado para proteger os mandantes do crime, impedindo que as investigações avançassem. Isso diz muito sobre o Rio de Janeiro", escreveu Freixo.

 

Em entrevista ao vivo ao "Jornal GloboNews", na GloboNews, na manhã deste domingo, Freixo lembrou do dia do assassinato e das reações do delegado que, segundo contou, demonstrou surpresa com a notícia sobre a morte da parlamentar.

 

— Eu liguei para o Rivaldo quando eu tomei conhecimento da morte da Marielle, a Fernanda (Chaves) estava no carro. Fernanda trabalhou comigo e junto com a Marielle por 10 anos, então eu tomei conhecimento imediatamente do que aconteceu e eu me desloquei pro local, eu liguei para o Rivaldo e falei: Rivaldo, mataram a Marielle. Eu não precisei explicar para ele quem era Marielle. Ele sabia quem era. Eu liguei e falei: Rivaldo, mataram a Marielle e eu estou indo para lá. É perto da Prefeitura, eu não sei direito, manda a polícia para lá. E ele, e eu lembro perfeitamente, e é isso que está me deixando indignado e perplexo, ele reagiu com surpresa e disse, "como assim mataram a Marielle?". Porque, se ele sabia, é inacreditável. Um negócio muito sério.

 

Mulher de Freixo, a roteirista Antonia Pellegrino, atual diretora de conteúdo da EBC, disse ter escutado de Barbosa, logo após o crime, para ligar a ele diante de "qualquer coisa estranha, qualquer insegurança":

 

Nunca vou me esquecer de Rivaldo Barbosa recebendo a família e os amigos da Marielle, no dia 15 de março. Ao sairmos da sede da polícia, o então chefe da civil me disse: qualquer coisa estranha, qualquer insegurança, me liga. Hoje Rivaldo foi preso por não deixar a investigação andar", escreveu.

 
 

Mãe de autistas tem direito a redução de jornada sem perda de salário, diz TST

Ao aplicar por analogia a regra do Regime Jurídico Único dos servidores públicos federais (Lei 8.112/1990) que possibilita a redução de jornada de quem tem filho com deficiência sem a diminuição dos vencimentos, a 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que seja mantido o salário de uma empregada de um banco cuja jornada foi reduzida de oito para quatro horas por ser mãe de gêmeas autistas.

 

A bancária, moradora de Alegrete (RS), é empregada da instituição desde 2006 e exerce a função de supervisora administrativa, com carga horária de oito horas e remuneração mensal que inclui gratificação de função. Suas filhas foram diagnosticadas com transtorno do espectro autista (TEA) em 2014. A mulher havia requerido administrativamente a redução de 50% da jornada, mas a empresa negou o pedido.

Na ação trabalhista, ela reiterou a solicitação, argumentando que o transtorno autista das meninas é de moderado a severo em uma delas e severo na outra, e que ambas necessitam de tratamento com equipe multidisciplinar, de alto custo, com acompanhamento constante dos pais.

Vitórias parciais

O juízo de primeiro grau atendeu parcialmente ao pedido e determinou a redução da carga horária para quatro horas diárias, no turno da manhã, sem necessidade de compensação e sem redução salarial. No entanto, a sentença retirou a gratificação de função, por ser destinada a cargo de chefia com jornada de oito horas. Ao examinar o recurso da trabalhadora, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) decidiu incluir a gratificação na remuneração, mas reduziu proporcionalmente o salário e a gratificação.

O relator do recurso de revista da bancária, ministro Agra Belmonte, observou que a situação impõe ônus excessivo à trabalhadora. Além de exigir grande parte de seu tempo, o cuidado com as filhas também emprega boa parte de sua remuneração, pois as crianças precisam de acompanhamento médico, fonoaudiológico e psicopedagógico.

Na avaliação de Belmonte, se o servidor federal tem a prerrogativa de reduzir a jornada sem perda de remuneração, os empregados regidos pela CLT também devem ter direito semelhante. “Pessoas em situações análogas não podem ser tratadas de forma absolutamente desigual”, afirmou ele, sob pena de violação do princípio da igualdade previsto tanto na Constituição Federal quanto na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU (CDPD).

