Discurso de Cármen Lúcia no TSE mostra que ministros do STF consideram as eleições um perigo público
Por J.R. Guzzo / O ESTADÃO DE SP
Existe algo profundamente errado no discurso da ministra Cármen Lúcia ao assumir a presidência do TSE. Como se estivesse lendo um manifesto do seu antecessor, o ministro Alexandre de Moraes, a nova presidente repetiu em essência o que o Comitê Central do novo regime considera o seu primeiro mandamento: “Perseguirás as fake news acima de todas as coisas.” Eleições, na visão do Supremo Poder Judiciário, não são mais o instrumento fundamental que a população utiliza para escolher os seus governantes. Passaram a ser um perigo público. São a oportunidade que os elementos tidos como indesejáveis pelo Sistema STF-TSE usam, segundo os ministros, para espalhar notícias falsas – e, através delas, destruir a democracia. Deixaram de ser um momento de liberdade cívica. São hoje um caso de polícia.
É uma contrafação. A principal ameaça para as eleições brasileiras hoje em dia não são as fake news. É o TSE – e a sua transformação, ao longo dos últimos cinco anos, numa espécie de Tropa de Choque eleitoral que faz o policiamento dos candidatos, dos eleitores e de tudo aquilo que podem ou não podem dizer, antes, durante e depois das campanhas. Não se trata mais, apenas, de uma anomalia: manter uma “justiça eleitoral” permanente para cuidar de eleições que ocorrem a cada dois anos, coisa que não existe em nenhuma democracia do mundo. O TSE, os 27 TREs e o resto da máquina não se limitam à organização material das eleições – trabalho, aliás, que poderia ser feito por uma repartição pública qualquer, sem funções judiciais. O TSE e seus agentes, cada vez mais, interferem diretamente na disputa política. Teriam de se ater a urnas, seções eleitorais e títulos de eleitor. Vão muito além disso. Deram a si próprios o direito de resolver o que está certo e o que está errado - e, no caso das fake news, o que é verdade e mentira.
É uma corrida geral em direção ao obscurantismo. O inimigo a abater, na visão dos ministros Moraes, Cármen e mais muita gente, é a internet. Eles não se conformam com um fato básico: o maior avanço jamais alcançado na história da comunicação humana abriu para dezenas de milhões de pessoas, pela primeira vez, a porta de entrada para o mundo das ideias, do debate e da opinião. Isso tirou a discussão política da panelinha estreita em que sempre esteve, sob o controle das Cármens, dos Moraes e das classes “politizadas” - e permitiu para a população uma participação inédita na vida pública do país. Obviamente, um mecanismo que pode ser utilizado por 200 milhões de brasileiros em tempo integral leva a situações tumultuadas e a um ambiente de calor, inevitáveis numa discussão livre em que ninguém precisa pedir licença para falar. As pessoas não precisam “ter razão”; não estão obrigadas a dizer a verdade, nem coisas inteligentes, equilibradas e virtuosas. Sai para fora, aí, o que tem mesmo de sair – a voz do povo brasileiro, e não a dos diplomados em ciência política. O mundo oficial não admite que seja assim.
“A mentira espalhada pelos poderosos ecossistemas das plataformas é um desaforo tirânico à integridade das democracias”, disse Cármen Lúcia. Isso não é uma análise. É um grito de guerra contra uma conquista da humanidade, disfarçada de indignação contra as “grandes empresas” internacionais que permitem a 8 bilhões de pessoas se comunicarem pela internet. A ira da ministra, e do seu habitat, é contra a mudança que a tecnologia trouxe para o debate político. O que realmente preocupa a todos eles não é a “verdade”, nem a “mentira” – e sim o fato de que a sua “verdade” não é mais a única. Nas suas bulas de excomunhão, falam como se as redes sociais só produzissem afirmações falsas, mais nada – e como se apenas a direita usasse a internet para promover “o ódio” e divulgar fake news. Há, enfim, avisos escuros quando Cármen acusa a internet de “contaminar escolhas” e “adoecer pela desconfiança cidadãs e cidadãos”. As escolhas do cidadão, adverte a ministra, podem estar “contaminadas”; cuidado com elas. Criticar pode ser a doença da “desconfiança”; cuidado com as críticas.
