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Governo Lula dá cargo a cinegrafista que fez acusação contra equipe de Tarcísio em Paraisópolis

Por Gustavo Côrtes / O ESTADÃO DE SP

 

O ex-cinegrafista da Jovem Pan que denunciou a tentativa de auxiliares do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, de forçá-lo a apagar imagens do tiroteio ocorrido durante agenda de campanha na favela de Paraisópolis, em outubro do ano passado, ganhou um cargo no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Marcos Vinicios de Andrade é coordenador de Cinegrafia da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) desde setembro, quando teve sua nomeação publicada no Diário Oficial da União. Ele está lotado na capital paulista e ganha salário líquido mensal de R$ 9,4 mil.

 

A EBC afirmou que “o profissional tem 30 anos de experiência como operador de câmera de unidade portátil externa e repórter cinematográfico”.

 

Em novembro, Andrade depôs à Polícia Federal no inquérito que investigou se partiu da campanha de Tarcísio a versão falsa de que o aquele confronto foi um atentado contra o então candidato. Conforme revelou o Estadão, o Ministério Público Eleitoral pediu o arquivamento do caso por falta de provas e pediu abertura de investigação contra jornalistas por reportagens sobre o áudio do momento em que o segurança aborda o cinegrafista.

 

De acordo com o relato do profissional à PF, ele estava no mesmo edifício em que os integrantes da comitiva buscaram abrigo no momento dos disparos. Ao perceber que um homem foi alvejado, correu para a rua para registrar a imagem, mas foi impedido por um homem com distintivo da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e arma de fogo na mão. Tratava-se de Fabrício Cardoso de Paiva, um agente que se licenciou para acompanhar Tarcísio.

 

O cinegrafista contou que, em seguida, foi levado junto com o então candidato e o resto da equipe para um comitê de campanha, onde Cardoso de Paiva pediu que ele deletasse as imagens. Àquela altura, no entanto, o material já havia sido enviado para a emissora. Andrade diz que seus superiores o pressionaram a gravar um vídeo em apoio a Tarcísio para ser exibido em horário eleitoral. O funcionário diz ter se negado a fazer e pedido desligamento.

 

Relembre o caso

 

Tarcísio visitou o Polo Universitário de Paraisópolis em outubro de 2022, quando disputava o segundo turno da eleição para o governo de São Paulo contra Fernando Haddad. A agenda foi interrompida por volta de 11h40 por disparos de arma de fogo do lado de fora do edifício.

 

Policiais militares foram acionados e trocaram tiros com criminosos. Um homem Felipe Silva de Lima, de 27 anos, foi morto. O inquérito da Polícia Civil aponta para um policial militar como autor do disparo que o matou. Havia seguranças de Tarcísio presentes no confronto, inclusive Fabrício Cardoso de Paiva, da Abin.

 

O caso gerou uma ação contra o governador na Justiça Eleitoral por uso de patrimônio da União em benefício de campanha eleitoral. Isso porque o policial federal Danilo Campetti o acompanhou naquela agenda e foi visto com distintivo e arma da corporação no local.

 

Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) absolveu Tarcísio por unanimidade. A defesa de Campetti, que também é réu na ação, comprovou que ele estava de folga e alegou que o uso dos equipamentos da corporação não tinham relação com o ato eleitoral, e sim com o tiroteio. Também afirmou que ele havia sido candidato e participou da visita na condição de apoiador.

Nem Lula sabe onde fica o Brasil pacificado da propaganda oficial

Josias de Souza/ Colunista do UOL

 

Com boa propaganda pode-se vender qualquer coisa, até ovo sem casca. Mas a campanha publicitária lançada pelo Planalto no domingo exagera no slogan: "Um Brasil e um só povo". As peças que começaram a ser veiculadas na TV, no rádio e na internet vendem a ilusão de que um Brasil pacificado…

 

Na véspera, discursando para uma plateia de petistas, Lula previu que a eleição municipal de 2024 será marcada novamente pela polarização. Ensinou aos companheiros que não devem silenciar diante dos rosnados do bolsonarismo. "Não podem enfiar o rabo no meio das pernas. Quando um cachorro late para a gente, a gente late também"

 

Na campanha eleitoral, Lula apresentou-se como um fator de pacificação e de ideias novas. No segundo turno, sustentado por uma frente ampla pró-democracia, elegeu-se com pequena margem. No governo, manteve a língua em riste e reeditou antigos programas. Da frente ampla restou pouca coisa…

 

O Datafolha divulgado na semana passada mostrou que Lula continua falando bem com quem gosta dele: 38% aprovam o seu governo. Mas ainda não aprendeu a ouvir o outro: 30% o consideram ruim ou péssimo; outros 30% acham o governo regular. É esse contingente que o Planalto deseja capturar. O problema é que, dependendo do latido, a turma do "regular" pode mudar para qualquer lado…

 

Muitos brasileiros, depois de assistir aos comerciais do governo, podem ficar tentados a morar no Brasil da propaganda. Mas o desejo será mais intenso depois que Lula descobrir onde fica esse país idílico e pacificado, onde o diálogo substitui os latidos…

 

Opinião
Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

A conta bilionária que o Congresso quer empurrar para o consumidor na conta de luz

Por Johanns Eller — Rio / COLUNA DA MALI GASPAR / O GLOBO

 

A conta dos jabutis inseridos no projeto de lei das eólicas offshore para beneficiar uma série de empresários ligados ao setor, como Carlos Suarez, conhecido como rei do gás, já circula nos bastidores do Ministério da Fazenda. E é bilionária.

 

A estimativa dos técnicos do governo Lula, obtida com exclusividade pela equipe da coluna, é de que a manobra que revelamos no blog no final de novembro vá custar pelo menos R$ 33,8 bilhões ao consumidor brasileiro – que já paga uma conta alta, mesmo sem risco de apagão ou crise no abastecimento.

 

É praticamente o mesmo valor – até um pouco mais – que a pasta pretende arrecadar com a taxação dos fundos exclusivos e offshore até 2025 (R$ 30,5 bilhões).

 

O dinheiro vai ser consumido com a ampliação, a criação ou a prorrogação de subsídios variados, das térmicas a gás (R$13,2 bilhões) à usinas a carvão (R$ 2,2 bilhões) e outras modalidades de geração de energia que hoje já são mais baratas e competitivas – como as pequenas centrais hidrelétricas (R$ 8,6 bilhões).

O período de concessão dos benefícios varia conforme o subsídio e pode chegar até 20 anos.

 

E será todo transferido ao consumidor, como alerta um técnico do governo. "Essa é a tragédia do setor elétrico. Acharam um jeito de fazer benesses sem passar pelo orçamento. Vai do bolso do consumidor para o do empresário. O impacto na distribuição de renda é péssimo, pois a conta de luz é um item muito importante no orçamento das famílias de mais baixa renda".

 

Preocupada com os efeitos na economia, uma ala do governo, mais ligada à Fazenda, vai trabalhar para tentar derrubar o projeto no Senado.

 

Mas devem enfrentar dificuldades, porque os jabutis incluídos no projeto aprovado na Câmara contemplam uma série de interesses e empresários poderosos – como o próprio Suarez, que tem vários defensores no Congresso.

O projeto, de autoria do ex-senador Fernando Collor (PTB-AL) e relatado pelo deputado federal Zé Vitor (PL-MG), chegou na última sexta-feira (8) à Secretaria Legislativa do Senado Federal. Até o fechamento desta reportagem, aguardava despacho da mesa diretora da Casa para entrar na pauta.

 

No jargão político de Brasília, jabutis são dispositivos ou trechos incluídos na redação de leis ou medidas provisórias sem relação direta com o tema em discussão com o objetivo de serem aprovados sem alarde.

Apesar de o objetivo do PL em tese ser o de estabelecer um marco regulatório para eólicas offshore (parques eólicos em alto mar), um jabuti que atende aos interesses de Suarez foi incluído no texto por Zé Vitor no último dia 22.

