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Vereador, empresário e chefe de facção são acusados de integrar organização criminosa no Ceará

O empresário Maurício Gomes Coelho, conhecido como "MK", o vereador por Canindé Francisco Geovane Gonçalves, o chefe de facção criminosa Guardiões do Estado (GDE) Francisco Flavio Silva Ferreira, o "Bozinho", outras 15 pessoas foram denunciadas pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) por integrar uma organização criminosa que pratica o tráfico de drogas e a lavagem de dinheiro, no Município de Canindé, no Interior do Ceará.

Líder da organização criminosa, "MK" já está preso por outros crimes e também é apontado como "laranja" do prefeito eleito por Choró e cassado pela Justiça Eleitoral, Carlos Alberto Queiroz, o "Bebeto do Choró" - que continua foragido. Já o vereador Geovane Gonçalves foi afastado do cargo público por 180 dias, na operação deflagrada no último dia 8 de maio.

A reportagem apurou que o grupo foi acusado pela 2ª Promotoria de Justiça de Canindé pelos crimes de integrar organização criminosa, associação para o tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica (conforme a participação individual de cada acusado), em denúncia apresentada à Justiça Estadual na última segunda-feira (16).

Conforme as investigações do MPCE, o grupo mantinha uma estrutura hierárquica consolidada, com divisão de tarefas em núcleos interdependentes e um núcleo operacional fixo em Canindé, comandado por um empresário do ramo da construção civil e transporte escolar.

A organização criminosa se dividia em quatro núcleos. O núcleo executor tinha atuação direta na comercialização de entorpecentes e execução de crimes violentos na região; o núcleo familiar era formado por parentes diretos do chefe da quadrilha, que realizava movimentações financeiras em contas bancárias para dissimular as movimentações financeiras ilícitas.

Já o núcleo empresarial é composto por sócios de empresas utilizadas para ocultar recursos econômicos; e o núcleo financeiro, integrado por "laranjas" da quadrilha, que possuíam renda incompatível com as movimentações financeiras feitas com os seus nomes.

A investigação do Ministério Público identificou ainda que, além de movimentar grandes somas de dinheiro, a organização criminosa atuava com grau elevado de violência e com articulação e influência política. A quadrilha é suspeita de envolvimento em tentativas de homicídio e cooptação de agentes públicos para participar do esquema criminoso.

Procurado pela reportagem, o promotor de justiça Jairo Pequeno Neto disse que não podia fornecer detalhes sobre a investigação, porque o processo tramita sob sigilo de justiça, mas afirmou que "restou suficientemente demonstrado que os denunciados atuavam de forma estável, com divisão de tarefas e unidade de desígnios, com o propósito de ocultar e dissimular valores ilícitos provenientes do tráfico de entorpecentes, utilizando empresas de fachada ou contratantes com o poder público, sendo alguns deles, inclusive, autores ou partícipes de crimes violentos".

Série de crimes atribuídos ao empresário

O empresário Maurício Gomes Coelho foi preso no dia 8 de novembro de 2024, em um condomínio de alto padrão onde morava, no bairro Benfica, em Fortaleza, por suspeita de tentativa de homicídio. 

Na ocasião, foram apreendidos uma pistola 9 milímetros, 12 munições, três rádios comunicadores, dois celulares e um colete balístico, com o suspeito. E ele foi autuado em flagrante pelo crime de porte ilegal de arma de fogo de uso restrito.

Maurício é acusado pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) de se aliar à facção criminosa Guardiões do Estado (GDE) para tentar matar um motorista de "Bebeto do Choró", em um posto de combustíveis, em Canindé, no dia da última eleição municipal, 6 de outubro de 2024.

Também foram denunciados pelo MPCE, no processo: Francisco Flávio Silva Ferreira, o "Bozinho", apontado como líder da facção GDE na região; Micael Santos Sousa, o "Teo"; Antônio Daniel Alves Ribeiro, o "Niel"; Francisco Gleidson dos Santos Freitas; e Tamires Almeida Ribeiro.

Não há nenhuma informação no processo que ligue o prefeito cassado "Bebeto do Choró" ao crime de tentativa de homicídio. Uma fonte ligada ao caso que foi ouvida pela reportagem na condição de anonimato disse ainda que "MK" não é "laranja" de "Bebeto", mas sim ligado a outros políticos na atuação de fraudes em licitações.

Segundo essa fonte, a atuação com "Bebeto do Choró" é recente. No entanto, as investigações do Ministério Público e da Polícia Federal trazem indícios diferentes e apontam um elo forte entre "MK" e "Bebeto", além de outros políticos de municípios do Interior do Estado. 

Quando Maurício entrou no mundo das licitações, por meio da empresa aberta em nome dele, MK Serviços em Construção e Transporte Escolar, o ano era 2020 e ele ainda era vigilante. Em 2021, o faturamento da empresa foi modesto, mas nos anos seguintes foi crescendo exponencialmente.

No ano de 2022, o faturamento foi de cerca de R$ 7 milhões. Já em 2023 pulou para R$ 30 milhões e no ano passado chegou a R$ 80 milhões. A reportagem apurou que Mauricio Coelho faturou, em 2024, somente no município de Canindé, cerca de R$ 5 milhões. 

Habeas corpus deferido, mas 'MK' segue preso 

A defesa de Maurício Coelho obteve alvará de soltura para o cliente, em pedido feito ao Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), no processo da tentativa de homicídio, no dia 8 de abril deste ano. No acórdão, a desembargadora justificou a soltura por falta de denúncia no processo. Porém, a denúncia foi apresentada pelo MPCE no dia 26 de março deste ano.

No dia 5 de dezembro último, "MK", já preso, foi alvo do cumprimento de outro mandado de prisão preventiva, em uma operação deflagrada pela Polícia Federal (PF) contra um esquema criminoso de compra de votos em dezenas de municípios cearenses. Ele foi apontado como "laranja" do então prefeito eleito de Choró, Bebeto Queiroz - que está foragido desde então e depois teve o mandato político cassado pela Justiça Eleitoral.