O que ameaça a democracia não é a internet. O que ameaça a democracia são os projetos de ditadura que pedem censura, prisões políticas, repressão às opiniões contrárias e o que mais costuma haver na caixa de ferramentas dos regimes de força. A preocupação da ministra e de quem está ao seu redor não são as notícias falsas. É o resultado que pode sair de eleições livres.
Jornalista escreve semanalmente sobre o cenário político e econômico do País
Ministro da CGU alega que não terá palavra final na renegociação de acordo de leniência da Odebrecht
Por Gabriel de Sousa / O ESTADÃO DE SP
BRASÍLIA - O ministro da Controladoria Geral da União (CGU), Vinícius Marques de Carvalho, alegou nesta segunda-feira, 3, que não vai ter a decisão final sobre a renegociação dos acordos de leniência da Novonor (antiga Odebrecht) que, segundo revelou o Estadão, tem um contrato com o escritório de advocacia VCMA, onde o ministro era, até a semana passada, sócio patrimonial. Segundo Carvalho, o aval vai vir da equipe técnica do ministério.
No último dia 29, Vinícius deixou o escritório após o Estadão mostrar que o vínculo ocorre ao mesmo tempo em que a CGU renegocia os acordos de leniência firmados no âmbito da Operação Lava Jato. Em entrevista no programa Roda Viva da TV Cultura realizado nesta segunda, ele afirmou que se afastou da banca para evitar “qualquer tipo de questionamento” sobre a sua conduta.
“Eu me afastei do escritório quando virei ministro, me licenciei do escritório, o escritório foi proibido de atuar na CGU e eu, obviamente em função disso, também me declaro impedido em todos os casos de clientes do escritório que foram meus clientes na CGU. (...) Eu resolvi me afastar do escritório para evitar qualquer tipo de ilação, qualquer tipo de questionamento sobre a minha conduta”, afirmou.
No último dia 12 de março, advogados da Novonor e de mais sete construtoras (Andrade Gutierrez, Braskem, Camargo Correa, Coesa Engenharia, Engevix, OAS e UTC Participações) participaram de uma reunião na CGU para renegociar os acordos de leniência assinados na Lava Jato. A conversa durou cerca de duas horas. Os trabalhos foram abertos pelo ministro, que afirmou desejar que o acordo seja “bem-sucedido”.
O ministro não explicou o motivo pelo qual não informou a Comissão de Ética Pública (CEP) sobre o contrato que a VCMA tinha com a Odebrecht. Carvalho alegou que já havia informado que ao colegiado que iria se declarar impedido em qualquer caso na CGU que envolvesse algum antigo cliente do escritório de advocacia.
“Eu não informei nenhum contrato que o escritório tinha porque eu já disse para a Comissão de Ética que eu ia me declarar impedido em qualquer cliente meu que tivesse caso na CGU… Odebrecht, qualquer cliente”, afirmou o ministro.
Ministro diz que acordos de leniência firmados na Lava Jato são válidos
Carvalho também declarou que os acordos de leniência firmados entre as empresas que admitiram práticas de corrupção, a CGU e a Advocacia-Geral da União (AGU) são válidos.
Em dezembro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli interrompeu o pagamento da multa prevista no acordo de leniência com as duas empresas. Em dezembro, foi suspensa a de R$ 10,3 bilhões do grupo J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista e, em fevereiro, foi paralisado a quitação do acordo da Odebrecht, firmado em R$ 3,8 bilhões.
“No nosso entendimento, os acordos que a AGU e a CGU fizeram são acordos hígidos, bem feitos e bem estruturados. (...) Defendo o trabalho que a CGU e a AGU fizeram e defendo que a gente tem que ter uma política de leniência bem feita para que a gente possa dar credibilidade para essa parte da agenda anticorrupção”, afirmou Carvalho.
No ano passado, Toffoli declarou como “imprestáveis e nulas” as provas obtidas no acordo de leniência da Odebrecht. Uma pesquisa do Instituto AtlasIntel divulgada no último dia 21 de maio mostrou que a anulação das provas da Lava Jato contra a empresa é rejeitada por quase 60% dos brasileiros.