 

A manobra, que adiantamos no blog, incluiu artigos que alteram o cálculo do valor do megawatt das usinas térmicas tornadas obrigatórias pela lei da privatização da Eletrobras, de julho de 2021.

O mesmo trecho estava previsto na minuta de uma medida provisória sobre energias renováveis preparada pelo governo Lula, incluída no texto por iniciativa do secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Efrain Cruz.

 

Advogado de formação, Cruz foi diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) até 2022. Ele mantém ligações com os senadores Davi Alcolumbre (União-AP) e Marcos Rogério (PL-RO) e foi indicado para o conselho da Petrobras com o apoio da associação de distribuidoras de gás que representa justamente os interesses de Suarez.

A repercussão da divulgação do caso, no entanto, fez com que as mudanças subissem no telhado e mudassem sorrateiramente de “endereço” – no caso, o PL das eólicas, que tramitava na Câmara.

 

No novo artigo costurado pelo MME, o custo do transporte do gás deixa de ser incluído no preço do megawatt a ser oferecido nos leilões pelas partes interessadas na construção das usinas – que, por sua vez, contratariam o transporte a partir de uma chamada pública feita pelo governo estadual junto com as distribuidoras regionais de gás.

Outra medida que beneficia diretamente Suarez é a prorrogação dos subsídios a pequenas centrais hidrelétricas, conhecidas como PCHs, por mais 20 anos no chamado Programa de Incentivos às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa) – ao custo de R$ 2 bilhões por ano. Além de ser forte no ramo da distribuição de gás, o empresário baiano tem uma participação relevante no mercado de PCHs.

 

Os outros bilhões estão espalhados por outros jabutis inseridos no texto pelos articuladores do lobby pró-Suarez para dirimir as resistências de setores à obrigatoriedade das usinas térmicas – um dos pontos mais controversos da lei de privatização da Eletrobras – e viabilizar um texto consensual para ser aprovado pelas duas Casas do Congresso.

 

Isso porque a lei da Eletrobras obrigava o governo a contratar o fornecimento de 8 mil megawatts de térmicas no Nordeste, Norte, Centro-Oeste e Sudeste a partir de 2026. Suarez, dono da Termogás, seria o principal favorecido por ser o dono das concessões para o fornecimento de gás às usinas previstas nas três primeiras regiões, mas não dispõe de gasodutos.

 

Porém, como o jabuti patrocinado pelo MME estabelece que o custo do transporte não será computado no preço a ser oferecido no leilão das térmicas, mas apenas após a construção das usinas, a conta do transporte ficaria na conta do consumidor – já que não há outra forma de transportar o gás senão construindo os gasodutos.

Para aplacar a controvérsia, o texto final diminuiu a quantidade de usinas a serem licitadas de 8 mil megawatts para 4.250 MW e redirecionou parte do potencial energético previsto para outras fontes energéticas que não eram condicionantes da lei que privatizou a Eletrobras.

 

É o caso, por exemplo, das de hidrogênio líquido e as termelétricas movidas a carvão mineral - uma das fontes energéticas mais poluentes. O pacote inteiro dos jabutis completa os R$ 33 bilhões nas contas que circulam no governo Lula.

 

A articulação para a inclusão dos jabutis no projeto da Câmara contou com o aval direto do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Agora, tudo indica que as mudanças serão chanceladas pelo Congresso sem sobressaltos. A intenção dos congressistas é aprovar o PL antes do recesso do Legislativo, previsto para começar no dia 23.

 

Pelo visto, tanto o governo Lula quanto os congressistas parecem empenhados em garantir a Carlos Suarez um inesquecível presente de Natal.

Órgão do governo Lula que fiscaliza fundos de pensão afrouxa regras e dificulta punição por ilícitos

Por Gustavo Côrtes / O ESTADÃO DE SP

 

Publicada em agosto, a Resolução nº 23 da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), órgão ligado ao Ministério da Previdência, reduz as possibilidades de penalização administrativa contra gestores de fundos de pensão acusados de irregularidades. A redação estabelece como “ato regular de gestão” medidas tomadas de boa-fé. Na prática, é preciso agora comprovar que investimentos lesivos às finanças dos beneficiários foram feitos com a intenção de prejudicá-los. O órgão afirma que a norma visa assegurar “atuação garantista e republicana” e segue manual de melhores práticas de entidades internacionais. Críticos dizem, porém, que é uma blindagem após a Operação Greenfield, que investigou desvios nos fundos de pensão.

 

Em depoimento à Corregedoria da Procuradoria-Geral Federal (PGF), órgão vinculado à Advocacia-Geral da União (AGU) para assessoramento jurídico e representação judicial e extrajudicial de autarquias e fundações públicas federais, procuradores da Previc apontaram também ilegalidades no texto e o descumprimento de trâmites burocráticos para aprová-lo na diretoria colegiada. Dizem ainda ter sofrido pressão de um superior para antecipar conclusões técnicas sobre o tema.

 

As queixas foram apresentadas em uma investigação da PGF que culminou no afastamento cautelar do agora ex-procurador-chefe da Previc e autor da resolução Danilo Martins, contra quem foi aberto um processo administrativo disciplinar. Ele havia sido nomeado pelo ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, em abril deste ano, já no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, e teve sua dispensa publicada no Diário Oficial da União no início de novembro.

 

Martins não quis se manifestar, alegando que o procedimento ainda está em curso. A Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe) afirmou que integrantes da categoria “não são responsáveis pelos atos praticados pelos gestores públicos, conforme se verifica de inúmeras decisões judiciais e administrativas proferidas nesse sentido”.

 

Duas semanas após a resolução entrar em vigor, 34 ex-gestores dos fundos de pensão da Petrobras e da Vale denunciados pelo Ministério Público Federal por gestão temerária pediram o adiamento do julgamento de autos de infração a que respondem na Câmara de Recursos da Previdência Complementar. Argumentam que a nova regra deve ser aplicada retroativamente a eles. Entre os autuados, 15 são alvo da extinta Operação Greenfield, um desdobramento da Lava Jato que investigou desvios em fundos de pensão.

 

Os casos deles dizem respeito a aplicações de capital feitas no Fundo de Investimento em Participações (FIP) Sondas, criado em 2011 no governo da ex-presidente Dilma Rousseff para investir na Sete Brasil, estatal incumbida de fabricar equipamentos para a exploração de petróleo do pré-sal. De acordo com o MPF, os investimentos na Sete causaram prejuízo de R$ 5,5 bilhões aos fundos de pensão.

 

O relatório de uma CPI realizada em 2015 na Câmara dos Deputados indica que a Petros autorizou aporte no FIP Sondas sem submeter a proposta à sua assessoria de planejamento e investimentos. A diretoria-executiva aprovou a alocação de R$ 350 milhões no ativo, que não se converteram em retornos para os aposentados da Petrobras.

 

No julgamento da Diretoria Colegiada, a primeira instância da Previc, 15 diretores foram multados e inabilitados pelo período de dois a quatro anos. Membros de conselhos deliberativos e de comitês de investimentos sofreram multas.

 

O pedido dos réus foi tema da análise da Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência Social, que alegou, em parecer, não haver na resolução a “tentativa de se criar excludentes de ilicitude”, mas determinou mudanças na redação original. No fim de novembro, foi publicada no Diário Oficial da União uma retificação, segundo a qual o artigo 230, que trata do ato regular de gestão, “não se aplica retroativamente aos processos em curso”.

 

Segundo os servidores, Martins atuou para pular procedimentos de análise de mérito relativos à resolução. Teria impedido, por exemplo, que uma minuta passasse pelo escrutínio da Coordenação de Normas, cujo chefe, o procurador Elthon Baier Nunes, havia manifestado ressalvas quanto à legalidade do texto.