R$ 600 mil
apreendidos com um policial militar, no dia 25 de setembro de 2024, pertenciam a Maurício Gomes Coelho, segundo relatório da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (Ficco). 

Conforme as investigações policiais, Maurício era um vigilante com rendimento mensal de R$ 2,5 mil, que se tornou empresário proprietário da MK Serviços em Construção e Transporte Escolar, com capital social de R$ 8,5 milhões, que ganhou licitações em diversas prefeituras do Interior do Ceará.

DIARIONORDESTE


 

Defesa de Bolsonaro mira perfil para anular delação, e Braga Netto pede acareação com Cid

Ana PompeuCézar Feitoza / FOLHA DE SP

 

A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pediu ao ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), a anulação da delação premiada de Mauro Cid e, assim como a defesa do general da reserva Walter Braga Netto, mirou informações sobre perfis de redes sociais atribuídos ao tenente-coronel.

A equipe de Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, também pede uma acareação entre ele e o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. O procedimento judicial é quando dois réus são confrontados sobre discrepâncias em relação a fatos do processo.

Os advogados querem esclarecimentos sobre a acusação de que Braga Netto teria entregado dinheiro em uma sacola de vinho para o plano de matar, em 2022, o presidente eleito, Lula (PT), seu vice, Geraldo Alckmin (PSB), e o próprio Moraes.

Advogados dos réus no processo da trama golpista de 2022 apresentaram nesta segunda-feira (16) pedidos de novas diligências, por meio dos quais buscam questionar a validade das declarações do militar.

As solicitações fazem parte de uma nova etapa da ação, devido ao prazo dado por Moraes para requisições de inclusão de novas provas, perícias ou novos depoimentos de testemunhas.

Durante o interrogatório na última terça-feira (10), o general negou que tenha entregado dinheiro para o plano, como relatou o tenente-coronel.

Braga Netto também questiona outro ponto da acusação contra ele. Segundo a Polícia Federal, em 12 de novembro de 2022, a casa do general da reserva sediou uma reunião para discutir a "estratégia golpista". Teria sido após esse encontro o início do monitoramento dos passos de Moraes, com o objetivo de prendê-lo ou matá-lo.

De acordo com a equipe chefiada por José Luis Oliveira Lima, os dois pontos foram objeto de mudanças nas versões apresentadas por Cid.

"Não é demais explicitar que essa diligência complementar se mostra necessária para a devida apuração dos fatos, pois Mauro Cid não trouxe aos autos provas que corroborassem suas acusações em face do Gen. Braga Netto, justamente nos pontos de divergência acima expostos", dizem os advogados.

Assim como a defesa de Braga Netto já havia pedido, a de Bolsonaro focou em buscar mais informações sobre os perfis "@gabrielar702" e "Gabriela R", com referências ao nome da esposa de Cid e supostamente usados pelo ex-ajudante de ordens para conversar com amigos sobre sua colaboração premiada.

"Os fatos trazidos a público após os interrogatórios são graves, para dizer o mínimo e muito pouco. As conversas demonstram o descumprimento dos termos do acordo de delação premiada, já que expõem o fato de que o delator quebrou o sigilo imposto à sua delação, bem como mentiu na audiência na qual foi interrogado, o que é causa para a rescisão do acordo", diz a equipe de Bolsonaro.

As suspeitas citadas foram reveladas pela revista Veja. As mensagens mostram que um perfil de nome @gabrielar702 enviando mensagens, em primeira pessoa, alegando que se sentiu pressionado pela PF em seus depoimentos e que os investigadores teriam um objetivo preestabelecido de prender Bolsonaro.

Na última sexta (13), Moraes determinou que a Meta envie dados sobre o cadastro dos perfis, pedindo que a empresa preserve todo o conteúdo de ambos, informe por quais meios as contas foram acessadas e envie todas as mensagens trocadas de 1º de maio de 2023 a 13 de junho de 2025.

Também na sexta, Cid foi novamente alvo de buscas e prestou novo depoimento à Polícia Federal. O militar depôs à PF por cerca de três horas, em Brasília. Ele foi chamado a prestar esclarecimentos após a corporação prender o ex-ministro Gilson Machado e cumprir a operação na casa do militar pela manhã.

O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro foi questionado sobre mensagens encontradas em perfil de rede social com o nome de sua esposa, mas negou autoria.

Na petição a Moraes, a equipe de Bolsonaro afirma que os questionamentos sobre as falas do delator ultrapassam o mero uso de contas de redes sociais para quebrar o sigilo imposto ao acordo, alcançando também o teor das informações que foram prestadas em seu interrogatório.

"Não há mais espaço para falar em mero 'desabafo'. O que as mensagens trocadas por meio da rede social exibem é que, em troca dos favores que alcançavam não só a sim mesmo, mas também sua família, o delator Mauro Cid mentiu sobre os fatos de novembro e dezembro de 2022", dizem os advogados.

Assim, eles pedem informações sobre os dispositivos nos quais a conta esteve ou está logada; dados fornecidos para recuperação da conta, incluindo emails alternativos e números de telefones; outras contas do Instagram e de outras redes sociais da empresa Meta logadas no mesmo celular, com os respectivos dados e metadados, incluindo Facebook, Messenger e WhatsApp.

O pedido inclui também o horário, a frequência e a duração das atividades do usuário; eventuais fotos ou vídeos fornecidos para obter suporte para a conta, outros perfis que compartilham os dados ou elementos cadastrais vinculados à conta analisada, os dados e o conteúdo das mensagens enviadas e recebidas no período de 1º de maio de 2023 a 13 de junho de 2025.