O relator lembrou ainda que o Supremo Tribunal Federal já estendeu essas regras aos servidores estaduais e municipais e que o empregador, no caso, é uma das maiores instituições bancárias do país, de modo que o ônus a ser suportado por ela é razoável diante do benefício social que a medida trará para as crianças com deficiência. A decisão foi unânime. Com informações da assessoria de imprensa do TST.

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RR 20253-08.2018.5.04.0821

REVISTA CONSULTOR JURÍDICO

Advogado de Bolsonaro critica divulgação de indiciamento: 'Vazamentos aos montes'

Por O Globo — Rio de Janeiro

 

O advogado de Jair Bolsonaro (PL), Fábio Wajngarten, criticou a divulgação nesta terça-feira de que o ex-presidente foi indiciado por pelos crimes de associação criminosa e inserção de dados falsos em sistema de informação. Pelas redes sociais, ele se queixou do que considerou um vazamento e classificou o fato como lamentável.

 

"Vazamentos continuam aos montes ou melhor aos litros. É lamentável quando a autoridade usa a imprensa para comunicar ato formal que logicamente deveria ter revestimento técnico e procedimental ao invés de midiático e parcial", escreveu Wajngarten.

 

Além de Bolsonaro, o ex-ajudante de ordens Mauro Cid e o deputado federal Gurtemberg Reis (MDB-RJ) também foram indiciados pelos mesmos crimes. As investigações se referem a suposta fraude em certificados de vacinação contra a Covid-19.

 

De acordo a PF, o inquérito visava esclarecer se teriam sido forjados dados do certificado de vacinação de parentes do ex-presidente, como de sua filha, Laura Bolsonaro, de 12 anos. Em maio do ano passado, foram cumpridos mandados de busca e apreensão na casa da família e seis de prisão contra ex-funcionários, como Cid, o assessor Max Guilherme de Moura, os ex-auxiliares Sérgio Cordeiro e Luís Marcos dos Reis; o secretário municipal de Governo de Duque de Caxias, João Carlos de Sousa Brecha; e Ailton Gonçalves Barros, militar que concorreu a deputado estadual no Rio pelo PL em 2022.

 

As inserções falsas nos sistemas SI-PNI e RNDS do Ministério da Saúde tiveram como consequência a alteração da verdade sobre fato juridicamente relevante, qual seja, a condição de imunizado contra a Covid-19 dos beneficiários.

 

Com isso, tais pessoas puderam emitir os respectivos certificados de vacinação e utilizá-los para burlarem as restrições sanitárias vigentes imposta pelos poderes públicos (Brasil e Estados Unidos) destinadas a impedir a propagação de doença contagiosa, no caso, a pandemia de Covid-19.

 

“A apuração indica que o objetivo do grupo seria manter coeso o elemento identitário em relação a suas pautas ideológicas, no caso, sustentar o discurso voltado aos ataques à vacinação contra a Covid-19”, informou a PF, na época da operação. As ações ocorrem dentro do inquérito policial que apura a atuação do que se convencionou chamar “milícias digitais”, em tramitação perante o Supremo Tribunal Federal (STF).

 

Na ocasião, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, que autorizou a ação, afirmou no despacho que o inquérito mostra que o Cid levou adiante a iniciativa com “no mínimo, conhecimento e aquiescência” de Bolsonaro.

 

“É plausível, lógica e robusta a linha investigativa sobre a possibilidade de o ex-presidente da República, de maneira velada e mediante inserção de dados falsos nos sistemas do SUS, buscar para si e para terceiros eventuais vantagens advindas da efetiva imunização”, apontou o ministro, que deu razão ao entendimento da PF e discordou do parecer da Procuradoria-Geral da República, que não viu indícios do envolvimento do ex-presidente.

 

As investigações da PF apontaram também que os documentos de imunização no aplicativo ConecteSUS foram emitidos a partir de endereços de IP do Palácio do Planalto. Os downloads foram feitos dias antes e na própria data da viagem de Bolsonaro a Orlando, na Flórida, para onde foi antes mesmo do fim de seu mandato.