Ministro disse que desconhece relatório de subordinados que apontaram irregularidades em obras que beneficiaram Juscelino Filho
Durante o programa da TV Cultura, o ministro disse que não conhece o relatório preliminar feito por técnicos do órgão do governo federal que atestou que a pavimentação de uma estrada que passa em frente à fazenda do ministro Juscelino Filho (Comunicações), em Vitorino Freire (MA), só atendeu às necessidades dele e não beneficiou a população local.
A obra foi revelada pelo Estadão em reportagem de janeiro de 2023, e passou a ser investigada pela Polícia Federal e pela CGU. Juscelino nega irregularidades e reafirma que as obras, que foram feitas após repasse de verbas da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf), beneficiam a população.
Ao ser questionado sobre o relatório da CGU, Carvalho disse que não poderia falar sobre uma investigação que ainda está em andamento e afirmou que não teve contato com o documento feito por técnicos do órgão que ele próprio comanda. O ministro também declarou que não tem “competência” para avaliar a conduta do chefe das Comunicações.
“Eu não tenho competência para avaliar uma conduta de um ministro, ainda mais a conduta de um ministro quando ele foi deputado. Aliás, ainda menos em uma situação como essa. O que a CGU faz é a auditoria das obras e a gente identificou irregularidades em várias obras envolvendo a Codevasf e vários desses documentos são públicos”, declarou Vinícius Marques de Carvalho.
GONET DA PGR pede que decisão de Toffoli que beneficiou Marcelo Odebrecht vá ao plenário do STF
Por Rayssa Motta / O ESTADÃO DE SP
A Procuradoria-Geral da República (PGR) entrou com recurso no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira, 4, para tentar reverter a decisão do ministro Dias Toffoli que derrubou todos os processos e investigações contra o empresário Marcelo Odebrecht na Operação Lava Jato.
O procurador-geral Paulo Gonet pede que o ministro reconsidere a própria decisão ou envie o processo para julgamento no plenário do STF.
Réu confesso, Marcelo Odebrecht fechou acordo de colaboração com a força-tarefa de Curitiba e admitiu propinas a centenas de agentes públicos e políticos de diferentes partidos. Ele era presidente da construtora que leva o sobrenome da família quando a Lava Jato estourou em 2014 e prendeu os principais executivos do grupo. A defesa agora alega que o empresário foi forçado a assinar a delação.
Seus advogados usaram mensagens hackeadas da força-tarefa, obtidas na Operação Spoofing, que prendeu os responsáveis pela invasão ao Telegram dos procuradores, para recorrer ao STF. A defesa pediu a extensão de uma decisão que beneficiou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Toffoli concluiu que houve “conluio processual” entre o ex-juiz Sérgio Moro e a força-tarefa em Curitiba e que os direitos do empresário foram violados nas investigações e ações penais. Por isso, declarou a “nulidade absoluta de todos os atos processuais” contra Marcelo Odebrecht na Lava Jato e determinou que os inquéritos e processos envolvendo o empresário fossem trancados.
O procurador-geral defende, no entanto, que as situações de Lula e Marcelo Odebrecht são diferentes e, por isso, a decisão que beneficiou o presidente não poderia ter sido estendida ao empresário. “Há aqui a falta de correlação estrita entre o pedido e a decisão tomada no decisório que poderia servir de paradigma”, argumenta Gonet.
PGR pede que decisão de Toffoli que beneficiou Marcelo Odebrecht vá ao plenário do STF
Por Rayssa Motta / O ESTADÃO DE SP
A Procuradoria-Geral da República (PGR) entrou com recurso no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira, 4, para tentar reverter a decisão do ministro Dias Toffoli que derrubou todos os processos e investigações contra o empresário Marcelo Odebrecht na Operação Lava Jato.
O procurador-geral Paulo Gonet pede que o ministro reconsidere a própria decisão ou envie o processo para julgamento no plenário do STF.
Réu confesso, Marcelo Odebrecht fechou acordo de colaboração com a força-tarefa de Curitiba e admitiu propinas a centenas de agentes públicos e políticos de diferentes partidos. Ele era presidente da construtora que leva o sobrenome da família quando a Lava Jato estourou em 2014 e prendeu os principais executivos do grupo. A defesa agora alega que o empresário foi forçado a assinar a delação.