A defesa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres também pediu uma acareação, com o ex-comandante do Exército Freire Gomes, uma das testemunhas-chave do processo. Os advogados de Torres afirmam que o réu não participou de reuniões de teor golpista mencionadas pelo militar.

Já a defesa do ex-chefe da Marinha Almir Garnier Santos pediu novas informações sobre o episódio do uso de tanques de guerra em desfile na Esplanada dos Ministérios no mesmo dia em que, do outro lado da praça dos Três Poderes, a Câmara votava a PEC (proposta de emenda à Constituição) do voto impresso.

O militar foi o responsável por mobilizar os carros.

Segundo a defesa, o deslocamento militar se deu no contexto da Operação Formosa, cujo planejamento antecedeu a data originalmente prevista para a votação da proposta.

Assim, os advogados querem que Moraes oficie ao Comando de Operações Navais da Marinha do Brasil para que informe a data em que foi expedida a Diretiva (Ordem de Movimento) relativa à operação, e ao Ministério da Defesa, com o mesmo objetivo.

Em depoimento ao STF, Garnier negou ter dito a Bolsonaro que colocaria tropas à disposição de um eventual golpe de Estado.

Os ex-chefes militares Freire Gomes (Exército) e Baptista Júnior (Aeronáutica) afirmaram à Polícia Federal e ao Supremo que Garnier foi o único comandante das Forças Armadas que declarou a Bolsonaro apoio às propostas golpistas.

Supremo instaura terra sem lei na internet

Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP

 

 

Formou-se, no Supremo Tribunal Federal, a maioria de votos para derrubar o artigo 19 do Marco Civil da Internet – e, com ele, o delicado equilíbrio jurídico que sustenta há uma década a liberdade de expressão no ambiente digital. Como sempre, os ministros discursaram em nome da democracia. Mas, ao substituir a lei pela vontade de togados e ao instituir um sistema de censura privatizada baseado em critérios nebulosos e voluntaristas, é exatamente essa democracia que estão dilapidando – e com zelo quase missionário.

A regra consagrada no artigo 19 é simples e civilizada: plataformas digitais só podem ser responsabilizadas por conteúdo de terceiros se, após ordem judicial, se recusarem a removê-lo. Essa exigência serve a um propósito elementar do Estado de Direito: impedir que empresas privadas se transformem em tribunal de exceção, garantindo que as liberdades de se manifestar não se submetam ao arbítrio corporativo nem ao linchamento militante. Protegem-se, com ela, a palavra, o processo legal e a previsibilidade jurídica.

 

A nova jurisprudência mina esses pilares até a raiz. Cada ministro agora propõe um modelo próprio de “responsabilização proativa” das plataformas. Isso significa que elas terão de julgar e excluir conteúdos sob pena de sanção – às cegas, às pressas e por instinto de autopreservação. Em certos casos, nem sequer será necessária notificação. Em outros, bastará o impulso do ofendido, mesmo que movido por má-fé ou cálculo político. Criou-se, em nome do “dever de cuidado”, um ambiente ideal para a censura terceirizada.

 

O que se descreve como “precaução” é, na verdade, coerção. Diante do risco de responsabilização, as plataformas não hesitarão em remover preventivamente qualquer conteúdo remotamente polêmico. E, como os ministros empregam critérios vaporosos como “desinformação”, “discursos de ódio” ou “ataques à democracia”, o resultado é um sistema opaco, arbitrário e coator – um regime em que calar é mais seguro que arriscar. O que era para ser exceção torna-se regra. A consequência não será outra senão paranoia e asfixia do debate público.

 

Ao contrário do que alguns ministros sugerem, nem mesmo os regulamentos europeus – usados como biombo de credibilidade – impõem tanto. A Lei de Serviços Digitais da União Europeia tem parâmetros objetivos, foi votada pelo Parlamento e aprovada com transparência. Aqui, o Supremo legisla e decide por decreto não só o conteúdo das regras, mas quem deve fiscalizá-las: Procuradoria-Geral da República, Conselho Nacional de Justiça, uma autarquia a ser criada, alguma entidade privada ou qualquer outro arremedo de “Grande Irmão” a ser parido nas entranhas da Corte. Obviamente, tamanha interferência na vida de todos os cidadãos brasileiros não poderia ser decidida por um colegiado de 11 ministros não eleitos, somente pelos representantes do povo no Congresso.

 

Nada disso impede os arautos da toga de se apresentarem como redentores da República. Um ministro se declara regularmente parte de uma “vanguarda iluminista”. Outro afirmou que os ministros são “editores de um país inteiro”. Há, ainda, quem fale em “recivilização do País” – como se o povo fosse uma turba bárbara e o Supremo, sua instância catequizadora. E, para coroar, houve um ministro que comentou, em tom cândido, que todos ali no plenário eram “admiradores do regime chinês”. A julgar pela decisão do Supremo, nem precisava.

 

O Brasil torna-se, assim, uma aberração normativa: o único país democrático onde as normas para a internet, e até o órgão de fiscalização, nascem de sentenças judiciais. A internet nunca foi “terra sem lei”. Agora, será uma anarquia sem legislador, perpetuamente ameaçada pelas intuições draconianas de um tipo bastardo de soberano: o juiz legislador e censor. A liberdade, nesse arranjo, é pervertida em licença condicional, sempre à mercê do algoritmo nervoso ou do ministro zeloso.

 

A democracia que os ministros dizem proteger não precisa de intérpretes com delírios fundacionais. Precisa de instituições que se respeitem e de liberdades que não se ajoelhem. Precisa que os juízes se recordem de um princípio elementar: que quem interpreta a lei não a escreve. E precisa de um Congresso que faça valer o mandato que lhe foi dado pelo povo.

Supremo promove retrocesso da livre expressão na internet

O Supremo Tribunal Federal acaba de promover a confusão sobre as regras da internet e estimular a censura. A maioria dos ministros já decidiu que o artigo 19 do Marco Civil é no mínimo insuficiente para dar conta do nível que julga necessário de repressão às manifestações nas plataformas digitais.