 

De acordo com o relatório enviado ao STF, foram quatro emissões, três delas ainda em dezembro de 2022, nos dias 22, 27 e 30. O ex-presidente embarcou para os Estados Unidos no próprio dia 30, horas depois do acesso ao sistema.

 

“O endereço de IP: 170.246.252.101 utilizado para acessar o aplicativo ConecteSUS nas datas de 22 e 27 de dezembro de 2022, pertence à Presidência da República, cadastrado no Palácio do Planalto", diz a PF, acrescentando. "Desta forma, é possível concluir que o acesso ao aplicativo ConecteSUS e as consequentes emissões de certificado de vacinação contra a Covid-19, nos dias 22 e 27 de dezembro de 2022, pelo usuário do ex-Presidente da República JAIR BOLSONARO foram realizados no Palácio do Planalto, local condizente com a atividade então exercida por JAIR MESSIAS BOLSONARO.

 

Da mesma forma, o acesso ao aplicativo ConecteSUS e a emissão de certificado de vacinação contra a Covid-19 no dia 30 de dezembro de 2022 foram realizadas por meio do telefone celular de MAURO CESAR CID, então chefe da Ajudância de Ordens do ex-Presidente da República JAIR BOLSONARO".

 
 

O inquérito dos mil dias

O ESTADÃO DE SP

 

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes prorrogou pela décima vez, a segunda apenas neste ano, o Inquérito 4874, que desde julho de 2021 investiga a ação das chamadas “milícias digitais” contra o Estado Democrático de Direito. Como a investigação da Polícia Federal (PF) está sob sigilo, não é possível dizer se essa nova concessão de prazo – mais seis meses – faz sentido. Razoável ela não é, definitivamente.

 

Tanta obscuridade dá azo à inferência de que Moraes possa estar agindo, pura e simplesmente, orientado pelo mero exercício de poder, na linha “faço porque posso” – o que seria lamentável. Outra conclusão possível, dado o alongamento inexplicado das investigações, é a incompetência dos agentes da PF incumbidos das diligências para encontrar provas irrefutáveis contra os investigados depois de tanto tempo. Seja como for, as prorrogações praticamente automáticas do Inquérito 4874 – e de outros instaurados no âmbito da Corte a fim de investigar as investidas liberticidas dos bolsonaristas – não fazem bem ao próprio STF.

 

Um inquérito policial que facilmente passará dos mil dias de duração é em tudo contrário ao espírito da Constituição de 1988. Em outras palavras: a pretexto de investigar a atuação das “milícias digitais”, o STF tem enfraquecido a mesma democracia que pretende defender.

 

Lá está, consagrado no artigo 5.º, LXXVIII, da Lei Maior, o princípio da razoável duração do processo no rol dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. Inquéritos sem fim não se coadunam com o regime democrático. A razão é elementar: a mera posição de investigado já é estigmatizante por si só; ademais, não é outra coisa senão truculência estatal submeter quem quer que seja à força persecutória do Estado por tempo indeterminado.

 

Não há dúvidas de que a Corte esteja, de fato, imbuída da missão de resguardar a Constituição e, desse modo, zelar pela plena vigência do Estado Democrático de Direito no País – como este jornal, aliás, já sustentou não uma, mas diversas vezes. O busílis é que os excessos que foram cometidos pelo STF em nome do resguardo da democracia em tempos de ameaças excepcionais já não se justificam. As ameaças que os ensejaram, como é notório, já não existem mais. Há muito o STF já deveria ter voltado ao leito da normalidade institucional.

É dever da PF concluir, de uma vez por todas, as “diligências ainda pendentes”. E é dever de Moraes, como ministro relator do Inquérito 4874 no âmbito do STF, exigir dos policiais federais esse profissionalismo. Dessa conclusão depende o envio das provas coletadas para o Ministério Público, o eventual oferecimento da denúncia e o julgamento dos acusados.

 

Ao sinalizar que o Inquérito 4874 seguirá aberto, no mínimo, até setembro deste ano, às vésperas das eleições municipais, Moraes alimenta a especulação de que a PF pouco tem de concreto nas mãos e o STF, por sua vez, tem se valido dessas investigações sem fim para levar adiante uma agenda política, o que é péssimo para a Corte e pior para o País.

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