 

De acordo com os relatos, o então procurador-chefe avocou para si a tarefa, apesar de colegas o alertarem que, como formulador da proposta, ele não deveria também ser o avalista dela. Martins justificou o ato pela urgência de aprovação da norma, dizendo se tratar de um pedido direto do diretor-superintendente, Ricardo Pena. As cobranças por celeridade em procedimentos internos eram feitas em reuniões presenciais e por meio de um grupo de WhatsApp em que procuradores debatiam questões ligadas ao trabalho.

 

Nos depoimentos, procuradores afirmam que a resolução exime gestores de responsabilidade por gestão temerária e ultrapassa os limites legais de atuação do órgão ao alterar normas sobre o tema, uma competência do Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC). A Previc, na condição fiscalizadora do mercado, dizem, tem autonomia somente para formular instruções que disciplinam regras já existentes, mas não para criá-las.

 

Uma nota técnica dispensou a produção de análise de impacto regulatório, estudo que prevê possíveis efeitos de novas medidas no mercado. A justificativa foi de que o texto apenas consolidava normas já estabelecidas pelo CNPC. A Corregedoria da PGF refutou esta versão com o argumento de que a resolução prevê inovações legislativas e apontou para a falta de estudos técnicos no embasamento da decisão da nota.

 

Outra irregularidade apontada pelos servidores foi a falta de consulta pública ampla. A Previc enviou ofícios a seis associações de Previdência complementar com pedidos de sugestões para a redação. O prazo para que as contribuições fossem enviadas foi de apenas cinco dias. Segundo os corregedores, não há registro de nenhuma.

Procurada, a autarquia afirmou que “a atuação técnica, republicana e garantista da atual gestão da Previc tem gerado reações de parcela dos servidores, responsáveis pela atuação policialesca e persecutória verificada em governos anteriores, que ignoram o relevante papel orientativo e preventivo da supervisão baseada em riscos”.

O presidente da Unafisco, Kleber Cabral, diz que o discurso é uma tentativa de conquistar apoio do Palácio do Planalto à flexibilização de normas. “Está havendo uma tentativa de se fazer analogia entre as fiscalizações da Previc e excessos da Lava Jato. Isso é uma forma de ganhar adeptos dentro do governo. Para a fiscalização, a responsabilidade dos gestores é objetiva. Só se investiga se atos de gestão comprometem a higidez do fundo. Quem comprova se houve crime ou não é o Ministério Público.”

 

Ele também afirma que auditores da Receita Federal cedidos à Previc têm manifestado intenção de deixar seus postos no órgão por desconforto com a nova gestão.

 

Advocacia-Geral da União (AGU) confirmou a abertura de processo administrativo disciplinar contra Martins e afirmou que não pode divulgar detalhes do procedimento até a sua conclusão em razão de normas internas.

 

As controvérsias chamaram a atenção também do Tribunal de Contas da União, que, em outubro, enviou um ofício ao secretário-executivo do Ministério da Previdência Social, Wolney Queiroz, em que pede acesso ao parecer da pasta.

 

A resolução também pode ter impacto em processos que envolvem membros da atual cúpula da Previc. Os diretores de Normas, Alcinei Rodrigues, e de Fiscalização, João Paulo de Souza, foram autuados pela autarquia por atos cometidos quando estavam à frente de fundos de pensão.

 

O primeiro é acusado de irregularidades na Funcef, o fundo de pensão de funcionários da Caixa Econômica Federal, e foi denunciado pelo MPF, em 2019, por gestão temerária na Petros, no bojo da Greenfield.

 

O outro responde a processo na Previc por colocar em risco o pagamento a beneficiários do fundo de aposentadoria CELOS e de descumprir resolução do Fundo Monetário Nacional (CMN) na aplicação de reservas garantidoras, conforme revelou a Coluna do Estadão em maio.

Martins é investigado por arbitrar a favor de fundo de pensão privado

O ex-procurador-chefe da Previc Danilo Martins é investigado por prática de arbitragem privada a favor de um fundo de pensão em um litígio que tramita na entidade. Uma denúncia feita à Advocacia-Geral da União o acusa de se aproveitar do cargo para intermediar reuniões entre o corpo de procuradores federais do órgão e a advogada Ana Paula Raeffray, sua sócia na empresa Cames, especializada em mediação e arbitragem e que representava a Fundação Itaúsa em um caso de R$ 1 bilhão. Em nota, ela afirma não ter participação no processo administrativo aberto contra Danilo Martins nem conhecer o conteúdo da denúncia, já que o procedimento tramita em sigilo.

 

A Corregedoria da PGF encontrou o registro de uma audiência realizada por teleconferência de Ana Paula e do diretor-executivo da Fundação Itaúsa, Herbert Andrade, com integrantes da Previc na presença de Martins. De acordo com a ata, a reunião, realizada em julho, tinha como objetivo discutir possíveis interpretações de uma resolução do CNPC que estabelece regras para a reversão de valores para patrocinadores de fundos de pensão. Procurada pelo Estadão, a empresa informou que contratou o escritório Raeffray Brugioni Advogados para a prestação de “serviços jurídicos generalistas” neste processo.

 

A reversão de valores consiste na retirada de recursos dos fundos por suas entidades mantenedoras. Em consulta à Previc realizada em fevereiro, a Fundação Itaúsa demonstrou interesse em alterar o regulamento de um de seus planos de aposentadoria para permitir que este tipo de operação fosse realizado com mais flexibilidade, mas foi impedida por um parecer da consultoria jurídica do órgão.

 

O questionamento, segundo a empresa, “teve por objeto o esclarecimento de uma lacuna normativa quanto ao tratamento de reversão de valores do fundo previdencial para o patrocinador de plano de benefício de previdência complementar”. O processo foi encerrado em novembro com a resposta negativa da Previc.

Martins convocou para a reunião os dois procuradores responsáveis pelo veto e criticou a formulação da nota técnica em que o parecer se baseou. Segundo ele, o documento não deveria ter sido feito de forma conjunta pelas diretorias de Licenciamento e de Normas.

Ambos os servidores afirmaram, em depoimento à PGF, que não foram informados pelo então procurador-chefe do vínculo empresarial dele com os dois representantes privados e confirmaram que a advogada defendeu os interesses da Fundação Itaúsa. Herbert Andrade foi quem solicitou o encontro, por meio de uma mensagem de e-mail em que copiou Martins e Ana Paula.

 

Os corregedores concluíram que há indícios de conflito de interesses. Por isso, além do afastamento cautelar, foi expedida busca e apreensão dos dados telemáticos dos computadores e do celular funcional de Martins.

 

Um dos argumentos usados para embasar as medidas cautelares foi uma norma baixada pela AGU em 2019, quando o ministro do STF André Mendonça comandava o órgão, que proibiu advogados públicos de atuarem em causas de interesse privado.

 

A Cames não é o único empreendimento em que Martins e Ana Paula são sócios. Eles mantêm parceria em outros dois negócios com o ex-procurador federal Wagner Balera: a Auger Editora e o Instituto de Previdência Complementar e Saúde Suplementar (IPCOM). Ambas as empresas situam-se em um endereço na Avenida Arnolfo Azevedo, no bairro do Pacaembu, em São Paulo, o mesmo do escritório de advocacia de Ana Paula.

Resolução abriu a Previc para a atuação de advogados particulares

A resolução publicada em agosto trouxe uma inovação, além do “ato regular de gestão”: autorizou advogados particulares com a mesma especialização de Ana Paula a atuarem como mediadores na Câmara de Mediação, Conciliação e Arbitragem (CMCA) da Previc. Há ainda previsão de pagamento de honorários pelo serviço, que antes era exercido apenas por servidores da autarquia de forma gratuita. Martins é um dos autores da redação.