Seus advogados usaram mensagens hackeadas da força-tarefa, obtidas na Operação Spoofing, que prendeu os responsáveis pela invasão ao Telegram dos procuradores, para recorrer ao STF. A defesa pediu a extensão de uma decisão que beneficiou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Toffoli concluiu que houve “conluio processual” entre o ex-juiz Sérgio Moro e a força-tarefa em Curitiba e que os direitos do empresário foram violados nas investigações e ações penais. Por isso, declarou a “nulidade absoluta de todos os atos processuais” contra Marcelo Odebrecht na Lava Jato e determinou que os inquéritos e processos envolvendo o empresário fossem trancados.
O procurador-geral defende, no entanto, que as situações de Lula e Marcelo Odebrecht são diferentes e, por isso, a decisão que beneficiou o presidente não poderia ter sido estendida ao empresário. “Há aqui a falta de correlação estrita entre o pedido e a decisão tomada no decisório que poderia servir de paradigma”, argumenta Gonet.
O Ministro Toffoli inventa o ‘poder da caneta’ que apaga propina, confissão de crime e caixa 2
Por Francisco Leali / O ESTADÃO DE SP
O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, decretou nesta terça-feira, 21, o fim de todos os crimes do empreiteiro Marcelo Odebrecht. Anulou tudo, menos a delação feita pelo “príncipe” do que já foi o maior grupo empresarial da construção civil do País.
Da pena do ministro sai uma decisão que leva a um paradoxo. Na delação, Marcelo Odebrecht confessou crimes e apontou outros culpados das mais variadas siglas partidárias. Do PT ao PSDB passando por históricos do MDB. O acordo da delação ainda estaria de pé, mas as condenações que decorreram disso e foram impostas ao empresário caíram. Temos crime, mas as confissões não valem para impor punição.
Na prática, o STF já havia reduzido parte das penas do herdeiro de Norberto Odebrecht. A Lava Jato virou um quadro que já se tirou da parede e preferiu-se guardar no sótão do Poder Judiciário. As anulações estão ancoradas na conduta de Sergio Moro, o ex-juiz. O então magistrado paranaense levou a política para dentro dos autos e, por vezes, deixou claro que não levava o espírito da imparcialidade para seu gabinete.
Ao dizer que nada que a justiça e Moro impuseram a Marcelo Odebrecht vale, Toffoli parece avisar que é melhor apagar as histórias que a Lava Jato revelou. Antes de se saber que o juiz do caso tinha um lado, soube-se pela voz própria de corruptos e corruptores que os contratos da Petrobras bancavam propina milionária do mundo político.
Ainda que os investigadores tenham descoberto que a Odebrecht tinha um departamento para tratar do suborno e do pagamento de caixa 2 nas campanhas eleitorais e mantinha sistema secreto guardado fora do País, fica agora valendo que Marcelo, o principal gestor da empresa, não poderia ter sido condenado por isso. Pelo menos não por Moro, e não como foi conduzido o processo.
A decisão do ministro do STF sai no mesmo dia em que o ex-deputado José Dirceu também livrou-se de uma condenação lavajatiana. O motivo foi mais processual - o caso prescreveu por conta da idade do réu - do que por matéria de fato.
Toffoli, solitariamente, faz cumprir com seu ato uma constatação feita por ele mesmo num encontro que entrou pela madrugada em Brasília. Recém empossado no STF, lembrava dos tempos em que era o responsável por levar os papéis para a assinatura do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no seu primeiro mandato. Ao reunir convivas para um jantar, o ministro rememorou sua temporada como subordinado direto de José Dirceu e sentenciou que o verdadeiro poder é o de quem está com a caneta.
Tanto tempo depois, o ministro sabe que detém o atributo de redimir Marcelo Odebrecht dos crimes que cometeu, tirando proveito dos desvios do juiz que trocou a toga pelo palanque.