Há no entanto uma dúvida —e razões para temer pelo pior— sobre o que os supremos magistrados vão colocar no lugar do vácuo legislativo que terão produzido quando o julgamento terminar.

O código promulgado em 2014, após extenso debate na sociedade e no Congresso Nacional, logrou temperar o princípio iluminista e constitucional da ampla liberdade de expressão com formas de responsabilização individual de quem abuse desse direito.

O artigo 19 cristaliza tal equilíbrio ao determinar que as plataformas poderão ser punidas apenas caso desobedeçam ordem judicial de tornar indisponível um conteúdo produzido por usuários. O dispositivo toma o cuidado adicional de explicitar o seu intuito de "assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura".

Pois foi exatamente essa a cautela alvejada por sete ministros do STF —com a honrosa oposição do colega André Mendonça— no julgamento desta semana. A depender da interpretação que prevaleça quando for redigido o acórdão, o artigo 19 terá sido bastante atenuado ou fulminado.

Na sua versão mais radical, exposta no voto do relator Dias Toffoli, o tribunal sujeitaria as plataformas a responsabilização por deixarem de remover determinados conteúdos "notoriamente inverídicos" ou "gravemente descontextualizados", mesmo que não tenham sido notificadas antecipadamente por usuários.

Não é difícil antever a aberração censora que pode estar prestes a ser introduzida no ordenamento jurídico nacional. Se quiserem continuar a operar no Brasil sob a premissa defendida por Toffoli, as plataformas terão de submeter tudo o que circula em suas páginas a um grau de vigilância e de repressão de fazer inveja à ditadura chinesa.

As opções punitivas por assim dizer mais leves contidas nas manifestações de outros ministros tampouco permitem vislumbrar um futuro promissor para a liberdade de expressão na internet brasileira. Todas elas estimulam as redes a censurar por conta própria manifestações que lhes possam render sanção judicial.

O caso é ainda mais grave porque a maioria dos juízes do Supremo aventurou-se mais uma vez no terreno do Poder Legislativo. Magistrados da corte constitucional passarão agora a legislar sobre a regulação das redes sem a menor capacidade técnica nem legitimidade política para isso.

Aprendizes de feiticeiro caminham para transformar uma regulação que era estável e cristalina para todos os agentes num caldeirão de incertezas e insegurança jurídica, afrontar o Congresso Nacional e demarcar um lamentável retrocesso do direito à livre expressão no Brasil.

 

STF IMAGEM NEGRA

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Lula pede que STF suspenda todas as ações de vítimas do INSS contra o governo

Mônica Bergamo / FOLHA DE SP

 

O presidente Lula (PT) entrou com um pedido no Supremo Tribunal Federal (STF) para que todas as ações contra a União movidas por aposentados e pensionistas que foram vítimas de desconto fraudulento pelo INSS sejam suspensas com urgência, por meio de uma liminar.

Pede ainda que as decisões já proferidas contra o governo percam a eficácia.

O próprio presidente assina a ação, junto com o advogado-geral da União, Jorge Messias.

Lula pede ainda que o STF endosse a abertura de crédito orçamentário extraordinário para permitir que o governo pague as vítimas lesadas fora das regras do arcabouço fiscal. Com isso, os gastos não são contabilizados nas metas estabelecidas por ele para 2025 e 2026.

O presidente solicita ao Supremo que a ação seja julgada pelo ministro Dias Toffoli, que é o relator do caso.

Na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), Lula pede que "seja declarada a inconstitucionalidade das decisões judiciais que determinaram a responsabilização da União e do INSS pelos descontos associativos indevidos realizados por atos fraudulentos de terceiros entre março de 2020 e março de 2025"

Para que aposentados e pensionistas tenham a tranquilidade de que o prazo para apresentar seus pleitos não se esgotará com a iniciativa do governo, o presidente pede "a suspensão da prescrição das pretensões indenizatórias de todas as vítimas até o término da análise da ADPF".

"Com essa medida, tutelam-se os interesses dos aposentados e evita-se a grande onda de judicialização que já se faz presente em todo o país", diz.

Questionada, a AGU confirmou que apresentou a ADPF à Corte.

O advogado-geral Jorge Messias disse à coluna que, com isso, Lula pretende "evitar processos lentos na Justiça e viabilizar o pagamento de forma rápida às vítimas".

"Não queremos que as pessoas demorem anos para receber, como ocorreu no passado com planos econômicos que foram judicializados", segue ele.

O governo diz que identificou uma litigância predatória de má fé, em que escritórios de advocacia entram com ações em massa para ter ganhos expressivos no futuro caso obtenham vitória, não se importando se as vítimas vão demorar décadas para serem ressarcidas.

"Estamos tentando colaborar para a redução da litigância de má fé em nosso país", afirma o advogado-geral.

Na petição, Lula diz ainda que tomou a iniciativa "a fim de evitar condenações indevidas, a exemplo de determinações de restituição em dobro com base no Código de Defesa do Consumidor".

O governo entende que as associações que indicaram os descontos que foram feitos na folha de pagamentos do INSS é que são as responsáveis pela fraude.

Lula já se comprometeu, no entanto, a ressarcir rapidamente os aposentados e pensionistas que não receberem o dinheiro de volta das próprias associações, já que os descontos foram viabilizados pelo INSS. Depois, o governo vai acionar as entidades na Justiça para recuperar os recursos.

Messias diz que as ações em massa podem dificultar os pagamentos ao comprometer a segurança jurídica necessária para que os desembolsos do governo sejam feitos com celeridade.

O governo diz ainda querer evitar um rombo bilionário no futuro nas contas públicas. Diz que, hoje, correm no Judiciário cerca de 4 milhões de ações contra o INSS e a União. O número pode dobrar com a judicialização dos descontos fraudulentos.