 

Uma das entidades procuradas na consulta pública foi o IPCOM, no qual Martins e Ana Paula são diretores e Balera é presidente. Este último foi quem recebeu o ofício. De acordo com a Corregedoria da PGF, não há registro de nenhuma contribuição de entidades externas.

 

Procurado, Balera disse que nenhuma de suas sociedades com Martins e Ana Paula envolve atuação como advogado. Professor da PUC-SP, ressaltou que dá aula sobre o tema há mais de 40 anos e costuma ser consultado para a formulação de leis e resoluções na condição de especialista.

 

 

Lula tira poder sobre dinheiro de ministérios para fazer ‘caixinha de fim de ano’ para o Centrão

Por Daniel Weterman / O ESTADÃO DE SP

 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tirou o poder de quatro ministros do governo e mudou a destinação de recursos que estavam sob controle do primeiro escalão. O Executivo vai usar o dinheiro para montar um ‘pacotão’ de emendas para o Centrão no fim do ano.

 

Parte do dinheiro cortado, um total de R$ 1,8 bilhão, foi retirada dos recursos herdados pelos ministros após o fim do orçamento secreto, esquema revelado pelo Estadão. O dinheiro reforçará indicações de deputados e senadores, sem interferência dos ministros e nem transparência sobre os verdadeiros padrinhos, repetindo uma prática do mecanismo secreto.

 

O Planalto quer usar os recursos para influenciar as votações no Congresso no fim do ano. A estratégia é aprovar os três principais projetos orçamentários do governo, que estão com votações atrasadas: o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2024. Sem essas propostas, o governo não tem recursos para gerir no ano que vem. Além disso, a reforma tributária passará por mais uma votação na Câmara, após ter sido aprovada no Senado.

 

Nos meses de outubro e novembro, até segunda-feira, 13, o governo retirou R$ 820 milhões do controle direto do ministro da Integração e do Desenvolvimento Regional, Waldez Góes (PDT), em recursos que o chefe da pasta poderia direcionar e escolher quais municípios e projetos atender. No Ministério das Cidades, foram R$ 770,7 milhões retirados da alçada do ministro das Cidades, Jader Filho (MDB).

 

Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), por sua vez, ganhou R$ 1,5 bilhão com os remanejamentos e terá mais esse dinheiro para negociar com parlamentares no fim do ano. A estatal é controlada pelo Centrão, tem um presidente indicado pelo União Brasil e é uma das empresas usadas por políticos para movimentar o orçamento secreto.

Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), controlado pelo PP e pelo Avante, ganhou R$ 160,4 milhões. O programa Calha Norte, operado pelo Ministério da Defesa para atender o Centrão, recebeu R$ 82 milhões a mais. O Calha Norte banca desde a pavimentação de ruas até a construção de casas mortuárias conforme o pedido de parlamentares.

Secretaria de Relações Institucionais, ministério que negocia as emendas com os parlamentares, afirmou que as modificações atendem às necessidades do governo, “considerando as solicitações de diversos órgãos executores das políticas federais, o atual estágio de execução do orçamento, visando otimizar a alocação de recursos considerando a capacidade de execução dos órgãos e, por fim, a decisões do Congresso.” A pasta não apresentou, no entanto, nenhum mecanismo para dar transparência a quem é atendido na hora desses pagamentos.

 

O Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional afirmou que as alterações orçamentárias são publicadas pelo Diário Oficial da União e respeitam os princípios da administração pública, inclusive o da publicidade e legalidade. “Os recursos serão utilizados para o apoio de projetos de desenvolvimento sustentável local”, disse a pasta após os questionamentos do Estadão. Assim como o Planalto, o órgão não apresentou nenhum mecanismo de transparência sobre os padrinhos do dinheiro. O Ministério das Cidades não comentou.

 

Especialista em contas públicas e fundador da organização Contas Abertas, Gil Castelo Branco lembra que verbas destinadas politicamente não seguem critérios que são exigidos de outras políticas públicas.

 

“É lamentável que os recursos sejam – cada vez mais – alocados por critérios meramente políticos, partidários e eleitoreiros, sem a observância de parâmetros técnicos, sócio-econômicos e de transparência. Via de regra, são destinações de má qualidade e sem prioridade, sob o ponto de vista do interesse público”, diz ele.

 

“O RP 9, o orçamento secreto, mudou de nome e de formato, mas a sua essência continua. São recursos bilionários para favorecer alguns parlamentares – os que atendem aos interesses das cúpulas do Executivo e do Legislativo – em detrimento de outros”, avalia ele.

 

Governo corta recurso do Seguro Rural após ministro priorizar o próprio Estado

 

O governo puniu o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (PSD), com um corte de R$ 45 milhões no orçamento do Seguro Rural, programa de forte interesse do agronegócio, setor que serve de base de apoio para Fávaro. A mudança afetou o programa que beneficia agricultores e que tiveram prejuízos com eventos climáticos, como chuvas e seca. O corte ocorreu mesmo após chuvas que causaram estragos em lavouras do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Paraná. Os agricultores e o próprio ministro pedem a restituição desse orçamento, mas o pedido está parado no Ministério do Planejamento.

 

O dinheiro do Seguro Rural foi direcionado para atender parlamentares com uma ação específica do ministério, de fomento ao setor agropecuário, usada para bancar obras em estradas rurais e compra de equipamentos agrícolas. Fávaro havia usado a herança do orçamento secreto para beneficiar Mato Grosso, seu reduto eleitoral, irritando parlamentares, especialmente aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). O Ministério da Agricultura não se posicionou sobre os motivos e os efeitos do remanejamento.

 

No Ministério da Saúde, o governo retirou R$ 400 milhões que bancariam a atenção primária e aumentou o orçamento da assistência hospitalar em R$ 715 milhões. A troca abre caminho para a pasta beneficiar a demanda dos parlamentares, pois é um módulo mais atrativo para os municípios. Até agosto, Alagoas, reduto de Arthur Lira, foi o Estado mais beneficiado pela herança do orçamento. Um dos hospitais que recebeu o dinheiro é administrado por uma prima do parlamentar. O ministério não comentou o caso.

Lula propõe e Congresso aprova mudanças para favorecer Centrão

 

Os remanejamentos foram feitos por meio de dois projetos enviados por Lula para o Congresso, além de movimentações internas que não dependem de aprovação formal do Legislativo. No dia 2 de agosto, o presidente enviou para o Legislativo dois projetos pedindo um reforço no orçamento de vários ministérios, incluindo Educação, Minas e Energia e Saúde. No dia 28, ele enviou uma mensagem alterando as propostas para tirar dinheiro do Seguro Rural, dos ministérios das Cidades e do Desenvolvimento Regional e aumentar as verbas de interesse do Centrão.

 

As propostas do governo foram aprovadas pelo Congresso e sancionadas por Lula em outubro. O Planalto enviou as alterações após ministros priorizarem seus próprios Estados ao distribuírem o espólio do orçamento secreto. Foi uma resposta para resolver a insatisfação do Centrão, que se revoltou contra o tratamento dado pelos ministérios para o dinheiro.

A mudança, além de abrir caminho para uma indicação política, diminui ainda mais a transparência. A herança do orçamento secreto estava “carimbada” com um código dentro dos ministérios - o chamado “A4″. Com esse código, era possível rastrear para onde ia o dinheiro. O nome do padrinho, porém ficava oculto.

 

Com o remanejamento, a emenda fica mais secreta, pois perde o “carimbo” e se mistura a outros recursos no caixa dos ministérios. Nos dois casos, o nome dos parlamentares permanece em segredo. O governo alega que o recurso, oficialmente, não é de emenda parlamentar, portanto, não precisa trazer o nome do deputado ou do senador. Nos bastidores, porém, o dinheiro é negociado com os políticos.