Absolvição de Moro respeita voto de quase 2 milhões
O GLOBO
É sintomático que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tenha absolvido por unanimidade o senador Sergio Moro (União-PR) da acusação de abuso de poder econômico na pré-campanha eleitoral de 2022. O julgamento demonstrou que não tinham amparo na lei as alegações de PT e PL contra o ex-juiz que se tornou símbolo da Operação Lava-Jato. Elas tinham todas as características de uma retaliação política contra quem mandara prender expoentes petistas, como o hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e saíra atirando contra o então presidente Jair Bolsonaro ao deixar seu governo. Não é acaso que adversários, certos da cassação, já se movimentavam de olho na vaga no Senado.
PT e PL deixaram o antagonismo de lado para alegar que Moro levara vantagem sobre os concorrentes ao se declarar candidato à Presidência meses antes da campanha oficial. Argumentavam que, com isso, ele gastou acima do permitido a quem disputava uma vaga ao Senado. Ora, é obviamente absurdo alegar que Moro tentou concorrer ao Planalto apenas para depois levar vantagem na eleição ao Senado. As decisões foram tomadas diante das circunstâncias políticas. Ele já era figura conhecida devido à Lava-Jato e não precisava de subterfúgios para ganhar visibilidade. Mudanças assim não são incomuns. O atual governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), também foi eleito depois de tentar a Presidência.
Em seu voto, o relator da ação contra Moro, ministro Floriano de Azevedo Marques, apontou brechas na Lei Eleitoral em relação à pré-campanha, chamou de “vacilante” a candidatura de Moro, classificou gastos dele como “censuráveis”, mas ressaltou não ter observado conduta que pudesse levar à cassação. “Para caracterizar uma conduta fraudulenta, é preciso mais do que estranhamento, indícios, suspeita ou convicção. É preciso haver prova — e prova robusta”, afirmou. Seu voto foi seguido pelos outros seis ministros.
Pelos cálculos de Marques, Moro gastou na pré-campanha 17,47% do teto, e não é possível classificar esses gastos como abusivos, pois nem a lei nem a jurisprudência estabelecem parâmetro objetivo. Também não foram considerados abusivos gastos com carros blindados e segurança. O presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, afirmou que candidatos que recebem ameaças precisam desses recursos e que isso não configura vantagem em relação aos concorrentes.
Para além da discussão jurídica, a decisão do TSE foi feliz ao respeitar a vontade de 1,9 milhão de eleitores paranaenses que, nas eleições de 2022, escolheram Moro para representá-los. Seria absurdo que se cassasse esse direito legítimo dos cidadãos apenas com base em desavenças políticas ou no desejo de vendeta contra as ações de Moro quando era juiz ou ministro, por mais criticáveis que possam ter sido. Em qualquer democracia que se preze, divergências ideológicas ou políticas não se resolvem nos tribunais, mas nas urnas.
STF cria doutrina do ‘controle remoto’, em que não importa o crime cometido, mas o nome no processo
Por J.R. Guzzo /O ESTADÃO DE SP
O Supremo Tribunal Federal, de um desvario aqui a um disparate ali, vai oferecendo ao mundo uma doutrina até hoje desconhecida nos registros do Direito universal. É a aplicação da justiça através do controle remoto. Como nos equipamentos de televisão, o ministro encarregado de tomar esta ou aquela decisão aciona a tecla “desliga” sobre os fatos que possam estar em desacordo com a sentença que ele quer dar. O efeito é exatamente o mesmo que se observa nas telas da TV: fica tudo preto, a imagem e as vozes desaparecem e a realidade que existia na sua frente, até aquele instante, passa a não existir mais. É o que o STF tem feito com empenho cada vez mais sistemático. Sempre que querem atender aos seus desejos, acionam a caneta que o Estado brasileiro lhes dá e anulam coisas que já aconteceram na vida real – e que, pelas regras gerais da lógica, deveriam levar à uma decisão oposta a aquela que decidiram tomar.
O ministro Dias Toffoli, pelo que parece e pelos despachos que dá, está sendo o grande cérebro por trás desta doutrina. Por sua própria conta, ou a pedidos, é o que mais tem utilizado o controle remoto para apagar quaisquer acontecimentos materiais que obrigariam um magistrado a decidir desta ou daquela forma. Como o cidadão que desliga a TV quando não quer ver mais o programa, Toffoli acaba de sumir de um golpe só com todas as provas e todos os processos contra o empresário Marcelo Odebrecht – o condenado-estrela, pelo crime de corrupção ativa, da Operação Lava Jato.
