Supremo promove retrocesso da livre expressão na internet
O Supremo Tribunal Federal acaba de promover a confusão sobre as regras da internet e estimular a censura. A maioria dos ministros já decidiu que o artigo 19 do Marco Civil é no mínimo insuficiente para dar conta do nível que julga necessário de repressão às manifestações nas plataformas digitais.
Há no entanto uma dúvida —e razões para temer pelo pior— sobre o que os supremos magistrados vão colocar no lugar do vácuo legislativo que terão produzido quando o julgamento terminar.
O código promulgado em 2014, após extenso debate na sociedade e no Congresso Nacional, logrou temperar o princípio iluminista e constitucional da ampla liberdade de expressão com formas de responsabilização individual de quem abuse desse direito.
O artigo 19 cristaliza tal equilíbrio ao determinar que as plataformas poderão ser punidas apenas caso desobedeçam ordem judicial de tornar indisponível um conteúdo produzido por usuários. O dispositivo toma o cuidado adicional de explicitar o seu intuito de "assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura".
Pois foi exatamente essa a cautela alvejada por sete ministros do STF —com a honrosa oposição do colega André Mendonça— no julgamento desta semana. A depender da interpretação que prevaleça quando for redigido o acórdão, o artigo 19 terá sido bastante atenuado ou fulminado.
Na sua versão mais radical, exposta no voto do relator Dias Toffoli, o tribunal sujeitaria as plataformas a responsabilização por deixarem de remover determinados conteúdos "notoriamente inverídicos" ou "gravemente descontextualizados", mesmo que não tenham sido notificadas antecipadamente por usuários.
Não é difícil antever a aberração censora que pode estar prestes a ser introduzida no ordenamento jurídico nacional. Se quiserem continuar a operar no Brasil sob a premissa defendida por Toffoli, as plataformas terão de submeter tudo o que circula em suas páginas a um grau de vigilância e de repressão de fazer inveja à ditadura chinesa.
As opções punitivas por assim dizer mais leves contidas nas manifestações de outros ministros tampouco permitem vislumbrar um futuro promissor para a liberdade de expressão na internet brasileira. Todas elas estimulam as redes a censurar por conta própria manifestações que lhes possam render sanção judicial.
O caso é ainda mais grave porque a maioria dos juízes do Supremo aventurou-se mais uma vez no terreno do Poder Legislativo. Magistrados da corte constitucional passarão agora a legislar sobre a regulação das redes sem a menor capacidade técnica nem legitimidade política para isso.
Aprendizes de feiticeiro caminham para transformar uma regulação que era estável e cristalina para todos os agentes num caldeirão de incertezas e insegurança jurídica, afrontar o Congresso Nacional e demarcar um lamentável retrocesso do direito à livre expressão no Brasil.