Governo acelerou verbas para Amapá depois de Alcolumbre marcar sabatinas de Flávio Dino e Gonet

Por André Shalders / O ESTADÃO DE SP

 

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) acelerou a liberação de verbas federais para o Estado do Amapá depois que o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) marcou as sabatinas de Paulo Gonet Branco e Flávio Dino na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), presidida pelo amapaense. Gonet e Dino são os indicados de Lula para a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o Supremo Tribunal Federal (STF), respectivamente.

 

Alcolumbre marcou as sabatinas no mesmo dia em que Lula anunciou as escolhas de Gonet e Dino para a PGR e o STF, na segunda-feira, 27 de novembro. Nos três dias seguintes, o governo liberou R$ 73,9 milhões de reais para o Amapá. Em um só dia, na quinta-feira, 30, o governo federal empenhou, isto é, reservou para pagamentos, R$ 55,4 milhões. É o quarto dia com mais empenhos federais para o Estado Norte em todo o ano de 2023 até esta quarta-feira, 6, última data disponível no sistema.

 

O montante diz respeito a verbas de custeio e investimento, excluídos os gastos com o pessoal federal que atua no Amapá. Dos R$ 73,9 milhões empenhados naquela terça, quarta e quinta, a maior parte (R$ 60,5 milhões) foi por meio de emendas parlamentares, principalmente de bancada (R$ 59,7 milhões). A maioria dos recursos será executada por ações do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional (MIDR), comandado por um aliado de Alcolumbre, o ex-governador amapaense Waldez Góes.

 

Esta não é a primeira vez que a liberação de investimentos federais para o Amapá coincide com o atendimento de pleitos do governo na Comissão de Constituição e Justiça, presidida por Alcolumbre. No dia 24 de outubro, o Estado do senador registrou o segundo maior volume de empenho de recursos da União este ano, R$ 61,8 milhões. O dinheiro veio dias depois de Alcolumbre anunciar a realização da sabatina de três nomes indicados por Lula para o Superior Tribunal de Justiça (STJ). A sabatina foi realizada no dia seguinte aos empenhos, em 25 de outubro.

 

Na ocasião, Lula escolheu os desembargadores José Afrânio Vilela (do TJ-MG) e Teodoro Santos (do TJ-CE), e a advogada Daniela Teixeira. As sabatinas do trio ficaram em suspenso durante quase três meses, aguardando a marcação da data por parte de Alcolumbre. A demora para marcar as sabatinas gerou insatisfação dos auxiliares de Lula à época, que atribuíram a lentidão a uma estratégia do senador para ganhar poder de negociação com o Executivo. Ao final, os três tiveram seus nomes confirmados pelo Senado e integram hoje o STJ.

 

Para a professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo, Élida Graziane, o episódio desta semana mostra a substituição das políticas públicas baseadas em evidências pela conveniência política. “A falta de clareza sobre as prioridades alocativas do governo pode ser didaticamente encontrada na velocidade e na intensidade da execução orçamentária das emendas parlamentares. A liberação maior de recursos para bases eleitorais de determinados parlamentares, às vésperas de votações importantes para o Executivo, revela o quanto o cumprimento do planejamento impessoal das políticas públicas é preterido para ceder espaço ao trato balcanizado do orçamento”, diz ela.

 

O problema se agravou nos últimos anos, diz Graziane, com grande parte dos investimentos federais submetida ao Congresso. “Com a cada vez menor margem fiscal para executar despesas primárias discricionárias, priorizar tais emendas paroquiais em detrimento do que havia sido planejado tende a comprometer a própria qualidade dos serviços públicos, na medida em que submete os cidadãos a um regime de favores e benesses, ao invés de direitos e regras universais”, diz ela.

 

“Isso, em qualquer país sério, seria um escândalo. Mas, no Brasil, infelizmente esse tipo de informação acaba sendo tratada como mera coincidência. O Amapá é o penúltimo Estado em população e está entre os Estados para os quais mais foram destinadas emendas do Orçamento neste ano. Não há qualquer critério técnico para justificar tal discrepância. Infelizmente vemos a Comissão de Constituição e Justiça do Senado sendo usada para a compra e apoio”, diz ao Estadão a deputada Adriana Ventura (Novo-SP). Como integrante da Comissão Mista de Orçamento, Ventura é uma das principais opositoras da expansão exagerada das emendas parlamentares nos últimos anos.

Dinheiro vai para asfaltamento, feiras livres e abatedouros

Quase metade do dinheiro empenhado para o Amapá, R$ 29,1 milhões, foi para obras de pavimentação nos municípios de Calçoene, Tartarugalzinho e na capital, Macapá. Mas há também dinheiro para a construção de mercados públicos (“feira do produtor”) e até um abatedouro de aves, além da compra de materiais didáticos e lanches para estudantes.

 

Emendas são modificações feitas por deputados e senadores ao Orçamento, usadas pelos políticos para enviar dinheiro para obras ou serviços nas localidades em que eles têm votos. Dos R$ 60,5 milhões empenhados em emendas parlamentares para o Amapá no fim de novembro, dois terços (R$ 40,2 milhões) foram por meio do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional (MIDR), comandado pelo ex-governador Waldez Góes, indicado por Alcolumbre.

 

Outros R$ 14,5 milhões foram aplicados por meio do Ministério do Turismo, de Celso Sabino – deputado licenciado do União Brasil do Pará, Sabino chegou à Esplanada como parte do esforço do governo para agradar o Centrão no Congresso, do qual ele faz parte.

 

A presteza de Alcolumbre em marcar as sabatinas favorece o governo, assim como a decisão do amapaense de realizar uma sessão conjunta para analisar ambos os nomes: na próxima quarta-feira, 13, a CCJ do Senado se reunirá para analisar os nomes de Gonet e Dino de uma só vez. Espera-se que o formato conjunto acabe amenizando as críticas a Flávio Dino, que é considerado um alvo preferencial por parte dos senadores de oposição.

 

Nesta quarta-feira (6), os senadores Jaques Wagner (PT-BA) e Weverton Rocha (PDT-MA) apresentaram na CCJ do Senado pareceres favoráveis às indicações de Gonet e Dino, respectivamente. Davi Alcolumbre foi procurado pela reportagem do Estadão por meio de sua assessoria, mas disse que não iria comentar. Responsável pela articulação política do governo, o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) também foi procurado, mas decidiu não comentar.

CCJ chegou a ficar um mês parada sob Alcolumbre

Usar a análise das indicações na CCJ como instrumento de pressão não é exatamente uma novidade para o ex-presidente do Senado. Em 2021, no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Alcolumbre travou durante meses a análise da indicação do então advogado-geral da União, André Mendonça, para uma vaga no STF – ele preferia a nomeação do então procurador-geral da República, Augusto Aras, para a vaga. Mendonça acabou aguardando mais de quatro meses para ver sua indicação analisada, e a CCJ do Senado chegou a ficar um mês sem funcionar.

 

A situação só foi revertida após forte pressão de líderes evangélicos, que resultaram na perda de apoio do ex-presidente do Senado dentro da Casa. Sob Bolsonaro, Alcolumbre também represou a análise das indicações para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), gerando um acúmulo de trabalho no órgão.

A visão atrasada de Lula sobre o BNDES

Por Notas & Informações / o estadão de sp

O presidente Lula da Silva tem um entendimento muito particular sobre a economia brasileira. Na avaliação dele, enquanto o Tesouro Nacional teria entre R$ 1 trilhão e R$ 2 trilhões guardados, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) estaria “comendo pão seco sem mortadela”.

 

É interessante como Lula desconsidera não só as experiências passadas em seu terceiro mandato, mas também a própria realidade. Para ele, há um problema – o BNDES estaria sem dinheiro – e há uma solução – o Tesouro Nacional tem dinheiro de sobra para gastar. Mas nem uma coisa nem outra é verdade, e quem diz isso são os números oficiais da instituição financeira.