Além de cobrar o valor descontado, as vítimas podem pedir indenização por danos morais.

Segundo a AGU, "a revelação do esquema de fraudes praticadas por entidades associativas agravou a judicialização previdenciária. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) registram que estão em tramitação no país mais de 4,1 milhões de ações previdenciárias. Paralelamente, estima-se que aproximadamente 9 milhões de descontos associativos foram implementados nos benefícios pagos pelo INSS nos últimos cinco anos, o que evidencia real possibilidade de significativa de crescimento do volume de litígios".

Lula e a AGU afirmam ainda zelar pela segurança jurídica da União e do INSS.

Na ação, eles sustentam que juízes, no Brasil inteiro, "têm apresentado interpretações conflitantes sobre os requisitos, fundamentos e extensão da responsabilidade da União e do INSS por atos fraudulentos de terceiros. Algumas dessas decisões têm imputado ao ente federado e ao Instituto o pagamento em dobro do valor a ser ressarcido pelos descontos ilegais. Esse tipo de multa em dobro costuma ser utilizado em processos que tratam de relações consumeristas, o que, de acordo com a ação, viola o princípio da legalidade, uma vez que as atividades administrativas em questão não atraem o regime do Código de Defesa do Consumidor".

A AGU enviou o seguinte texto à coluna depois da publicação da reportagem:

"A Advocacia-Geral da União (AGU), representando o presidente da República, ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) ação com o objetivo de garantir o ressarcimento às vítimas dos descontos associativos ilegais em benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), bem como a sustentabilidade das políticas de previdência social. A ação por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) foi proposta nesta quinta-feira (12/06).
A ADPF pede, de forma cautelar (urgente), a suspensão do andamento dos processos judiciais em curso no país e da eficácia das decisões judiciais que tratam da responsabilização da União e do INSS pelos descontos indevidos realizados por meio dos atos fraudulentos de terceiros. Também requer, na análise do mérito da ação, a declaração de inconstitucionalidade das decisões judiciais em desacordo com o artigo 37, parágrafo 6º da Constituição Federal (responsabilidade objetiva do Estado) que determinaram a responsabilização da União e do INSS pelos descontos indevidos com origem em atos fraudulentos de terceiros ocorridos entre março de 2020 e março de 2025. As datas se referem ao período investigado na Operação Sem Desconto.


Segundo a AGU, a revelação do esquema de fraudes praticadas por entidades associativas agravou a judicialização previdenciária. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) registram que estão em tramitação no país mais de 4,1 milhões de ações previdenciárias. Paralelamente, estima-se que, aproximadamente, 9 milhões de descontos associativos foram implementados nos benefícios pagos pelo INSS nos últimos cinco anos, o que evidencia real possibilidade de significativa de crescimento do volume de litígios.


A adoção de medidas judiciais, segundo sustenta a AGU na ação, também é necessária para preservar a capacidade administrativa do INSS de processar os pedidos de restituição. Além disso, o objetivo é evitar um contexto de litigância de massa que poderia prejudicar a segurança orçamentária da União e, no limite, pôr em risco a própria sustentabilidade das políticas de pagamento de benefícios previdenciários.


A ADPF sustenta que decisões nas demais instâncias judiciais têm apresentado interpretações conflitantes sobre os requisitos, fundamentos e extensão da responsabilidade da União e do INSS por atos fraudulentos de terceiros. Algumas dessas decisões têm imputado ao ente federado e ao Instituto o pagamento em dobro do valor a ser ressarcido pelos descontos ilegais. Esse tipo de multa em dobro costuma ser utilizado em processos que tratam de relações consumeristas, o que, de acordo com a ação, viola o princípio da legalidade, uma vez que as atividades administrativas em questão não atraem o regime do Código de Defesa do Consumidor.
Para o advogado-geral da União, Jorge Messias, a ADPF tem o objetivo de evitar o quadro de insegurança jurídica gerado pelo julgamento de milhões de ações no país com prováveis resultados diferentes. Esse quadro, ressalta ele, constitui solo fértil para a litigância de massa, muitas vezes predatória, com prejuízos para a integridade financeira da União e para as próprias vítimas das fraudes. "É muito importante que seja conferida uma solução célere e definitiva pelo STF, a fim de proteger nossos aposentados, permitir a restituição administrativa de forma eficaz e segura e evitar que milhões de ações sejam ajuizadas para tramitarem por anos e anos no Judiciário", destaca.


A AGU aponta ainda na ação a existência de decisões judiciais que têm atribuído responsabilidade pelos descontos indevidos à União e ao INSS sem demonstrar os requisitos legais para a comprovação da responsabilidade objetiva estatal, instituto previsto no artigo 37, parágrafo 6º da Constituição Federal. Para que possa ser configurada a responsabilidade da administração pública, a Constituição exige que seja demonstrados dano, a ação ou omissão administrativa, e a existência de relação entre o dano e a ação ou omissão.
Prescrição e crédito extraordinário


Na ADPF, a AGU pede que o STF determine a suspensão da prescrição (perda do direito de ação em razão do decurso do tempo previsto em lei) das pretensões indenizatórias de todas as vítimas dos descontos indevidos. A medida tem o objetivo de proteger os segurados e possibilitar que eles aguardem a restituição dos valores pela via administrativa, sem a necessidade de ingresso com ações no Judiciário.


A AGU também requer que, diante da imprevisibilidade dos crimes investigados na Operação "Sem Desconto" e para garantir a rápida restituição dos valores indevidamente desviados dos segurados, o STF reconheça a possibilidade de abertura de crédito extraordinário para custeio do ressarcimento das vítimas, com a exclusão dessa respectiva dotação orçamentária dos limites fiscais de gastos do governo federal para os anos de 2025 e 2026, da mesma forma como seria enquadrada essa despesa caso os valores estivessem sendo pagos por meio de precatórios, conforme já decidiu o STF no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7064.