Já tinha, pouco tempo atrás, tomado a decisão de perdoar a construtora Odebrecht e o grupo industrial J&F do pagamento de multas somando por volta de R$ 15 bilhões – penalidades que os seus diretores tinham se comprometido a pagar para não serem presos por corrupção. Não deu para entender nada. O ministro, é óbvio, não forneceu até hoje uma única explicação coerente para fazer o que fez – aliás, eles nunca dão explicação nenhuma. O fato é que os magnatas nem foram para a cadeia e nem pagaram a multa.
Agora, com a anulação de todos os processos contra Marcelo Odebrecht, o STF faz mais um avanço histórico: a justiça brasileira de 2024, através de Toffoli, considera oficialmente que crimes provados por evidências físicas, pela devolução de dinheiro roubado e pela confissão espontânea do próprio réu, assistido por todos os advogados garantistas do mundo, não existiram. Tecnicamente, com base em decisões como essa, qualquer crime cometido no território nacional pode a partir de hoje receber um certificado de “não-existência”. Não se aconselha a ninguém, naturalmente, fazer essa experiência consigo mesmo. A doutrina do controle remoto tem um outro fundamento essencial: não se aplica segundo o crime julgado, mas segundo o nome que aparece na capa do processo. O nome “Odebrecht” funciona. Outros nomes funcionam. Se o sujeito não tem um nome “validado”, sai de baixo. Se for acusado, por exemplo, de dar “golpe de Estado” com o uso de estilingues, vai pegar dezessete anos de reclusão. “Nome inválido”, dirá o STF.
O ministro Toffoli está construindo para si próprio uma biografia sem precedentes na história do Judiciário brasileiro. Arrasta, junto com ela, todo o STF. Recentemente, quando anulou as multas da Odebrecht e J&F, teve o seu nome citado nove vezes num mesmo relatório da Transparência Internacional sobre corrupção no Brasil – onde se dizia, por sinal, que o país caiu ainda mais para baixo na lista da ladroagem mundial e hoje é uma das nações mais corruptas do planeta. Foi citado oficialmente por Marcelo Odebrecht, em depoimento às autoridades do MP, como o “amigo do amigo do meu pai” – sendo seu pai o empresário Emílio Odebrecht e o amigo o atual presidente da República. No arrastão em favor da família e de sua empresa, foi declarado inexistente o que talvez tenha sido o aparelho de corrupção mais explícito da história mundial da roubalheira: o “Departamento de Operações Estruturadas” da Odebrecht, montado para operacionalizar o pagamento de subornos e provido de diretores, funcionários, computadores, planilhas e tudo o mais.
Neste último episódio, a presente doutrina do STF acabou beneficiando, na prática, um velho inimigo do tribunal e do presidente Lula – o senador Sérgio Moro, o juiz-chefe da operação anticorrupção mais odiada pelo tribunal. Foi uma questão de prioridades. Moro estava à beira de ter o seu mandato cassado pelo TSE, a polícia eleitoral do Supremo. Mas os ministros queriam, mais do que isso, livrar Marcelo Odebrecht de todos os seus problemas, e para sempre.
Fazer as duas coisas ao mesmo tempo? Pelo jeito eles acharam que aí já seria demais. Optaram pela prioridade maior – eliminar o caso Odebrecht do mundo das realidades. É a “previsibilidade” e a “segurança jurídica” que o STF de hoje oferecem ao Brasil. Vai decidir, em todos os casos, da mesma maneira: em favor dos nomes aprovados pelo sistema. É a nossa jurisprudência.
Ministro Toffoli inventa o ‘poder da caneta’ que apaga propina, confissão de crime e caixa 2
Por Francisco Leali / o estadão de sp
O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, decretou nesta terça-feira, 21, o fim de todos os crimes do empreiteiro Marcelo Odebrecht. Anulou tudo, menos a delação feita pelo “príncipe” do que já foi o maior grupo empresarial da construção civil do País.