 

Os resultados mais recentes do BNDES, relativos ao terceiro trimestre do ano, apontam para números robustos, muito distantes da penúria descrita pelo presidente Lula. Até setembro, as consultas haviam subido 94%, para quase R$ 200 bilhões; e as contratações, 43%, para R$ 94,2 bilhões. Os desembolsos aumentaram 20%, para R$ 75,4 bilhões; desse total, R$ 61,5 bilhões foram financiados a taxas de mercado, e a maior parte com recursos próprios.

 

A carteira de crédito do BNDES, por sua vez, atingiu R$ 495,2 bilhões, a maior desde o primeiro trimestre de 2019. Para chegar a esse tamanho, o BNDES contou com muita ajuda do Tesouro Nacional. Entre 2008 e 2014, o Tesouro emprestou R$ 440,8 bilhões à instituição financeira.

 

Sob o pretexto de conter os efeitos da crise financeira mundial, criou-se um orçamento paralelo, por meio do qual o banco cobrava juros artificialmente baixos para financiar grandes obras de infraestrutura e empresas que se tornariam “campeãs nacionais” – todas escolhidas a dedo pelo governo. Era, na verdade, uma forma de usar o banco para financiar políticas públicas que o Orçamento-Geral da União não tinha condições de arcar.

 

Em termos de crescimento econômico, os retornos dessa política foram questionáveis, enquanto seus custos foram muito reais. É o que explica, em parte, a impressionante evolução da dívida bruta do governo, que saiu de 51,3% em 2011 para os atuais 74,7% do Produto Interno Bruto (PIB).

 

No governo Michel Temer, o banco finalmente adotou taxas mais compatíveis com a realidade do mercado. Além disso, reduziu sua participação e exposição ao risco no financiamento de obras de infraestrutura e retomou um papel fundamental no apoio e na estruturação desses projetos, sem os quais muitas das privatizações e concessões de infraestrutura não teriam sido possíveis, especialmente na área de saneamento. Passou, também, a pagar os empréstimos que havia tomado do Tesouro e devolveu um total de R$ 689 bilhões até agora.

 

Ainda faltava uma última parcela, de R$ 22,6 bilhões, que deveria ter sido quitada no fim de novembro. Mas o BNDES negociou um novo prazo com o Tesouro para pagar o restante até 2030, já avalizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Sem o acordo, a liquidez do banco estaria comprometida, e os desembolsos teriam de ser interrompidos, algo que seria absolutamente indesejável.

 

Aparentemente, não está nos planos do BNDES retomar o gigantismo artificial que já teve no passado recente. Segundo o diretor de Planejamento e Estruturação de Projetos do banco, Nelson Barbosa, a ideia é que os desembolsos do banco saiam do atual 1,1% para 2% do PIB até 2026 – bem menos que os 4,3% de 2009.

 

É uma visão mais realista sobre o papel do banco na economia e sobre os limites de sua atuação. Não cabe ao BNDES assumir uma posição de protagonismo no mercado de capitais, privilegiar segmentos ou determinados grupos econômicos e financiar obras faraônicas sem considerar o risco dessas operações.

 

O processo de reorganização pelo qual o BNDES passou nos últimos anos tem garantido seu sucesso. Voltou a dar lucro, reduziu a inadimplência e hoje tem todas as condições de bancar suas operações com recursos próprios e taxas de mercado. A concepção que Lula tem do BNDES é atrasada, equivocada e custou muito caro ao País – e, sobretudo, desnecessária diante dos resultados financeiros do banco e da situação fiscal.

BNDES promete R$ 15 bi para 'PAC da Integração' da América do Sul

Nicola PamplonaCamila Zarur / FOLHA DE SP

 

 

A reunião da Cúpula do Mercosul no Rio de Janeiro terminou com anúncio da criação de um fundo de R$ 50 bilhões para investimentos em integração logística entre os países da América do Sul.

BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) se comprometeu com R$ 15 bilhões.

Os recursos serão destinados a cinco rotas de integração propostas pelo Brasil após conversas com países vizinhos.

Quatro delas ligarão regiões brasileiras produtoras de grãos a portos no Pacífico. A quinta liga estados da região Norte a Venezuela e Guiana, que hoje vivem uma crise diplomática.

A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, chamou o projeto de PAC da Integração, em referência ao Programa de Aceleração do Crescimento do governo federal. Disse que, do lado brasileiro, todas as obras já têm recursos assegurados.

"Não tenho dúvida que das maiores riquezas que podemos ter na América do Sul é nossa convivência pacifica e nossa identidade", afirmou. "Passou da hora de fazermos a verdadeira integração regional da América do Sul."

 

MERCDNTE LULA E DILMA

O projeto envolve, além do BNDES, o CAF (Banco de Desenvolvimento da América Latina e do Caribe), o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e o Banco de Desenvolvimento Fonplata (Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Plata).

BNDES, CAF e BID se comprometeram a aportar R$ 15 bilhões, cada. O Fonplata prometeu R$ 3 bilhões, mas pretende chegar a R$ 5 bilhões.

O presidente do banco brasileiro, Aloizio Mercadante, disse que o grupo vai buscar novos financiadores.

Mercadante destacou que o volume de exportações do Brasil para a América do Sul é superior ao de vendas para os Estados Unidos.

"Faz todo o sentido o Brasil desempenhar um grande esforço histórico para impulsionar a integração."

Em nota, o Ministério do Planejamento disse que o programa oferecerá apoio tanto por meio da disponibilidade de linhas de financiamento como por meio da estruturação de projetos.

A iniciativa também poderá promover o financiamento de projetos de integração nas áreas social, ambiental e institucional.

Datafolha: Lula é aprovado por 38% e reprovado por 30% em cenário estável após 11 meses

Igor Gielow / FOLHA DE SP

 

 

Na reta final de seu primeiro ano de mandato, o presidente Lula (PT) manteve sua avaliação estável. O petista fecha 2023 com 38% de aprovação dos brasileiros, enquanto 30% consideram seu trabalho regular, e o mesmo número, ruim ou péssimo.

Os dados são da quarta rodada de pesquisa do Datafolha sobre a popularidade do presidente, que ouviu 2.004 eleitores em 135 cidades do Brasil na terça (5). A margem de erro média é dois pontos para mais ou para menos.

Os números se mostraram praticamente imutáveis ao longo das quatro aferições ao longo do mandato. A única variação expressiva ocorreu entre junho e setembro, quando a reprovação subiu de 27% para 31%, ainda assim nada que caracterizasse um tombo.

O perfil da aprovação presidencial é bem homogêneo, com as nuances seguindo as linhas básicas da campanha eleitoral: é mais bem avaliado entre nordestinos (48%, num grupo que representa 26% da amostra) e quem tem menos escolaridade (50% nesses 28% dos ouvidos).

Na mesma linha, sua reprovação sobe a 39% entre os 22% com curso superior e os 15% que moram no Sul. O maior índice é visto nos 4% mais ricos: 47% dessas pessoas que ganham mais de 10 salários mínimos mensais veem Lula como ruim ou péssimo.

Apesar de algumas iniciativas de aproximação, o petista não teve sucesso em ganhar o coração evangélico, grupo de 28% do eleitorado muito influente politicamente, geralmente associado ao bolsonarismo. Nele, sua reprovação é de 38%, ante 28% registrados entre católicos (52% da população ouvida).

Um grupo que se destaca é o dos mais jovens, que forma 15% do eleitorado, no qual Lula atinge a maior taxa de avaliação regular (40%) —um sinal de que a política tradicional adotada pelo petista pode ter apaziguado os ânimos após os turbulentos anos de Jair Bolsonaro (PL, 2019-2022) e a apoplexia golpista do 8 de janeiro, mas talvez não tenha grande apelo no eleitorado futuro.

O entorno presidencial pode comemorar tal estabilidade em meio a um ano arrastado na política, com decisões longamente proteladas, como a escolha dos novos titulares do STF (Supremo Tribunal Federal) e da PGR (Procuradoria-Geral da República), e constantes atritos com o centrão de sua base parlamentar.