Na peça, a AGU lembra ainda que medida semelhante foi autorizada pela Corte em outros julgamentos que trataram de situações excepcionais, a exemplo da decisão da PET 12.862, sob a relatoria do ministro Luiz Fux, em agosto de 2024. Na ocasião, em razão da imprevisibilidade da tragédia das enchentes do Rio Grande Sul, o STF autorizou o afastamento de regras fiscais para fins de cumprimento das obrigações assumidas pela União em solução consensual sobre a dívida do estado.


Na ação proposta hoje, a AGU pede a distribuição da cautelar, por prevenção, ao ministro Dias Toffoli, relator da ADPF nº 1.234, que também trata de aspectos relacionados a descontos indevidos de segurados do INSS. A prevenção é instituto jurídico relacionado à fixação da competência de um juiz ou tribunal para apreciação de uma ação ou recurso em razão da coincidência do pedido realizado pela parte autora da demanda ou das razões que motivaram o pedido (causa de pedir). O objetivo do instituto é garantir segurança jurídica, evitando o risco de decisões conflitantes ou contraditórias. É considerado prevento o juiz ou corte que primeiro teve contato com a causa."

com KARINA MATIAS, LAURA INTRIERI e VICTÓRIA CÓCOLO

 

Em julgamento histórico, resta a Bolsonaro reduzir danos

O que de mais surpreendente surgiu no interrogatório dos réus do núcleo principal da trama golpista —Jair Bolsonaro (PL) e sete ex-auxiliares diretos— foi o clima ameno, quase cordial, que predominou nas audiências do Supremo Tribunal Federal.

 

Quem esperava alguma altercação verbal entre Bolsonaro e o ministro relator do caso, Alexandre de Moraes, deparou-se com troca de urbanidades salpicadas por momentos de bom humor.

 

Ao que parece, os réus já assimilaram que uma sentença condenatória é praticamente inevitável e se concentram em outros objetivos, como dosimetria da pena e regime de prisão. Nessas condições, não convém indispor-se com o relator.

A percepção de que os acusados de tramar um golpe de Estado buscam a redução de danos é reforçada pelas estratégias escolhidas por suas defesas técnicas.

Nenhum dos advogados atacou com maior ímpeto lacunas e contradições nos depoimentos do réu delator, Mauro Cid, nos quais a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) está fortemente baseada. Esse teria sido um caminho possível, mas que os experientes defensores visivelmente preferiram evitar.

Na mesma linha, os depoentes não foram de modo geral orientados a tentar negar o que a essa altura já é inegável, dada a profusão de provas. Pelo contrário, vários deles, incluindo Bolsonaro, admitiram que chegaram a discutir a adoção de medidas como estado de sítio ou de defesa para tentar contrapor-se ao resultado da eleição perdida em 2022.

 

Tal reconhecimento é politicamente escandaloso, já que tais medidas implicariam uma utilização desvirtuada e ilegal de mecanismos constitucionais, mas não traz, ao menos não diretamente, problemas penais.

 

A tentativa de golpe de Estado só se torna juridicamente punível quando sai da fase de planejamento e preparação e entra na de execução. O argumento dos réus é justamente o de que essas foram ideias informalmente debatidas, que nunca teriam saído do campo da cogitação. Cabe à acusação demonstrar que saíram.

 

Da parte de Moraes, a lhaneza provavelmente também é calculada. O magistrado deve passar à história como o juiz que presidiu à primeira condenação de políticos e militares de alta patente que atentaram contra o Estado de Direito no Brasil.

 

Entretanto o excesso de heterodoxias de que se valeu —algumas necessárias, mas não todas— tornou-se objeto de críticas, dentro e fora do Brasil, não apenas por parte de bolsonaristas.

Nesse contexto, é positivo para sua imagem mostrar que não são rancores nem sentimentos de vingança que comandam suas decisões. Ainda mais porque, segundo a apuração, ele seria alvo preferencial de uma ação golpista.

 

Em todo caso, é bom para o país que o julgamento transcorra em clima sereno e sem contestação à autoridade do STF, que, cumpre apontar, está fazendo história.

 

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No embate entre Bolsonaro e Moraes, esperava-se pugilismo, mas eles fizeram uma dança

Por Fabiano Lana / O ESTADÃO DE SP

 

 

Por razões diferentes, tanto o ex-presidente Jair Bolsonaro como o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, estiveram bastante contidos nesta segunda-feira, 10, no principal depoimento sobre o julgamento de tentativa de golpe de Estado, em tese ocorrida após as eleições de 2022. Bolsonaro respeitou o seu algoz, a quem sempre agrediu verbalmente. Tentou se apresentar como alguém que exagera na retórica, nos modos, mas que jamais conspiraria contra o Estado. Já Moraes quis evitar a fama de algoz que o acompanha, e se apresentou como alguém até mesmo gentil com o acusado.

 

Houve treino, houve preparo de Jair Bolsonaro. Foi respeitoso com alguém que já chamou de “canalha” em praça pública, que ataca em carros de som, que diz se recusar a obedecer. Que é o principal responsável pelo fato de milhões de brasileiros odiarem o ministro com todas as suas forças. Amar Bolsonaro é hoje quase sinônimo de odiar “Xandão”, o apelido do ministro nas redes e nas ruas. E quando os dois, finalmente, estão frente a frente em cadeia nacional de TV, o que vimos foi troca de gentilezas explícitas (porém bastante estudadas).

 

Bolsonaro fez o esforço de manter seu discurso habitual, porém de maneira, digamos, polida (para os referenciais que temos dele). As desconfianças com relação ao sistema eleitoral brasileiro, principalmente contra as urnas eletrônicas, seriam, algo usual ao Brasil. De gente de todas as ideologias. E nesse sentido, apresentou um argumento interessante ao mostrar que o atual ministro do Supremo, Flávio Dino, também era um habitual questionador das urnas, quando perdia eleições no Maranhão. Bolsonaro, portanto, tentou se mostrar como alguém que queria apenas aprimorar o sistema. Queria “ajudar” o Xandão e tudo mais é mal-entendido. Se colar, colou.