Da pena do ministro sai uma decisão que leva a um paradoxo. Na delação, Marcelo Odebrecht confessou crimes e apontou outros culpados das mais variadas siglas partidárias. Do PT ao PSDB passando por históricos do MDB. O acordo da delação ainda estaria de pé, mas as condenações que decorreram disso e foram impostas ao empresário caíram. Temos crime, mas as confissões não valem para impor punição.
Na prática, o STF já havia reduzido parte das penas do herdeiro de Norberto Odebrecht. A Lava Jato virou um quadro que já se tirou da parede e preferiu-se guardar no sótão do Poder Judiciário. As anulações estão ancoradas na conduta de Sergio Moro, o ex-juiz. O então magistrado paranaense levou a política para dentro dos autos e, por vezes, deixou claro que não levava o espírito da imparcialidade para seu gabinete.
Ao dizer que nada que a justiça e Moro impuseram a Marcelo Odebrecht vale, Toffoli parece avisar que é melhor apagar as histórias que a Lava Jato revelou. Antes de se saber que o juiz do caso tinha um lado, soube-se pela voz própria de corruptos e corruptores que os contratos da Petrobras bancavam propina milionária do mundo político.
Ainda que os investigadores tenham descoberto que a Odebrecht tinha um departamento para tratar do suborno e do pagamento de caixa 2 nas campanhas eleitorais e mantinha sistema secreto guardado fora do País, fica agora valendo que Marcelo, o principal gestor da empresa, não poderia ter sido condenado por isso. Pelo menos não por Moro, e não como foi conduzido o processo.
A decisão do ministro do STF sai no mesmo dia em que o ex-deputado José Dirceu também livrou-se de uma condenação lavajatiana. O motivo foi mais processual - o caso prescreveu por conta da idade do réu - do que por matéria de fato.
Toffoli, solitariamente, faz cumprir com seu ato uma constatação feita por ele mesmo num encontro que entrou pela madrugada em Brasília. Recém empossado no STF, lembrava dos tempos em que era o responsável por levar os papéis para a assinatura do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no seu primeiro mandato. Ao reunir convivas para um jantar, o ministro rememorou sua temporada como subordinado direto de José Dirceu e sentenciou que o verdadeiro poder é o de quem está com a caneta.
Tanto tempo depois, o ministro sabe que detém o atributo de redimir Marcelo Odebrecht dos crimes que cometeu, tirando proveito dos desvios do juiz que trocou a toga pelo palanque.
Coordenador na Sucursal do Estadão em Brasília. Jornalista, Mestre em Comunicação e pesquisador especializado em transparência pública. Escreve às sextas-feiras.
STF anula pena da Lava Jato a Zé Dirceu, que mira Câmara em 2026
Por Rayssa Motta / O ESTADÃO DE SP
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) extinguiu nesta terça-feira, 21, por 3 votos a 2, a pena imposta ao ex-ministro José Dirceu por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na Operação Lava Jato. Ele foi sentenciado a 8 anos e 10 meses de prisão pela Justiça Federal no Paraná. A condenação foi assinada pelo então juiz Sergio Moro e confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4).
Com a decisão do STF, o ex-ministro fica mais perto de recuperar os direitos políticos. As condenações criminais o impedem de disputar as eleições, por causa da Lei da Ficha Limpa. Uma eventual candidatura dependerá de análise da Justiça Eleitoral. Hoje com 78 anos, que completou em março, ele já declarou que pretende disputar uma vaga na Câmara dos Deputados em 2026.
“Tive o meu mandato cassado por razões políticas e sem provas. Sofri processos kafkianos para me tirar da vida política e institucional do País. Seria justo voltar à Câmara dos Deputados, e a decisão do STF nos leva a essa direção”, disse José Dirceu em nota à imprensa.
Segundo o criminalista Roberto Podval, que representa o ex-ministro, a única ação pendente contra Dirceu envolve acusações de propinas da Engevix. Ele foi condenado a 23 anos e 3 meses de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Um recurso está na fila para julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A defesa alega que, por analogia à decisão de hoje na Segunda Turma do STF, esta segunda ação também deve ter a prescrição reconhecida.