A gestão Lula também foi marcada até aqui pela falta de novas marcas, tendo reciclado com maior ou menor grau de repaginação diversos programas de seus mandatos anteriores, como o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e o Bolsa Família.

Esse marasmo se reflete na avaliação crescente e majoritária de que Lula fez menos do que o esperado neste primeiro ano.

O Datafolha aferiu em março 51% dos eleitores dizendo isso; são 57% agora. Já aqueles que acham que ele superou expectativas oscilaram de 18% para 16%, assim como os que dizem que ele fez o esperado (25% para 24%).

No cenário internacional, aposta de destaque do presidente após o ostracismo proposital da gestão Bolsonaro, o desempenho de Lula acabou sendo marcado por contradições e vaivéns, como na questão da Guerra da Ucrânia, na relação com os Estados Unidos e Europa ou na agenda ambiental ambígua.

Assim, o bom resultado relativo pode ser debitado da economia, que deverá ter um crescimento acima do esperado, de 2,5% do PIB (Produto Interno Bruto) e, mais importante, registra inflação estável e as menores taxas de desemprego desde 2014. Isso, em política, é popularidade na veia.

O país fechou os três primeiros trimestres do ano com 7,6% de desemprego, e com 100,2 milhões de pessoas com alguma atividade remunerada.

Lula voltou ao governo para um inédito terceiro mandato após ter liderado o Brasil de 2003 a 2010. Tal condição, como os números mostram, lhe tirou o frescor de novidade política e o levou a não repetir o desempenho de seu primeiro mandato: no fim de 2003, ele tinha 42% de ótimo/bom, 41% de regular e 15%, de ruim/péssimo.

Números semelhantes tinha Fernando Henrique Cardoso (PSDB) ao fechar 1995, enquanto Dilma Rousseff (PT) marcava 59% de aprovação, 33% de regular e 6%, de reprovação em 2011. Em relação a eleitos pela primeira vez à mesma altura do mandato, Lula supera bem Fernando Collor (PRN), que em 1991 tinha só 23% de ótimo/bom, 40% de regular e 34% de ruim/péssimo.

Já na comparação direta com Bolsonaro, que segue sendo seu maior opositor político até pela conveniência que a polarização traz ao petista, Lula se sai melhor. No fim de seu primeiro ano, quando não havia começado o período mais agudo da gestão, o então presidente tinha 30% de aprovação, 32% de avaliação regular e 36% de ruim/péssimo.

Os dados são fotografias, por óbvio. FHC e Dilma foram reeleitos, mas a sucessora de Lula acabou sofrendo impeachment em 2016, assim como Collor renunciou em 1992 para evitar o mesmo destino. E o criticado Bolsonaro quase venceu Lula no ano passado, perdendo o segundo turno por apenas 1,8 ponto percentual.

 

 

 

Nova lei das PMs, que uniu bancada da bala e PT, é pior que decreto da ditadura

recém-aprovada Lei Orgânica das Polícias Militares é resultado de uma articulação particular entre o bolsonarismo raiz e o governo petista, que patrocinou sua tramitação no Senado e se recusou a ampliar o debate junto à sociedade civil. Autores argumentam que a proposta é ainda mais autoritária que o decreto-lei sobre o tema editado pelo regime militar depois do AI-5 por concretizar o avanço de uma hipermilitarização que libera as polícias de controles indispensáveis em uma democracia.

A Lei Orgânica das Polícias Militares (LOPM), que aguarda sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), é tratada por seus defensores como uma atualização da legislação vigente para que as PMs se adequem ao regime democrático. O que está em curso, no entanto, é justamente o oposto. Seguramente, a proposta não está sendo debatida como deveria. Talvez não esteja mesmo sendo notada.

O projeto foi aprovado na Câmara em dezembro de 2022, com relatoria do deputado bolsonarista Capitão Augusto (PL-SP) e apoio da bancada da bala. Encaminhado ao Senado, ganhou prioridade em um acordo de bancadas e contou com atuação favorável do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, indicado ao STF (Supremo Tribunal Federal). O senador Fabiano Contarato (PT-ES) se tornou relator do projeto, e o texto foi aprovado sem debate, por acordo de líderes

Entidades da sociedade civil tentaram fazer com que o tema fosse discutido no Senado, mas todos os esforços nesse sentido foram rechaçados pelo governo. Uma união sui generis entre o bolsonarismo raiz e o governo atual, portanto, fizeram a lei caminhar.

A nova lei orgânica guarda o espírito —e muitos trechos literais— de nada menos que o decreto-lei 667, de 1969, a norma editada para transformar a ação das polícias militares em polícias políticas logo depois do AI-5. Agora sob uma fachada democrática e sem nenhuma oposição, porque patrocinada por um governo que seria progressista, a lei mimetiza a organização policial do período mais pesado da repressão militar.

O projeto de lei aprovado no Congresso determina que as PMs responderão como força auxiliar do Exército e prescinde das secretarias estaduais de Segurança Pública, além de fazer desaparecer a autonomia das ouvidorias. Na prática, as PMs passam a ser muito mais autônomas politicamente.

Livres de controle, interno ou externo, as PMs poderão, por exemplo, "produzir, difundir, planejar, orientar, coordenar, supervisionar e executar ações de inteligência e contrainteligência" (artigo 5º, inciso XI), o que permitiria criar órgãos semelhantes ao Dops (Departamento de Ordem Política e Social) e marchar sobre as competências atuais das polícias civis e da Polícia Federal.

Os problemas da LOPM são muito mais numerosos. É sabido que, em 1969, o decreto-lei 667 foi editado para que as polícias atuassem como auxiliares diretos da função político-militar de guerra contra inimigos internos do regime. Se sancionada, a nova lei orgânica permitirá que as PMs façam o mesmo sob a justificativa de guerra ao crime —aos criminalizados, sejam eles quem forem.

Há coincidências assustadoras entre a LOPM e o decreto-lei 667. Os detalhes de redação são ardilosos: a norma da ditadura passou por uma espécie de harmonização facial para ganhar uma aparência mais jovem, uma "cara de democracia". A redação da nova lei finge eliminar dispositivos do decreto original, mas reproduz seus conteúdos à risca.

Além disso, o texto revoga farsescamente alguns trechos explicitamente polêmicos do decreto 667 para, em seguida, reinseri-los na LOPM com uma redação mais vaga e contemporânea. "Evitemos a resistência", devem ter pensado seus formuladores.

Vejamos algumas "novidades" da LOPM:

a) a atuação da PM como "força auxiliar e reserva do Exército", que constava no artigo 1º do decreto-lei 667, foi revogada, mas retornou fielmente no artigo 2º da nova lei;

b) a manutenção da Inspetoria Geral das Polícias Militares, comandada por general de brigada da ativa que constava no artigo 2º da norma da ditadura voltou à LOPM em seu artigo 28;

c) a estruturação interna das PMs (órgãos de direção, de execução e de apoio), que constava no artigo 5º do decreto-lei de 1969, retornou à LOPM em seu artigo 7º;

d) a organização da hierarquia das PMs, de coronel a soldado, que constava no artigo 8º, revogado, voltou à nova lei em seu artigo 12; uma hierarquia idêntica à do Exército foi, dessa forma, reproduzida na estrutura das PMs.

Há também pontos que não foram nem disfarçados nesse procedimento estético. No artigo 3º do decreto-lei 667, constava que as PMs serviriam para a manutenção da ordem pública e segurança interna. Na LOPM, a palavra manutenção é substituída por preservação, enquanto segurança interna é substituída por segurança pública (artigo 2º), além do policiamento ostensivo.

Ora, não existe compatibilidade entre o papel de polícia em uma democracia e em um regime militar. Essa incompatibilidade, no entanto, não será sequer notada pelo público. A militarização política da polícia repete, agora como farsa, a tragédia da ditadura.