 

As conversas sobre questionar o resultado das eleições até podem ter ocorrido, disse o ex-presidente. Mas num modo informal. Com oficiais amigos que o visitavam no Alvorada após a derrota. Momento em que Bolsonaro teria sido praticamente abandonado pela classe política brasileira. Eram bate-papos sem qualquer consequência. Hipotéticos, abstratos. Repetiu a estratégia “mesa de bar”, do seu ex-ajudante de ordem, tenente-coronel Mauro Cid, que depôs na segunda. Ouvindo, raramente, o ministro do STF colocava o depoente em xeque. No máximo, contextualizava algo aqui e ali, mostrando algum erro de informação de quem se sentava no banco dos réus.

 

E assim foi. Cada grave acusação se tornava, pelo depoente, apenas uma opinião passageira sobre os assuntos políticos. Houve tentativa de subverter a ordem política brasileira? Nunca. Algo que Bolsonaro, segundo ele próprio, jamais faria, pois considera um golpe de Estado algo “abominável”. Só não entregou a faixa ao eleito Lula pelo receio de levar uma vaia. Colaborou com a transição. E Moraes a escutar, segurando, impassível, uma xícara de café.

 

Na lista de argumentos ilegítimos dos manuais filosóficos, há um deles denominado “falácia da piedade”. Quando alguém invoca a pena, o sofrimento, para conseguir a compaixão e o apoio das pessoas. Como político que chegou longe, Bolsonaro, apesar dos rompantes violentos, costuma variar entre o valentão sem medo e o sujeito acuado, que precisa da solidariedade dos seus. Nesta segunda, no interrogatório, escolheu a vítima e, é preciso admitir, controlou bem essa persona. Foi o personagem combalido que mostrou as vísceras nos hospitais, devido à facada de 2018.

 

Já a Moraes pesa a pecha de agir politicamente, de ser um censurador, um inimigo da liberdade de expressão. De já ter condenado o ex-presidente e que tudo o que a gente vê são obrigações litúrgicas. Se de alguma maneira tentasse humilhar ou fosse duro com o investigado receberia a pecha de injusto, um Torquemada moderno. No final, vimos foi até uma certa troca de sorrisos quando o ministro foi “convidado” a ser vice de Bolsonaro, o que só seria possível num metaverso estranho da história política brasileira.

 

Ou seja, vimos hoje duas figuras de estatura no nosso mundo político/jurídico em um confronto amarrado taticamente, jogando para as plateias amigas e também para as inimigas. Talvez não mude nada no resultado. Mas mostra que Bolsonaro segue como político que busca encantar quando precisa (e muitos o veneram); e Moraes foi rápido ao dar vazão controlada a esse personagem – reprimi-lo seria pior para o julgamento final. Não houve luta, houve dança. Um balé? Não, isso seria suave demais. Um tango (porque é coisa dramática, que envolve golpe e cadeia), contido, do argentino Astor Piazzolla, mas com bem menos refinamento.

 
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Opinião por Fabiano Lana

Fabiano Lana é formado em Comunicação Social pela UFMG e em Filosofia pela UnB, onde também tem mestrado na área. Foi repórter do Jornal do Brasil, entre outros veículos. Atua como consultor de comunicação. É autor do livro “Riobaldo agarra sua morte”, em que discute interseções entre jornalismo, política e ética.

Ministros do STF veem interrogatório de Bolsonaro 'sem surpresas' e 'dentro do script'

Por  — Brasília / O GLOBO

 

 

Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) viram o interrogatório do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como "sem novidades" e "dentro do script". Para magistrados ouvidos pelo GLOBO, o antigo mandatário cumpriu um roteiro que já era esperado, sem apresentar novos elementos e buscando afastar as acusações que pesam contra ele.

A compreensão dos magistrados se estende também aos outros réus que foram interrogados ao longo desta terça e desta segunda-feira, em aproximadamente 15 horas de depoimentos. A avaliação nos bastidores do Supremo é que, como os réus podem deixar de falar a verdade, é esperado que não haja reviravoltas e que os relatos se concentrem na negativa dos fatos imputados.

 

A partir de agora, com o encerramento desta fase, os acusados podem se manifestar sobre eventuais novas diligências. Só então é que a ação poderá entrar na reta conclusiva, com as chamadas alegações finais — momento que antecede a realização do julgamento.

Em seu interrogatório, Bolsonaro disse que nunca endossou uma minuta que previa golpe de Estado e que não teria visto o documento, apenas “considerandos”. Ele negou ter debatido a prisão de autoridades e justificou a ausência na cerimônia de posse de Luiz Inácio Lula da Silva afirmando que evitaria “a maior vaia da história do Brasil”. Também reiterou críticas ao sistema eleitoral, afirmando ter “dúvidas” sobre o sistema das urnas eletrônicas.

Em março, a Primeira Turma aceitou uma denúncia feita pela República (PGR) e tornou réus Bolsonaro e outras sete pessoas acusadas de integrarem o núcleo crucial do planejamento da trama golpista. Após o recebimento da ação, testemunhas foram ouvidas nas últimas semanas. Entre elas, estiveram nomes como os ex-comandantes do Exército, o general Marco Antônio Freire Gomes, e da Aeronáutica, o tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior. Além deles, também falaram o vice-presidente da gestão Bolsonaro, o hoje senador Hamilton Mourão (Republicados-RS), e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.

A expectativa no STF é que a ação esteja pronta para ser julgada no início do segundo semestre, e que a análise possa ocorrer entre os meses de setembro e outubro. Além de Alexandre de Moraes, participarão do julgamento os outros quatro integrantes da Primeira Turma, os ministros Flávio Dino, Luiz Fux, Cristiano Zanin e Cármen Lúcia. Eles decidirão pela condenação ou absolvição dos réus.