O processo julgado nesta terça pelo Supremo envolve uma condenação por supostas propinas da Apolo Tubulars, entre os anos de 2009 e 2012, para ajudar a empresa a fechar contratos com a Petrobrás. O ex-ministro teria usado sua influência para manter Renato Duque na Diretoria de Serviços da estatal e, com isso, direcionar licitações à empresa de tubulação.
Os ministros do STF reconheceram a prescrição do processo. Como Dirceu tem mais de 70 anos, o prazo de prescrição é contado pela metade. No caso do crime de corrupção passiva, cai de 12 para seis anos.
A Primeira Turma considerou como marco de prescrição o ano de 2009. A maioria entendeu que o crime foi consumado no momento do suposto pedido de propina. Como o ex-ministro só foi condenado em 2017, a sentença foi considerada irregular.
Votaram para derrubar a pena os ministros Kassio Nunes Marques, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski (aposentado). Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia.
José Dirceu se licenciou do mandato na Câmara dos Deputados para assumir o Ministério da Casa Civil no primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2003. Ele foi demitido, preso e depois cassado na ressaca do escândalo do Mensalão. Quadro histórico do PT, voltou a enfrentar acusações criminais na Operação Lava Jato. Agora, tenta se livrar das pendências na Justiça de olho na reabilitação política.
Uma ação movida pela defesa do ex-ministro pede a anulação de todas as suas condenações na Lava Jato, alegando que Sérgio Moro foi parcial. O processo foi distribuído ao gabinete de Gilmar Mendes e aguarda decisão.
Toffoli derruba todos os processos e investigações sobre Marcelo Odebrecht na Lava Jato
Por Rayssa Motta / O ESTADÃO DE SP
O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), derrubou nesta terça-feira, 21, todos os processos e investigações contra o empresário Marcelo Odebrecht na Operação Lava Jato.
A decisão afirma que houve “conluio processual” entre o ex-juiz Sérgio Moro e a força-tarefa de Curitiba e que os direitos do empresário foram violados nas investigações e ações penais.
“O que poderia e deveria ter sido feito na forma da lei para combater a corrupção foi realizado de maneira clandestina e ilegal”, justificou Toffoli.
Ao declarar a “nulidade absoluta de todos os atos processuais” contra Marcelo Odebrecht na Lava Jato, o ministro determinou que os inquéritos e processos envolvendo o empresário sejam trancados.
“Nota-se, portanto, um padrão de conduta de determinados procuradores integrantes da força-tarefa da Lava Jato, bem como de certos magistrados que ignoraram o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa e a própria institucionalidade para garantir seus objetivos - pessoais e políticos -, o que não se pode admitir em um Estado Democrático de Direito”, diz um trecho da decisão.
Réu confesso, Marcelo Odebrecht fechou acordo de colaboração com a força-tarefa de Curitiba e admitiu propinas a centenas de agentes públicos e políticos de diferentes partidos. Ele era presidente da construtora que leva o sobrenome da família quando a Lava Jato estourou em 2014 e prendeu os principais executivos do grupo. A defesa agora alega que o empresário foi forçado a assinar a delação.
Seus advogados usaram mensagens hackeadas da força-tarefa, obtidas na Operação Spoofing, que prendeu os responsáveis pela invasão ao Telegram dos procuradores, para recorrer ao STF. A defesa pediu a extensão da decisão que beneficiou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em sua decisão, Toffoli afirma que as conversas revelam que Sergio Moro e os procuradores combinaram estratégias contra Marcelo Odebrecht.
“A prisão do requerente, a ameça dirigida a seus familiares, a necessidade de desistência do direito de defesa como condição para obter a liberdade, a pressão retratada pelo advogado que assistiu o requerente naquela época e que o assiste atualmente estão fartamente demonstradas”, escreveu. “Fica clara a mistura da função de acusação com a de julgar, corroendo-se as bases do processo penal democrático.”
A decisão de Toffoli não afeta o acordo de delação, que continua válido, segundo o próprio ministro. Marcelo Odebrecht terminou de cumprir a pena da colaboração com a Lava Jato, por corrupção, associação criminosa e lavagem de dinheiro, em 2023.