Outros pontos da LOPM merecem destaque: o artigo 2º define as PMs como instituições militares permanentes, organizadas com base na hierarquia e disciplina militares. O adjetivo militar é enfatizado.

No que se refere às diretrizes da organização (artigo 4º), se preveem cooperação e compartilhamento recíproco de experiências entre os órgãos da segurança pública (inciso IX), instituição de bases de dados online e unificadas por estado da federação (inciso XII) e compartilhamento de seus bancos de dados e demais sistemas de informação (inciso XVII).

Se desejáveis do ponto de vista técnico, essas diretrizes desafiam o federalismo e criam um problema enorme. Quem coordenará e controlará a decisão dessas polícias? Não há menção ao Ministério da Justiça. As polícias controlam a si mesmas ou o Exército as controla.

Em relação à competência das PMs (artigo 5º), se nota uma enorme expansão do militarismo policial sobre as competências de outros órgãos e áreas do Estado. Por exemplo, sobre o ensino e a pesquisa: "Recrutar, selecionar, formar seus membros militares e desenvolver as atividades de ensino, extensão e pesquisa [...] por meio do seu sistema de ensino militar" (inciso XIV).

O atual sistema de ensino das PMs e das Forças Armadas está fora do alcance da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). A LOPM prevê que "o Poder Executivo federal editará decreto com a definição de parâmetros mínimos para [...] os cursos de formação, habilitação e aperfeiçoamento", que conterão "as disciplinas de direitos humanos e polícia comunitária" (artigo 34).

Não se menciona quem editará o decreto ou quem realizará o acompanhamento e a avaliação do que for implantado. Serão as próprias PMs por meio do "seu" sistema de ensino?

A LOPM reforça o caráter exclusivista e excludente do ensino das polícias: as competências do MEC ficam para o resto do mundo educacional e de pesquisa, enquanto as PMs têm autonomia para ensinar e pesquisar o que quiserem. Liberdade acadêmica para as polícias, talvez nenhuma para os pesquisadores das universidades, chamados de pseudo-especialistas.

Em relação à segurança de trânsito, a nova lei inclui entre as atribuições das PMs "exercer, por meio de delegação ou convênio, outras atribuições para prevenir e reprimir atos relacionados com a segurança pública" (artigo 5º, inciso VI). O que isso significa? Interdição de vias? Autorização para a realização de eventos em vias públicas? A redação é vaga, permitindo que arbitrariedades políticas encontrem amparo legal.

No que diz respeito à fiscalização ambiental, a LOPM inclui as competências de "exercer, por meio de delegação ou convênio, outras atribuições na prevenção e na repressão de atividades lesivas ao meio ambiente" (artigo 5º, inciso VIII) e de aplicar sanções (inciso VII). As PMs poderão julgar recursos ambientais além de lavrar autos de infração ambiental? Poderão conduzir o licenciamento ambiental? Quem controlará essas atividades?

Nas entrelinhas, a ideia é que ninguém controle, mesmo porque não são previstas transparência e prestação de contas à sociedade.

Em relação à realização de eventos e atividades em locais públicos, a lei prevê que caberá às PMs emitir manifestação técnica sobre a realização de atos (artigo 5º, inciso XVI). As corporações poderão proibir a realização de manifestações ou protestos em vias públicas? Poderão proibir a realização de determinadas manifestações culturais? Infelizmente, parece que sim. Temos presenciado a criminalização do funk e do hip hop, por exemplo, há anos. Com a sanção da lei, haverá amparo legal para isso.

A falta de transparência das polícias ganha legalidade na nova lei, que autoriza a subordinação direta das ouvidorias aos comandantes-gerais das PMs (art. 10, parágrafo 8º). Norberto Bobbio definiu a democracia como o governo do poder público em público, em que a transparência é a regra. Esse dispositivo da LOPM é o oposto disso e cria um risco grave para a democracia.

O artigo 7º, por sua vez, estabelece a subordinação direta das PMs aos governadores. Abre-se a possibilidade de não haver mais uma Secretaria de Segurança Pública e, com isso, a eliminação de mais uma instância de controle e o agravamento da relação com as polícias civis.

Em relação ao efetivo das corporações, a LOPM restringe a participação de mulheres ao estabelecer cota de 20% de vagas em concurso públicos e não faz menção à comunidade LGBTQIA+. Ao reforçar que as PMs são integradas por membros militares (artigo 11), a lei exacerba mais uma vez o militarismo.

Estamos diante de um hipermilitarismo que combate os esforços civis para democratizar a segurança pública, reforçando a rota que nos trouxe à tragédia atual da segurança pública brasileira.

Depois de estudar seu conteúdo, fica nítido que a LOPM vai além do decreto-lei do regime militar. A hipermilitarização das corporações tem intenções políticas bastante evidentes: a autonomização das PMs de qualquer controle civil ou democrático, deixando aberta a possibilidade de sua utilização política nos estados e na União. Como uma lei aprovada em tempos de democracia pode ser ainda mais autoritária que uma norma editada no auge repressivo da ditadura?

Se a lei não é boa para a sociedade, tampouco é boa para os policiais. Pesquisas sobre a incidência de suicídio entre policiais revelam que seu adoecimento psíquico pode ser decorrente mais de fatores organizacionais que de fatores operacionais. Por exemplo, protocolos baseados em uma cultura autoritária e concentração da tomada de decisão, típica de uma estrutura militarizada, com menor reconhecimento e valorização do policial.

O treinamento de policiais voltado não para servir a população, mas para combatê-la, abre espaço para que superiores tomem decisões arbitrárias ao avaliar seus subordinados, determinem escalas de trabalho excessivas e imponham relações interpessoais abusivas. A hipermilitarização, impulsionada pela LOPM, se insere em uma realidade laboral precária e pode se tornar um fator preditivo de suicídio entre policiais, fenômeno que vem se agravando.

Apesar disso, a lei foi aprovada nas duas casas do Congresso por votação simbólica, em acordo de líderes. Na Câmara, o Partido Novo foi o único que votou contra o projeto, possivelmente só para marcar sua oposição ao governo.

Testemunhamos esforços de entidades da sociedade civil junto ao governo Lula, alertando para os riscos presentes no projeto e pedindo mais diálogo e transparência no processo legislativo. O Executivo se recusou a promover esse debate.

Como explicar que parlamentares ditos progressistas e o atual governo federal, igualmente dito progressista, tenham apoiado incondicionalmente esse projeto, que evidentemente tem todos os traços da extrema direita? Uma barganha para a aprovação de outras pautas, consideradas mais relevantes para o governo, parece ser a resposta.

A LOPM é antidemocrática e autonomiza e politiza as PMs, enquanto finge fazer o oposto, e exacerba a hipermilitarização, reduzindo sensivelmente a transparência e o efetivo controle da sociedade e, sobretudo, dos governos eleitos sobre os grupos armados estatais.

Além disso, amplia os limites da atuação das PMs, que poderão se sobrepor às competências de outros órgãos do Estado, em um evidente avanço da militarização estatal, inclusive em atividades de educação e pesquisa. A nova lei aponta para o avanço da precarização da investigação policial, já que as PMs poderão avançar sobre as prerrogativas das polícias civis e federal.

Se sancionada por Lula, como indica que será, a LOPM semeará a criação de um Estado policial e militarizado que terá amparo legal para esgarçar ainda mais a nossa já combalida democracia.

 

Adilson Paes de Souza

Doutor em psicologia escolar e do desenvolvimento humano e pós-doutorando em psicologia social pela USP

Gabriel Feltran

Professor titular da Sciences Po (Instituto de Estudos Políticos de Paris) e diretor de pesquisa no CNRS (Centro Nacional da Pesquisa Científica da França). Autor, entre outros livros, de "Stolen Cars: a Journey Through São Paulo's Urban Conflict"

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