 

Ex-presidente Jair Bolsonaro presta depoimento no STFEx-presidente Jair Bolsonaro presta depoimento no STF — Foto: Fellipe Sampaio/STF

 Ex-presidente Jair Bolsonaro presta depoimento no STF — Foto: Fellipe Sampaio/STF

Marco Civil da Internet existe e cabe a Barroso lamentar ou largar a toga e concorrer ao Parlamento

Por Carlos Andreazza / O ESTADÃO DE SP

 

Será o caso de lembrar, contra a malandragem de que haveria um vácuo legislativo: a lei existe. Desde 2014. O Marco Civil da Internet. Boa legislação, produto de longo debate público.

 

Lei em que consta, sim, a responsabilização de plataformas por conteúdos publicados por terceiros. Responsabilização não automática. Previsão perfeitamente constitucional, em consonância com o princípio segundo o qual somente se agiria – para, por exemplo, apagar publicações – em resposta a uma determinação judicial, protegida a circulação de ideias da imposição (está na moda) de censura prévia.

 

Em proteção também ao espírito do tempo – emanado do Supremo – que transforma qualquer crítica em ataque, enfatize-se: a lei existe e prevê a responsabilização. Com filtros. Filtros judiciais. Difícil apontar-lhe a inconstitucionalidade. Impossível, a omissão parlamentar.

 

Difícil apontar a inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. Fácil ou difícil, é o que cabe ao STF. Provocado, declarar ou não a constitucionalidade. Ninguém dirá que o tribunal não deva exercer seu papel. Não se trata de “recusar decidir um tema”. Tem de decidir. Pode decidir erradamente. O problema – o vício – é instrumentalizar o controle de constitucionalidade para criar-estabelecer regulações.

 

A lei existe. Pode estar defasada. Isso não a torna inconstitucional. A lei existe. Existência que preenche o espaço do que seria a tal omissão. A lei existe. Pode ser alterada – atualizada. Talvez mesmo devesse ser aperfeiçoada. Papel do Parlamento. Esta é a distinção republicana que se enfraquece: o lugar de fazer – de reformar – leis é o Congresso. Também o lugar de não fazê-las.

 

A lei existe. Mesmo que não existisse, o que se chama de omissão parlamentar consiste em expressão de inconformismo ante a prerrogativa de o Congresso decidir não legislar. O que se chama de omissão parlamentar é uma posição. A omissão legislativa é uma posição. Legítima.

 

O Legislativo somos nós, expressão máxima da democracia representativa, e encarna os limites – os conflitos, os impasses – que há na sociedade. A lei proposta, afinal travada, tem problemas. Não é banal constituir um agente regulador. Quem regula – quem influenciará – o regulador? O Legislativo, que é a gente, absorve também os efeitos do lobismo. Lobismo sobre o Parlamento que também o Supremo faz.

Contra o Parlamento, a corte constitucional dispara acusações de omissão – para invadir o terreno de outro Poder e deitar normas que “prevalecerão até que o Congresso legisle”. A lei existe e poderia não existir. As aspas neste texto são de Barroso. Ao presidente do Supremo cabendo lamentar ou, largando a toga, candidatar-se a cadeira no Parlamento. O que o STF ora faz é usurpar competência; as pensatas do ministro sendo manifestações de autoritarismo. “É simples assim e essa é a verdade”.

 
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Opinião por Carlos Andreazza

Andreazza escreve às segundas e sextas. Também apresenta, de segunda a sexta, o programa multiplataforma Estadão Analisa. É apresentador e colunista da Rádio BandNews FM. Foi colunista do jornal O Globo e âncora da rádio CBN.

Por que Fux decidiu comparecer ao interrogatório de Mauro Cid na trama golpista

Por   / o globo

 

 

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux foi o único integrante da Primeira Turma a comparecer à primeira sessão de depoimentos dos réus da trama golpista. Questionado sobre o motivo que o levou a ir à oitiva, o ministro disse a aliados que entendeu ser importante ouvir os réus para poder fazer seu julgamento.

 

As primeiras perguntas foram feitas pelo relator Alexandre de Moraes, que conduz os depoimentos. Fux foi o segundo a fazer questionamentos. A presença dele recebeu elogios de Moraes. O ministro também participou de depoimentos das testemunhas que já foram ouvidas no âmbito do processo e fez perguntas naquela ocasião.

 

Durante o julgamento do STF que tornou Jair Bolsonaro e mais sete acusados réus, Fux fez críticas sobre a delação do colaborador Mauro CidO ministro criticou o fato do ex-ajudante de ordens ter feito nove depoimentos em seu acordo.

— Nove delações representam nenhuma delação (...). Não tenho a menor dúvida de que houve omissão (de Cid). Tanto houve omissão que houve nove delações — afirmou Fux.

Na ocasião, Fux entendeu que não havia razão para decretar a nulidade da delação naquele momento do processo, mas pontuou que Cid seria ouvido ao longo de eventual ação penal sobre a coerência das informações prestadas.

 

Nesta segunda-feira, Fux voltou a questionar sobre a grande quantidade de depoimentos.

 

Cid disse que deu um primeiro depoimento que foi mais longo, com informações gerais sobre os fatos. Depois, relatou que prestou um segundo depoimento para ajudar a Polícia Federal a identificar pessoas, um terceiro para detalhar reuniões de militares das forças especiais e, posteriormente, um quarto sobre o plano para assassinar Moraes e o presidente Lula. Cid afirmou que os demais depoimentos foram feitos para detalhar informações que prestou inicialmente.

 

O ministro Luiz Fux, durante sessão do STFO ministro Luiz Fux, durante sessão do STF — Foto: Fellipe Sampaio /STF/12-03-2025

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